Notas
iniciais: Obaaaa!
Nesse cap surgem dois personagens novos que estava louca para colocar na
história. Tenho CER-TE-ZA que vocês vão amar conhecê-los.
Do mais, o cap está morno,
mas é porque serve de introdução para os próximos. Já sabem, né? Vem coisa boa
por aí.
Estão prontas?
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-
Mas já? – resmunguei, estendendo o braço para desligar o despertador. Não
existia nada pior que acordar cedo em plena segunda de manhã.
Muito
devagar, me arrastei para fora da cama e fui tomar um banho para despertar.
Quando terminei de me arrumar, dona Beatriz já estava batendo na porta do meu
quarto, me acelerando. Ela ainda fazia questão de me levar até a porta do
colégio para ter certeza que não estava cabulando aula. Enquanto acelerava meus
passos para ficar pronta logo, fiz uma anotação mental que precisava conversar
com meu pai sobre isso. Eu já estava no terceiro ano do colegial, não dava para
ficar tendo babá, poxa...
Dei
um jeito no cabelo, fiz a maquiagem que a Laís me ensinou em tempo recorde,
passei perfume e dei uma passada rápida pelo quarto pegando tudo o que
precisaria para a aula do dia e jogando na mochila. Quando fiquei pronta, minha
mãe já estava com o motor do carro ligado, me esperando com cara de poucos
amigos.
Seguimos em silêncio pelo caminho. Enquanto
percorríamos as ruas, dei uma checada no Snap. Tinha um vídeo do Léo, gravado
na noite anterior, deitado no sofá e comendo pipoca. A imagem indicava que ele
não estava sozinho e imediatamente senti o ciúme tomar conta de mim. Abri nossa
conversa no Whats, nem uma palavra trocada desde o domingo de manhã. Fiquei
imaginando se ele tinha pensando sobre o que conversamos e se tinha tomado alguma
decisão. Será que iria mesmo terminar com a Vanessa? E se fosse, por que estava
assistindo filme com ela? Por que não podíamos ficar juntos se a gente se dava
tão bem?
Ainda era de manhã e parecia que eu já tinha
resolvido mais de mil problemas de matemática. Minha cabeça fervia com as
possibilidades. Encontrei o Alê no nosso canto de sempre do pátio com um mal
humor capaz de assustar até a mais serena das criaturas.
-
Você por acaso está naqueles dias? – ele perguntou depois de tentar estabelecer
uma conversa normal comigo, sem muito sucesso.
-
Me deixa em paz, vai – retruquei de modo azedo.
-
Vou entender isso como um sim – disse, pegando o celular se concentrando no seu
Instagram.
Subimos
para a sala lado a lado, mas em silêncio. Fiz outra nota mental de lembrar de
agradecer o Alê pela colaboração quando estivesse mais calma. A Mari e a Carol
não costumavam ter tanta paciência com crises de mau humor – e era por isso que
eu tentava evitá-las quando estava na companhia delas.
A
primeira aula do dia era de Artes, o que me animou um pouco. O professor
Gabriel sempre falava de assuntos interessantes e tinha uma maneira de ver a
vida muito singular. Ele parecia estar sempre disposto a entender todos os
lados e viver em paz, o que transmitia a sensação de ser uma pessoa calma e
centrada.
-
Pessoal, hoje tenho uma tarefa bem diferente para vocês, que vai exigir muita
criatividade e trabalho em equipe – ele anunciou depois de fazer a chamada e
passar alguns recados.
-
Fala aí, professor... – alguém pediu.
-
Quero que vocês escolham uma canção e contem a história da letra e da melodia a
partir do ponto de vista de vocês.
Os
alunos se entreolharam, todo mundo com a expressão de que não tinha entendido
direito.
-
Calma, calma... eu explico – o professor riu adivinhando o pensamento de todos
– Sabem quando vocês ouvem uma música e imaginam uma cena ou situação? Então, é
isso que eu quero que vocês me contem. Pode ser em desenho, vídeo, poesia...
tanto faz. O objetivo é exercitar o nosso olhar para enxergar além do superficial.
Ok, a música tem uma letra e um clipe que já passam uma mensagem. Mas, o que
existe por trás disso? Qual situação serviu de base para que o compositor
escrevesse aqueles versos? Como os personagens da história se sentiam, ou o que
eles fizeram depois disso?
-
Então é para a gente imaginar uma história para qualquer música que a gente
quiser? – Alê quis saber, com um sorriso travesso no rosto.
