quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Capítulo 27 – Continue a nadar

Notas iniciais: Obaaaa! Nesse cap surgem dois personagens novos que estava louca para colocar na história. Tenho CER-TE-ZA que vocês vão amar conhecê-los.

Do mais, o cap está morno, mas é porque serve de introdução para os próximos. Já sabem, né? Vem coisa boa por aí.

Estão prontas?
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- Mas já? – resmunguei, estendendo o braço para desligar o despertador. Não existia nada pior que acordar cedo em plena segunda de manhã.

Muito devagar, me arrastei para fora da cama e fui tomar um banho para despertar. Quando terminei de me arrumar, dona Beatriz já estava batendo na porta do meu quarto, me acelerando. Ela ainda fazia questão de me levar até a porta do colégio para ter certeza que não estava cabulando aula. Enquanto acelerava meus passos para ficar pronta logo, fiz uma anotação mental que precisava conversar com meu pai sobre isso. Eu já estava no terceiro ano do colegial, não dava para ficar tendo babá, poxa...

Dei um jeito no cabelo, fiz a maquiagem que a Laís me ensinou em tempo recorde, passei perfume e dei uma passada rápida pelo quarto pegando tudo o que precisaria para a aula do dia e jogando na mochila. Quando fiquei pronta, minha mãe já estava com o motor do carro ligado, me esperando com cara de poucos amigos.

  Seguimos em silêncio pelo caminho. Enquanto percorríamos as ruas, dei uma checada no Snap. Tinha um vídeo do Léo, gravado na noite anterior, deitado no sofá e comendo pipoca. A imagem indicava que ele não estava sozinho e imediatamente senti o ciúme tomar conta de mim. Abri nossa conversa no Whats, nem uma palavra trocada desde o domingo de manhã. Fiquei imaginando se ele tinha pensando sobre o que conversamos e se tinha tomado alguma decisão. Será que iria mesmo terminar com a Vanessa? E se fosse, por que estava assistindo filme com ela? Por que não podíamos ficar juntos se a gente se dava tão bem?

  Ainda era de manhã e parecia que eu já tinha resolvido mais de mil problemas de matemática. Minha cabeça fervia com as possibilidades. Encontrei o Alê no nosso canto de sempre do pátio com um mal humor capaz de assustar até a mais serena das criaturas.

- Você por acaso está naqueles dias? – ele perguntou depois de tentar estabelecer uma conversa normal comigo, sem muito sucesso.

- Me deixa em paz, vai – retruquei de modo azedo.

- Vou entender isso como um sim – disse, pegando o celular se concentrando no seu Instagram.

Subimos para a sala lado a lado, mas em silêncio. Fiz outra nota mental de lembrar de agradecer o Alê pela colaboração quando estivesse mais calma. A Mari e a Carol não costumavam ter tanta paciência com crises de mau humor – e era por isso que eu tentava evitá-las quando estava na companhia delas.

A primeira aula do dia era de Artes, o que me animou um pouco. O professor Gabriel sempre falava de assuntos interessantes e tinha uma maneira de ver a vida muito singular. Ele parecia estar sempre disposto a entender todos os lados e viver em paz, o que transmitia a sensação de ser uma pessoa calma e centrada.

- Pessoal, hoje tenho uma tarefa bem diferente para vocês, que vai exigir muita criatividade e trabalho em equipe – ele anunciou depois de fazer a chamada e passar alguns recados.

- Fala aí, professor... – alguém pediu.

- Quero que vocês escolham uma canção e contem a história da letra e da melodia a partir do ponto de vista de vocês.

Os alunos se entreolharam, todo mundo com a expressão de que não tinha entendido direito.

- Calma, calma... eu explico – o professor riu adivinhando o pensamento de todos – Sabem quando vocês ouvem uma música e imaginam uma cena ou situação? Então, é isso que eu quero que vocês me contem. Pode ser em desenho, vídeo, poesia... tanto faz. O objetivo é exercitar o nosso olhar para enxergar além do superficial. Ok, a música tem uma letra e um clipe que já passam uma mensagem. Mas, o que existe por trás disso? Qual situação serviu de base para que o compositor escrevesse aqueles versos? Como os personagens da história se sentiam, ou o que eles fizeram depois disso?

- Então é para a gente imaginar uma história para qualquer música que a gente quiser? – Alê quis saber, com um sorriso travesso no rosto.

- Isso mesmo, senhor Alexandre. Mas nem adianta se empolgar muito, porque vou aprovar as músicas e as ideias antes de vocês começarem o trabalho – Gabriel disse.

- Isso que dizer que não vale música do “É o Tchan!”? – o skatista perguntou com o seu melhor sorriso amarelo.

- Bom, desde que você tenha uma justificativa muito boa para explicar o porquê dessa música – o professor lançou um olhar de “posso ser tão esperto quanto você”, rindo na sequência.

Meu amigo apenas deu de ombros, sem argumentos para continuar a conversa.

- Enfim, turma – o professor continuou a falar – o trabalho deve ser feito em grupo de até quatro pessoas. Todos deverão apresentar os resultados diante da sala daqui um mês. Vou avaliar as ideias mais criativas e as melhores execuções, ok? Podem aproveitar a aula de hoje para definir as equipes e começar a discutir ideias. Qualquer dúvida, me chamem.

Menos de cinco segundos depois a sala já estava tomada por barulho de conversas e pessoas arrastando mesas e cadeiras de um lado para o outro. Enquanto o pessoal se organizava, fiquei encarando aquele que foi o meu “time” por muito tempo. Vi a Nathy assumir o meu lugar e a Mari tratá-la como se sempre tivesse ocupado aquela vaga. Senti algo estranho dentro de mim. Não era ciúme, nem raiva, nem mágoa. Era um vazio estranho, como se quisesse ter a minha própria turma, alguém para correr quando precisasse.

- Acho que seremos só nós – Alê disse com seu típico tom brincalhão.

- É, acho que sim... – soltei um suspiro, voltando minha atenção para minha atual realidade.

