quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Quem é você, Anita?

No capítulo anterior:

“Senti uma dor incrível e automaticamente levei a mão à cabeça. A água ao meu redor ficou vermelha. Desesperada, tentei voltar à superfície, mas meu corpo simplesmente não obedecia. Senti meus pulmões sem ar, e o gosto de sangue tomar minha boca enquanto afundava mais e mais. Era estranho, mas a única coisa que me veio à cabeça foi a pergunta que o Luan me fez: Afinal, quem eu era de verdade? Naquele momento, senti como se parte cada de mim estivesse em conflito e o resultado dessa guerra era a escuridão total e o frio da água tomando conta de tudo.”

Ponto de vista do Luan

- Anitaaaa! – Gritei como um louco, o medo tomando conta de mim. Eu não sabia como, mas a Divinha e o Faísca haviam fugido do canil e vindo correndo em direção ao jardim como um trem desgovernado. Ao ver a dona, a nossa cadela pulou com tudo nas costas dela, fazendo a Ní perder o equilíbrio, bater a cabeça na borda da piscina e cair dentro da água com tudo.

Assim que me aproximei e vi a água tingida de vermelho, eu não perdi tempo. Mergulhei e a trouxe de volta à superfície. Ela estava desmaiada e coberta de sangue que brotava de um corte na testa.

Coloquei seu corpo na beirada da piscina e fiquei olhando para ela completamente desesperado. Eu queria acordá-la, queria abraçá-la e aquecê-la da água gelada, queria protegê-la de qualquer jeito, mas não conseguia. Parecia que meu coração estava sangrando junto com ela, ou que minha mente também estava desmaiada. Ao longe eu ouvia o grito e os comentários dos convidados, e via o movimento das pessoas, mas nada era capaz de me tirar daquele estado de torpor. 

- Papai, papai, o que aconteceu com a mamusca? – a Nicole correu em minha direção, jogando os braços ao redor do meu pescoço, as lágrimas caindo pelo rosto. Ali do lado, a Divinha me encarava com cara de “a culpa não foi a minha”, como se quisesse se desculpar pelo acidente.

- Ela caiu e se machucou, Nica. Mas não é nada demais, a gente vai cuidar de tudo e ela vai ficar boa logo – minha filha me puxou de volta para a realidade. Não era hora para vacilar. Eu precisava ser forte e cumprir o meu papel de pai e de marido. Usando forças que eu nem sabia que tinha, saí da piscina e a peguei no colo, segurando-a firme entre meus braços.

Nessa hora, a Rafa apareceu ao meu lado com algumas toalhas para estancar o sangramento. O Neymar também veio ao nosso auxílio, batendo no rosto da Anita na tentativa de acordá-la enquanto o André gritava a plenos pulmões “a curica está DES-MAI-A-DA! CHAMEM O SAMU!”

Graça a Deus, um dos convidados da festa era médico e veio nos ajudar – Os sinais vitais estão bons e não há fraturas. O corte é superficial, mas vai precisar levar alguns pontos. Acho melhor levá-la para dentro, assim ela vai ficar mais protegida e não vai chamar atenção das pessoas – o doutor deu as ordens depois de cutucar minha esposa em um monte de lugares enquanto a examinava.

- Tá certo, vamos fazer isso – disse – Neymar e André, vocês podem cuidar dos convidados? Avisar que a Anita está bem mas que precisa repousar e dar um jeito de tocar esse povo daqui? – Pedi.

- Opa! Deixa comigo, parça! – o jogador disse, solícito.

- A-DO-RO expulsar pessoas! Vou botar esse bando de curicas pra correr! – André se empolgou com a missão.

- Nica, vou precisar que você fique com a tia Malú, por enquanto – pedi, colocando minha filha no chão. Depois acenei para que a Maria Luiza se aproximasse de mim.

- Mas eu quero ficar com a mamusca! Ela precisa de mim! – a Nica respondeu, demonstrando que teimosia era algo de família.

