terça-feira, 29 de março de 2016

Capítulo 31 – IN-FLA-Má-VEL – parte 1

Notas iniciais: Gente do céu, pensa em uma pessoa animada para escrever logo esse capítulo. Pois é, sou eu! Tanto que tive um mês supercorrido no trabalho e só conseguia pensar em uma coisa: terminar logo esse cap do Fest Show. Porém, como estava ficando gi-gan-te, acabei dividindo em duas partes. Essa primeira está mais de boa, mas a segunda será mais emocionante. Prometo! Recado dado, bora ler?
____________________________________
- Pronto, Gabs! Já pode olhar no espelho – a Laís avisou logo depois de passar a última pincelada de blush no meu rosto.

Levantei a cabeça ansiosa para ver o resultado final depois de, mais ou menos, 30 minutos de maquiagem. No espelho, uma boneca de porcelana me encarava com os olhos bem marcados. Cílios postiços alongavam os fios na parte de cima e lápis destacava a região abaixo da linha d’água. A pele estava branca bem branca e lisa com blush rosado realçando as maças do rosto. O batom lembrava chiclete de tutti fruti.

- Caraca, amiga! Você arrasou! – fiquei virando o rosto de um lado para o outro admirando a make.

Aproveitei para passar a mão na roupa de balé que estava usando, um figurino de uma apresentação que fizera no ano anterior: uma blusa preta de alcinha bem colada ao corpo, tutu, meia-calça e sapatilha, tudo preto.

Ao meu redor, a situação estava um alvoroço só. Eu havia encontrado a chave que tinha do estúdio de dança da minha mãe e escolhi a melhor sala para fazer o vídeo – tudo isso, claro, sem dona Beatriz desconfiar de absolutamente nada. Depois de nos reunirmos na casa do Alê, seguimos todos juntos para a escola que serviria como um dos cenários para o clipe. Enquanto minha make era feita, Alê e Fernando discutiam a melhor maneira de gravar as cenas, Rebeca cuidava de cada detalhe prático e Miguel pensava em passos de dança comigo. Aliás, ele e a Laís também estavam devidamente vestidos e maquiados para participar do vídeo. Meu parceiro de dança representaria o papel de meu “ficante” enquanto Laís seria a “falsiane”. Trocando em miúdos: Edu e Mari.

- Já podemos começar? – o skatista se aproximou me filmando com seu celular – Para de ser boba! É para o making off – ele avisou quando percebeu que estava sem graça em frente às câmeras – Sem falar que você é a estrela aqui, menina! Tem que brilhar sob os holofotes – completou, imitando o que ele acreditava ser o tom de um diretor de Hollywood.

- Ai gente, chega de enrolar! Vamos logo, Gabs! Hora do show! – Fernando interrompeu a conversa fiada batendo as mãos umas nas outras – Todo mundo nos seus lugares.

Como havíamos combinado, eu e Miguel seguimos para o meio da sala e começamos a fazer alguns passos de balé. Inicialmente, fizemos movimentos juntos, como se fossemos um casal feliz e muito sincronizado. Porém, em determinado momento, ele me soltava para que eu fizesse uma série de giros e piruetas um pouco afastada dele. Nesse momento, a Laís se aproximava, piscava para o meu parceiro fazendo charme e estendia a mão convidando-o a seguir com ela. O Miguel aceitava a proposta e os dois saíam de cena, saltitando felizes. Quando a câmera voltava a focar em mim, eu ainda estava entretida com meus movimentos solos. Apenas alguns segundos depois eu parava, olhava para todos os lados com expressão perdida e me dava conta que fora abandonada pelo meu companheiro.

Nesse momento, Fernando e Rebeca entravam em cena, caçoando de mim. Eles apontavam e riam, enquanto eu ia ficando cada vez mais sem graça ao ponto de ir me encolhendo até deitar ao chão, em posição fetal.