-
Isso mesmo, senhor Alexandre. Mas nem adianta se empolgar muito, porque vou
aprovar as músicas e as ideias antes de vocês começarem o trabalho – Gabriel
disse.
-
Isso que dizer que não vale música do “É o Tchan!”? – o skatista perguntou com
o seu melhor sorriso amarelo.
-
Bom, desde que você tenha uma justificativa muito boa para explicar o porquê
dessa música – o professor lançou um olhar de “posso ser tão esperto quanto
você”, rindo na sequência.
Meu
amigo apenas deu de ombros, sem argumentos para continuar a conversa.
-
Enfim, turma – o professor continuou a falar – o trabalho deve ser feito em
grupo de até quatro pessoas. Todos deverão apresentar os resultados diante da
sala daqui um mês. Vou avaliar as ideias mais criativas e as melhores
execuções, ok? Podem aproveitar a aula de hoje para definir as equipes e
começar a discutir ideias. Qualquer dúvida, me chamem.
Menos
de cinco segundos depois a sala já estava tomada por barulho de conversas e
pessoas arrastando mesas e cadeiras de um lado para o outro. Enquanto o pessoal
se organizava, fiquei encarando aquele que foi o meu “time” por muito tempo. Vi
a Nathy assumir o meu lugar e a Mari tratá-la como se sempre tivesse ocupado
aquela vaga. Senti algo estranho dentro de mim. Não era ciúme, nem raiva, nem
mágoa. Era um vazio estranho, como se quisesse ter a minha própria turma,
alguém para correr quando precisasse.
-
Acho que seremos só nós – Alê disse com seu típico tom brincalhão.
-
É, acho que sim... – soltei um suspiro, voltando minha atenção para minha atual
realidade.
-
Qual é, Gabs?! Nem sou tão chato assim – ele se defendeu.
-
Não é isso, Alê. É só que... sei lá. O dia está estranho hoje – tentei
justificar minha falta de ânimo.
-
Vocês já tem grupo? – uma voz soou de repente ao nosso lado.
Olhei
em direção à pessoa que fez a pergunta. Era o Fernando, um menino alto, magro,
dono de um sorriso muito bonito e que todo mundo dizia ser gay, embora ele
nunca tivesse assumido nada.
-
Ainda não – respondi, tentando disfarçar a minha surpresa.
-
Bom, eu e a Rebeca também não temos. Acho que poderíamos nos juntar – ele
propôs com uma voz amigável.
Puxei
pela memória quem era a tal Rebeca. A primeira lembrança que surgiu foi a Mari
fazendo piada por ela ser a “forever
alone” da nossa sala. Dona de cabelos cacheados castanhos e de uma
inteligência fora do comum, a menina em questão era de poucos amigos e poucas
palavras. Sempre tirava 10 em todas as provas, mas nunca se misturava a
ninguém.
Olhei
para o Alê, que me encarava com a expressão surpresa. Pela sua cara, dava para
imaginar que ele acreditava ser mais possível que o céu se abrisse e E.T’s
aparecessem para nos ajudar do que aqueles dois se juntarem a nós para um
trabalho em grupo.
-
Hããã... por mim tudo bem – respondi, voltando a focar minha atenção no garoto.
O
Fernando sorriu para mim e depois virou para encarar o skatista.
– O que minha parceira decidir está decidido –
meu amigo apressou-se em responder.
-
Certo. Vou chamar a Rebeca – ele avisou antes de voltar ao seu lugar, a uma
fileira de distância da nossa, e chamar a nossa mais nova parceira de trabalho.
Troquei
mais um olhar com o Alê, que me encarava com uma expressão de menino assutado.
-
Que foi? – perguntei em voz baixa.
-
Ela tem cara de que não vai nem me deixar abrir a boca.
-
Para de drama, vai... Tenho certeza que ela é gente boa – menti. Na verdade, eu
compartilhava da mesma opinião que ele, mas não quis dar corda para o seu medo.
-
Já vou avisando que não vou fazer trabalho nenhum com música do É o Tchan! – a
Rebeca anunciou, sentando-se na mesa com uma postura ereta e expressão de “sou
a líder”.
Pelo
canto do olho, o Alê me olhou com cara de “eu não disse?”. Devolvi o olhar
querendo dizer “se controla” e tentei sorrir para mostrar que estávamos abertos
a negociações.