- Claro que ela vai precisar, meu amor. Então vamos combinar o seguinte: você vai fazer um desenho bem bonito. Aí, quando a mamãe acordar, você vai entregar para ela. Pensa em como ela vai ficar feliz com a surpresa! Vai até se recuperar mais rápido desse tombo – precisei improvisar.

- Verdade, papai! Vai ser o máximo! Vou fazer um desenho bem bonito – ela concordou com um sorriso no rosto.

- Então vem, Nick! Eu vou te ajudar a fazer algo bem bacana para a sua mãe! – a Maria disse, segurando a mão da Nica e levando-a para longe.

Depois de ter garantido que minha filha ficaria protegida daquela bagunça, pelo menos até que a situação estivesse mais controlada, levei a minha esposa para dentro com a ajuda da Rafa e do David. Para não dar chance ao azar, o Marreco tratou de dar um jeito de ficar por perto e garantir presença.

Enquanto entrávamos na Toca e subíamos as escadas, eu cheguei a três conclusões: 1 – a Rafinha tinha um ímã para jogadores de futebol; 2 – como atacante, o Pato havia perdido uma grande chance de marcar um gol 3 – O David era um zagueiro e tanto. O cara sabia como fazer marcação pesada no que queria... 

Levamos a Ní para o nosso quarto, e esperamos que o doutor chegasse com o equipamento para a sutura. Enquanto ele cuidava dos ferimentos da minha esposa, fiquei andando de um lado para o outro do quarto, o coração disparado, tentando controlar a minha ansiedade. Naquele momento uma guerra interna acontecia: uma parte de mim queria sentar e chorar feito uma criança, mas havia outra parte que lutava para se manter em pé e firme. A Anita precisava de mim e era minha responsabilidade cuidar dela.

 Quem também estava de plantão no pé da cama era a Divinha. A cadela sentou ao lado da dona e passou a montar guarda ali, como se estivesse a protegendo. A devoção da nossa mascote fez com que a raiva que eu estava sentindo dela diminuísse um pouco. Apesar de destrambelhada, ela também sabia ser amorosa e carinhosa.

- Esse me parece um caso muito mais psicológico do que físico. Não sou especialista nessa área, mas sei que em algumas situações traumáticas alguns dos nossos medos ou problemas interiores costumam vir à tona. É como se a mente dela estivesse fragmentada, mas, de alguma maneira, ainda estivesse conectada. O acidente fez com que essas partes se soltassem, e agora ela não sabe como juntá-las, compreende? 

- Não, doutor. Não entendi nada do que “cê’ falou – fui sincero. Aquela história tinha dado um nó danado na minha cabeça. Como assim havia pedaços que não estavam mais conectados? Isso queria dizer que precisaríamos de super bonder para consertar a Ní?

- Como disse, não sou especialista na área. Mas todo estado de choque tem a ver com algum trauma que precisa ser trabalhado no eu interior do paciente – o médico completou.

Eu estava prestes a perguntar que "trem" de eu interior era aquele, quando de repente a Anita acordou, dando um berro capaz de ensurdecer qualquer pessoa. Com um movimento rápido, ela pulou da cama e se encolheu contra a parede com uma expressão de medo em seu rosto.

- Ní, está tudo bem com você? – perguntei, preocupado.

- Quem são vocês? – Ela sussurrou com a voz baixa e carregada de medo.

- Como assim quem somos nós? – Repeti com o coração pequeno dentro do peito. Ver a Ní daquele jeito, tão indefesa e perdida me fez lembrar do dia que a conheci. Na primeira vez que vi a Anita pessoalmente, quando nos encontramos no reality e ela estava sofrendo pelo Murilo, eu senti uma vontade enorme de protegê-la, de mostrar que a vida era muito melhor e abençoada. Aquele mesmo sentimento vibrava dentro de mim naquele momento. Não importava quanto tempo passasse ou quanto as coisas mudassem, minha Granfina sempre precisaria ser protegida. Só que dessa vez a Anita tinha se superado! Minha esposa alcançara todos os limites possíveis da zica. Tanto que eu olhava para ela e e só conseguia pensar em uma coisa: foi pro pau!