Os dois deixavam o cenário enquanto eu começava a fazer alguns movimentos no chão, como se estivesse me acabando de tanto sofrimento. Eu virava de um lado para o outro e fazia caras e bocas no maior estilo dramalhão de novela mexicana. De repente, eu parava de mexer, ofegante. Com as mãos paralelas ao corpo, levantava o braço esquerdo bem devagar até a altura do meu ombro. Na sequência, imitava o movimento com o outro braço e depois descia ambos em um gesto bem rápido. Voltei a fazer a mesma sequência, mas dessa vez os dois braços juntos e mais rápido. Repeti esse passo mais umas duas vezes e depois fiz as pernas abrirem e fecharem, acompanhando o ritmo da parte de cima.

Nessa hora, a câmera focalizou o meu rosto, como se estivesse tendo uma ideia. Eu abri um sorriso e, ainda no chão, começava a fazer uma espécie de coreografia, mexendo mãos, braços, cabeça e pescoço. Contente com o ritmo, fui me levantando devagar, mexendo o quadril e fazendo cara de quem estava adorando a coreografia.

De pé, olhei para o espelho e tirei o tutu, deixando–o no chão de qualquer jeito. Por baixo, estava uma hot pant preta, que eu vestira por baixo antes de começar a gravar. Com calma, levantei e fiquei na ponta do pé direito. Na sequência, levantei a perna esquerda paralela ao corpo. Com um olhar desafiador para a câmara, tirei a sapatilha e atirei longe. Depois fiz o mesmo com a outra perna, encerrando a primeira parte do clipe.

Todas as cenas foram ensaiadas e gravadas, pelo menos, uma dezena de vezes. Além dos passos, da posição da câmara e das caras e bocas convincentes que eu precisava fazer, também existia a preocupação de que as cenas batessem com os períodos da música. A primeira parte, por exemplo, precisava acabar logo depois do refrão, antes da estrofe que começava com o verso “I'll never miss a beat”.

Apesar de cansativo, o processo correu muito bem. Laís ficava sempre de olho no meu figurino, Rebeca cronometrava o tempo e não deixava nenhum erro passar. Alê e Fernando cuidaram do posicionamento das câmeras. Para garantir que as imagens ficassem boas, o Nando havia conseguido com uns amigos uma filmadora semiprofissional e um tripé. Mesmo assim, ele e o Alê usavam seus celulares presos a suportes para fazer alguns takes extras, além do making off.

- Uhuuuu! Mew, isso tá ficando demais!  - o Nando comemorou quando terminamos de gravar a última sequência – Acho que já podemos encerrar essa primeira parte. Agora é pensar nas próximas cenas – completou, sentando-se com as pernas cruzadas no chão, os ombros curvados entregando seu cansaço.

- Eu até tenho uma ideia para a segunda parte – Miguel disse, não muito confiante.

- Bota na roda, parça – Alê pediu com seu jeito típico. Ao olhar para ele, não pude deixar de perceber que ele estava sentado ao lado da Laís. Aproveitei para fazer uma nota mental: colocar o skatista contra a parede e perguntar o que estava rolando entre eles. No dia anterior a dupla conseguiu me enrolar, mas eu não desistiria tão facilmente.

- Então... – Miguel começou, sem graça – Vocês já viram o clipe de I’m glad da Jennifer Lopez? – ele olhou para nós e, como todo mundo fez cara de “não sei”, continuou – Peraí! Vou mostrar.

*** Link para música - https://www.youtube.com/watch?v=pms9PrL67Gw ***

Meu ex-parceiro de balé pegou o celular e, após teclar na tela algumas vezes, virou o aparelho para que pudéssemos ver o vídeo que estava passando. Todo mundo se amontoou ao redor dele, prestando atenção nas imagens.

- Caraca, muleque! Não era para a Gabi ser uma bailarina inocente que leva uma bota do boy? Se ela dançar desse jeito, vamos acabar matando o professor Gabriel do coração – o Fernando foi o primeiro a se manifestar fazendo cara de susto ao ver os passos sensuais que a cantora fazia.