-
Na verdade, acho que já tenho a música perfeita – Fernando tomou a frente da
conversa de modo conciliador.
Todo
o grupo voltou a atenção para ele, como se estivéssemos esperando o salvador entrar
pela porta com cornetas e querubins anunciando sua chegada.
-
Bom, acredito que todo mundo aqui conheça a Taylor Swift, né? – o garoto
retomou – Tem uma música dela, a Shake it Off, que é a cara da Gabriela.
-
Como assim? - enruguei a testa, curiosa.
-
É que a letra fala sobre vários problemas que uma garota enfrentou, inclusive
com garotos, e que isso não a impediu de seguir em frente, entende? Acho que
tem tudo a ver com o que aconteceu com você – o Fernando me encarou com um
sorriso empolgado no rosto.
-
É tipo como se estivéssemos escolhendo uma trilha sonora para a vida da Gabs? –
Alê entrou na conversa com um sorriso de menino arteiro.
-
Nossa, seria ideal mesmo. No clipe a Taylor aparece dançando vários ritmos,
inclusive balé. Podemos fazer tipo um clipe, só que com a história da Gabriela.
Um dos meninos pode se vestir de Edu – Rebeca se manifestou depois de passar
alguns instantes analisando a proposta.
-
Sei que ele é meu primo, mas passo essa, hein? Edu não tem o mesmo charme que
eu tenho – claro que o skatista não perdeu a chance de fazer piada.
-
Mas ele é bem mais bonito que você – Rebeca retrucou na mesma hora.
-
Hey, já ouviu falar de empatia? De se colocar no lugar do seu parceiro de
equipe? – meu amigo fez cara de ofendido só para provocá-la, o que
aparentemente funcionou.
-
Gente, vamos manter o foco – Fernando estalou os dedos para chamar a atenção dos
dois – Gosto da ideia do clipe. E podemos aproveitar que temos o mais novo
vloger do colégio no nosso grupo para organizá-lo.
-
Podemos montar um roteiro. Só precisamos rabiscar algumas ideias para começar a
montar a sequência das cenas – o skatista já foi abrindo o seu caderno e
procurando o lápis no estojo.
-
Acho que tinha que começar com ela vestida de bailarina, arrasando na
coreografia. Aí aparece alguém e dá uma rasteira nela... – Rebeca sugeriu.
-
Vingativa você, né? – o skatista brincou.
-
Ué, só estou sendo fiel aos acontecimentos... – a garota se justificou.
-
Peraí, peraí... – freei a criação da minha “vídeo biografia” – Não sei se essa
é uma boa ideia. Vamos expor minha vida assim, para todo mundo?
-
Querida, acho que a Mari já fez isso por você. Como você acha que eu, o
Fernando e todo mundo dessa sala sabemos o que aconteceu entre você e o Edu? –
Rebeca questionou, parecendo um professor quando deseja saber a lógica que o
aluno usou para chegar àquela resposta.
-
Pensa só, Gabi. Seria o contra-ataque ideal do Time B. E você não estaria
fazendo nada de diferente do que já fazemos no Jogo do Engana Trouxa. Só que
dessa vez vai valer nota – Alê tentou me convencer.
-
Oi? Jogo do Engana Trouxa? – foi a vez do Fernando enrugar a testa.
Alê
explicou resumidamente o nosso plano de revide contra a nobreza, recebendo
muitas palavras de apoio por parte dos dois.
-
Nossa, esse seria o troco ideal! A Gabi ia sair divando dessa história – Rebeca
deixou o lado “líder” de lado, deixando a empolgação tomar conta.
-
Gente, vai ser o bafo do ano! Gabi, você tem que fazer! Vai ser “A” volta por
cima, com tudo o que tem direito – Fernando mexeu as mãos, bastante animado, o
que me fez entender porque as pessoas diziam que ele era gay.
-
Minha bonequinha está evoluindo, gente! De porcelana indefesa à bailarina exterminadora
do recalque. Que orgulho! – Alê disse fingindo estar emocionado, fazendo todo
mundo cair na risada.
-
Prometo que vou pensar, ok? – concordei só para apaziguar os ânimos. Na
realidade, aquela hipótese nem se passava pela minha cabeça. Uma coisa era
fingir que não ligava e entrar na brincadeira do Jogo do Engana Trouxa, outra
beeem diferente era montar um clipe cujo o único objetivo era mostrar para todo
mundo a maior desgraça da minha vida.
-
Certo. Mas enquanto você pensa, a gente já vai anotando algumas ideias, beleza?
