terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Capítulo 34 – Se é pra tombar...

Notas iniciais: ...Tombei! Sim, o capítulo demorou, mas saiu! E, como o título já avisa, está tombando forninhos. Daqui em diante é só tiro, porrada e bomba nessa história, hein? Estão preparados?
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Nando
Nossa, não vejo a hora de mostrar o clipe para a sala amanhã! Estou ansioso!

Beca
Certeza que vamos receber uma excelente nota!

Alê
E quem é que está preocupado com nota, Rebeca? Eu quero mesmo é que o clipe bombe. Aí depois coloco no meu canal para aumentar as visualizações...

O grupo no WhatsApp do nosso grupo da escola não parava de apitar. Enquanto meus amigos estavam ansiosíssimos para apresentar o clipe para o resto da turma, eu estava em pânico.

Onde eu estava com a cabeça quando topei aquela loucura? Era sério mesmo que eu achava que poderia dar a volta por cima mostrando para todo mundo o quanto eu fui boba e imatura?

Bloqueei a tela do celular, cansada de ver a empolgação dos meus amigos. Meu coração batia acelerado. Eu precisava me acalmar. Afinal, não tinha mais nada que eu poderia fazer. A apresentação seria no dia seguinte e, a não ser que um milagre acontecesse, não haveria como impedir que a sala inteira conhecesse o meu lado da história.

Peguei o celular novamente e comecei a assistir algumas postagens no Snap para tentar me acalmar. Porém, sem que eu me desse conta, acabei vendo sem querer um vídeo do Léo com a Vanessa.

Atirei o celular do outro lado da cama, mais irritada do que antes. Sentindo o corpo pesado, como se tivesse levado uma surra, levantei e fui até a minha estante. Escondido atrás de alguns livros havia um pequeno "arsenal" para combater meus momentos de ansiedade e estresse: vários pacotes de balas Finni.

Abri a primeira embalagem e devorei o conteúdo automaticamente, uma bala atrás da outra, até que o pacote acabou e precisei abrir o segundo. Eu colocava os doces na boca e os engolia como se aquele fosse o remédio para todas as minhas dores. Era como se o açúcar tivesse um efeito calmante sobre mim.

E, realmente funcionou. Por cinco minutos eu me senti dona de mim novamente, sem preocupações com a apresentação e sem mágoa do Léo.

Só que, aos poucos, fui sentindo a calma indo embora, como se fosse um balão de ar se esvaziando. E aí uma velha amiga bateu a minha porta: a culpa. Ela me encarava com seus olhos afiados, como se dissesse "você sabe o que tem que fazer". Sua postura séria passava um recado silencioso: não ouse me desafiar.

Sem escolha, lá fui eu para o banheiro colocar todas as balas, ansiedades e culpas para fora.

O único lado bom dessas visitas era que, depois de tudo, eu ficava tão esgotada que não queria mais pensar. Tudo o que eu desejava era mergulhar naquele oceano escuro e deixar que a maré me levasse para onde quisesse.

***
- Bom dia, turma! Hoje, como combinado, é o dia de conhecer o olhar de vocês sobre as canções que escolheram para trabalhar - o professor Gabriel entrou na sala com seu jeito calmo e descontraído - Confesso que estou ansioso para saber o que vocês aprontaram. E, aí? Quem será o primeiro grupo?

Os CDF’s que sentavam no outro canto da sala foram os primeiros a se manifestar. Empolgados, eles usaram o projetor da sala para nos mostrar uma animação em 3D. A música escolhida fora Numb, do Linkin Park.

*** Link para música - https://www.youtube.com/watch?v=kXYiU_JCYtU ***

 Eu não conhecia a canção, mas eles explicaram que a letra falava de uma pessoa que não aguentava mais agir sobre a influência de outra pessoa. Nerds que eram, o grupo associou isso ao ciclo da água e criou um personagem em forma de gota que estava cansado de viver eternamente se transformando de um estado para o outro. Na animação, acompanhamos um dia do sr.Gota, desde o momento que ele virava nuvem, depois caía em forma de chuva, corria pelas cordilheiras de um rio até parar na casa de uma pessoa, quando era colocado em um recipiente e virava gelo. Ao longo da jornada, ele ia gravando Snaps, desabafando sobre como era difícil não ter liberdade de ser o que você realmente queria ser.