- Bom, pelo menos, é certeza que vamos tirar 10! Não tem como ele não gostar desse vídeo depois de ver a Gabs toda molhadinha... – o Alê aproveitou para me zoar.

- Não é nada disso, gente – Miguel intercedeu, colocando ordem na conversa – Esperem! Já, já, chega onde eu quero!

Mais de um minuto de música passou até a cena mostrar a cantora dançando em frente a uma bancada de avaliadores. Com muita segurança e precisão, ela executava uma sequência de passos rápidos e ousados. Não tinha como não se impressionar com a beleza dos movimentos e, claro, da Jennifer Lopez.

- Era isso que eu queria mostrar! – Miguel apontou, animado – Pensei em começar a segunda parte com a Gabi divando pelos corredores da escola. Aí ela entra na sala e alguns alunos começam a apontar para ela, como se estivessem a julgando. Em resposta, a Gabs começa a fazer os passos, e em determinado momento, tira os rapazes para dançar com ela. Desse jeito a gente consegue quebrar um pouco a sensualidade da sequência.

- Boa! Essas podem ser as cenas até a parte da música que a Taylor faz tipo um “rapzinho”, sabe? Nessa parte, a Falsiane e o ex-boy entram em cena e a Gabi para de dançar e fica olhando para eles, sem acreditar. Aí ela olha para câmera, como a Tay faz no clipe mesmo, e meio que desabafa cantando... No final, quando a letra fala de um outro garoto do cabelo legal, a Gabriela pode chamar um forever alone que, até então, estava por ali só olhando e tirá-lo para dançar com ela... – Fernando completou a ideia, mexendo as mãos como se já estivesse gravando o vídeo.

- Só acho que esse cara poderia ser o Alê – Laís opinou lançando um olhar bem significativo para o meu amigo.

- Só se seu estiver possuído pelo ritmo ragatanga, né querida? – ele rebateu na mesma hora.

- Ué, por que não? O objetivo do vídeo é passar uma mensagem de forma descontraída e engraçada, não é? – Fernando opinou com cara de quem estava considerando seriamente a hipótese.

- Seria o máximo você dançando Ragatanga – Rebeca provocou o skatista – Sei que talvez não influencie muito, mas terminamos a primeira fase com uma roupa bem parecida que a Jennifer Lopez usa no clipe. É uma ótima referência para combinar – a nerd emendou, provando que estava mesmo antenada em todos os detalhes.

- Ai gente! Para essa parte podemos soltar o cabelo da Gabi e fazer uma maquiagem mais ousada, tipo da Taylor mesmo. Um olho mais marcado, um batom mais forte talvez... – Laís se posicionou.

- E, para finalizar, podemos fazer uma brincadeira com o refrão da música. Colocamos algumas pessoas jogando truco, para simbolizar a parte que fala dos jogadores que continuarão jogando, depois a falsiane com cara de ódio e a Gabi dançando. Depois todo mundo entra em cena juntos, possuídos pelo ritmo Ragatanga – Fernando riu da própria piada – Brincadeira! Acho que podemos finalizar com cada um dançando meio de qualquer jeito, só para sinalizar que o importante mesmo é deixar para lá. Ou como diz a música ‘Shake it off” – concluiu.

- Hããã.... Só um detalhe – levantei a mão, sem graça – Eu não sei dançar como a J-Lo.

- Mas vai aprender, queridinha – Miguel falou com a voz séria – Nem que eu tenha que fazer a dona Beatriz aqui, mas você será a melhor Jennifer Lopez da vida.

- Arrasou, amigo! – Fernando levantou a mão para tocar com meu amigo.

