O
toque de sua mão era quente e macio. Não o tipo de maciez de quando passamos
hidrante na pele, mas no sentido que era confortável e gostosa de segurar. Edu
seguia na frente, mesmo sem conhecer muito bem a casa. Precisei orientá-lo
quando chegamos ao final do caminho de pedra que ficava entre a garagem e o
jardim. Ele estava quase seguindo pela direita, sentido “Gueto”.
-
Hoje a festa é aqui – avisei, puxando-o em direção à sala de estar.
Dentro
da casa, o clima não era muito animado. Caio e Alê conversavam sentados no
sofá, enquanto o restante do pessoal comia do outro lado do cômodo, onde estava
a mesa de jantar. Eu e Edu paramos na porta, analisando o ambiente. Depois,
cruzamos os nossos olhares e pela sua expressão, ele pensava a mesma coisa que
eu: a noite da pizza não era nem de perto tão animada quanto às festas do
Gueto.
-
Alguém trouxe baralho? – o carioca perguntou em tom irônico.
-
Sempre tem um perdido por aí... – dei de ombros.
-
Então vai buscar, pelo amor de Deus. Precisamos dar uma animada nisso aqui!
- Ok, chefinho. Mais alguma coisa? – perguntei fazendo marra.
- Sim. Hoje você vai ser minha parceira – seu
olhar sobre o meu não deixava margem para dúvidas: ele estava falando sério.
- Não posso. Tenho um trato com seu primo.
Nós sempre jogamos juntos – me mantive irredutível.
- Hoje vocês vão abrir uma exceção – ele
afirmou, como se já estivesse tudo resolvido.
- Quem disse? – a petulância dele já estava
me tirando do sério.
- Providencie o baralho e depois conversamos
sobre isso – Edu encerrou a conversa, soltando as nossas mãos e caminhando em
direção ao primo.
Abri a boca e cruzei os braços, indignada por
ter sido deixada falando sozinha. Do outro lado da sala, Alê não disfarçava a
sua cara de gozação para mim. Pelo jeito, ele e o Caio haviam “assistido” toda
a cena. Lancei o olhar para o restante do pessoal: nenhum deles percebeu a
movimentação diferente na porta. Uma parte de mim se entristeceu. Se pelo menos
a Marília tivesse visto a cena, ela não ficaria mais me enchendo sobre o Edu
não querer ficar a sério com ninguém ou querendo me apresentar para qualquer zé
mané que aparecesse por aí.
Respirando fundo, subi até o quarto da Carol
para pegar o baralho. Nem me preocupei em pedir permissão... Eu sabia que ali
eu era mais do que bem-vinda. No caminho, vi uma luz e ouvi uma música baixa vindo do quarto da irmã da Cá. Era tão estranho que ela estivesse em casa...
Quando voltei, os meninos já estavam prontos.
Eles haviam se posicionado no balcão do pequeno bar que havia na sala de estar.
Alê e Caio estavam sentados um de cada lado, de frente para o outro. Edu estava
do lado de dentro do balcão, um pouco mais atrás do Caio. Um banco vazio
posicionado na ponta da mesa indicava onde eu deveria em sentar. E, pelo jeito,
o carioca seria o meu parceiro.
Pelas conversas altas que tomavam conta da
sala, o restante do pessoal finalmente se deu conta da chegada do novato.
Marília já estava beirando o balcão, pedindo para jogar, enquanto os outros se
ofereciam para entrar de próximo.
- Quem vai embaralhar? – perguntei, deixando
as cartas no meio da roda improvisada.
- Eu cuido disso – Caio se ofereceu.
- Peraí, deixa eu sentar antes de começar o
jogo – Mari gritou, empolgada.
- Não, senhora! Você está de próxima! A Gabi
que vai jogar agora – Alê avisou, cortando o barato da loira.
- Ué, mas você vai jogar com o Caio, não vai?
– ela estacou, parada no caminho até o banco. Quase dava para ouvir a pergunta
sendo formulada na sua cabeça: se o Alê ia jogar com o Caio, com quem eu iria
jogar?
