quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Capítulo 2 – Tropeçando em novidades

Quando desci, a festa já estava rolando. Música alta e cerveja animavam o local. Às vezes, em ocasiões especiais, convidávamos bastante gente para as nossas comemorações. Mas aquela noite seria só a velha e boa Turma do Gueto. Ou seja, eu, Carol, Marília, Alê e seu primo, Caio, e mais a Natália, Mel e Deby.

Essas três últimas estudavam na nossa sala, mas eu não costumava falar muito com elas. Só algumas conversas sobre séries, filmes ou maquiagem. Nada pessoal. Elas eram mais chegadas da Marília e por isso sempre eram presença confirmada no Gueto.

O Caio era o “rolo” da Carol há mais ou menos uns seis meses, quando os dois se conheceram em um show de um desses cantores sertanejos da moda. Desde então, eles ficavam nesse “chove e não molha”. Claro que o fato de ser moreno, alto, forte, estiloso, dono de um sorriso arrebatador e muito bonito contavam bastante a favor dele, mas às vezes ele era um pouco infantil. Estava sempre querendo se exibir, o tipo de pessoa que faz tudo para chamar atenção. Completamente o oposto da Cá, que era mais tranquila e na dela. Porém, como todo bom cafajeste, ele sabia levar a minha amiga no papo muito bem... O resultado era aquele rolo que vivia atando e desatando.

Já o Alê era o skatista da turma e fazia a linha descolado e aventureiro. Estudávamos juntos desde a quinta série e erámos praticamente vizinhos. Por isso, eu e ele mantínhamos uma amizade muito especial.

Quase todo mundo já estava por lá. Só faltava o Alê e o tal primo e a expectativa pela chegada do novo morador da cidade não poderia ser maior. Em busca de informações, as meninas chegaram até a fuçar o Instagram e o Facebook do skatista. Aparentemente, ninguém teve sorte, porque continuavam especulando.

Decidi não fazer parte da conversa. Aqueles eram os meus últimos dias das férias escolares antes de voltar à rotina enlouquecedora de escola + ensaios + decisões para a época mais importante da minha vida (que envolvia escolher entre faculdade, intercâmbio ou academia de dança. E, caso eu escolhesse a primeira opção, então eu ainda precisaria escolher qual curso fazer). Era muita pressão! Por isso, eu aproveitava cada minuto de folga como se fosse o último.

- Gaaabi, pega lá os copinhos de dose! Vamos começar a rodada de porradinha! – Carol gritou para mim sentada em um dos velhos sofás, rodeada pelo restante das garotas. Caio estava em um canto, esperando o Alê para dar início às partidas de truco.

-Beleza! Tô indo lá! – Gritei de volta por cima do som, já me virando para ir em direção a casa. No caminho não pude deixar de imaginar que a noite ia render. Sempre que rolava porradinha, (uma mistura de vodka com soda servida em um copo pequeno de dose. Antes de beber, a pessoa precisa bater a base do copo no joelho, o que fazia o gás do refrigerante subir e tornava a bebida mais...interessante), alguém ficava bêbado e acabava pagando mico. Como estávamos entre amigos, ninguém tinha a preocupação se estava ou não passando da conta. Confiávamos uns nos outros ali. Mas, era claro, que isso não impedia que a pessoa fosse muito zuada no dia seguinte por causa da bebedeira, afinal, "the zoera never ends".

Subi as escadas do sobrado correndo - tarefa difícil considerando que estava usando uma sandália com o salto altíssimo - abri o armário da Carol, encontrei o esconderijo secreto das bebidas e dos copos de doses e voltei, ainda em disparada.

Passei pela sala, cruzei a cozinha e ia saindo pela porta dos fundos, em direção ao Gueto quando trombei em alguém. Consegui manter os quatro copos seguros em minhas mãos, mas acabei me desequilibrando e quase fui parar no chão, não fosse “o alguém” me segurar.