- Bom, então já temos a segunda fase fechada, certo? Proponho que Miguel ajude nossa bonequinha a ensaiar os passos. Amanhã falamos com o professor Gabriel para ver se ele pode nos ajudar a conseguir uma sala de aula e um corredor vazio para gravarmos as cenas. Acho que podemos tentar finalizar isso na sexta, né? Uma semana é tempo suficiente para você, Gabs? – Alê foi dando as ordens, novamente parecendo um diretor de filmes.

- Vou tentar – disse sem muita firmeza.

- Ótimo! Até lá já devo ter a primeira parte editada para a gente dar uma espiada. E, só para dar aguçada na curiosidade da galera, vou aproveitar as imagens de bastidores que fiz hoje para gravar um vlog sobre meu dia de cineasta – meu amigo abriu um sorriso muito convencido, se achando a última Trakinas do pacote – Me ajuda, Gabs?

- Adoraria, mas tenho que estudar para a prova de Português de quarta, lembra? Estou completamente por fora da matéria. Aliás, até onde sei, você também está – apontei para ele.

- Puuuuts! É verdade! Nem sei onde estão as minhas anotações – mexeu no boné com cara de perdido.

- Huum... se vocês quiserem, posso ajudá-los com a matéria – Rebeca se ofereceu.

- Nossa nerdzinha, se você fizer isso acho que sou capaz até de dar um beijo na sua boca – o skatista provocou, sabendo que a Beca não ia muito com a cara dele.

- Ai, credo! Retiro o que eu disse! – ela disse fazendo careta de nojo.

- Nada disso! Já se ofereceu, agora não tem mais como voltar atrás. Vai nos ajudar, sim! Eu prometo que o Alê vai se comportar – interferi, desesperada. Afinal, ela era a minha única chance de tirar uma nota relativamente descente naquele teste.

- Olha, se ninguém se importar, eu estava mesmo precisando dar uma revisada nessa matéria. Será que posso estudar com vocês? – Fernando pediu.

- Claro! Quanto mais gente, melhor! – concordei, animada. Não estava nem um pouco afim de passar o resto do domingo trancada no meu quarto, com as caras nos livros, sem celular e notebook.
       
     - Vou passar essa, hein? – Laís entrou no assunto – Mas quero estar no segundo dia de gravação. Vocês me chamam?

            - Também vou passar essa. Mas Gabi, o que acha de ensaiarmos amanhã às cinco? – Miguel propôs.

- Fechado, parceiro! E Lá, eu te aviso, sim! Até porque, como poderei viver sem minha maquiadora oficial? – pisquei para ela, rindo.

Depois de fechar a escola e ativar o sistema de alarme (torcendo para a dona Beatriz não perceber nada diferente no dia seguinte), nos despedimos, todos muito contentes com a primeira parte do clipe.

Eu, junto com o Alê, Rebeca e Nando passamos o resto da tarde estudando. No começo da noite, eu e meu amigo ficamos sozinhos no seu quarto e, enquanto ele editava o vídeo para o seu vlog, dona Melissa me emprestou o celular para falar com o meu pai pelo WhatsApp.

- Filha, tentei falar com você ontem, mas aí lembrei que estava sem celular – ele comentou, rindo – Como você está? Já melhorou do porre que tomou?

Contei para ele sobre a conversa que tive com a dona Melissa e da decisão de gravar o clipe. Aproveitei para atualizá-lo das gravações daquele dia e avisar que mais tarde teria vídeo no canal do Alê com imagens dos bastidores.

Claro que levei mais um sermão básico por conta da minha bebedeira, mas, no geral, a conversa foi tranquila. Mário Sérgio adorou a ideia para a segunda parte do vídeo e elogiou a minha coragem e atitude de transformar uma experiência ruim em algo bacana e divertido.

            - E aí, bonequinha? Vai rolar aquela coreografia ousada de Jennifer Lopez? – Alê perguntou assim que encerrei a ligação.

            - Acho que vai rolar, sim... Se a gente for pensar, eu fazia umas sequências bem complicadas como Julieta. Só vou mudar um pouquinho o estilo – ponderei.