- E a Gabriela vai jogar comigo – Edu
respondeu ao questionamento silencioso da loira enquanto o Caio cortava o monte
e tirava a manilha – O dois manda no jogo. E aí, parceira? Vamos ou não jogar?
Senti todos os olhares focados em mim
enquanto puxava o banco para me sentar. Eu não sabia o que pensar. O que o Edu
estava querendo, afinal? E o principal: como eu deveria reagir a esse acesso
súbito de interesse por mim? Eu tentava encaixar as peças na minha cabeça à
procura de um sentido: primeiro foi o cuidado com o meu tornozelo machucado,
depois o beijo, a saída “à francesa” sem nem ao mesmo me dizer um tchau decente
e agora isso: mãos dadas, parceiros de truco... Será que todos esses sinais
significavam que o carioca estava interessado por mim, contrariando os boatos
de que estava “na pixta”?
- Pô parceira, está dormindo? – ele chamou minha
atenção após duas jogadas erradas. Estávamos próximos de perder a primeira
rodada e entregar três pontos de bandeja para a dupla adversária.
- Acho que a Gabi só sabe jogar com o Alê – o
Caio tirou onda com a minha cara. Ai como aquele menino me irritava...
- Não, querido. Estou apenas te dando
vantagem para você se iludir um pouquinho. Já, já eu entro no jogo e aí, já
era! – falei séria, acabando com a moral daquele chato – Pode deixar eles
ganharem a primeira, Edu. A gente recupera na próxima...
- Se você está dizendo... – ele piscou para
mim, confiante.
Voltei a me concentrar na partida, deixando
minhas dúvidas de lado. O jeito seria sondar o Alê depois para tentar descobrir
algo. Naquele momento, eu precisava mostrar para o Caio quem mandava naquele
lugar.
Com o tempo, eu e o Edu criamos uma certa
sintonia. Combinamos sinais e passamos a antecipar o movimento um do outro. Eu
sentia algo estranho todas as vezes que ele cravava aqueles olhos verdes em mim.
Era um misto de entusiasmo com medo... Como se ele pudesse ler a minha alma, ou
tivesse o poder de decidir o meu destino. Mas não havia como negar: a nossa
parceria funcionava muito bem. Depois de um curto período de “adaptação”,
parecia que nos conhecíamos há anos.
- Boa parceira! Valeu! – ele comemorou quando
conquistamos seis pontos. O carioca estendeu a mão por cima da mesa para um
“hi-five” – “Bora” mais uma rodada?
- Haam... Acho que vou passar essa. Tem um
pessoal na espera – indiquei a Carol e os meninos com a cabeça depois de tocar
sua mão.
Logo os gritos “agora é a minha vez de jogar”
se espalharam e aproveitei a deixa para ir até a cozinha. Depois de quase uma
hora sentada em frente ao Edu, eu precisava de ar. Era como estar de ressaca:
me sentia tonta, enjoada, sem saber qual foi “caminhão que me atropelou”.
Peguei um copo de água para aliviar a
sensação de boca seca. Fui bebendo o conteúdo aos poucos, tentando entender a
montanha russa de emoções que tomava conta de mim.
- Gabi, o que você está fazendo aqui? – a voz
da Mari tomou conta do cômodo.
- Só tomando um gole de água – ergui o copo
na minha mão, como se precisasse provar.
- Você não vai falar com o Felipe? Ele está
afim de você e é super gatinho – ela chamou minha atenção como se eu estivesse
cometendo o pior crime do mundo por ignorar o menino.
- Ai Mari, não estou afim... Ele nem faz o
meu tipo! – me defendi, deixando o copo sobre a pia e evitando olhar para a
loira.
- E quem faz o seu tipo? O Edu? – o tom de
sarcasmo na sua voz me atingiu em cheio.
- Se ele faz ou não o meu tipo é um problema
meu. O que não quero é você me jogando para cima de uma pessoa que eu nem
conheço. Não estou em uma exposição em uma vitrine, Marília. Não é assim que
funciona... – desabafei, me virando para encará-la.
- Mas para o Edu você pode se jogar, né?