- Opaaa Gabi, mas a festa nem começou e você já está bêbada? – ouvi a inconfundível voz do Alê me zuar enquanto ria de mim.

Senti “O Alguém” me endireitar e me segurar levemente pelos ombros como se quisesse testar se eu realmente tinha condições de parar em pé sozinha. Demorou uns cinco segundos para me recuperar do choque e conseguir me firmar sobre os meus joelhos, mas enfim consegui me virar para conhecer o meu salvador.

Loiro, alto, olhos de um tom verde acinzentado, pele queimada de sol, cabelo liso meio comprido na frente caindo nos olhos.

“CA-RAM-BA!”. Foi tudo o que se passou pela minha cabeça nessa hora. Não dava para acreditar que eu tinha praticamente atropelado um cara gato daquele. Seria um desperdício sem tamanho...

- Gabi, esse é o meu primo, Edu. Edu, essa é a bonequinha de porcelana e bailarina da turma, Gabriela – Alê tratou de fazer as apresentações. Agradeci mentalmente a iniciativa dele, porque eu ainda estava sob o efeito daqueles olhos verdes tão misteriosos.

Edu deu um sorriso de canto de boca para mim e estendeu a mão para me cumprimentar – Então é assim que vocês recebem as pessoas por aqui? Com trombadas? – ele disse em tom irônico.

- Não! Na verdade costumamos tacar ovos e jogar farinha, mas como só ficamos sabendo da sua vinda em cima da hora, tivemos que improvisar qualquer coisa – dei de ombros, esticando o braço para aceitar o seu cumprimento.

- Então devo concluir que tive sorte por ser atropelado por você? – o rapaz perguntou. Eu já estava me preparando para soltar a minha mão quando ele me puxou para perto, colocou a mão na minha cintura e deu dois beijos no meu rosto – Prazer, Gabriela!

“O prazer é todo meu, querido!” A pirigueti dentro de mim gritava, eufórica. Mesmo assim, consegui segurar a onda. - Igualmente – disse devolvendo os beijos, meio atrapalhada e me soltando da sua pegada logo em seguida.

- No Rio as pessoas se cumprimentam com dois beijos – ele explicou ao perceber minha expressão de confusa.

- Vai ter porradinha? – O Alê voltou a entrar na conversa, novamente com o time perfeito para me ajudar nos momentos em que estava sem fala.

- Vai, vai sim! A Carol me pediu para pegar os copos – respondi, tentando manter uma postura normal e indiferente. Eu não costumava ficar tão agitada perto de meninos. Sempre fui conhecida por ser a desencanada e tranquila da turma. Mas perto do Edu...

- Eba! Sou o primeiro da fila! – Alê já se empolgou com a novidade.

- Negativo. O Caio está te esperando para jogar truco – avisei.

- Truco? Sou seu parceiro, primo! – Edu se ofereceu.

- Quem disse? – perguntei em tom de desafio. Eu não era do tipo que gostava de intimidar as pessoas, mas, definitivamente, não estava no meu estado normal naquele momento. Talvez tenha sido a trombada que afetou o meu juízo.

- Eu estou dizendo! – ele respondeu me olhando fixamente nos olhos.

- Foi mal, cara. Mas a Gabi é minha parceira oficial de truco – o primo colocou fim ao impasse.

- Uma menina que joga truco? – o loiro ficou espantando.

- Você não sabe as coisas que a Gabi é capaz de fazer! Aliás, não só ela. Marília e Carol também são terríveis!

Ok, o Alê estava merecendo um prêmio. Além de trazer o primo gato para a festa, ele ainda me ajudou em todos os momentos que – poderia apostar - fiquei com cara de boba olhando para o Edu. Não bastasse isso, ainda disse que eu era uma garota surpreendente. Sim, eu tinha o melhor amigo desse mundo e o nome dele era Alexandre.

Edu apenas deu de ombros, como se estivesse sem palavras, o que me fez abrir um sorriso triunfante. Fiquei me achando a tal.