- Qual é, Gabs?! Nem sou tão chato assim – ele se defendeu.

- Não é isso, Alê. É só que... sei lá. O dia está estranho hoje – tentei justificar minha falta de ânimo.

- Vocês já tem grupo? – uma voz soou de repente ao nosso lado.

Olhei em direção à pessoa que fez a pergunta. Era o Fernando, um menino alto, magro, dono de um sorriso muito bonito e que todo mundo dizia ser gay, embora ele nunca tivesse assumido nada.

- Ainda não – respondi, tentando disfarçar a minha surpresa.

- Bom, eu e a Rebeca também não temos. Acho que poderíamos nos juntar – ele propôs com uma voz amigável.

Puxei pela memória quem era a tal Rebeca. A primeira lembrança que surgiu foi a Mari fazendo piada por ela ser a “forever alone” da nossa sala. Dona de cabelos cacheados castanhos e de uma inteligência fora do comum, a menina em questão era de poucos amigos e poucas palavras. Sempre tirava 10 em todas as provas, mas nunca se misturava a ninguém.

Olhei para o Alê, que me encarava com a expressão surpresa. Pela sua cara, dava para imaginar que ele acreditava ser mais possível que o céu se abrisse e E.T’s aparecessem para nos ajudar do que aqueles dois se juntarem a nós para um trabalho em grupo.

- Hããã... por mim tudo bem – respondi, voltando a focar minha atenção no garoto.

O Fernando sorriu para mim e depois virou para encarar o skatista.

 – O que minha parceira decidir está decidido – meu amigo apressou-se em responder.

- Certo. Vou chamar a Rebeca – ele avisou antes de voltar ao seu lugar, a uma fileira de distância da nossa, e chamar a nossa mais nova parceira de trabalho.

Troquei mais um olhar com o Alê, que me encarava com uma expressão de menino assutado.

- Que foi? – perguntei em voz baixa.

- Ela tem cara de que não vai nem me deixar abrir a boca.

- Para de drama, vai... Tenho certeza que ela é gente boa – menti. Na verdade, eu compartilhava da mesma opinião que ele, mas não quis dar corda para o seu medo.

- Já vou avisando que não vou fazer trabalho nenhum com música do É o Tchan! – a Rebeca anunciou, sentando-se na mesa com uma postura ereta e expressão de “sou a líder”.

Pelo canto do olho, o Alê me olhou com cara de “eu não disse?”. Devolvi o olhar querendo dizer “se controla” e tentei sorrir para mostrar que estávamos abertos a negociações.

- Na verdade, acho que já tenho a música perfeita – Fernando tomou a frente da conversa de modo conciliador.

Todo o grupo voltou a atenção para ele, como se estivéssemos esperando o salvador entrar pela porta com cornetas e querubins anunciando sua chegada.

- Bom, acredito que todo mundo aqui conheça a Taylor Swift, né? – o garoto retomou – Tem uma música dela, a Shake it Off, que é a cara da Gabriela.

- Como assim? - enruguei a testa, curiosa.

- É que a letra fala sobre vários problemas que uma garota enfrentou, inclusive com garotos, e que isso não a impediu de seguir em frente, entende? Acho que tem tudo a ver com o que aconteceu com você – o Fernando me encarou com um sorriso empolgado no rosto.

- É tipo como se estivéssemos escolhendo uma trilha sonora para a vida da Gabs? – Alê entrou na conversa com um sorriso de menino arteiro.

- Nossa, seria ideal mesmo. No clipe a Taylor aparece dançando vários ritmos, inclusive balé. Podemos fazer tipo um clipe, só que com a história da Gabriela. Um dos meninos pode se vestir de Edu – Rebeca se manifestou depois de passar alguns instantes analisando a proposta.

- Sei que ele é meu primo, mas passo essa, hein? Edu não tem o mesmo charme que eu tenho – claro que o skatista não perdeu a chance de fazer piada.

- Mas ele é bem mais bonito que você – Rebeca retrucou na mesma hora.

- Hey, já ouviu falar de empatia? De se colocar no lugar do seu parceiro de equipe? – meu amigo fez cara de ofendido só para provocá-la, o que aparentemente funcionou.

- Gente, vamos manter o foco – Fernando estalou os dedos para chamar a atenção dos dois – Gosto da ideia do clipe. E podemos aproveitar que temos o mais novo vloger do colégio no nosso grupo para organizá-lo.

- Podemos montar um roteiro. Só precisamos rabiscar algumas ideias para começar a montar a sequência das cenas – o skatista já foi abrindo o seu caderno e procurando o lápis no estojo.

- Acho que tinha que começar com ela vestida de bailarina, arrasando na coreografia. Aí aparece alguém e dá uma rasteira nela... – Rebeca sugeriu.

- Vingativa você, né? – o skatista brincou.

- Ué, só estou sendo fiel aos acontecimentos... – a garota se justificou.

- Peraí, peraí... – freei a criação da minha “vídeo biografia” – Não sei se essa é uma boa ideia. Vamos expor minha vida assim, para todo mundo?

- Querida, acho que a Mari já fez isso por você. Como você acha que eu, o Fernando e todo mundo dessa sala sabemos o que aconteceu entre você e o Edu? – Rebeca questionou, parecendo um professor quando deseja saber a lógica que o aluno usou para chegar àquela resposta.

- Pensa só, Gabi. Seria o contra-ataque ideal do Time B. E você não estaria fazendo nada de diferente do que já fazemos no Jogo do Engana Trouxa. Só que dessa vez vai valer nota – Alê tentou me convencer.

- Oi? Jogo do Engana Trouxa? – foi a vez do Fernando enrugar a testa.

Alê explicou resumidamente o nosso plano de revide contra a nobreza, recebendo muitas palavras de apoio por parte dos dois.

- Nossa, esse seria o troco ideal! A Gabi ia sair divando dessa história – Rebeca deixou o lado “líder” de lado, deixando a empolgação tomar conta.