Pensa que ninguém percebeu? – a garota revidou, agitando as mãos no ar.
- Do que você está falando? Eu só joguei
truco com ele... – menti. Aquela não era a melhor hora para falar do beijo, das
mãos dadas e de todas as sensações que ele causava em mim.
- Só espero que você não se esqueça que ele
não quer se envolver com ninguém! Eu te conheço, Gabriela. Você nunca se
apaixonou e, por isso, está se deixando levar pela lábia desse carioca. Mas ele
não é o príncipe encantado que você está imaginando – a loira praticamente gritou
de volta – Eu só não quero que você se machuque – completou, dessa vez com um
tom de voz mais controlado.
- Ninguém está se machucando aqui, Marília.
Pode ficar tranquila – respondi, saindo da cozinha. Tudo o que eu menos
precisava naquele momento era de alguém para me deixar ainda mais pilhada. Eu
sabia que o Edu era... estranho. Tanto que passei a semana inteira me
esforçando para tirá-lo da cabeça. Mas o que eu poderia fazer se ele insistia
em cruzar o meu caminho?
Parei um canto da sala, bufando de raiva.
Como não estava a fim de conversar com ninguém, peguei meu celular e comecei a
fuçar em todos os meus aplicativos na tentativa de me distrair.
- Que cara é essa, Gabs? – o Alê se
aproximou.
Poxa, estava tão nítido que eu estava brava?
– Nada, não... Só a Marília pegando no meu pé – dei um meio sorriso, me
esforçando para fazer cara de “não estou nem aí para isso”.
- O que aconteceu? Com o quê ela está
cismando dessa vez? – o skatista perguntou.
- Ahhh, ela veio falar que eu estava me
jogando para cima do seu primo – confessei, sem jeito – E ainda por cima me
acusou por não dar atenção para aquele feioso do Felipe, amigo do Caio. Ela
está achando que é assim: arruma qualquer um na rua e traz para me apresentar.
Como se eu estivesse muito desesperada para ficar com alguém – completei,
esquecendo de fingir que não estava me importando.
- É, o menino é estranho mesmo – meu amigo
concluiu, após uma pausa rápida para analisar o Felipe – Já você e o Edu...
Você não está se jogando para ele...
- Viu? Eu falei isso para ela... – me senti a dona da razão.
- Pois é... Se alguém está se jogando aqui,
esse alguém é o Edu. O cara não para de dar em cima de você. Está usando um
arsenal pesado para chamar a sua atenção... – o skatista completou, dando uma
risadinha de quem está se divertindo com a situação.
- Você acha? – perguntei, deixando o celular
de lado. Aquela resposta me interessava, e muito...
- Não, não acho não... – ele deu de ombros,
caçoando de mim – Eu tenho é certeza. Para, né Gabi? O que foi aquela mãozinha
dada ali na porta?
- É que seu primo é meio estranho... – mexi
no cabelo, me sentindo estranha de repente. Então eu não estava errada e o
carioca realmente estava interessado em mim. Mas e agora? O que eu iria fazer?
- Ele só deve estar meio perdido. Acabou de
chegar na cidade, e você ainda fica intimidando o rapaz ganhando dele no truco
e tudo mais... Sem falar que a Mari ficou com um papo estranho no dia da festa,
falando que tinha medo de você se machucar. Acho que tudo isso está confundindo
a cabeça dele – ele opinou, dessa vez falando sério.
- Ela acabou de repetir a mesma coisa para
mim: que tem medo que eu me machuque. Qual é a da Mari, afinal? Ela vivia
dizendo que eu precisava encontrar alguém. Aí, quando encontro, ela começa a
agir desse jeito? – sentia um peso enorme apertar o meu peito. Tantas dúvidas
já estavam me enlouquecendo.
- Acho que ela está acostumada a sempre ser o
centro das atenções. Como o Edu não ligou muito para ela, a loira está de
recalque – ponderou – Ou ela realmente está preocupada com você. Eu vi aquela
troca de olhares durante o jogo... Você está caidinha por ele!