 - Bora entrar então, parceiro? Temos uma invencibilidade para manter – me gabei mais ainda, chamando os meninos. Porém, quando me virei e tentei andar o meu pé falhou. Fiquei tão ocupada com o Edu e a conversa que não me dei conta que ele estava latejando de dor.

- Aaaaaai! – gritei, estendendo o braço para que o Alê pudesse pegar os copos das minhas mãos.

- Que foi, Gabs? – ele pegou os objetos me olhando preocupado.

- Não sei, acho que zuei o meu tornozelo. Não estou conseguindo colocá-lo no chão – me encolhi toda, fazendo drama.

- Será que torceu? – Edu se adiantou me oferecendo apoio.

- Nem brinca! Tenho uma apresentação muito importante no fim do mês. Se eu não dançar minha mãe me mata! – dobrei a perna e tentei massagear o tornozelo comprometido, ficando em uma posição torta e nada elegante perto do rapaz novo. E lá se vai a ideia de causar uma boa impressão...

- Caramba, eu lembro que você falou! Vai ser no Teatro Municipal, né? – Alê também se aproximou entendendo a gravidade da situação – Caramba, Eduardo! Você nem chegou e já quebrou a nossa bonequinha!

- Nossa, desculpa!  - a voz do novato soou realmente preocupada.

- Não foi nada! Acho que um pouco de gelo e um comprimido para a dor já resolvem a parada – falei, me endireitando para parecer que já nem estava doendo tanto. Eu não queria estragar a noite da galera só por causa de uma trombada à toa.

Tentei andar normalmente, mas não tive sucesso. O tornozelo se recusava a colaborar.

- Vem, eu te ajudo – Edu se ofereceu, colocando uma de suas mãos ao redor da minha cintura.

Retomamos a caminhada, passando pela área de serviço da casa e subindo uma pequena rampa até chegar ao Gueto. Alê foi na frente, tagarelando sobre a minha habitual falta de sorte e o quanto a minha mãe ficaria louca se eu não participasse daquela apresentação.

Ao meu lado, o Edu caminhava lentamente, esforçando-se para manter o meu ritmo. – Acho que hoje eu vou ter que cuidar de você – ele me disse baixinho, seguido por um sorriso que não dizia se aquilo era verdade ou apenas brincadeira.
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Capítulo 1 – Festa no Gueto

*** [Primeira parte - Cuidado com o que deseja!] ***

- Garotas, chegueeeei!

- Como sempre, atrasada!

- Aff Marília, você sabe como é minha mãe! Ela está surtando com a apresentação que vamos fazer no Teatro Municipal! Aí ela fica pegando no meu pé, dizendo que preciso me preparar melhor...

- Tudo o que eu sei é que você deveria mandar a sua mãe parar de ser louca!

- Já chega as duas! Vocês terão bastante tempo para discutir isso amanhã cedo quando estivermos limpando a bagunça de hoje. Mas, por enquanto, concentrem-se porque – pausa estratégica – “Hoje tem festa no gueto, pode vir, pode chegar...”.

A Carol começou a cantar fazendo uma dancinha muito estranha. Acabamos acompanhando os movimentos pelo simples fato de que a noite prometia e estávamos muito felizes.

Era verão, fazia muito calor, estávamos de férias da escola, prestes a começar o terceiro ano do colegial e dispostas a fazer daquele “O” ano das nossas vidas.

E claro que “O” ano não poderia começar sem uma boa festa. Já havia três anos que a casa da Carol tornara-se o ponto de encontro oficial da turma. Nos fundos do terreno havia uma construção inacabada. A ideia inicial era fazer uma edícula, mas os pais dela pararam de investir na obra faltando poucos detalhes para encerrá-la. Faltavam portas, janelas, a pintura era de cal e não existia acabamento. Mas, para nós, era perfeita para receber os amigos e fazer uma bagunça. Sendo assim, batizamos carinhosamente o lugar de “Gueto”, fizemos uma decoração à nossa maneira com piscas-piscas, cartazes e fotos e nos afeiçoamos ao lugar. Com o tempo, cada membro do grupo foi trazendo móveis velhos e sem uso da sua casa para tornar o lugar mais “habitável”. O resultado era uma espécie de depósito “smells like teen spirit”.