- Gente, vai ser o bafo do ano! Gabi, você tem que fazer! Vai ser “A” volta por cima, com tudo o que tem direito – Fernando mexeu as mãos, bastante animado, o que me fez entender porque as pessoas diziam que ele era gay.

- Minha bonequinha está evoluindo, gente! De porcelana indefesa à bailarina exterminadora do recalque. Que orgulho! – Alê disse fingindo estar emocionado, fazendo todo mundo cair na risada.

- Prometo que vou pensar, ok? – concordei só para apaziguar os ânimos. Na realidade, aquela hipótese nem se passava pela minha cabeça. Uma coisa era fingir que não ligava e entrar na brincadeira do Jogo do Engana Trouxa, outra beeem diferente era montar um clipe cujo o único objetivo era mostrar para todo mundo a maior desgraça da minha vida.

- Certo. Mas enquanto você pensa, a gente já vai anotando algumas ideias, beleza? – Fernando declarou ganhando a aprovação de todos.

Passei o resto daquela aula e todas as outras com um humor não muito bom. O Alê, por sua vez, estava empenhadíssimo no tal clipe. Ele, Fernando e Rebeca pareciam velhos amigos de infância, de tanto que trocavam ideias.

Quando o sinal da saída tocou, usei o encontro do meu pai como desculpa para sair correndo sem nem me despedir direito. Encontrei Mário Sérgio parado em frente ao colégio perto de um táxi. Ele acenou quando me viu, abrindo um sorriso de orelha a orelha.

- Filha, tudo bem? Como foi a aula? – perguntou depois de me cumprimentar com um beijo no rosto.

- Foi legal – respondi, sem ânimo.

- Nossa! Com essa empolgação tão contagiante, eu não duvido que tenha sido ótima – ele brincou, mexendo as mãos para que eu entrasse no carro – O que foi? Mari e a... Como é mesmo que o Alê chama? A nobreza? – assenti com a cabeça e ele continuou – aprontaram mais alguma coisa?

- Não. Quer dizer... mais ou menos – soltei o ar pesadamente – É que essa história ainda está rendendo.

- Rendendo como? – ele me olhou com a expressão desconfiada.

Expliquei a ideia do clipe para ele.

- Poxa, você tem amigos muito criativos, hein? – ele começou a rir, se divertindo com a minha cara – Que foi? Você não gostou da ideia? – ele tentou disfarçar o riso quando viu a minha cara de poucos amigos – Filha, é só usar a lógica. Todo mundo já não sabe da história? Que diferença vai fazer ela ser contada mais uma vez ou não? E outra: não seria ótimo mostrar o seu ponto de vista? Porque até agora eles só sabem o que a Mari contou. É assim que você quer que eles te conheçam? Sobre a ótica de outra pessoa?

Balancei a cabeça, refletindo sobre o seu ponto de vista. Eu sabia que fazia sentido. Mas e a coragem para passar por tudo aquilo de novo, de onde eu ia tirar?

- Gabriela, lembra do nosso último almoço quando falei que você precisa saber o que quer da vida? Pois bem, está na hora de começar a decidir. É como eu disse, fugir não é a solução.

- Mas eu não estou fugindo, poxa! Voltei para o colégio, não voltei? Não aguentei todo mundo me zuando, julgando e olhando de cara feia? – desabafei, com o tom de voz bem mais alto que o normal. Vi o taxista espiando pelo retrovisor para saber se estava tudo bem. Por sorte, já estávamos próximos do ponto onde iríamos saltar. Abaixei a cabeça e fingi estar entretida com o celular enquanto o motorista estacionava e meu pai acertava a corrida.

Mário Sérgio tinha escolhido o mesmo restaurante da última vez, o que me fez concluir que o cardápio seria peixe novamente. Isso acabaria se tornando uma característica única do meu pai: a pessoa que me levava para comer pratos diferentes.

Escolhemos uma mesa e fizemos os pedidos. Depois que o garçom saiu, ele me encarou com a expressão insondável.

- Está mais calma agora? – perguntou, não em tom acusatório como minha mãe teria feito. Porém, o tom de análise que ele usava comigo às vezes estava começando a me irritar.

- É que está tudo uma bagunça na minha cabeça e eu não faço ideia de como começar a arrumar – desabafei, sem coragem de sustentar o seu olhar.

- Pelo visto, não é só o clipe que está te preocupando...

- Eu vi o Edu ontem – falei como se fosse uma criança confessando que fez arte.

- E como foi? – a expressão indecifrável e tom de análise continuavam. Queria pedir para ele parar com aquilo, mas no momento tinha problemas mais sérios para resolver e precisava aproveitar que meu pai estava disposto a me ajudar. Encontrar pessoas em quem eu pudesse confiar andava meio complicado nos últimos tempos.

- Estranho. Acho que criei na minha cabeça uma versão dele arrogante e marrenta. Tinha esquecido que ele também poderia ser gente boa e simpático – mexi no cabelo só para não ficar com as mãos paradas.

O garçom se aproximou com as bebidas e aproveitei para dar um longo gole no meu suco. Não tinha percebido que minha boca estava seca.

- Além do Edu, tem mais alguma coisa?  - perguntou, mexendo o conteúdo do seu copo com o canudinho.

- Tem o Léo – imitei o seu gesto, olhando para o líquido como se, de repente, ele tivesse se tornado muito importante.

- Opa, esse é novo! Quem é Léo?

Eu poderia apostar que o Mário Sérgio nem desconfiava que a minha “fila” poderia andar tão rápido, porque ele juntou as sobrancelhas, surpreso com a minha resposta. Respirei fundo, pensando se não estava indo longe demais naquela conversa. Afinal, ele era meu pai e, até onde eu sabia, garotos não era o tipo de assunto que meninas da minha idade discutiam com o pai.

Dei mais um longo gole no meu suco antes de contar sobre o cabeludinho. Ao longo da conversa, percebi que ele realmente não esperava por uma confissão daquele tipo. Mas, pelo menos, não me olhou com cara feia, o que já ajudava bastante.