- Uau! Muito inteligente, meninos. Uma aula de ciência e criatividade, hein? De quem foi a ideia?

Enquanto os meninos contavam de onde viera a inspiração para o trabalho e explicavam como desenvolveram as artes, o Alê, que estava sentado ao meu lado, me cutucou.

- Podemos nos apresentar depois deles? - perguntou.

- Não! - respondi, a voz saindo um pouco alta demais, o que chamou a atenção da Beca e do Nando.

Acenei com a cabeça em um pedido silencioso de desculpas ao perceber o olhar insatisfeito do professor em minha direção.

- "Tá" tudo bem, Gabi? - o skatista perguntou quase sussurrando para não atrapalhar o grupo que estava falando lá na frente.

- Ahan, tá sim... Tudo tranquilo - menti.

- Então porque você está com essa cara de desespero? - o Fernando questionou, levantando uma sobrancelha.

- É óbvio, né gente? O objetivo do nosso clipe é mostrar o ponto de vista da Gabi sobre tudo o que aconteceu entre ela, Edu e Mari. É natural que, agora, ela esteja com medo de se expor. Ela deve estar com medo de levantar essa polêmica novamente, agora que parece que todo mundo já superou - Rebeca, com seu típico jeito de sabe tudo, disse, parecendo que estava lendo a minha mente.

- Aaaah, é isso? Então relaxa, Gabs! Você vai virar a nova diva da escola depois que a galera ver o clipe. A realeza está com os dias contados - o Alê disse em tom tranquilo.

- Imagino que esse barulho todo é porque o grupo está ansioso para nos mostrar o seu trabalho, não é Alexandre e companhia? - o professor chamou a nossa atenção.

- Isso mesmo, "profe". Tenho certeza que a galera vai pirar no nosso clipe - meu amigo se gabou, enquanto eu lançava um olhar fatal em sua direção.

- Ora, pois estou curioso para saber qual foi a ideia de vocês. Por favor, venham me mostrar - o Gabriel chamou.

- Opa! É pra já! - o skatista levantou de pronto com o seu pen drive na mão. Depois, ele estendeu a sua mão livre pra mim como forma de apoio - Lembra do nosso jogo - ele sussurrou antes de segurar firme o meu braço e me ajudar a levantar.

Sorri pra ele, arrumando minha postura e assumindo uma expressão mais confiante. Meu amigo tinha toda a razão: tudo aquilo poderia ser muito mais fácil se eu fingisse que não estava no centro das atenções.
Caminhamos até a parte da frente da sala enquanto a Rebeca pegava o pen drive da mão do Alê e ia colocá- lo no projetor instalado no fundo da sala.

Enquanto esperávamos pela Beca, o Nando colocou uma de suas mãos nas minhas costas e me lançou um sorriso encorajador. Retribuí o gesto, me sentindo melhor. Talvez eu nem precisasse fingir nada, afinal...

- Professor, se não se importa, gostaríamos de explicar a nossa inspiração para o trabalho antes de mostrar o vídeo que fizemos – a Rebeca pediu.

- Ok, vá em frente, Rebeca! – Gabriel assentiu com uma expressão curiosa no rosto.

Vi minha parceira de grupo respirar fundo e depois me olhar de um jeito que dizia “Coragem! Estamos aqui com você”.

- Bom, todo mundo aqui ficou sabendo do rolo com a Gabi e o Edu. Foi a fofoca do ano no colégio! Eles estavam ficando, depois, de repente, uma das amigas da Gabi começou a insinuar que ele também estava ficando com outra garota – nesse momento,  Beca fez uma pausa e lançou um olhar venenoso na direção da “realeza” - depois espalhou boatos que o carioca só ficou com a Gá por pena, até, por fim, o garoto publicar fotos na rede social com a outra menina. Essa não é uma situação fácil de lidar. Foi difícil pra caramba para a Gabi. Afinal, ela perdeu amigas, o cara que estavam afim e ainda teve que aguentar todo o colégio fazendo piadinhas com ela.

“Porém, o que a gente quis mostrar com esse clipe é que não importa muito o quê as pessoas vão falar. Porque, como diz a letra da música, quem gosta de fingir, vai continuar fingindo, quem gosta de jogar, vai continuar jogando e o que a gente tem que fazer é o que a Gabi fez: deixar pra lá”.