- Preciso me trocar! Vim direto do ensaio! Daqui a pouco o pessoal chega e eu ainda estou assim – apontei para a minha roupa: jeans básico, sapatilha, regata, cabelo ainda preso em coque – Vou tomar banho no seu banheiro, tá Carol? – Avisei ainda segurando a mochila com todas as coisas que seriam necessárias para a festa e para dormir por ali depois.

- Vai logo, Gabi! Você sempre demora anos para se trocar! – Marília voltou a implicar comigo enquanto voltava a sua atividade de colocar as bebidas em uma grande e velha caixa de isopor cheia de gelo feito em potes de margarina que nós três juntávamos para ocasiões como aquela.

- Peraê, peraê... Antes eu tenho um babado para contar! – Carol interrompeu o ciclo de tirar as garrafas de cima da pia e estender para a Mari.

- Opaaa! Babados! Todos amam um babado! – eu e Marília comemoramos juntas – Conta logo, Carol! Deixa de ser chata!

Depois de um minuto de mistério e muita pegação no pé, ela finalmente abriu o jogo – Alê me chamou no Whats hoje. Disse que o primo dele mudou-se recentemente para a cidade. Como a casa ainda não ficou pronta, o rapaz está ficando na casa dele. Aí, como ele não quer deixar o primo sozinho, me perguntou se poderia trazê-lo junto e claro que eu deixei. Ou seja, teremos gente nova no pedaço.

- Adoro gente nova! – Marília ficou toda empolgada com a notícia – Tomara que seja gato!

- Bom, se é primo do Alê, então deve ser gente boa... – ponderei.

- Eu quero mesmo é que seja bonito! – Mari voltou a insistir.

- É, também... – completei sem muita empolgação – Bom, partiu banho! Vejo vocês depois!

Deixei as duas com o processo de organizar as bebidas no gelo e entrei na casa que já conhecia de cor e salteado. Afinal, frequentava há anos... Era praticamente um membro da família. Tanto que a empregada já me conhecia e abria a porta para mim sem nem perguntar quem era ou se eu fora convidada.

No quarto da Carol, liguei o som do celular, joguei a mochila em qualquer canto e entrei no chuveiro. Enquanto me lavava, pensava no que a Cá acabara de falar. A noite teria novidades. Eu não sabia o porquê, mas aquilo mexeu comigo. Eu estava cansada de ser eu mesma, a velha Gabriela que cresceu dançando balé, que estudava no mesmo colégio há anos, que tinha amigas inseparáveis, que todos julgavam ter a vida fácil.

Não que estivessem errados, mas era uma condição que me incomodava. Eu queria mais. Queria poder me livrar da pressão da minha mãe - e também professora de dança. Queria mostrar o quanto eu poderia ser forte, inteligente, criativa ou... somente eu mesma. O problema é que quanto mais o tempo passava, mais eu me via aprisionada no mesmo ciclo vicioso. Eu amava a minha vida, mas às vezes me sentia sem saída. Era sempre a mesma coisa: fazer parte do trio mais popular da escola e que organizava as melhores festas, ser filha da melhor professora de balé da cidade, ser uma das melhores alunas da sala, ser boa filha...

Respirei fundo antes de desligar o chuveiro. Pelo espelho embaçado por causa do vapor vi o meu reflexo. Pele alva, cabelos castanhos lisos, franja jogada para o lado, olhos castanhos grandes e redondos, nariz delicado e boca pequena e cheia. A aparência lembrava a de uma boneca e era assim que muitas pessoas me chamavam quando queriam me provocar: boneca de porcelana.