Fiquei encarando o Alê, sem saber se dava
razão para ele, se o xingava por me entender tão bem, ou se mandava o skatista
calar a boca por ficar falando aquelas coisas em voz alta.
- Ahh, e agora você é o sabe tudo dos
relacionamentos amorosos – resolvi mudar o foco do assunto.
- Não precisa ser entendido para sacar isso.
Primeiro, você disfarça muito mal. Segundo, te conheço desde criança. Claro que
eu ia perceber – ele se gabou, divertindo-se muito com a minha cara.
- Por que a Julieta está emburrada?
- Falando no diabo... – cruzei os braços,
ficando ainda mais tensa com a aproximação do carioca.
- Ela está aqui, me implorando para voltar a
ser o parceiro dela no truco. Nada pessoal, mas parece que ela não gostou muito
de jogar com você, primo... – o Alê assumiu um tom sério, como se realmente
tivéssemos discutido o assunto por horas.
- Para! Você só está com medo de perder sua
parceira de jogo para o papai aqui – o loiro se gabou, se achando o tal.
Os dois começaram uma discussão sobre quem
era melhor no truco e com qual dos dois eu consegui jogar melhor. As vozes ao
meu redor, os gritos para aumentar a aposta no balcão, a música, a discussão com
a Mari, o Edu, o cansaço do ensaio... Tudo pesou ao mesmo tempo e, de repente,
me senti muito velha e cansada – Acho que vou embora – avisei com a voz
abatida.
- Quer que eu vá com você? – o carioca se
ofereceu de pronto.
- Não, você não! – soltei, sem nem pensar. Eu
não precisava de mais boatos para complicar ainda mais a nossa situação – Quer
dizer... Você está curtindo a festa, não precisa se incomodar...
- Só uma pergunta – ele levantou o dedo na
minha direção – Isso é uma festa?
Não tive como não rir. O clima estava tão
parado que o encontro poderia ser chamado de qualquer coisa, menos de festa.
- Relaxa, eu dou uma carona para vocês. Assim
o casal não chama a atenção... – Alê provocou antes de lançar um sorriso
debochado em nossa direção. Era óbvio que ele estava adorando aquele “climão”
entre mim e o seu primo.
Senti meu rosto ficar vermelho de tanta
vergonha. Tentei pensar em algo para desconversar, mas tudo o que consegui
fazer foi encarar o chão, sem coragem de olhar para o Edu.
- Então vamos logo. Acho que essa pizza já
deu o que tinha que dar... – o carioca disse, também parecendo um pouco
desconcertado.
As despedidas foram rápidas. Em menos de
cinco minutos já estávamos dentro do carro, a caminho de casa. Edu e Alê
seguiam na frente, em uma conversa animada sobre música, enquanto eu me joguei
no banco de trás, esticando as pernas e encostando o corpo contra a janela.
Deixei meus pensamentos voarem longe enquanto borrões de imagens passavam do
lado de fora. Não estava a fim de conversa.
No fim, o carioca venceu a conversa e
conseguiu colocar em uma rádio que tocava música sertaneja. As vozes de Jorge e
Mateus invadiram o carro e me permiti seguir o ritmo da canção, relaxando um
pouco.
O refrão era animado e gostoso de ouvir, e a
melodia era bem dançante. Mexi o corpo, mesmo que involuntariamente, só para
ser flagrada pelo Edu que me espiava do banco do passageiro. Consegui sorrir
para ele e continuei curtindo a música. Dançar era a única forma que eu
conhecia para extravasar os meus sentimentos.
- Chegamos, cambada! – o motorista gritou ao
embicar o carro para guardá-lo na garagem.
- Valeu pela carona, Alê! – disse, depois que
descemos da Ecosport preta – Boa noite, meninos! Obrigada por me salvarem
daquela festa chata – me despedi - do Alê com um beijo e do Edu com dois, como
fazem os cariocas.
- Relaxa! A coisa lá estava meio parada
mesmo... Acho que prefiro as festas no Gueto – ele arrumou o boné, pensativo –
Ainda bem que vocês arrumaram um baralho. Foi o que salvou a noite!