- E agora não sei o que fazer. Ele disse que estava pensando em terminar com a namorada, mas postou uma foto no Snap que parecia estar assistindo filme com ela e não falou mais comigo no Whats – encerrei meu relato. A essas alturas a comida já tinha chegado, mas nenhum dois estava ligando muito para ela.

- Uaauu! Agora entendo porque a Melissa que ser coach de jovens. Vocês realmente passam por muitos desafios nessa idade – ele parecia impressionado – Não me diga que tem mais coisa?

- Na verdade, tem – abri um sorriso amarelo.

- Nossa! Isso está parecendo uma montanha-russa – ele comentou antes de levar o garfo de comida até a boca. Depois mexeu as mãos, pedindo que eu continuasse.

- Bom, ficar uma semana sem ir para a escola complicou bastante minha situação no colégio. Além disso, tem minha mãe que não fala mais comigo e a falta do balé. Quer dizer, não que eu queira continuar dançando, mas sinto falta de fazer alguma coisa. O problema é que fiz balé a vida inteira. Não tem mais nada que eu saiba fazer – coloquei tudo para fora, me sentindo um pouco mais leve.

- E ainda tem a mudança para Nova York, não é mesmo? Afinal de contas, não é por isso que estou aqui? – meu pai emendou.

- Verdade! Ainda preciso decidir se vou fazer faculdade ou vou morar com você – concordei, me lembrando da velha expressão que diz “sempre dá pra piorar” – Sei lá, às vezes é como se eu sentisse que estou me afogando, sabe? Preciso lutar para ficar na superfície e aí acabo me apegando a qualquer coisa que me impeça de afundar, entende?

Ele parou um instante para pensar, deixando seu olhar vagar pelo local - Foi uma boa analogia – mexeu a cabeça, concordando – Vou voltar a dizer: você precisa saber para onde quer ir. Aproveitando o gancho do seu exemplo, é como ter um porto para onde ir. Quando você percebe que está começando a afundar, se esforça para chegar até lá, entende?

- Hum... entendo! Mas como saber qual é o meu porto seguro? – fiquei interessada no assunto.

- Uma pessoa pode ter muitos portos. Família, amigos, trabalho que ame, hobby... Mas só você pode descobrir quais são. O jeito é ir nadando até encontrar um lugar bacana para ficar – explicou, servindo-se de um pouco mais de peixe.

Olhei para ele com cara de “sério mesmo?”. Eu achando que meu pai iria me dar uma super ajuda e vem ele com aqueles conselhos de meia tigela.

- Então eu tenho que ir nadando... – repeti com a voz contrariada – Tipo Dory do “Procurando Nemo”. “Continue a nadar, continue a nadar, para achar a solução, continue a nadar...” – cantei com uma voz irritante.

- É bem por aí. E quando achar o seu porto, ou os seus portos, cuide bem dele. Seja grata pela conquista. Olhe para trás e veja que a jornada valeu a pena – emendou, parecendo o Mestre dos Magos.

- Tá, mas e o que fazer quando eu não conseguir “nadar”? – aquele era o meu principal problema nos últimos tempos.

- Fácil. Quando a onda vir forte demais, não adianta nadar contra. O melhor é aproveitá-la e surfar, entendeu? – lançou mais um enigma, aparentemente se divertindo muito com a minha situação.

- Surfar? – repeti, sem acreditar no que estava ouvindo. Meu pai, que eu tinha acabado de descobrir que era um super coach com não sei quantos livros publicados, estava mesmo me dando um conselho daqueles?

- A vida não precisa ser tão complicada, Gabriela. É só se lembrar de nadar a favor da maré e, quando estiver muito difícil, correr para os portos seguros – reafirmou com tom solene.

- Surfar com a onda e achar os portos seguros – repeti, já mais conformada. Pelo visto, daquele “mato não ia sair coelho”.

- Fica tranquila, filha. Você não vai estar sozinha nisso. Tem o Alê, que adora você, a Mel que estará à disposição para ajudá-la no que for preciso e eu também estarei ao seu lado, mesmo de longe – ele estendeu a mão sobre a mesa e me ofereceu um sorriso carinhoso – Vai dar tudo certo, tenho certeza.

Retribuí o seu gesto e ficamos de mãos dadas por um tempo sem falar nada. Era estranho como uma pessoa que eu mal conhecia tinha o poder de me deixar mais tranquila.

- Hããã... falando em Melissa – aproveitei o momento para emendar o assunto – acho que vocês formariam um belo casal. E o Alê também acha – fiz questão de enfatizar.

Toda a pose de homem sério e confiante que o Mário Sérgio mantinha foi por água abaixo. Ele mexeu as mãos, sem jeito, e gaguejou para começar a falar - Eeeer... Ela é uma mulher incrível. E linda, é claro – fez uma pausa para alisar a camisa, o que me fez rir – Mas acho que ela deixou bem claro que não se mudaria para Nova York. E preciso ser sincero: não está nos meus planos ficar no Brasil de forma definitiva.

- Alguma chance disso acontecer um dia? – arrisquei, descobrindo dentro de mim uma vontade de ter uma família que eu desconhecia até então.

- Bom, a única razão seria você. Se continuar se afogando, não hesitarei em vir salvá-la.

A declaração me pegou completamente desprevenida. Não sabia o que falar ou que fazer. Fiquei parada, olhando para meu pai, me perguntando se ele realmente seria capaz de fazer aquilo por mim. Preferi acreditar que sim. Talvez eu tivesse acabado de descobrir um porto seguro, afinal.

***
Durante o resto do almoço conversamos sobre a vida em Nova York e o trabalho do meu pai. Ele comentou que não ficava muito em casa, pois estava sempre em conferências ou em visitas a clientes. Disse que havia um ótimo quarto de hóspedes na sua casa que poderia ser facilmente adaptado para me receber, caso eu realmente desejasse me mudar.

Depois que ele me deixou em casa e se despediu, corri pegar o celular para mandar uma mensagem para o Alê.