Eu não queria mais me sentir tão frágil, como se qualquer empurrão mais forte fosse capaz de me quebrar. Talvez por isso o sinal de novidades me encheu de esperanças. Se novos ventos estavam a caminho, talvez eu pudesse aproveitá-los para inspirar as mudanças que tanto desejava em mim mesma.
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Prológo

[“Mas,sem dúvida, ontem foi a minha noite de sorte”.

“E por que diz isso?”

“Porque eu te encontrei”.

“Hum... Que ótimo! Porque eu também me senti uma garota muito sortuda ontem. Só espero que o destino coloque toda essa sorte no meu caminho mais uma vez”.

“Com certeza vai colocar”.

“E como você sabe?”

“Porque se não colocar, eu mesmo cuidarei para que isso aconteça”.

“Então você é do tipo de garoto que faz acontecer?”

“Não. Sou do tipo perigoso”.

“Perigoso do tipo que machuca mocinhas indefesas?”

“Não. Perigoso do tipo que consegue tudo o que quer”.]

****

[- Seu nome significa “enviada de Deus” e o meu “presente de Deus”. Acho que isso faz de nós pessoas divinas – ele disse em tom brincalhão.

- Ou talvez anjos...

- Ou talvez anjos...

- Não, isso não! Anjos voam e você tem medo de voar – ele me provocou.

- Quem foi que disse isso? – fiz cara de ofendida.

- Um passarinho verde me contou que alguém machucou suas asas...

- E o que mais esse passarinho intrometido disse? – quis saber.

- Que você é um belo pássaro e que vai voar para muito longe ainda – ele mexeu a mão como se quisesse indicar um lugar distante – a minha sorte é que não tenho medo de voos longos. E a sua sorte é que eu sou muito bom em voar".]

***


Sorte...

Segundo o dicionário:

substantivo feminino  

           1.     força invencível a que se atribuem o rumo e os diversos acontecimentos da vida; destino, fado.
"desígnios da s."

      2 .   modo como (algo ou alguém) termina; termo, fim, destino.
"era rico e generoso, mas não teve uma s. feliz"

Experimentei os dois significados da palavra e fiquei tão entendida no assunto que acabei criando o meu próprio significado.

 Para mim, sorte é questão de momento. O que é bom hoje pode ser azar amanhã. O grande lance é descobrir que depende só de você mudar o resultado do jogo.

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Recomendações - Voar outra vez

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Transcrição nº 16 – O Mensageiro

Notas da Estagiária: Manu, sei que você sempre coloca as minhas observações logo no início, mas dessa vez peço que as deixe após o trecho do diário da Raquel. Chegou a hora de entender porque te enviei esses documentos...
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Transcrição da página 57 à 59

Antes da viagem, meu noivo pediu que a Estagiária fosse até a minha casa.

A reunião teria como objetivo atualizá-la e passar instruções de todos os casos que estavam sob minha responsabilidade.

Uma advogada seria contratada para ficar no meu lugar durante a minha ausência e assumiria esses processos.

Ao todo, eu passaria um ano em Nova York cursando uma especialização que por muito tempo desejei fazer, mas que agora já não fazia mais sentido para mim.

Pois é... Temos que ter cuidado com o que desejamos...

Mas isso não importa agora...

A Garotinha vai chegar daqui a pouco e vou deixá-la responsável por algo muito importante.

Vou entregar esse diário nas mãos dela. Creio que não é uma coincidência que tenha começado a escrevê-lo justamente depois daquela noite quando conheci o Garoto da Voz Encantadora.

Por isso, concluí ele seria o meu primeiro passo rumo minha liberdade, rumo a minha nova vida.

Com a ajuda destas páginas, as pessoas poderão conhecer a minha história e, com ela, aprender uma lição preciosa:

Sempre devemos seguir a voz do nosso coração. O caminho não será fácil e talvez poucas pessoas estarão dispostas a ajudar, mas nunca permita que calem a voz dos seus sonhos.