– Fernando declarou ganhando a aprovação de todos.
Passei
o resto daquela aula e todas as outras com um humor não muito bom. O Alê, por
sua vez, estava empenhadíssimo no tal clipe. Ele, Fernando e Rebeca pareciam
velhos amigos de infância, de tanto que trocavam ideias.
Quando
o sinal da saída tocou, usei o encontro do meu pai como desculpa para sair
correndo sem nem me despedir direito. Encontrei Mário Sérgio parado em frente ao
colégio perto de um táxi. Ele acenou quando me viu, abrindo um sorriso de
orelha a orelha.
-
Filha, tudo bem? Como foi a aula? – perguntou depois de me cumprimentar com um
beijo no rosto.
-
Foi legal – respondi, sem ânimo.
-
Nossa! Com essa empolgação tão contagiante, eu não duvido que tenha sido ótima
– ele brincou, mexendo as mãos para que eu entrasse no carro – O que foi? Mari
e a... Como é mesmo que o Alê chama? A nobreza? – assenti com a cabeça e ele
continuou – aprontaram mais alguma coisa?
-
Não. Quer dizer... mais ou menos – soltei o ar pesadamente – É que essa
história ainda está rendendo.
-
Rendendo como? – ele me olhou com a expressão desconfiada.
Expliquei
a ideia do clipe para ele.
-
Poxa, você tem amigos muito criativos, hein? – ele começou a rir, se divertindo
com a minha cara – Que foi? Você não gostou da ideia? – ele tentou disfarçar o
riso quando viu a minha cara de poucos amigos – Filha, é só usar a lógica. Todo
mundo já não sabe da história? Que diferença vai fazer ela ser contada mais uma
vez ou não? E outra: não seria ótimo mostrar o seu ponto de vista? Porque até
agora eles só sabem o que a Mari contou. É assim que você quer que eles te
conheçam? Sobre a ótica de outra pessoa?
Balancei
a cabeça, refletindo sobre o seu ponto de vista. Eu sabia que fazia sentido.
Mas e a coragem para passar por tudo aquilo de novo, de onde eu ia tirar?
-
Gabriela, lembra do nosso último almoço quando falei que você precisa saber o
que quer da vida? Pois bem, está na hora de começar a decidir. É como eu disse,
fugir não é a solução.
-
Mas eu não estou fugindo, poxa! Voltei para o colégio, não voltei? Não aguentei
todo mundo me zuando, julgando e olhando de cara feia? – desabafei, com o tom
de voz bem mais alto que o normal. Vi o taxista espiando pelo retrovisor para
saber se estava tudo bem. Por sorte, já estávamos próximos do ponto onde
iríamos saltar. Abaixei a cabeça e fingi estar entretida com o celular enquanto
o motorista estacionava e meu pai acertava a corrida.
Mário
Sérgio tinha escolhido o mesmo restaurante da última vez, o que me fez concluir
que o cardápio seria peixe novamente. Isso acabaria se tornando uma
característica única do meu pai: a pessoa que me levava para comer pratos
diferentes.
Escolhemos
uma mesa e fizemos os pedidos. Depois que o garçom saiu, ele me encarou com a
expressão insondável.
-
Está mais calma agora? – perguntou, não em tom acusatório como minha mãe teria
feito. Porém, o tom de análise que ele usava comigo às vezes estava começando a
me irritar.
-
É que está tudo uma bagunça na minha cabeça e eu não faço ideia de como começar
a arrumar – desabafei, sem coragem de sustentar o seu olhar.
-
Pelo visto, não é só o clipe que está te preocupando...
-
Eu vi o Edu ontem – falei como se fosse uma criança confessando que fez arte.
-
E como foi? – a expressão indecifrável e tom de análise continuavam. Queria
pedir para ele parar com aquilo, mas no momento tinha problemas mais sérios para
resolver e precisava aproveitar que meu pai estava disposto a me ajudar.
Encontrar pessoas em quem eu pudesse confiar andava meio complicado nos últimos
tempos.
-
Estranho. Acho que criei na minha cabeça uma versão dele arrogante e marrenta.
Tinha esquecido que ele também poderia ser gente boa e simpático – mexi no
cabelo só para não ficar com as mãos paradas.
O
garçom se aproximou com as bebidas e aproveitei para dar um longo gole no meu
suco. Não tinha percebido que minha boca estava seca.