“Mário Sérgio disse que adorou sua mãe e que ficaria no Brasil caso eu precisasse dele. Se dona Melissa não vai a Nova York, meu pai vem até ela ;)”.

Pessoas como o Alê tinham um lugar cativo no meu coração porque sempre respondiam o WhattsApp rapidamente.

“Então já temos o elo que estávamos procurando: você. É só continuar sendo rebelde que vamos conseguir juntar os dois rapidinho. E não desista assim, tão cedo, das nossas férias em Nova York. Ainda tenho esperanças”.

Subi para o meu quarto rindo com a resposta do skatista. Da onde será que ele tirava essas ideias?
Sentei na cadeira da escrivaninha e já estava me preparando para respondê-lo quando chegou uma mensagem do Caio.

“Sábado vai rolar minha festa de aniversário na minha casa. Estou te esperando,hein?”.

Assim que li a mensagem, imediatamente a imagem do Léo de mãos dadas comigo me veio à cabeça. Se ele realmente terminasse com a Vanessa, não precisaríamos mais nos esconder e poderíamos aproveitar a festa juntos.

E o melhor de tudo: a Carol e a Mari provavelmente também estariam lá. Essa sim seria a chance perfeita para dar o troco nelas com o bônus de não precisar passar vergonha na frente da escola inteira – de novo.

“Só me falar local e horário que estarei lá”.

Confirmei minha presença. Essa festa com certeza ia dar muito o que falar.
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Notas finais: Uiiii, vai rolar festa! A-DO-RO capítulo que tem festa. Já sabem, né? Vem aí muita confusão, babados e gritaria (bem do jeito que a gente gosta, né?)

Beijo na testa, até o próximo cap!


*** Bora para o próximo capítulo? Então clica aqui


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Capítulo 26 – Um velho conhecido

Notas iniciais: Aviso aos navegantes: estamos chegando ao final da segunda fase, o que significa que acontecimentos BA-BA-DOS estão por vir. Nesse cap eles já começam a se desenrolar. Preparem-se para sofrência, dramas e reviravoltas no maior estilo novela mexicana porque, olha... estou inspirada com as chegadas das minhas férias, viu?
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Acordei no dia seguinte ouvindo os passarinhos cantando ao longe. Imaginei que eles estavam aproveitando os últimos dias de calor nas árvores à beira do lago, curtindo o sol ainda não tão forte das primeiras hora da manhã.

Sentindo uma preguiça boa, me virei na cama, ficando de bruços e abraçando o travesseiro. Ainda com os olhos meio fechados por causa do sono, vi a pulseira que o Léo me dera em cima do meu criado mudo. Estiquei a mão e a segurei entre os meus dedos. Eu não estava a usando para não chamar muita atenção, principalmente do Alê, embora quisesse muito exibi-la por aí como um troféu.

Fiquei olhando para aquele acessório que era o “símbolo” do nosso trato e, de repente, fui tomada pela vontade de ter o Léo mais perto de mim. As regras do nosso contrato, a cada dia que passava, estavam se transformando em limites difíceis de respeitar. Eu desejava poder chamá-lo a qualquer horário no Whats, vê-lo quando bem desejasse ou, até mesmo, fazer coisas bobas, como usar a pulseira sem medo que alguém descobrisse a nossa relação secreta.

Voltei a me virar na cama, me escondendo embaixo do edredom como se aquele pedaço de tecido fosse capaz de me proteger do mundo.

Fechando os olhos, relembrei a noite anterior, dos abraços e beijos, da música que ele compartilhara comigo, das conversas e brincadeiras. Lembrei do cheiro e do jeito firme que me segurava -  sem deixar de ser carinhoso e respeitoso – e do calor do seu “sorriso de verão”.

Estendi um dos braços na cama, como se assim ainda pudesse voltar ao dia que ele estivera ali junto comigo. Lembrei da nossa conversa na ocasião, quando ele me falou que eu era um pássaro que voaria para muito longe ainda. Ainda com essa conversa com a cabeça, peguei meu celular no criado mudo e abri o Google. O Léo estava certo quando disse que meu nome significava “enviada de Deus”. Mas o dele não batia. A pesquisa dizia que Leonardo queria dizer “valente ou forte como um leão”.

Ignorando o nosso trato – de primeiro chamá-lo pelo nome, esperar ele dizer se estava sozinho para só então continuar a conversa – mandei uma mensagem no Whats.

“Da onde você tirou que seu nome significa “presente de Deus”, Leonardo?”

Apesar de ser oito horas da manhã de um domingo, ele respondeu em menos de cinco minutos depois.

“Acordou pensando em mim, é?”

Fiquei sem graça com a resposta. Não era minha intenção dar na cara que ele estava dominando meus pensamentos. Pensei em dar uma desculpa para aquele súbito interesse, mas mudei de ideia. Afinal, que mal havia em confirmar que estava pensando nele depois que o garoto sacrificou uma festa com os amigos para ficar comigo?

“Acordei e vi sua pulseira em cima do meu criado-mudo. Aí, não sei porquê, lembrei dessa conversa dos nomes. Mas pesquisei no Google e vi que está errado. Na verdade, Leonardo significa forte como um leão”.

“Ah, está pronta para descobrir um segredo meu?”

Segredo? – repeti em voz alta, as sobrancelhas enrugadas.

“Que tipo de segredo? Vai me contar que, na verdade, é um E.T.? Porque se for isso, eu já desconfiava”.

Digitei, tentando descontrair, mesmo que estivesse tensa para descobrir a resposta.

“É que minha mãe é muito fã dessas novelas mexicanas, sabe? A Ursupadora, Maria do Bairro e todas aquelas com a Thalia... O problema é que ela buscou inspiração para escolher o meu nome nesses personagens para me batizar. Daí surgiu Leonardo Mateus, meu verdadeiro nome. Chocada?”.

Soltei o ar, aliviada. O permanente clima de mistério do Edu me deixara mais desconfiada e precavida do que eu poderia imaginar.