Para ver o arco-íris é preciso aprender a gostar da chuva. E o pior que pode nos acontecer é cometer um erro. Mas é justamente quando erramos que mais aprendemos. Logo, não há o que temer.

Meu desejo para todos que leram essas linhas é: Tornem-se grandes, sigam o seu caminho, deem voz ao seu coração.

Existe um desatino dentro de todos nós.

Além disso, também gostaria que esse diário chegasse até às mãos do Amor Verdadeiro. Depois do e-mail, nós não nos falamos mais. Essa será a única maneira dele saber o que aconteceu comigo e as razões pelas quais escrevi aquela mensagem.

Talvez, ao ler essas palavras, ele possa me perdoar por ter desistido dos nossos planos. Ou, talvez, elas possam manter chama acesa apesar dos contratempos e desencontros.

Que esse diário seja um mensageiro de boas notícias e esperança e que bons ventos o carreguem.

Não sei o que acontecerá comigo daqui em diante, mas darei um jeito de me livrar desse noivado que não faz mais sentido para mim, de explicar à minha família o que quero de verdade e de seguir rumo ao meu objetivo principal.

Mas primeiro... Nova York.

Que Deus me ajude!

[“Eu vejo a vida melhor no futuro
Eu vejo isso por cima de um muro
De hipocrisia que insiste em nos rodear
Eu vejo a vida mais clara e farta
Repleta de toda satisfação
Que se tem direito do firmamento ao chão

Eu quero crer no amor numa boa
Que isso valha pra qualquer pessoa
Que realizar a força que tem uma paixão
Eu vejo um novo começo de era
De gente fina, elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim do que não, não, não

Hoje o tempo voa, amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Não há tempo que volte, amor
Vamos viver tudo que há pra viver
Vamos nos permitir” Tempos Modernos, Lulu Santos]
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Notas da Estagiária: 

Manu,

Acho que depois dessa última transcrição ficou claro porque mandei a cópia do diário para você, né?

Eu sabia que o seu blog tinha muitos leitores, e como tem talento para contar histórias, você poderia me ajudar a espalhar o relato da Raquel e ajudar estas páginas cumprirem o seu destino.

Pedi demissão do escritório depois que li sobre a chantagem do noivo. Secretamente eu já torcia para que ela ficasse com o cantor. Depois de saber da história inteira, minha torcida ficou ainda mais forte.

Faz tempo que não recebo notícias da Raquel. Da última vez que me escreveu, ela disse que finalmente havia convencido o noivo que o relacionamento deles chegara ao fim.

Depois disso, ele e a família da Raquel a largaram em Nova York a própria sorte. Ela estava se virando vendendo algumas de suas joias e ajudando brasileiros que chegam na cidade sem muito preparo ou informação.

Porém, ela não pode voltar ao Brasil ou advogar. O noivo jurou que a denunciará para a Ordem caso ela queira trabalhar para algum outro escritório que não seja o dele.

A única boa notícia é que, por meios de alguns contatos que fez na cidade, ela conseguiu descobrir onde o cantor irá passar as férias. O plano dela é tentar reencontrá-lo.

Sei que ela está escrevendo outro diário, mas não sei se vai deixá-lo comigo como fez com esse. Caso isso aconteça, voltarei a te procurar.

Por enquanto, agradeço a atenção. Mesmo você e suas leitoras implicando comigo, sinto que meu dever foi cumprido. Agora só espero que a história da Raquel toque o coração de todos e que chegue até às mãos do cantor.

Manu, meu último pedido é que você me ajude a espalhar essa história. 

Com votos de que o Verdadeiro Amor prevaleça no final;

Estagiária.
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Notas da Manu: Uaaauuu gente, quanta responsabilidade!