            - E aquele Léo? Você falou com ele depois da festa? – o skatista mudou de assunto de repente.

Mexi no cabelo, desconfortável. Até ali, a ressaca, a conversa com a dona Melissa, o clipe, a tarde de estudos, a conversa com meu pai... tudo tinha colaborado para manter o incômodo no meu peito em silêncio. Porém, quando meu amigo falou o nome dele, foi como se alguém tivesse tirado a mordaça da dor. Senti ela gritando alto dentro de mim, me impedindo de pensar em qualquer outra coisa. Demorei uns cinco segundos para conseguir juntar forças e respondê-lo – Não... Estou sem Whats e sem note, né? Praticamente vivendo como na época das cavernas.

- Relaxa, Gabs! Guararema Fest está chegando! E, com certeza, vai ser inflamável – ele tentou me colocar para cima, percebendo que tinha errado na pergunta.

- Inflamável? Oi? – repeti, enrugando as sobrancelhas.

- Sabe de nada mesmo hein, inocente? Nunca ouviu falar do Vermelhinho?

Balancei a cabeça com cara de que não fazia ideia do que ele estava falando.

- É um locutor de rodeio famoso que vai fazer a abertura da festa e animar os camarotes depois do show. Sempre que algo legal acontece, ele grita “Inflamável!”. Logo, o Fest Show será o quê?

- Inflamável? – chutei, rindo do “jargão” do tal Vermelhinho.

- Exatamente, minha cara. E sabe por quê?

- Nossa, tem mais? – levantei a sobrancelha.

- Porque nós vamos assistir o show de camarote – ele fez uma dancinha, imitando aqueles cantores de arrocha.

- Não, “pera”... Como que é?

- Isso mesmo! Meu pai tinha umas entradas e liberou para a gente.

 Embora não falasse muito dele, o Alê mantinha uma boa relação com o pai, um engenheiro conceituado na cidade.

- Caraca! Estourou no norte, hein amigo? – pisquei para ele, bastante impressionada.

- Estouramos, bonequinha. Estouramos! Certeza que vai ter muita gente bonita nessa festa – esfregou as mãos, todo “assanhadinho”.

- Falando em pessoas bonitas... E a Laís, hein? Ontem vocês mudaram de assunto, mas agora tú não me escapas, Alexandre. Você ficou ou não com ela? – fui direto ao ponto.

Vi meu amigo ficar vermelho, algo realmente raro. Opa! Aí tinha coisa...

- Pô Gabi, não é assim, né? – mexeu no boné, bastante sem jeito – Ela é toda gata, cheia de si e tals...

- Alê, você não ficou com ela por que está achando que a Laís é mulher de mais para você? É isso mesmo que eu entendi? – perguntei, completamente passada com as novidades. Eu poderia jurar que aqueles dois estavam se pegando.

- Não me julga, vai! Você sabe que nunca fui desses caras pegadores...

Fixei o olhar no meu amigo, impressionada em como uma pessoa conseguia ser tão bacana. Naquele momento, cheguei a conclusão que ele merecia ter alguém legal ao seu lado. E já que a Laís estava se candidatando, por que não dar um empurrãozinho?

***
A semana tinha tudo para ser um porre. Mas, para minha incrível surpresa, os dias foram movimentados e passaram voando.

Todos os dias, depois da aula, eu, Rebeca, Fernando e Alê nos reuníamos no colégio para fazer uma espécie de “resumo de emergência” para as provas da semana. Graças a Deus, a Beca era uma verdadeira gênia em todas as matérias e tinha um caderno de anotações impecáveis organizado com diferentes cores de marcadores de texto e post-its.

Depois do “intensivão”, eu corria para o centro da cidade onde encontrava o Miguel. Íamos para casa, almoçávamos e, depois de uma meia hora de descanso, ensaiávamos os passos para a segunda parte do clipe.