- Acho que também tem o lado de aprender a transformar as situações negativas em positivas – o Alê emendou o discurso – Como eu resolvi ficar do lado da Gabi, também perdi algumas amigas. Mas, a gente se juntou e resolveu dar um jeito de dar a volta por cima. Foi aí que surgiu a ideia do canal do Youtube e mais um monte de sacadas legais que não podemos contar  - ele olhou para mim e piscou, certamente referindo-se ao Jogo do Engana Trouxa. Precisei me segurar para não rir, porque aquela foi uma das ideias do meu amigo que mais me ajudou – E também nos juntou – o skatista apontou para o Fernando e a Rebeca – o que tem sido uma experiência ótima, né Gabs? É uma amizade muito diferente de tudo que a gente já tinha conhecido antes.

Concordei com a cabeça, sorrindo e completamente surpresa. Eu imaginara aquele momento completamente diferente. Pensei que mostraríamos o clipe e todo mundo ficaria me olhando, tentando entender o que diabos tínhamos tentado fazer. Naquele momento, fiquei muito grata pelo apoio dos meus companheiros de grupo. As palavras que eles falaram fizeram toda a diferença. Claro que muitas pessoas – vulgo a “realeza” – continuaria me julgando e criticando. Mas, com certeza, alguns outros alunos passariam a enxergar a minha história com outros olhos.

- Sem contar um detalhe muito importante, né? – foi a vez do Fernando falar – A Gabi sempre fez parte do grupo das populares, sempre foi bonita e tudo mais. Mas, vamos combinar: sempre foi meio sem sal, né? Ficava ali, não abria a boca, tudo sempre estava bom. Ela ter feito esse clipe trouxe uma oportunidade incrível para ela: a de brilhar. Sair da sombra das outras pessoas e assumir o seu próprio poder. No nosso trabalho ela foi bailarina, atriz e ó, arrasou , viu gente?
Olhei para ele assustada. Nunca tinha parado para analisar a situação sob aquela perspectiva, mas o Nando tinha razão. Era como se eu estivesse me reinventando. Um pássaro que precisava reaprender a voar com as próprias asas.

- Nossa, meninos! Vocês conseguiram me deixar extremamente curioso. Coloquem o clipe para nós, por favor - o professor pediu.

A Rebeca usou o controle remoto do projetor para dar o play. As cenas que me mostravam dançando balé com o Miguel começaram a rolar e toda a sala se concentrou nas imagens. No final, na parte que todo mundo aparecia dançando fazendo um passo de dança “zuero”, eu já estava bem mais tranquila e até me balançando ao ritmo do refrão.

Quando terminou, toda a sala aplaudiu, bastante empolgada. Sem saída, até a realeza foi obrigada a bater palmas.

- Gabi, você arrasou! – a Érica, uma menina que eu não conversava muito, disse.

- Ah, mas isso foi fácil para a Gabi. Ela dança desde criança – Marília se manifestou com a sua característica expressão de desdém.

- Na verdade, o grupo foi genial. Eles pegaram a Gabriela que já sabia dançar, juntaram com o talento do Alexandre para vídeos e transformaram uma experiência que todos já conheciam em algo positivo, como o próprio Alê explicou. Foi, realmente, muito criativo. Quem teve a ideia? – o professor Gabriel quis saber.

- Fui eu! – o Nando disse, todo orgulhoso – Eu achei que a música combinava com tudo o que a Gabi passou e, além disso, tem esse lance da mensagem, de seguir em frente e não se importar com que os outros vão falar. Um amigo da Gabriela, o Miguel, ajudou com a parte da coreografia, o Alê cuidou da filmagem e edição, a Rebeca ficou na parte administrativa e a Laís, outra amiga que não estuda aqui, fez a make e o cabelo da Gabs.

- Quanta gente! Mas, o esforço valeu a pena! E foi muito bacana da sua parte, Gabs. No vídeo você mostrou que é possível dar a volta por cima. Não vou negar que o que aconteceu entre você e o Eduardo foi notícia na escola inteira. O boato de vocês terem ficado, depois a senhorita cabulando aula, as quedas nas notas... Tudo foi muito comentado pelos corredores. Porém, com a ajuda dos seus amigos, você usou o que tinha de melhor para “shake it off” – o professor disse as últimas palavras no ritmo da música – Mais uma vez, parabéns!
Agradecemos antes de voltar aos nossos lugares. Logo na sequência, foi a vez da “realeza” mostrar a história em quadrinhos que tinham feito. Como a Carol já tinha adiantado, a história falava sobre um grupo que chegava na escola querendo “causar”. Então, elas, “as salvadoras da pátria”, chegavam com seu “exército pesado” e faziam o “show das poderosas”. Os desenhos tinham ficado ótimos, mas a história era bem óbvia. Perto da apresentação dos nerds e até da nossa estava um pouco fraca.