Quer dizer que fui escolhida para espalhar essa história tão bonita?! Lendo o diário da Raquel, me dei conta do quanto cedemos às pressões externas. Cortamos o cabelo de um jeito ou escolhemos determinas roupas porque é o que as pessoas esperam da gente. Quantas vezes não deixamos de fazer o que queremos ou de falar o que realmente sentimos porque é simplesmente mais fácil apenas aceitar o que as outras pessoas acham “normal”?

É difícil julgar a história dela. Na mesma situação, eu não sei se teria coragem de largar tudo para ir atrás de um cara que eu vi poucas vezes na vida. Admiro muito a atitude dela e, aliás, essa é a principal lição que ela me deixou: é preciso ter coragem para ir atrás do que se quer. 

Ao terminar essas transcrições, lembrei de um trecho do livro “Will & Will” escrito pelo John Green e pelo David Levithan (dois dos meus autores prediletos). Ele diz o seguinte:

“Talvez haja alguma coisa que vocês tenham medo de fazer, ou que vocês temam amar, ou algum lugar aonde tem medo de ir. Vai doer. Vai doer porque é importante. Mas acabei de cair e ir ao chão, e estou aqui de pé para lhes dizer que é preciso amar a queda... Então deixe-se arrebatar pelo menos uma vez”.

É isso, não deixem de ir atrás do que desejam, não tenham medo do caminho e se deixem arrebatar. Com certeza vai valer a pena! =)

Estou aqui torcendo para que a Raquel tenha sucesso e que ela mande esse novo diário para a gente. Estou ansiosa para saber como ela fez para se virar em Nova York e, principalmente, se conseguiu reencontrar o Amor Verdadeiro.

Estagiária, obrigada por mandar as cópias do diário, desculpe as implicâncias e fico esperando notícias da Raquel.

Estou honrada de participar dessa “missão”. Espero que o diário realmente seja um mensageiro de luz, amor e paz.

E é isso,

Espalhem a mensagem!

Beijos,

Manu

Transcrição nº 15 – Fênix

Notas da Estagiária: Agora falta pouco. Logo, logo vocês vão descobrir a razão pela qual enviei as transcrições para a Manu. Só espero que meu plano dê certo...
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Transcrição da página 52 à 56


Luzes pálidas.

Sirenes.

Cheiro de morte.

Eu havia morrido.

Mas então, quem estava ali?

Lentamente abri os olhos.

Estava no hospital. De novo.

Percebi que minha vida transformara-se em um imenso labirinto.

Eu andava, me debatia, fugia... e sempre voltava para o mesmo lugar.

Era como correr atrás do próprio rabo.

Como mariposa que é atraída para a luz, eu não conseguia resistir ao perigo.

***

Ouvi um barulho ao meu lado.

O meu corpo todo doía. 

Meu coração batia por pura insistência.

Eu não queria viver. Não daquele jeito.

Uma voz distante me informou que eu estava ali há dois dias com uma perna e duas costelas quebradas. 

“A sua sobrevivência foi questão de sorte”.

A sorte que me perdoe, mas era o destino quem devia ficar com os créditos daquele “feito”.

Afinal, ele vinha brincando comigo desde aquela noite chuvosa quando deixei o escritório, bati o carro e conheci o Garoto da Voz Encantadora, o meu Amor Verdadeiro.

Foi como se ele quisesse me dar um aviso: “Hey queridinha, olha o que o mundo reserva para você. Abra os olhos e venha viver!”.

A partir daí, começamos uma briga de gato e rato. Ou o que minha avó chamaria de brincadeira de “morde e assopra”.

Ele me oferecia algo bom, só para depois me lançar à pior das fogueiras. Quanto mais próximo do paraíso eu ficava, mais difícil ficava seguir em frente.

Como já disse, era um ciclo sem fim.

Ou melhor, ele acabara de chegar ao fim. 

Porque eu realmente havia morrido naquele acidente.

A Raquel que aceitou se casar com o filho do casal que era melhor amigo de seus pais; que aceitou o emprego mais fácil, que gastou todas as suas energias em prol dos desejos alheios... Essa Raquel não existia mais.