Para encerrar o dia, seguia até casa do Alê para fazer o dever de casa – cujo qual prometemos que nunca mais deixaríamos atrasar - , ajudava com o vlog e falava com o pessoal do grupo de Artes sobre os resumos ou a gravação de sexta.

Achei que seria extremamente complicado ficar sem celular e notebook, mas foi muito mais fácil do que imaginava. Cheguei a conclusão que eu perdia muito tempo e desperdiçava boa parte do meu foco vendo assuntos dos quais eu não precisava ver. Como por exemplo, os snaps e o Facebook da Marília e da Carol. Ficava remoendo o fato das duas me substituírem pela Nathy, como se nossa amizade fosse algo descartável. Ficava pensando se elas sentiam a minha falta, imaginava o dia que a Marília voltaria implorando pela minha amizade, sonhava com o Edu correndo atrás de mim, loucamente apaixonado, dizendo que estava morrendo de saudade... Sem essa “janela” da vida dos meus ex-amigos abertas, eu não tinha opção senão focar no que realmente tinha no momento.

Isso sem falar no Léo... Sem comunicação, eu não tinha como receber notícias do Cabeludinho. Depois do porre na festa e da conversa com dona Melissa, decidi que manter distância era o melhor caminho. Afinal, se a minha principal meta era não ser mais uma bonequinha de porcelana, nada melhor do que deixar a “criptonita” longe.

Outro ponto que estava ajudando bastante era manter a cabeça ocupada. A maratona de estudos e de ensaios me deixava exausta. No final do dia, eu só queria me jogar na cama e dormir. Porém, a cada minuto que minha mente relaxava, aquela dorzinha chata já surgia no meu peito. Era como se meu monstrinho estivesse muito empenhado em aparecer ao meu lado e ficar divagando sobre o meu contrato com o Léo.

“Mas não estava na cara que ia dar errado?”

“Por que mesmo você aceitou esse contrato besta?”

“Você não acha que deveria deixar de ser tão fácil e se envolver com os garotos tão rápido?”

Cada vez que ele aparecia, tinha vontade de sair correndo e me afogar na piscina de casa. Mas, quando a raiva e a mágoa iam embora, o que ficava mesmo era a falta que eu sentia do Cabeludinho. Por mais que eu tentasse preencher o espaço que ele deixara vago, parecia que eu estava sujeita a viver como um quebra-cabeça que faltava apenas uma única peça para ficar completo.

Essa sensação me fazia lembrar o livro Lua Nova. Eu sempre fui da opinião que a Bella tinha exagerado demais na parte que o Edward foi embora e a vida dela parou completamente. Naqueles dias eu senti como se o Universo, como dona Melissa costumava chamar, estivesse dando um tapa na minha cara e dizendo “Não ficou duvidando da menina? Agora engole essa, queridinha!”. Para a zuera ficar completa só faltava ele completar com algo do tipo “e o seu boy nem tem um Volvo prata...” fazendo cara de desdém.

Mas se existe um santo remédio para curar dor de amor, ele se chama rotina. Tanto que, quando a sexta-feira chegou, eu estava na minha melhor forma de “Jennifer Lopez da 25 de março”.

Depois que as aulas terminaram, fizemos nossa revisão de sempre e, quando o colégio já estava bem vazio, começamos a gravação. Pedimos para o inspetor liberar a entrada do Miguel e da Laís e gravamos tudo como combinamos: eu chegando pelo corredor me achando a diva, depois os meninos me encarando, os passos de dança, a parte que a “falsiane” entrava em cena, eu tirando o Alê para dançar comigo e todo mundo soltando a franga dominados pelo ritmo ragatanga, como diria o skatista.

Já eram quase seis da tarde quando terminamos, mas ninguém parecia cansado. Pelo contrário, a expressão do grupo era de pura satisfação.

- Vamos lacrar com esse clipe, gente! Certeza que todo mundo vai ficar PAS-SA-DO – Fernando falou superempolgado enquanto revia as cenas em uma das câmeras filmadoras.