- Any, gata garota, sou eu, a Rafa! A sua empresária-barra-amiga-barra-conselheira-barra-estilista-barra-tantas outras coisas – a loira percebeu que eu estava sem saber como agir e veio em meu auxílio – E esse é o Luan, o seu caipira-barra-marido-barra-amor perfeito. Somos sua família... você não lembra? – a empresária apontou para cada pessoa com um sorriso acolhedor no rosto, como se quisesse dizer que ela não precisava ter medo.

A Ní parou e nos encarou por um momento, como se estivesse se esforçando para lembrar – Não faço ideia de quem são vocês e de onde é esse lugar – ela disse por fim – Olha, se vocês estão tentando me sequestrar, já vou logo avisando: minha família tem contatos. Vocês não sairão impunes dessa! E outra coisa, eu estou estudando para ser juíza, portanto sei direitinho quais são os crimes pelos quais vocês serão condenados. Querem que eu faça uma lista? – ela completou, agora com a voz mais agressiva. Não era nem sombra da garota que eu conhecia.

- Ihh.... Deu ruim para a moça! – o David sussurrou baixinho, levando a mão à cabeça.

- Estudando para juíza? – a Rafa questionou com uma cara de quem está muito preocupada – Anita, faz tanto tempo que você não fala disso... Acho que a última vez que tocou no assunto foi quando começou a fazer aulas de teatro. Foi logo que você voltou para o Brasil, devia ter uns 11 anos. Sei porque seu irmão me contou que antes de decidir ser atriz você queria seguir a carreira jurídica – a empresária falava com muita calma, como se estivesse medindo o terreno, avaliando a situação.

- Atriz? Eu? Vocês estão malucos! – ela balançava a cabeça, como se aquela hipótese não fizesse sentido algum – E eu seu bem o que vocês estão tentando fazer: querem me confundir, se fazer de meus amigos, para eu gostar de vocês e não querer denunciá-los por causa do sequestro. Mas eu não vou cair nessa! Ou vocês me deixam sair, ou eu vou gritar!

- Paxão, calma! As coisas não são assim... – Tentei acalmá-la, mas devo ter piorado tudo porque ela realmente começou a gritar como uma louca.

- SOCORRO! ALGUÉM CHAMA A POLÍCIA! FUI SEQUESTRADA! SOCORROOOO! ALGUÉM ME AJUDA, POR FAVOR! TEM UM BANDO DE LOUCOS AQUI QUE EU NÃO CONHEÇO!

O quarto virou um trupé danado. Anita gritava e corria, tentando fugir enquanto eu e todas as pessoas presentes no cômodo tentávamos acalmá-la e a Divinha latia feito uma maluca. Quanto mais tentávamos mostrar que éramos do bem, mais ela se desesperava, gritava e pedia por socorro. 

Bem, em defesa da minha esposa, ficava difícil acreditar nas pessoas quando você não as conhecia e, principalmente, quando elas estavam vestidas como piratas, sereias, e o mais estranho de tudo: Bob Esponja!

Por fim, a única solução foi pegá-la a força e aplicar um sedativo para que voltasse a dormir. O efeito foi imediato e em pouco tempo a situação já estava novamente sobre controle.

- É exatamente como eu previ – o médico anunciou depois que deixamos o quarto – O acidente gerou uma situação traumática para sua esposa, fazendo com que ela perdesse a identidade.

- E agora? Como vamos ajudá-la? Que remédio eu preciso comprar para que ela volte ao normal? Qual profissional podemos contratar? – eu estava disposto a ir até o fim do mundo para buscar uma solução. Eu faria qualquer coisa, mas precisava ter a minha Ní de volta.

- Infelizmente, não há muito o que nós podemos fazer. A solução para o problema está dentro da sua esposa. A única maneira de ajudá-la é fazer com que ela encontre as respostas que procura - o doutor me respondeu com a voz calma.

- Peraê, você está querendo me dizer que não há uma cura, um tratamento, uma saída para o problema da Anita? – Comecei a ficar muito, mas muito bravo mesmo.