- Achei que faltou um pouco de criatividade, meninas. Todo mundo sabe que a música fala das poderosas que vão “afrontam as fogosas” e deixam todo mundo ba-bando – o Gabriel fez piada com a letra.

- Eu disse que era batido – o Nando falou baixinho só pra gente escutar.

Elas voltaram aos seus lugares meio que resmungando, o que só fez a gente se “sentir” ainda mais.

- Atenção amigos e amigas de grupo – o Alê pediu fazendo graça, como se estivesse prestes a fazer um discurso – Nunca antes na história desse colégio alguém viu a realeza ser desbancada e os emergentes subirem ao topo. Esse é um dia histórico, Brasil. Daqui a alguns anos, todos vocês contarão para os seus filhos e netos o dia que a monarquia caiu e o povo venceu – o skatista falava tão concentrado que parecia se tratar de algo realmente sério. Foi impossível não rir da sua pose de político em época de campanha eleitoral.

- Como diria Karol Conka: se é pra tombar... a gente tombou – o Nando brincou.

- Fizemos um trabalho exemplar. Estou orgulhosa – Rebeca, a mais nerd, emendou.

- Pra mim, é meio como tirar um peso nas costas. É como se essa parte da história tivesse acabado, sabe? – confessei.

- E agora está pronta para começar uma nova fase, né querida? Cheia de glamour e brilho, com o maior Time B que você respeita – Nando veio até mim e me abraçou.

- E essa nova fase começa hoje, lá em casa depois da aula. Já estou avisando a Laís – Alê anunciou teclando no celular.

- Ai, vou avisar o Miguel. Ele vai adorar saber que tudo deu certo – Fernando me soltou para procurar o celular no bolso.

- Essa história de nova fase me lembrou da música de final de ano da Globo. “Hoje, é um novo dia, de um novo tempo que começou...” – Rebeca cantou.

- Hoje a festa é nossa, galera! E a gente vai celebrar com tudo o que tem direito – o skatista avisou.

***
- Todo mundo pronto, posso começar a gravar? – dona Melissa perguntou, com a voz ainda mais animada que a nossa.

Estávamos todos na casa do Alê, comemorando o nosso sucesso, como prometido. Laís e Miguel já haviam se juntado a nós e, depois de saborear os deliciosos pastéis que a mãe do nosso amigo fizera especialmente para a gente (alguns na versão light, é claro, já que ela era a favor do vegetarianismo), decidimos que deveríamos gravar um vlog. Como queríamos algo diferente (e que provocasse as “inimigas”), criamos uma coreografia básica para a música Tombei, da Carol Conka para começar o vídeo de uma maneira bem inusitada. Os passos foram inspirados no clipe da canção, então não tinha muito segredo. No refrão, quando ela falasse “Se é pra tombar, tombei”, colocaríamos os dois braços para frente, um de cada vez, e depois desceríamos até o chão fazendo um gesto como se estivesse atirando uma arma na sequência. Daí, apoiaríamos as mãos no joelho e mexeríamos os ombros no ritmo da música, ora para um lado depois para o outro.

Mesmo simples, a coreografia exigiu algum ensaio. O Alê e a Beca eram péssimos para seguir os passos no ritmo. Mas, eu e o Miguel conseguimos ajudá-los e todos estavam prontos para gravar.

- Vou soltar a música – dona Melissa avisou, já com a câmera posicionada no tripé e gravando. Para facilitar, deixamos a trilha no ponto certo do refrão. Era só apertar o play e, pronto!


- Aêê, Alê! Você conseguiu! – a Laís abraçou o skatista comemorando depois que todos acertaram o passo.

- Tenho um talento nato para a dança. Gabi e Miguel que se cuidem – ele ironizou.

- Filho, vai buscar suco para o pessoal. Todo mundo deve estar com sede depois dessa performance – dona Melissa pediu.

- Eu te ajudo – a morena se ofereceu.