- Foi ideia do seu primo...
- Baralho é a solução para tirar qualquer um
do tédio! – o loiro afirmou com o seu jeito prepotente. Eu estava começando a
ter dúvidas sobre qual era o mais irritante: ele ou o Caio.
- É verdade mesmo... – concordei só para não
aumentar o assunto – Bom, vou indo nessa. Boa noite de novo! – soltei um beijo
no ar antes de me virar para ir embora.
- Espera! Eu te acompanho até a sua casa! –
Edu se adiantou para não ficar para trás.
- Eduardo vai ao ataque, parte quatro! Ação!
Nós dois olhamos para o Alê ao mesmo tempo,
ambos com as expressões sérias e constrangidas. O skatetista apenas nos encarou
de volta, um sorriso de zombeteiro nos lábios.
– Qual é? Não falei nada demais... – deu de ombros
– Mas só quero deixar uma coisa clara: não quero nem saber o que está rolando
entre vocês. Mas a Gabi é a minha parceira de truco, entenderam? Nem adianta
vir com mimimi que não aceito trocar... – seu tom era o de alguém negociando
algo extremamente importante, tipo um juiz avaliando se alguém é inocente ou
culpado por um crime.
- Vai dormir, seu chato! – fingi estar brava,
mesmo sem conseguir conter o riso – É claro que sou sua parceira. Isso não está
em negociação, ok?
- Sendo assim... Vou deixar os pombinhos a
sós – ele fez a última gracinha antes de ir para casa.
E então, éramos só eu, o Edu, e o frio no meu
estômago. E agora?
O jeito foi respirar fundo e começar a
caminhar. Seguimos em silêncio enquanto minha mente trabalhava a todo vapor
tentando pensar em algo para dizer. Será que eu deveria perguntar do beijo? Ou
deveria me fingir de desinteressada e puxar um assunto qualquer? E será que ele
me beijaria de novo? Ou só diria boa noite e iria embora? Eu olhava de relance
em sua direção em busca de respostas, mas sua expressão não me dizia nada. Ele
só caminhava ao meu lado, bem próximo de mim, mas sem me tocar. Era algo
torturante. Algumas horas atrás ele segurava a minha mão na frente de todos e
agora nada?
- E aí? Vai me contar por que está emburrada?
– ele perguntou assim que paramos na frente da minha casa.
- Não estou emburrada coisa nenhuma – me
defendi, cruzando os braços em frente ao corpo em um gesto muito “maduro” da
minha parte. Achei que não seria muito legal falar que o meu principal problema
no momento estava parado bem ali, na minha frente.
- Não? Então sempre que está feliz você tenta
fugir da festa, depois fica quieta em um canto e convence o Alê a te trazer
mais cedo para casa? – o carioca arqueou a sobrancelha, o tom carregado de
sarcasmo.
- Em primeiro lugar, aquilo não era
exatamente uma festa. E depois, eu estava cansada. Só isso. Ensaiei pesado a
semana inteira, nem estava muito a fim de ir. Só fui porque a Carol insistiu e
o Alê me ofereceu carona...
- E a apresentação? Quando é?
- Domingo que vem – respondi, surpresa
por ele ainda lembrar da nossa última conversa.
- Mas vai dar tudo certo. Tenho certeza – ele
sorriu e, de alguma forma, senti que era sincero. Ele realmente queria que tudo
desse certo.
De repente o assunto morreu e ficamos um de frente
para outro, os olhos cravados nos meus, cada parte do meu corpo pedindo para
ele me beijar novamente. Eu não sei quanto se passou, mas a tensão no ar era
palpável. Eu conseguia ouvir o meu coração batendo em disparada e cada
engrenagem do meu cérebro trabalhando para registrar os mínimos detalhes
daquele rosto.
Lembrei do que a Marília disse sobre eu nunca
ter me apaixonado. De fato, eu não conhecia aquele sentimento, mas desconfiava
que era muito parecido com tudo o que estava acontecendo naquele instante: boca
seca, borboletas no estômago, pernas bambas e uma vontade incontrolável de me
jogar nos braços dele e não pensar em mais nada.