- Já disse, a saída está dentro dela. Vocês só podem ajudá-la a encontrar esse caminho – ele repetiu dando de ombros, como se não soubesse mais como ajudar - Posso encaminhá-la para um hospital psiquiátrico, mas acredito que vocês não querem chamar a atenção dos fãs...

A raiva que senti naquele momento era tanta que fui até a parede mais próxima e comecei a dar socos, tentando descontar minha frustração e medo em algum lugar. Era como se eu estivesse com as duas mãos amarradas, incapaz de ajudá-la no momento que ela mais precisava de mim.

- Calma Luan, calma!  - A Rafa veio até mim e segurou meus braços – Lembra que depois de toda tempestade vem um lindo dia de sol? Nós só precisamos resistir a esse momento de tormenta.

- Mas como, Rafinha? Como? Eu não consigo ver a solução! – Comecei a chorar, completamente desesperado.

- Gato garoto, você só precisa acender a luz! – Ela piscou para mim, como se aquela fosse a resposta mais óbvia de todos os tempos.

A minha vontade era de responder “Diacho, tá me chamando de funcionário da companhia de luz?”. Porém, achei melhor controlar a minha raiva. Mesmo assim, a minha cara de dúvida deve ter ficado muito evidente, porque ela continuou falando, na tentativa de esclarecer a ideia para mim.

- A Anita precisa se encontrar, certo? – concordei com a cabeça e ela continuou – e quem é a pessoa que mais entende aquela garota nesse mundo? - fiz sinal para que ela continuasse, o raciocínio começando a fazer sentido na minha cabeça – Nós, Luan! Nós somos as pessoas que melhor compreendem a arte de ser Anita. Logo, nós temos todas as ferramentas necessárias para trazê-la de volta. Só precisamos aplicá-las – a empresária explicou com o seu típico tom de otimismo.

- Certo, e como vamos fazer isso? – Perguntei.

- Hum... Eu tenho algumas ideias.

***

O plano da Rafa era muito, mas muito louco. Mas quando foi que as coisas naquela trupe foram normais, não é mesmo? 

Enquanto a Anita dormia, bolamos uma estratégia de ação muito simples: já que ela acreditava que aquilo tratava-se um sequestro, nós iriamos nos comportar como sequestradores e, para conseguir a liberdade, ela teria que cumprir uma série de atividades estipuladas por nós. A ideia era, por meio dessas tarefas, recriar situações marcantes que a Anita viveu ao lado de cada um de nós.

Amanhecemos o dia bolando as estratégias para cada atividade e escolhemos que o primeiro a tentar seria o Neymar. Por motivos de segurança, mantivemos a Divinha longe da Any. A cadela não gostou nem um pouco de abandonar a dona naquele estado, mas não tinha jeito: ninguém queria um novo acidente.

Já era quase sete da manhã quando a minha esposa acordou. Respirando fundo, o jogador levantou do sofá e subiu as escadas, pronto para colocar sua parte do plano em ação. Eu ia logo atrás, com uma câmera de vídeo na mão. A proposta era recriar o reality no qual nós nos conhecemos.

- Bom dia, diva! Como você está se sentindo hoje? – ele entrou no quarto com o seu jeito descontraído e brincalhão.

- Primeira coisa: quem é você? Segundo: por que tem esse cabelo estranho? Terceiro: quem te deu essas liberdades para me chamar de Diva? – ela perguntou enquanto tentava ajeitar os cabelos. Dava para perceber que a nova Anita era mais vaidosa e preocupada com a aparência em relação à Anita das antigas.

- Bom, vamos às apresentações: oi, eu sou o Neymar, o cara mais gente boa e legal dessa Trupe...

- Ahaaan – Chamei atenção, para que ele se lembrasse que eu também estava ali.

- Ah é... E esse é o Luan, também conhecido como galã meteórico – ele me apresentou.

- E por que vocês estão com essa câmera? – Ela não demonstrou nenhuma emoção diferente ao ouvir o meu nome e até mesmo mudou de assunto, o que de me deixou um pouco chateado.