Eu me lembrava que, ao conhecer o Amor Verdadeiro, eu escrevi nesse diário que “se fogo fosse, nele eu queria me queimar”.

De fato, eu havia me queimado. E agora, tal qual a Fênix, renascia.

A partir de agora, meu coração bateria por duas razões:

- pelo Garoto da Voz Encantadora;

- em ajudar as pessoas a acordar do sono profundo em que vivem e trazê-las para a vida. Mostrar que existem infinitas possiblidades para serem vividas e que não precisamos nos contentar com a primeira que aparece.

A voz ao longe continuava falando sem parar, mas eu não estava prestando atenção. Tanto que demorou alguns minutos para perceber que era meu noivo quem matraqueava sem parar.

Ele estava furioso, para variar...

Fala sério, para quê tanto drama? Só porque eu fugi da nossa festa de noivado? 

Aff...

Do seu discurso de ressentimento e raiva, pesquei só as informações mais importantes:

- para minha infelicidade, o noivado ainda estava de pé;

- e a viagem para Nova York também;

- durante a minha temporada no exterior, eu teria dinheiro e cartões controlados. Assim não teria como fugir; 

- Minha família já sabia de tudo e estava de pleno acordo;

- o objetivo agora era me manter longe do que chamavam de Desatino;

Para eles, era claro que eu não estava em meu juízo perfeito e, com certeza, a culpa era do excesso de trabalho que estava me deixando estressada.

Precisei segurar o riso diante de tamanha ironia! Naquele momento era quando eu mais me sentia sã.

Resolvi não discutir. Apenas assenti com a cabeça e deixei que eles pensassem que ainda estavam no controle da minha vida.

Meu plano já estava traçado, mas eu sabia que dali em diante a caminhada seria árdua e demorada. Seria uma subida de vários degraus.

Mas valeria a pena. Eu já podia sentir...

Eu só pedia à Deus por uma coisa: Que o Garoto da Voz Encantadora atendesse o pedido que fiz no e-mail e me esperasse.

Eu estremecia só de pensar no que escrevi: “A chama não se apaga, mas preciso afastar-me de ti. Nossos mundos são muito distintos e não há como aproximá-los agora. Nossos caminhos se separam e não sei se voltarão a se encontrar”.

Eu só pedia que ele entendesse aquela carta como um sinal de esperança e não como um caminho sem volta.

Apenas isso.

Quanto ao resto... eu daria um jeito.

[“Mesmo que você suporte este casamento
Por causa dos filhos, por muito tempo
Dez, vinte, trinta anos
Até se assustar com os seus cabelos brancos
Um dia vai sentar numa cadeira de balanço
Vai lembrar do tempo em que tinha vinte anos
Vai lembrar de mim e se perguntar
Por onde esse cara deve estar?
E eu vou estar
Te esperando
Nem que já esteja velhinha gagá
Com noventa, viúva, sozinha
Não vou me importar
Vou ligar, te chamar pra sair
Namorar no sofá
Nem que seja além dessa vida
Eu vou estar
Te esperando” Te esperando, Luan Santana]
________________________________
Notas da Manu: Gente, digitei essa transcrição ouvindo o DVD do Luan. Quando começou “Te Esperando” eu até arrepiei, porque lembra muito a história da Raquel, principalmente porque ela pede que o Amor Verdadeiro a espere. Por isso escolhi colocar um trecho dessa música para encerrar esse trecho da história. Achei que combinava muito com tudo o que rolou até agora. Coincidência, né?

A Estagiária disse que estamos perto de descobrir a razão pela qual ela nos mandou a cópia do diário. Estou ansiosa para saber logo de uma vez! Pelo jeito, estamos chegando ao final desse “mistério”. Alguém aí tem algum palpite?

É isso, gurias!

Beijo e até a próxima! 


***Leia a próxima transcrição:Página 57 à 59: O Mensageiro