- Só achava digno a gente brindar o 10 que está por vir no show de hoje. Quem topa? – meu amigo fez o convite se achando o tal. Acabei caindo na risada, lembrando do Léo falando do Caio e do fato dele se achar o Rei da Balada. Falando daquele jeito, o Alê poderia se candidatar ao título sem nenhuma dificuldade.

- Nossa, quantos convites você tem, rei do camarote? – provoquei.

- Vantagem de ter um pai influente na cidade, Bonequinha. Posso levar várias pessoas para o meu camarote – ele piscou, convencido – Até aquele meu primo que você ama... – completou a frase com um sorrisinho amarelo, como quem diz “foi mal não avisar antes”.

Prendi o ar enquanto tentava assimilar a notícia.

- Justamente por causa dessa cara que você está fazendo agora que eu não contei antes – ele se justificou.

- Só acho que essa é a hora de você me mostrar onde é o banheiro – a Laís se meteu na conversa, me puxando em direção à porta. Antes de sair, vi ela piscando para o skatista no maior estilo “você me deve uma”.

- Impressão minha ou está rolando algo entre vocês dois? – perguntei depois que nos afastamos da sala. Eu ainda estava brava com o Alê por ele não ter me falado antes do Edu, mas a Laís me deu uma ideia: se o meu amigo podia aprontar pelas minhas costas e levar o primo no Guararema Fest, então eu também poderia fazer a Laís partir para cima dele sem nem avisá-lo. Afinal, as regras tinham que ser as mesmas para os dois, não era verdade?

Fiquei esperando pela resposta, porém a morena continuou andando em silêncio.

- Eita... estou vendo que tive a impressão errada, né? – tentei usar um tom de voz animado para descontrair o clima que ficara pesado.

- Não, Gabs... Não é isso. É que, sei lá... Eu tenho esse jeito meio “pra frentex”, de garota que sabe o que quer, mas às vezes isso não funciona, sabe? Tenho impressão que os meninos não gostam disso. Eles sempre preferem aquelas garotinhas indefesas, que ficam fazendo mimimi... – ela mexeu no cabelo, a expressão cansada. Mas não um esgotamento físico, mas algo que vinha de dentro, como alguém que não suporta mais uma situação – E tenho a impressão que o Alê é do mesmo jeito. No fundo, ele quer mesmo é aquela menina sem graça que estava na festa.

- Humm.... entendo. Mas ó, não desiste dele ainda, não. Tenho certeza que meu amigo não é assim. Na verdade, tenho a impressão que ele só está, digamos... um pouco assustado com você – tentei defendê-lo.

- Assustado?

-  O Alê até pode ter aquele jeito descoladão, mas, no fundo, é um romântico à moda antiga. Ele só quer fazer do jeito certo com você, entende? – acabei abrindo o jogo.

Vi um sorriso iluminar o rosto dela – Então acho que já sei como fazer isso... E você vai me ajudar – apontou para mim, o jeito de garota confiante voltando a aparecer.

- Posso saber como? – perguntei.

- Vai fazer ele me tirar para dançar – ela piscou cheia de segundas intenções – Só isso que você precisa fazer. E, em troca, eu te ajudo com esse primo que vai colar no rolê. Nem sei quem é, mas só pela sua cara já vi que tem história aí, né?

Balancei a cabeça, concordando – Pior que tem. Mas pode deixar que com o Edu eu me entendo. Preocupe-se apenas em ajudar o Alê a fazer as coisas do jeito dele.

- Nossa, senti firmeza agora. É assim que se fala garota. Vamos arrasar essa noite, combinado?

- Como diria o Alê, esse Fest Show será inflamável! – pisquei para ela, ansiosa pelo show que estava por vir.
______________________
Notas finais: Alguma dúvida de que o Fast Show vai ser inflamável?


*** Bora para o próximo capítulo? Então clique aqui