- É o seguinte: mentiram para você ontem. Isso é sim um sequestro! E para você conseguir a sua liberdade, vai ter que cumprir algumas tarefas simples que a gente pedir. Pode ficar tranquila: não vamos te maltratar, nem pedir algo que vá te ofender. Na verdade, tem um rango maneiro lá embaixo e tudo o que você precisa fazer é descer com a gente, tomar o seu café da manhã tranquila enquanto o nosso amigo ali - ele fez um gesto apontando para mim - faz um documentário contando como é a vida dos jovens da nossa idade, combinado? – o Neymar foi direto ao assunto, sem nem criar uma desculpa criativa para convencê-la.

- Você quer dizer que eu realmente fui sequestrada? – Anita fez cara de quem ia começar a berrar a qualquer momento pedindo ajuda.

- Ó, a Rafinha é melhor em explicar esses paranauê aí... Por enquanto, desce logo e vem comer que eu estou com fome – Isso era o que eu chamava de “intimar uma pessoa”.

Com jeito muito desconfiado, ela nos acompanhou até a cozinha da Toca, local que já servira de cenário para muitas cenas marcantes da Trupe. Cada parte de mim torcia para que a Anita se lembrasse disso.

Já posicionados na mesa estavam a Malú, André e a Rafa. Achamos melhor mandar o David, o Bob Esponja cabeludo, e o Marreco para casa, já que a amizade deles com a Anita ainda era muito recente e, portanto, talvez não existissem laços tão fortes entre eles e a minha esposa. Vick Caramelo e Nica estavam na casa dos meus pais. Minha irmã ficara com a difícil missão de distraí-las para que não sentissem a falta da mãe e tia. 

O doutor voltaria naquele dia mais tarde junto com um especialista. Ele queria levá-la para uma clínica especializada a qualquer custo, mas não autorizei por acreditar que isso só chamaria a atenção da imprensa e dos críticos. E a Any jamais me perdoaria por deixar que a vida dela fosse exposta daquela maneira. Era por isso que estava depositando todas as minhas fichas no nosso plano. Ele tinha que dar certo!

- Bom dia, gata garota! – A Rafa recepcionou a Anita com seu humor matinal único.

- Quem é você? – a resposta não chegou nem perto da animação da empresária.

- Prazer, eu me chamo Rafaela Prado e sou chefe dessa operação – a loira tratou de fazer as apresentações.

- Ahhh, então é você que vai me dar algumas respostas? Ótimo! Quero entender que palhaçada é essa que está acontecendo aqui – Anita soltou os cachorros em todo mundo antes de puxar uma cadeira, sentar-se à mesa e servir-se de uma xícara de café – a verdadeira Ní NUNCA bebia café. Aquele era um mal sinal – Certo, quero respostas! Por que vocês me sequestraram?

Dali em diante, começou um diálogo muito, mas muito chato. Basicamente, minha esposa exigia respostas e a Rafa apenas a enrolava, dizendo que a sequestramos por conta do dinheiro que a família dela tinha. Como a mãe da Any era uma importante economista e entendia muito do mundo financeiro, isso até fazia sentido. Porém, a parte que não iríamos exigir um resgate deixava a Ní muito desconfiada e colocava toda a nossa história em risco.

Depois de umas duas horas daquele papo furado, a Rafa estava se enrolando cada vez com a história do rapto e a Anita ficava cada vez mais agitada. Ela parecia um gato arisco, pronto para atacar e fugir a qualquer momento. 

Eu mantive a minha posição firme na câmera, e o resto do pessoal tentava descontrair o ambiente, mas nada adiantava. Estava claro que a minha esposa não estava disposta a dar bola para gente, o deixava a tentativa de recriar uma lembrança do reality praticamente impossível.

- Sabe que eu acho? Que está faltando uma música aqui – de repente o Neymar tirou o telefone do bolso e começou a mexer na tela. Um minuto depois, um pagode tomou conta do lugar.