-
Além do Edu, tem mais alguma coisa? -
perguntou, mexendo o conteúdo do seu copo com o canudinho.
-
Tem o Léo – imitei o seu gesto, olhando para o líquido como se, de repente, ele
tivesse se tornado muito importante.
-
Opa, esse é novo! Quem é Léo?
Eu
poderia apostar que o Mário Sérgio nem desconfiava que a minha “fila” poderia
andar tão rápido, porque ele juntou as sobrancelhas, surpreso com a minha
resposta. Respirei fundo, pensando se não estava indo longe demais naquela
conversa. Afinal, ele era meu pai e, até onde eu sabia, garotos não era o tipo
de assunto que meninas da minha idade discutiam com o pai.
Dei
mais um longo gole no meu suco antes de contar sobre o cabeludinho. Ao longo da
conversa, percebi que ele realmente não esperava por uma confissão daquele tipo.
Mas, pelo menos, não me olhou com cara feia, o que já ajudava bastante.
-
E agora não sei o que fazer. Ele disse que estava pensando em terminar com a
namorada, mas postou uma foto no Snap que parecia estar assistindo filme com
ela e não falou mais comigo no Whats – encerrei meu relato. A essas alturas a
comida já tinha chegado, mas nenhum dois estava ligando muito para ela.
-
Uaauu! Agora entendo porque a Melissa que ser coach de jovens. Vocês realmente
passam por muitos desafios nessa idade – ele parecia impressionado – Não me
diga que tem mais coisa?
-
Na verdade, tem – abri um sorriso amarelo.
-
Nossa! Isso está parecendo uma montanha-russa – ele comentou antes de levar o
garfo de comida até a boca. Depois mexeu as mãos, pedindo que eu continuasse.
-
Bom, ficar uma semana sem ir para a escola complicou bastante minha situação no
colégio. Além disso, tem minha mãe que não fala mais comigo e a falta do balé.
Quer dizer, não que eu queira continuar dançando, mas sinto falta de fazer
alguma coisa. O problema é que fiz balé a vida inteira. Não tem mais nada que
eu saiba fazer – coloquei tudo para fora, me sentindo um pouco mais leve.
-
E ainda tem a mudança para Nova York, não é mesmo? Afinal de contas, não é por
isso que estou aqui? – meu pai emendou.
-
Verdade! Ainda preciso decidir se vou fazer faculdade ou vou morar com você –
concordei, me lembrando da velha expressão que diz “sempre dá pra piorar” – Sei
lá, às vezes é como se eu sentisse que estou me afogando, sabe? Preciso lutar
para ficar na superfície e aí acabo me apegando a qualquer coisa que me impeça
de afundar, entende?
Ele
parou um instante para pensar, deixando seu olhar vagar pelo local - Foi uma
boa analogia – mexeu a cabeça, concordando – Vou voltar a dizer: você precisa
saber para onde quer ir. Aproveitando o gancho do seu exemplo, é como ter um
porto para onde ir. Quando você percebe que está começando a afundar, se
esforça para chegar até lá, entende?
-
Hum... entendo! Mas como saber qual é o meu porto seguro? – fiquei interessada
no assunto.
-
Uma pessoa pode ter muitos portos. Família, amigos, trabalho que ame, hobby...
Mas só você pode descobrir quais são. O jeito é ir nadando até encontrar um
lugar bacana para ficar – explicou, servindo-se de um pouco mais de peixe.
Olhei
para ele com cara de “sério mesmo?”. Eu achando que meu pai iria me dar uma
super ajuda e vem ele com aqueles conselhos de meia tigela.
-
Então eu tenho que ir nadando... – repeti com a voz contrariada – Tipo Dory do
“Procurando Nemo”. “Continue a nadar,
continue a nadar, para achar a solução, continue a nadar...” – cantei com
uma voz irritante.
-
É bem por aí. E quando achar o seu porto, ou os seus portos, cuide bem dele.
Seja grata pela conquista. Olhe para trás e veja que a jornada valeu a pena –
emendou, parecendo o Mestre dos Magos.
-
Tá, mas e o que fazer quando eu não conseguir “nadar”? – aquele era o meu
principal problema nos últimos tempos.
-
Fácil. Quando a onda vir forte demais, não adianta nadar contra. O melhor é
aproveitá-la e surfar, entendeu? – lançou mais um enigma, aparentemente se
divertindo muito com a minha situação.