“Então, ‘presente de Deus’ é o significado de Mateus?”

Perguntei, rindo do seu jeito brincalhão.

“Isso mesmo, garota esperta”.

“Não fiquei nem um pouco chocada. Mas confesso que estou rindo alto aqui. Leonardo Mateus realmente parece nome de galã de novela mexicana”.

“Já sofri muito bullying por causa disso. Jamais vou superar esse trauma”.

A mensagem foi seguida por vários emojis com carinhas tristes, só para enfatizar o falso drama.

“Será que é por isso que você é lesado desse jeito?”

Provoquei, sentando na cama e encostando as costas na cabeceira. Eu não lembrava quando fora a última vez que dormi e acordei tão feliz.

“Não. Acho que isso foi porque cai do berço. Essa parte do bullying é o que me faz ser tão inteligente. Você sabe, né? Só os espertos sobrevivem nesse mundo cruel”

“Meeeu Deus, como você se acha! Cuidado para não soltar a cordinha, senão o seu ego sai voando de tão inflado que está”.

Provoquei, só para vê-lo continuar se autopromovendo. Aquela era uma das características que eu mais gostava no Léo. Ele sabia o que era e não fazia questão de esconder isso de ninguém. O “cabeludo” era seguro de si, mas não de forma egoísta. Pelo contrário, a sua força era tão contagiante que ele parecia uma onda que contagiava todo mundo junto. Ao contrário do Edu, que se empenhava em passar uma imagem de forte, mas, para isso, construiu um muro ao seu redor que impedia qualquer pessoa de se aproximar.

Fiquei tão entretida com esse pensamento que demorei para ver que o Léo já havia respondido.

“Na verdade, meu ego está é bem murchinho, viu? Estou preocupado”.

Enruguei a testa, estranhando. Era tão difícil ver meu parceiro de contrato tenso com algo que, imediatamente, senti um pressentimento ruim.

“Ontem, quando saí do condomínio, vi que tinham várias mensagens da Vanessa. Ela estava querendo saber por que eu não estava em nenhuma das fotos que o pessoal postou nas redes sociais. Dei uma desculpa esfarrapada falando que ela sabe que não gosto muito de fotografias, o que é verdade, mas ela não acreditou. Está mega encucada agora”.

Foi como se o ar tivesse sumido dos meus pulmões. Eu sabia que a desconfiança da Vanessa seria só o início da ruína do meu castelo de areia. Mesmo com medo da resposta, respirei fundo várias vezes para tomar coragem e escrevi a pergunta que estava martelando na minha cabeça.

“E agora? O que vamos fazer?”

“Não sei ainda, linda... Preciso pensar. Talvez essa seja a deixa que precisava para terminar o namoro”.
Meu coração deu um salto tão grande no peito que pensei que ia sair pela boca. Eu estava entendendo certo? E se ele realmente terminasse, ficaríamos juntos como um casal oficial?

“Bom, pensa direitinho no que vai fazer. Não decide nada com a cabeça quente”.

Foi o melhor que consegui responder considerando o estado de ansiedade em que me encontrava.  Eu mal conseguia segurar o celular direito. Minha vontade era de sair pulando pelo quarto, agradecendo a minha sorte. Vanessa tinha cavado a própria cova e deixado o cabeludinho de bandeja para mim.

“Pode deixar, linda! Mas agora vou tentar dormir mais um pouquinho, tá? Ninguém merece acordar cedo em pleno domingo”.

A mensagem veio seguida de várias carinhas com a língua de fora, o que me fez imaginá-lo deitado na cama, sorrindo para a tela do celular daquele jeito “moleque” que ele tinha.

“Vai lá! Beijo, a gente se fala depois”.

Me despedi, deixando o celular de lado e voltando a rolar na cama, a vontade de tê-lo junto de mim no meu quarto mais forte do que nunca.

Acabei deixando a preguiça vencer e peguei no sono novamente, as cenas da noite anterior voltando à minha mente e se misturando a outros devaneios que me impediam de saber o que era sonho e o que era realidade.

Acordei com o celular tocando e vibrando feito um louco.

- Que foi, Alê? Pra quê esse desespero a essas horas da madrugada? – atendi com a voz grogue de sono.

- Ahh, meus motivos são mais do que dignos. Sabe por quê? O Time B acaba de marcar mais um ponto no placar! – ele comemorou, com a empolgação de um chefe de excursão.

- Oi? Do que você está falando, garoto? – cocei o olho, tentando acordar e prestar atenção na conversa.

- Sabe aquela foto que postei no Insta e no Face, agradecendo os comentários no vídeo dos cinco sinais e falando qual será o nosso próximo tema?

- Ahan... – concordei, fazendo um esforço tremendo para sentar na cama com um dos cotovelos apoiados na minha perna.

- Então, nossa querida amiga Carol curtiu. Acredita? Queria perguntar para ela no Whats quem é o pop agora, mas não vou dar esse prazer à nobreza – só pelo tom de voz do meu amigo dava para perceber duas coisas. Primeiro: ele ainda sentia algo pela Carol. Segundo: ele sabia o quanto doía gostar de alguém que te desmerece. Talvez fosse por isso que ele me entendia tão bem e fazia questão de compartilhar aquela pequena vitória comigo. Só quem já teve um coração partido sabe o quão importante é manter-se firme e que, para isso, vale se apegar a cada pequena vitória como se fosse algo excepcional.

- Rá! Sabia que você ainda ia sambar na cara daquelas recalcadas – comemorei.

- Gabi, fala que nem homem comigo, por favor! Depois eu fico repetindo essas frases nos meus vídeos e parecendo um gay – protestou com a voz séria, como se estivesse pedindo a coisa mais natural do mundo – Nada contra os gays, deixando bem claro.

- E você quer que eu fale como?  Quer que eu te chame de cara? – perguntei, me segurando para não rir.

- Nesse momento, eu quero mesmo é que você levante dessa cama e venha até a minha casa para me ajudar com o roteiro do próximo vídeo – impôs, se sentindo o “manda chuva do pedaço”.