- Vou aproveitar e ir ao banheiro – disse, seguindo a dupla para o interior da casa. Enquanto eles ficavam no cozinha, eu continuei pelo corredor.

Pouco tempo depois, voltei distraída, pensando em como minha vida havia mudado. Se aquele trabalho acontecesse alguns meses antes, eu com certeza estaria no grupo da Marília fazendo mais do mesmo. O caminho poderia não ser tão fácil, mas com certeza era mais interessante.

Estava refletindo sobre isso quando entrei na cozinha e dei de cara com o Alê e a Laís abraçados. Como os dois não tinham me visto, voltei silenciosamente para o corredor tentando não interromper a cena.

- Que isso, Alê? – ouvi a Laís perguntar.

- Sei lá... Só queria que você soubesse que estou feliz por você estar aqui. É que sempre fico meio sem jeito quando estou perto de você. Parece que eu travo – meu amigo fez uma pausa e fui capaz de imaginar ele mexendo no boné, totalmente sem jeito – aí a Gabi disse que eu deveria relaxar, ser mais eu mesmo e fazer o que tinha vontade. Por isso te puxei e te abracei. Na verdade, queria te beijar, mas não queria ser esses caras que chegam puxando as meninas pelo braço.

Precisei segurar o riso para não me denunciar. Só o Alê para conseguir ser tão sincero em um momento que deveria ser romântico. Ao contrário de mim, a Laís caiu na risada.

- Sabe o que eu mais gosto em você? Exatamente esse jeito autêntico. Você pode até não perceber, mas está o tempo todo fazendo o que quer. Não te imagino agindo de outra maneira – ela disse.

- Acredite em mim: não estou fazendo o que quero agora – seu tom era sério.

- Só porque não quer – ouvi a garota dizendo com a voz baixa.

Demorei uns dois minutos para tomar coragem de olhar. Com muito cuidado, dei uma espiada e vi que os dois estavam muito entretidos em um baita beijo. Ela tinha tirado o boné dele e brincava com os seus cabelos compridos, enquanto ele a segurava pela cintura como se temesse que ela fosse embora se soltasse.
Na ponta dos pés, passei pela cozinha e voltei para a edícula onde o pessoal continuava dançando muito animados.

- Cadê os dois com o suco? – Rebeca perguntou – Será que eles precisam de ajuda?

- Olha Beca, uma coisa que os dois não precisam é de ajuda. Estão se virando bem sozinhos – ri do meu comentário – Vem, vamos dançar.

Puxei a garota pelo braço, onde Miguel e Nando ensinavam dona Melissa a dançar Bang da Anitta. Os dois estavam muito entrosados, pareciam que se conheciam desde sempre e não há apenas algumas semanas.

- E aí, pessoas bonitas! – a inconfundível voz do carioca me distraiu da coreografia – Olha a estrela do dia aí. O clipe já está bombando no canal do meu primo, hein?

Dei um sorriso amarelo, bastante sem graça. Eu ainda não tinha aprendido a lidar com esse novo Edu, descontraído e que me elogiava.

- Nossa, eu nem sabia que ele tinha colocado no canal dele – disfarcei, mexendo no cabelo, um pouco nervosa.

- Ele subiu logo que chegamos. As inimigas, nesse momento, devem estar em frente ao computador, dando replay no vídeo e babando de inveja – Nando ironizou.

- Edu, os meninos estão me ensinando a dançar. Vem aprender também – dona Melissa chamou mais do que empolgada.

- Não preciso disso, tia. Sou o rei do rebolado e da malemolência – o carioca ironizou.

- Querido, duro desse jeito você é, no máximo, um cosplay de cabo de vassoura – Fernando voltou a alfinetar. Eu adorava o humor ácido daquela turma. Era tão natural e divertido viver daquela maneira.

- Que nada! Eu arraso na dança, não é, Gabi? – o Edu jogou a bomba para o meu lado.

- É... até que ele se vira bem – desconversei.

- Coloca um sertanejo aí que vou mostrar como se faz – o primo do Alê provocou.

*** Link para música - https://www.youtube.com/watch?v=BA0x0ScUAvQ ****

A Beca mudou a playlist e uma música do Henrique e Juliano começou a tocar. O Miguel se encarregou de ensinar os passos para a dona Melissa enquanto o Fernando foi dançar com a Rebeca. Sobramos eu e o Edu, o surfista me encarando com um olhar travesso no rosto.