- Aquela música ficou na minha cabeça... –
ele mexeu no cabelo, quebrando o silêncio - “No
primeiro instante, vi que era amor...” – começou a cantar com uma voz muito
desafinada e mexendo o corpo de forma desengonçada.
- “É
que nos meus sonhos você era linda, pessoalmente é mais linda ainda...” –
continuou, dessa vez me puxando para dançar junto com ele.
- Nãaao, eu não sei dançar... – protestei,
rindo do seu gingado e da péssima voz.
Ele parou de repente, o rosto muito perto de
mim - Como não sabe? Não é você que vai fazer uma apresentação top na semana
que vem, Julieta? – provocou, antes de me puxar novamente e voltar a dançar.
Deixei me levar pelos seus passos, nossas
pernas roçando uma na outra, os corpos colados, um rosto contra o outro.
- “E os
anjos cantam o nosso amor...” – ouvi o Edu cantar no meu ouvido, enquanto
girávamos e dançávamos pela rua do condomínio, só a lua e as estrelas como
testemunhas daquela loucura. Um sorriso enorme se instalou no meu rosto e
permaneceu ali, se recusando a ir embora. Dançar nunca foi tão fácil. Eu me
sentia tão leve que seria capaz de sair flutuando por aí. Embalada pela
felicidade do momento, fechei os olhos e permiti que ele me conduzisse da forma
que quisesse.
Com um gesto suave, senti ele deitar o meu
corpo me segurando em seus braços e depois me erguer novamente. Quando abri os
olhos, estava de frente para ele. A distância entre nós era tão curta que eu
sentia o seu hálito contra a minha pele, o brilho dos seus olhos me
hipnotizando. Então ele subiu uma das mãos pelo meu braço e passou os dedos no
meu rosto, me acariciando com delicadeza. Voltei a fechar os olhos e, sem medo,
me curvei em sua direção, encostando os meus lábios nos dele. Uma explosão de
sensações aflorou com o nosso beijo e eu não conseguia decifrá-las. Ao mesmo
tempo em que era doce e lento, tinha em si uma vontade, algo forte e
incontrolável. Passei minhas duas mãos pelos seus ombros e fiquei na ponta dos
pés, aproveitando cada instante. O cheiro, o sabor, o toque, o calor da sua
pele contrastando com o frio da noite. Parecia um sonho.
Por fim, ele se afastou, dando um último
beijo no topo da minha testa. Recusei-me a soltá-lo, com medo que fosse embora
novamente sem me dizer nada.
- O que foi? – ele perguntou com a voz baixa
acariciando o meu rosto.
Dei uma risada sem graça. Eu não queria que
ele percebesse a minha insegurança – Nada. É só que... não queria que você
falasse um “boa noite, Gabi” e fosse embora, como da outra vez.
Ele ficou sério, mexendo a boca como alguém
que se reprova por algo – É, eu sei... não deveria ter feito aquilo. Na
verdade, eu nem deveria ter te beijado. Foi algo precipitado. Nem te conhecia
direito, não sabia nada sobre você, se tinha namorado ou alguém... Mas é que...
não deu para segurar – ele me deu outro selinho, um sorriso fraco brincando nos
seus lábios – Desculpa por semana passada. Por isso pedi para te acompanhar.
Queria te explicar o que tinha acontecido...
- E agora? Ainda é precipitado? – questionei
com a voz baixa. Minha vontade era de fazer milhões de perguntas, esclarecer
todas as dúvidas que atormentavam a minha cabeça. Mas me segurei. Era melhor ir
devagar... A ordem de segurar a minha onda ainda estava valendo.
- Não, agora não é mais precipitado... – ele respondeu
com os olhos novamente cravados em mim. Depois, com calma, me puxou para junto
de si e me beijou, como se o mundo todo estivesse resumido a apenas nós dois.
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Notas finais: Completamente in love com esse momento dos dois. Socorro! Quanto amor, Brasil! Falem aí: aposto que vocês queriam estar no lugar da Gabi, não queriam?
Beijo!