- E como você sabe que estou na cama? – me fiz de ofendida.

- Não é muito difícil de deduzir. Você tem aproveitado cada momento de folga para compensar todos os dias que passou dançando balé – usou sem tom de “sabe tudo” de novo.

 Parei para pensar por um momento. Até que fazia sentido. Desde da briga com a minha mãe, eu não estava fazendo praticamente nada, nem estudar direito. Senti uma pontada de incômodo no peito, como se meu velho amigo “monstrinho” tivesse aparecido para uma visita e estivesse me olhando de modo acusador.

- Ao contrário do que você imagina, tenho muito o que fazer, mocinho! – menti, só para não dar o braço a torcer. Além do mais, eu nem tinha penteado o cabelo e escovado os dentes ainda... Não tinha a mínima condição de sair naquele estado.

- Se estiver me trocando por assistir séries, eu nunca vou te perdoar... – fez chantagem.

- É sério. Ainda preciso tomar café, me arrumar... Não dá para ir agora – acabei assumindo a verdade. Não dava para mentir para o Alê.

- Ok, estou te esperando. Mas não vem muito tarde, porque minha mãe mandou te convidar para o almoço... – falou com voz de “eu já sabia”.

- Beleza! Já, já, estou aí!

- Conheço bem o seu já, já, Gabriela! Só tenta vir ainda hoje, ok? – caçoou da minha cara.

- Se ficar pegando no meu pé desse jeito, eu não vou...

- Ok, Gabriela, minha amiga mais linda desse mundo. Estou te esperando ansiosamente aqui, viu? – falou com a voz melosa para me impressionar.

- Vou pensar no seu caso... – me fiz de difícil.

- Para de graça e vem logo! – disse antes de encerrar o assunto e desligar o telefone.

Acabei enrolando mais um pouco antes de levantar. Desci para tomar café e estranhei não ver minha mãe ali. Acabei lembrando que a data da apresentação do balé em Mogi estava chegando e, provavelmente, ela tinha tirado o dia para acertar os últimos detalhes da produção. Era estranho não fazer mais parte daquela loucura e, mais estranho ainda, como eu não sentia falta de fazer parte desse mundo.

Fiquei mais um pouco em casa, entretida com a esperança de ter o Léo só para mim, a vontade de caçar algo para ocupar o meu tempo livre e o sentimento de tristeza por ter perdido tanto tempo em um mundo ao qual eu não pertencia.

Quando me dei conta, já eram onze e meia da manhã. Corri para a casa do Alê, pronta para usar a desculpa que estava chegando na hora certa para o almoço.

- Gabi, querida! Tudo bem? – dona Melissa me cumprimentou quando me viu. Ela estava parada em frente ao jardim, conversando com uma mulher que não conhecia, mas que me lembrava muito alguém – Alê está te esperando, pode entrar!

- Obrigada! Vou lá ver o que ele quer – sorri, antes de entrar na casa. Percorri o caminho que já sabia de cor, relembrando o quanto eu adorava aquela casa. A decoração era colorida, alto-astral e acolhedora, bem diferente da minha.

- Pode comemorar, porque sua assistente oficial chegou – fiz uma entrada triunfal, caprichando no tom de voz e na pose ao aparecer na porta do quarto do meu amigo. Porém, toda minha animação foi por água abaixo quando vi quem era. Sentado na cama, com o controle de videogame na mão e os olhos verdes fixos em mim estava ninguém mais, ninguém menos que o Edu.

Ficamos parados, um encarando o outro, até que ele sorriu para mim como se quisesse testar se era seguro ficar no mesmo quarto que eu. Quis devolver o gesto, mas fui tomada por uma paralisia total, que me incapacitou até de piscar.

- Oi, Gabi! – ele cumprimentou, parecendo um pouco mais simpático do que eu me lembrava.

- Oi! Cadê o Alê? – respondi, indo pelo caminho contrário e parecendo um pouco mais seca do que costumava ser com ele.

- Opa, alguém me chamou? – o skatista apareceu atrás de mim com um copo de suco em cada mão – Nossa, apareceu a margarida? Achei que não vinha mais!

- Você disse para chegar antes do almoço. Cá estou eu, antes do horário combinado, inclusive – disse, me sentindo a espertalhona por ter uma desculpa pronta na manga.

- Bom, esteja ciente que esse almoço terá um preço... – ele piscou ao passar por mim, entrando no cômodo. Porém, ao dar de cara com o primo, me olhou novamente com jeito de desculpa - O Edu vai ficar para o almoço também, Gá – emendou, como se quisesse me preparar para o que estava por vir.

- Ótimo! Quanto mais gente, melhor! – brinquei, tentando disfarçar a vontade enorme de sair correndo.

Depois de acomodar os copos de sucos, o Alê se jogou na cama ao lado do carioca e voltaram a se concentrar no jogo, enquanto eu me acomodei na cadeira da escrivaninha e liguei o notebook do meu amigo. A ideia era adiantar o roteiro do vídeo, mas não consegui ter muito sucesso.

Fiquei vendo o jeito que o Edu tratava o Alê e reparando como era diferente o modo como me tratava quando estava na frente de todo mundo e, principalmente, como era igualzinho ao jeito que conversávamos quando estávamos a sós. Ele mantinha o jeito de marrento - mas não de forma prepotente -, tinha boas sacadas e, para minha surpresa, era bem falante.

Minha surpresa continuou ao longo do almoço. Conversamos naturalmente, ambos sem as máscaras que costumávamos usar. Era tão bom não precisar ser uma Gabi que eu não era. Sem me preocupar em ser descolada, legal, segura, do mesmo tipo que a Mari ou a Nathy.

Dona Melissa contava animada sobre o seu novo projeto e falava das pesquisas que estava desenvolvendo sobre comportamento dos jovens, enquanto comentávamos o que gostaríamos de descobrir se participássemos do seu programa de coach.