A canção era lenta, então, posicionamos nossos corpos próximos um do outro e começamos a nos balançar no ritmo.

“Eu esbarrei no seu olhar
Tropecei no seu beijo
Colei no seu rosto
Eu queimei a língua

Foi na ponta do queixo
Me acertou de jeito
Olha eu na sua vida

Pensa, explica
Como é que a gente fica”

Ouvi o Edu cantar perto do meu ouvido com o seu inconfundível charme carioca. Eu sabia exatamente onde ele queria chegar com todo aquele charme. Acabei me perdoando por todas as vezes que cai naquele truque. O garoto sabia como criar a armadilha perfeita. Eu duvidava que alguém conseguisse resistir quando ele usava o poder do seu sorriso carioca.

Porém, algo falou mais forte dentro de mim. Eu estava me sentindo tão bem que não queria colocar esse sentimento em risco. Pela primeira vez eu estava sendo eu mesma, com todos os meus erros e acertos, arriscando situações diferentes e vivendo novas experiências. Não dava para entrar no jogo dele e voltar a estaca zero. O pouco que eu tinha naquele momento era precioso demais para arriscar.

- Acho melhor eu ir pra casa. Está ficando tarde   - falei, me soltando dos seus braços no meio da música.

- Mas, já? Agora que está ficando animado - havia um quê de segunda intenção na sua voz. Era quase imperceptível, mas eu já o conhecia o suficiente para detectar
.
- Tenho que arrumar o meu quarto e também tem alguns deveres para terminar - o que não era totalmente mentira.

- Então tá, né? Deixamos a dança para outro dia, bailarina - voltou a falar com seu jeito misterioso, como se quisesse deixar algo no ar.

- É, marcamos outro dia... - respondi meio sem firmeza.

Dei dois beijos no rosto dele, como mandava o seu costume, e sai para me despedir do resto do pessoal. Claro que todos protestaram dizendo que ainda estava cedo, mas consegui dobrá- los. Quando entrei ma cozinha, Laís e Alê ainda  estavam abraçados, ele encostado na pia e ela com os braços ao redor do pescoço do skatista.

- Finalmente! - exclamei, levantando as mãos - Achei que esse casal não ia ficar junto nunca.

- Criar expectativa é uma das chaves para fazer um negócio funcionar, minha cara - o Alê me respondeu fazendo graça.

- Hmmm... Então, tudo não passa de um negócio? Provavelmente vou virar tema de vlog... - a morena disse fingindo estar ofendida.

- Claro que vai! E o tema vai ser "como eu consegui ficar com a mulher da minha vida".

A Laís deu um selinho no meu amigo, toda derretida antes de responder - Nesse caso, acho que aceito fazer parte desse negócio.

A alegria e a paixão dos dois era contagiante. Dava até vontade de se apaixonar, só para viver algo parecido. Só que aí eu lembrei do Léo e do Edu e achei melhor tirar aquela ideia da cabeça.

- Gente, tô indo embora. A gente se fala no Whats.

- Mas já? Não vai ficar pra ver a reação dos outros quando a gente aparecer juntos? - Alê quis saber.

- Todo mundo já esperava por isso, amigo. Não será surpresa nenhuma - provoquei.

- Aí tem coisa, garota. Por que está indo tão cedo? - Laís tinha uma feeling incrível.

- Estou tentando evitar a fadiga - disse. Como os dois me olharam com uma expressão confusa no olhar, emendei - É que o Edu está aí e não queria ficar perto dele.

- Eita! Achei que o problema agora fosse o Léo - minha amiga comentou.

- Sei lá... É que o Edu anda meio estranho e não quero dar chance pro azar, se é que você me entende...

- Em outras palavras, ele voltou a te dar mole e você está com medo de cair em tentação - foi a vez do Alê opinar.

- Depois do que ele fez, melhor ficar longe mesmo  - Laís fez careta ao lembrar - E, falando nisso, e o Léo? Nunca mais falou com ele?

Balancei a cabeça, sem forças pra responder. O Cabeludinho ainda era uma ferida aberta.

- Ele está com a Vanessa ainda. Mas nunca vi casal tão sem química.

- Bom, ele deve gostar dela, né? - dei de ombros - Enfim, vou indo nessa. Tchau - tratei de me despedir dos dois antes que o assunto se prolongasse. O Léo não era, nem de longe, um assunto que eu quisesse debater naquele momento.