*** Link para músicahttps://www.youtube.com/watch?v=Cf9yVFyxoJ8*** (aumenta o som e se joga, meu povo!)

“Caraca, muleke
Que dia! Que isso? Toca um pagodinho, só para relaxar...”

- Opa! Agora a coisa animou, hein? – o jogador levantou e começou a dançar, todo soltinho. Como adorava uma bagunça, o diretor também entrou no clima.

- “Cola comigo, que eu tô no brilho, hoje eu vou me jogar” – o Neymar foi em direção à Anita, tentando puxá-la para dançar. Ela apenas revirou os olhos, ignorando o craque sem nem disfarçar.

- Ihh, qual é, diva? Vai se fazer de difícil? Você adora essa música! – ele insistiu, mantendo o samba no pé e o sorriso carismático. Cheguei mais perto para registrar a cena de um ângulo melhor.

- Anita, aproveita e conta para a gente: como jovens como vocês fazem para se divertir no meio dessa rotina de trabalho tão corrida? – a Rafa lançou uma das perguntas do reality, em mais uma tentativa de trazer a amiga de volta.

- Que tipo de pergunta mais sem cabimento é essa? – ela jogou os cabelos fazendo cara de desdém – Posso te garantir que não é com esse tipo de "barulho" que vocês chamam de música. Na minha família nós costumamos ouvir apenas os clássicos, como Mozart e Beethoven.

Lembrei de uma ocasião quando a Ní me contou que sua mãe sempre ouvia música instrumental em casa. Apesar dela apreciar muito as composições e de ter sido algo importante para a sua formação musical, ela sentia falta de ouvir canções mais populares. Aproveitando essa deixa, emendei outra pergunta na sequência – E você não sente falta de ouvir música que te aproxime mais das pessoas, que fale um pouco da cultura do nosso país?

- E desde quando esse tipo de som é chamado de cultura? – ela apontou para o celular com uma expressão de nojo – música popular brasileira é Caetano, Gil, Marisa Monte...

Todos nós trocamos olhares ansiosos naquele momento. Com certeza, o pensamento que passava pela minha mente era o mesmo que se passava pela cabeça dos demais: 1 – a situação estava pior do que imaginávamos 2 – a nova Anita era uma chata de galocha.

- Agora CHE-GA! Você quer ouvir música clássica? Então vem cá que eu vou te mostrar um CLÁS-SI-CO que tem até violino – o diretor surtou do meu lado, pegando o braço da Any e a arrastando em direção à sala.

Lá, ele ligou o rádio e passou a procurar uma faixa no iPod que já estava conectado ao aparelho. Todos encaravam a cena em silêncio, muito apreensivos. Aquilo não fazia parte do plano, então ninguém sabia o quê o diretor pretendia, e muito menos qual seria o resultado.

De repente, uma batida country encheu o ambiente.

*** Link para música - https://www.youtube.com/watch?v=PAm7JFdDKRw *** (Todo mundo pronto para a dança mais meteórica de todos os tempos?)

- Agora vem CU-RI-CA! Que eu vou te mostrar como se derruba um forninho! – o diretor anunciou, subindo no sofá e balançando o corpo no ritmo da música. 

Sabe quando dizem que no amor e na guerra vale tudo? Então... Eu estava disposto a fazer qualquer coisa para ter a minha esposa de volta. Por isso, joguei a câmera na mão da Malú e corri para me juntar ao Dé no sofá. A Rafa puxou o Neymar e não demorou para que todos nós estivéssemos fazendo a coreografia eternizada pela Anita nas redes sociais: a dança da cobra mal-matada.

“Ela é atriz, ela faz cena, ela mete uma pressão
Se joga na minha frente, me engana não
Feito cobra mal matada ela rebola, eu passo mal”

Nós descíamos e subíamos com um pé flexionado, depois dávamos uma volta mexendo a cintura como se estivéssemos brincando de bambolê.