Pelo Whats, o Alê me contou que a mulher que vi conversando com a dona Melissa era a mãe do Edu e que o carioca estava ali porque não estava se dando muito bem no novo colégio. Queriam que o skatista o convencesse a voltar para a nossa escola. E, ao que tudo indicava, o único motivo que o impedia era justamente eu. Ele estava com medo que a história da minha primeira vez ainda estivesse rendendo e não queria se expor. Senti uma certa raiva por ele não querer enfrentar o seu medo enquanto eu não tive opção.

“Fala para ele que fugir não é a solução”.

Citei a frase que as pessoas mais falavam para mim nos últimos tempos. Vi o meu amigo se contorcer para visualizar a mensagem sem chamar atenção e precisei me segurar para não rir.

“Na verdade, estou pensando em falar do jogo do Engana Trouxa para ele”.

Como se estivesse adivinhando a resposta do filho, dona Melissa resolveu colocar o assunto “à mesa”.

- Não é porque é meu filho, mas achei a ideia do Alê teve para salvar a Gabi genial. Inclusive, estou pensando em incluir no projeto. Apesar de não ser exatamente relacionado a planos profissionais, acho uma ótima sugestão para o pessoal que sofre com bullying – ela citou, toda animada.

- Salvar a Gabi? – o Edu repetiu, sem entender.

Um silêncio matador caiu sobre a mesa. A mãe do skatista abaixou a cabeça, como se tivesse acabado de perceber o fora que tinha dado, enquanto seu filho olhava para minha cara como se esperasse que uma solução mágica para contornar aquela situação caísse do céu.

- Dona Melissa está falando da ideia que o Alê teve para me ajudar a voltar ao colégio depois que a Mari espalhou o boato que você só quis ficar comigo por dó. Chama “Jogo do Engana Trouxa”, e a única regra é contrariar o que as pessoas esperam de você. Por exemplo, todo mundo imaginava que eu ficaria para baixo por causa do que aconteceu, mas fingi que estava super bem, com outro cara no meu pé, me divertindo com os vídeos do Alê... aí pronto, todo mundo me esqueceu – soltei o ar quando terminei de falar, me dando conta que tinha parado de respirar por conta do meu súbito acesso de coragem.

O carioca fixou aqueles olhos de tempestade em mim, me encarando com seu jeito inquisitivo como se exigisse tudo de mim.

- Eu sei, primo... Foi uma ideia brilhante, né? – Alê brincou, mais para quebrar o clima do que para se gabar.

- Foi bem legal mesmo... – foi tudo que o Eduardo disse, balançando a cabeça devagar, se negando a dar o braço a torcer, como era típico dele, aliás.

- Enfim, achei a atitude muito bacana. Uma maneira diferente de encarar essas situações que costumam acontecer no colégio. Se conseguíssemos educar os jovens desde cedo a lidar com as diferenças e a encarar os problemas de maneira mais saudável, com certeza teríamos adultos muito mais saudáveis e conscientes – dona Melissa adotou seu tom de “profissional sabe tudo” para encerrar o assunto de uma vez por todas.

- O que me lembra que temos um roteiro para escrever, não é Gabriela cravo e canela? – Alê disse.

- Acho que ela está mais para leite com chocolate, né? Por causa do cabelo e da cor da pele... Porque de cravo e canela não tem nada aí!– a mãe dele riu da observação.

- Quase tudo a mesma coisa, mãe... – meu amigo deu de ombros – Só quero que ela venha logo!

- Nossa, pedindo com tanto carinho assim... é claro que eu vou – falei de maneira irônica.

- Vem minha amiga linda, amor da minha vida, meu leite com chocolate mais delicioso desse mundo – ele voltou a me chamar, dessa vez com um tom de voz meloso que ele usou propositalmente para me irritar.
- Nossa, quanto amor! Assim não há como resistir... – brinquei, me levantando da mesa – Dona Melissa, o almoço estava delicioso.

- Edu, querido, você pode me ajudar? Queria fazer uma limpeza no quarto lá do fundo. Aquele que você ficou, sabe? Tem umas caixas no armário que já estão fazendo aniversário. Preciso dar um jeito nisso de uma vez... – dona Melissa pediu.

- Claro, tia! Ajudo sim – o carioca disse, solícito.

Levantamos todos quase ao mesmo tempo e ajudamos a tirar os pratos. Depois eu e o Alê seguimos para o quarto enquanto a outra dupla saiu pela porta dos fundos.

Passamos o resto da tarde trabalhando no texto do vídeo – que, modéstia a parte, ficou ótimo. Quando estávamos quase acabando, o Edu se juntou a nós no quarto e até deu algumas ideias para o roteiro.

O skatetista queria gravar no mesmo dia, porém dei uma desculpa qualquer para ir embora. Sentia que se ficasse um pouco mais de tempo na companhia dele poderia colocar em risco todos os curativos do meu coração que não estavam tão bem cicatrizados assim...

Voltei para casa com a ideia de estudar, mas fracassei na missão – o que, aliás, já estava virando rotina. Nesse ritmo eu seria uma aluna reprovada antes mesmo do meio do ano. Porém, era como se existisse uma bagunça enorme na minha cabeça e eu não soubesse por onde começar a arrumar. Eu mal tinha conseguido parar para pensar no que eu realmente pensava sobre a reaproximação do pai, quem dirá sobre outros assuntos mais “corriqueiros”, como a briga com a minha mãe, a situação com o Léo, as minhas crises de insegurança que me faziam vomitar e a mais recente novidade do momento: o reencontro com o Edu.

Me joguei na minha cama, completamente perdida e com apenas uma certeza: eu precisava me encontrar. Mas como saber qual era o caminho certo para seguir?
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Notas finais: Todo mundo vivo aí? Porque olha... Primeiro Léo fala que vai terminar com a Vanessa e logo na sequência o Edu aparece. Ainda bem que Gabi tem o coração forte, porque olha... não é fácil lidar! Hahahaha

Esse final de segunda fase vai ser demais, gente! Já estou louca para postar.

Beijos e fiquem com Deus!

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