Cheguei em casa e subi direto para o meu quarto. Realmente existia uma “baguncinha” ali e aproveitei que estava agitada por causa do vídeo e comecei a arrumar tudo enquanto pensava nos acontecimentos do dia. Eu mal podia esperar para ver o vídeo com a coreografia que gravamos para provocar a “realeza”. Estava tão distraída que mal percebi que minha mãe estava parada na porta me observando.

- Eu vi o vídeo – ela disse depois que parei no meio do quarto, assustada – Ficou muito bom.

Fiquei sem saber como agir. Desde a nossa briga, eu e minha mãe mal nos falávamos. Definitivamente, eu não esperava que ela comentasse sobre o assunto, quanto mais que me elogiasse.

- A Melina compartilhou o vídeo no Facebook dela. Estava à toa na minha página e acabei vendo  – ela explicou depois de ver a minha cara de “ué. Todo mundo lá na escola adorou. Você dançou muito bem.

- Obrigada... – foi tudo o que consegui dizer.

- Acho que fui um pouco dura demais com você – disse, entrando no quarto e sentando-se na cadeira em frente à escrivaninha.

Sentei na cama, imitando seu movimento. Eu ainda estava sem reação.

- Eu não tive quem me apoiasse quando fiquei grávida do seu pai. Naquela época, ser mãe solteira não era algo bem visto pela sociedade. Acabei sofrendo um pouco de preconceito e, por isso, jurei que faria o possível para que minha filha não passasse por algo parecido. Quando soube que você estava sofrendo bullying na escola e que tinha dormido com um garoto que te abandonou logo em seguida foi como se eu tivesse falhado de novo - suas palavras soavam com um tom de tristeza que aos poucos foi se espalhando pelo cômodo feito uma névoa que entra pelas frestas e, de repente, tomava conta de tudo.

- Fico feliz que você esteja lidando com a situação de uma forma diferente de mim. Eu não queria mais que as pessoas me julgassem, então me fechei na minha bolha para mostrar que era forte, mas na verdade não tinha ideia do que estava fazendo. Você foi muito corajosa por aceitar se mostrar desse jeito. E também tem muita sorte por ter amigos ao seu lado, principalmente o Alê.

Era estranho ver minha mãe daquela forma, sem sua habitual pose de “mulher que tem tudo sobre controle”. Sentada ali, na minha frente, ela parecia mais uma garotinha vulnerável. Naquele momento, pela primeira vez, enxerguei muito de mim na minha mãe.

- Deve ser muito difícil ser forte o tempo inteiro. Se você quiser, para mim, você não precisa mais manter esse papel. Talvez eu até possa te ajudar... – disse depois de alguns segundos de silêncio.

- Acho que eu tenho mesmo muito o que aprender com você – ela deu um meio sorriso – Mas, também posso te ensinar algumas coisas. Se quiser voltar a dançar, posso pedir para as outras professoras te darem algumas aulas particulares. Vi que você tem talento para outros estilos, além do clássico.

- Seria ótimo, mãe. Eu e o Miguel gostamos muito de brincar de coreografia e se arriscar em outros passos – devolvi o seu sorriso, realmente empolgada com a proposta.

- Então, combine com ele. Vou adorar ter a minha dupla preferida dançando junto de novo – ela disse, antes de se levantar, ir até mim e me beijar na testa passando a mão pelo meu cabelo carinhosamente. Depois disso ela saiu do quarto, deixando a impressão de que estava muito mais leve.

Deixei meu corpo cair sobre a cama, pensando em tudo o que tinha acontecido naquele dia. Se quebrar era um processo dolorido, mas saber que havia pessoas dispostas a te ajudar a lidar com as suas rachaduras era algo que valia a pena.
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Notas finais: Eita! Quanta coisa aconteceu nesse capítulo, hein?

Primeiro de tudo: o que foi o recalque da Marília por causa do clipe?

E o Time B provocando a realeza com direto a coreografia?

Ainda teve Edu sendo Edu, beijo, LaLê, conversa da dona Beatriz com a Gabi... Ufa! E ó, esse é só o começo, viu? Só para vocês terem ideia, no próximo cap tem festa no Gueto e, adivinhem que vai! Sim, o time B!

Dúvidas de que o próximo cap vai ferver?

Beijos e prometo que agora vai! Não abandono mais vocês. Juro, juradinho!