Rápaiz, eu tinha que confessar uma coisa... nunca tinha visto cena mais engraçada na minha vida. Pensa em um bando de "marmanjo" dançando que nem loucos em cima de um sofá! Na pior das hipóteses, se o plano não funcionasse, pelo menos o vídeo renderia boas risadas.

- Meu Deus, o que vocês estão fazendo? O que é isso? Estou presa com um bando de loucos! – a Anita colocou a mão na cabeça, encarando a situação horrorizada. 

- Ihhh, isso não é nada! Acredite em mim, sempre pode piorar. E geralmente, piora! Espera só para ver  – a Malú tentou tranquilizá-la ao mesmo tempo que registrava a sua reação com a câmera.

- Eu não vou mais nada! Chega, eu quero a minha liberdade! SOCORRO! SOCORRO! – ela aproveitou que todos estávamos distraídos e disparou em direção à porta, correndo feito um pé de vento e gritando como uma louca.

- “Paxão’, “vorta” aqui, bandida! Vem cá, “muié” – saí atrás dela, dando um pulo do sofá. Se perdêssemos a Anita de vista a situação iria sair do controle de vez: afinal, como explicaríamos para as pessoas que a famosa atriz Anita Tunice não se lembrava de nada, muito menos de quem era?
_______________________________
Notas finais: Eita Trupe, o forninho caiu! 

Gente, e essa memória da Anita? Volta ou não volta? É o fim do casal Luanita? Façam suas apostas que ainda vem muito babado, confusão e gritaria por aí!

Bom, já deu para perceber que o capítulo bônus era para ter só duas partes, mas aí essa pessoa aqui que vos escreve se empolgou e agora ela será dividida em três. Espero que vocês compreendam essa mudança de planos. =) Juro que eu tento me controlar, mas essa Trupe é impossível!

E a agora, a melhor notícia de todas: dia 19 de dezembro entro de férias. ***Todo mundo grita!*** E aí terei todo tempo desse planeta para escrever. E aí? O que vocês querem ler por aqui? Aproveitem que serão só 15 dias de férias.

Para finalizar:

Já estão sabendo que criei um grupo no Whats App para reunir as leitoras da fic? Mandem o número de vocês por Face, twitter, ou deixem aqui nos comentários que eu adiciono vocês, ok?

É isso, gatas garotas! A gente se vê na última parte!

Ahh, esqueci de falar: o título é inspirado no livro do meu querido John Green, o "Quem é você, Alasca?". Recomendo muito para quem quer descobrir "como vamos sair desse labirinto".


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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Sobre desejos e tempestades

Sabe aquela história que você precisa tomar cuidado com o que deseja? Pois então... estou aqui hoje para dizer que esse lance é a mais pura verdade.

Já tem um tempo, mais ou menos uns dois anos, que eu escrevi uma história chamada “A Nossa Canção”. Nela, o personagem principal era apaixonado pela Júlia, que ele definia como “a sua tempestade”.

Para ser mais clara, segue o trecho onde ele explica o sentimento que tem pela moça:

“Ela é como uma tempestade. Chega e leva tudo consigo. Não dá para se defender da tempestade, você só fica ali e a deixa tomar conta de você. É algo muito forte, é bonito, é inevitável... Depois, quando vai embora, é como se não sobrasse mais nada...”

Eu não sei explicar muito bem o porquê, mas essa frase me marcou bastante e por muito tempo eu desejei viver um Amor Tempestade, desse tipo que arrebata o nosso coração e muda a nossa vida para sempre.

Quis tanto que a minha tempestade chegou em uma Sexta-Feira Santa e, coincidência ou não, tinha os mesmos olhos verdes marcantes da Júlia.

Claro que eu não sabia que aquele encontro iria mudar minha vida. Na verdade, eu não dei a mínima confiança para a situação. Uma semana depois, nos reencontramos novamente e o que começou como garoa veio dessa vez com tudo que tinha direito: coração disparado, pernas bambas, vontade incontrolável de estar junto. Era a tempestade, afinal, mostrando toda sua beleza e força.