-
Surfar? – repeti, sem acreditar no que estava ouvindo. Meu pai, que eu tinha
acabado de descobrir que era um super coach com não sei quantos livros
publicados, estava mesmo me dando um conselho daqueles?
-
A vida não precisa ser tão complicada, Gabriela. É só se lembrar de nadar a
favor da maré e, quando estiver muito difícil, correr para os portos seguros –
reafirmou com tom solene.
-
Surfar com a onda e achar os portos seguros – repeti, já mais conformada. Pelo
visto, daquele “mato não ia sair coelho”.
-
Fica tranquila, filha. Você não vai estar sozinha nisso. Tem o Alê, que adora
você, a Mel que estará à disposição para ajudá-la no que for preciso e eu
também estarei ao seu lado, mesmo de longe – ele estendeu a mão sobre a mesa e
me ofereceu um sorriso carinhoso – Vai dar tudo certo, tenho certeza.
Retribuí
o seu gesto e ficamos de mãos dadas por um tempo sem falar nada. Era estranho
como uma pessoa que eu mal conhecia tinha o poder de me deixar mais tranquila.
-
Hããã... falando em Melissa – aproveitei o momento para emendar o assunto – acho
que vocês formariam um belo casal. E o Alê também acha – fiz questão de
enfatizar.
Toda
a pose de homem sério e confiante que o Mário Sérgio mantinha foi por água
abaixo. Ele mexeu as mãos, sem jeito, e gaguejou para começar a falar - Eeeer...
Ela é uma mulher incrível. E linda, é claro – fez uma pausa para alisar a
camisa, o que me fez rir – Mas acho que ela deixou bem claro que não se mudaria
para Nova York. E preciso ser sincero: não está nos meus planos ficar no Brasil
de forma definitiva.
-
Alguma chance disso acontecer um dia? – arrisquei, descobrindo dentro de mim
uma vontade de ter uma família que eu desconhecia até então.
-
Bom, a única razão seria você. Se continuar se afogando, não hesitarei em vir
salvá-la.
A
declaração me pegou completamente desprevenida. Não sabia o que falar ou que
fazer. Fiquei parada, olhando para meu pai, me perguntando se ele realmente
seria capaz de fazer aquilo por mim. Preferi acreditar que sim. Talvez eu
tivesse acabado de descobrir um porto seguro, afinal.
***
Durante
o resto do almoço conversamos sobre a vida em Nova York e o trabalho do meu
pai. Ele comentou que não ficava muito em casa, pois estava sempre em
conferências ou em visitas a clientes. Disse que havia um ótimo quarto de
hóspedes na sua casa que poderia ser facilmente adaptado para me receber, caso
eu realmente desejasse me mudar.
Depois
que ele me deixou em casa e se despediu, corri pegar o celular para mandar uma
mensagem para o Alê.
“Mário Sérgio disse que
adorou sua mãe e que ficaria no Brasil caso eu precisasse dele. Se dona Melissa
não vai a Nova York, meu pai vem até ela ;)”.
Pessoas
como o Alê tinham um lugar cativo no meu coração porque sempre respondiam o
WhattsApp rapidamente.
“Então já temos o elo que
estávamos procurando: você. É só continuar sendo rebelde que vamos conseguir
juntar os dois rapidinho. E não desista assim, tão cedo, das nossas férias em
Nova York. Ainda tenho esperanças”.
Subi
para o meu quarto rindo com a resposta do skatista. Da onde será que ele tirava
essas ideias?
Sentei
na cadeira da escrivaninha e já estava me preparando para respondê-lo quando
chegou uma mensagem do Caio.
“Sábado vai rolar minha
festa de aniversário na minha casa. Estou te esperando,hein?”.
Assim
que li a mensagem, imediatamente a imagem do Léo de mãos dadas comigo me veio à
cabeça. Se ele realmente terminasse com a Vanessa, não precisaríamos mais nos
esconder e poderíamos aproveitar a festa juntos.
E
o melhor de tudo: a Carol e a Mari provavelmente também estariam lá. Essa sim
seria a chance perfeita para dar o troco nelas com o bônus de não precisar
passar vergonha na frente da escola inteira – de novo.
“Só me falar local e horário
que estarei lá”.
Confirmei
minha presença. Essa festa com certeza ia dar muito o que falar.
___________________________________
Notas
finais:
Uiiii, vai rolar festa! A-DO-RO capítulo que tem festa. Já sabem, né? Vem aí
muita confusão, babados e gritaria (bem do jeito que a gente gosta, né?)