Deixei-me levar por essa tormenta, deixei que o sentimento fluísse como a água que cai do céu, permiti que a tempestade se instalasse dentro de mim, até porque não há como se proteger dela. Como diz a frase, você só pode senti-la, nunca controlar.

Por um tempo, viver nesse ciclo vicioso me bastou. Ele vinha, chovia, molhava tudo o que havia para molhar e depois ia embora, deixando apenas nuvens escuras e enxurrada.

Porém, ninguém sobrevive muito tempo exposto à tempestade sem se machucar. Afinal, ela é capaz de destruir casas, carregar carros, derrubar árvores... Imagine só o que ela pode fazer com um simples coração? O resultado de tantas tormenta foi um solo completamente devastado, varrido de qualquer esperança, vontades ou desejos. Tornei-me um terreno estéril, incapaz de gerar qualquer fruto ou flor, porque nele só havia medo, confusão, ressentimento e raiva.

Lembro que na época que escrevi a história, fiquei na dúvida se esse tal amor tempestade era realmente algo bom. Durante esse período estéril, que não por coincidência aconteceu no inverno, eu estive convencida que não, que esse tipo de sentimento só sufocava, maltratava, entristecia.

Mas a mesma tempestade que destrói, também faz florescer. Com o tempo, as sementes que você deixou dentro de mim começaram a brotar. Sentimentos de compreensão, perdão, amor, paz... É louco pensar que, certamente, você não teve essa intenção, mas em muitas situações da minha vida escuto a sua voz comentando algo sobre aquele assunto. É como se a sombra das nuvens de tempestade me acompanhasse onde quer que vá.

Hoje percebo que a tempestade serviu para lavar. Levar tudo o que não era mais necessário e criar um jardim muito mais bonito, florido e capaz de resistir à novas tormentas. E agora me bateu uma estranha necessidade de te mostrar o resultado do que você ajudou a construir.

Talvez você nunca saiba do poder que teve (e sinceramente, ainda tem) sobre a minha vida. Mesmo sendo tempestade, mesmo nunca ficando o tempo necessário para me ajudar a me restabelecer depois da tormenta, mesmo sendo capaz de ter o melhor e o pior de mim.

A Nossa Canção é uma história que fala de segundas chances, sobre como em certos momentos da vida não somos capazes de tomar as atitudes certas e carregamos o peso dessas escolhas erradas por muito tempo em nossas vidas. Refletindo sobre isso, percebo que mesmo tendo renascido e permitido que coisas boas brotassem a partir do meu coração sobrevivente, ainda há algo que me prende a esse cenário cinza e frio.

É como se as nuvens de tempestade ainda pairassem sobre o meu jardim, e tenho fechado os portões com medo que ela entre e destrua tudo novamente. Mas hoje, com o sol brilhando e a brisa suave batendo no meu rosto, me dei conta que é hora de permitir a sua entrada e confiar no meu poder de aceitar e resistir.

E quando digo isso, significa que não me arrependo de ter vivido a tempestade, de ter morrido no inverno e muito menos de aceitar as transformações da primavera. Só me arrependendo de não ter permitido que você soubesse tudo o que acontecia dentro do meu coração durante esse período, de tomar consciência do poder que tinha. De assumir que você era tempestade, e não uma simples garoa.

Não ouso pedir nada, porque aprendi a minha lição: é preciso ter cuidado com aquilo que se deseja. Também aprendi que sou a única capaz de cuidar do meu jardim. Pessoas podem ventar ou chover, mas daqui em diante ninguém mais terá o poder de destruir o que cresceu nesses últimos tempos com raízes fortes e bem estruturadas.

O ciclo da vida continua e hoje eu não luto mais contra ele. O segredo para manter o seu jardim não é prever se amanhã vai fazer sol ou chuva. E sim saber ler os sinais e me preparar para o que vier.

Mas eu abri os portões, a grama está verde e as flores estão brotando, uma mais bonita que a outra. Talvez a chuva fosse bem-vinda...

[“Quando já não procurava mais
Pude enfim, nos olhos teus vestidos d'água
Me atirar tranqüila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver” – Quando fui chuva, Maria Gadú]