Notas iniciais: Fim da primeira fase, começo da segunda e o clima
ficando cada vez maaaais tenso. Espero que gostem das 12 páginas de capítulo!
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Saí do banheiro depois que o segundo sinal tocou
indicando o início das aulas daquela manhã. Meus olhos estavam inchados e um pouco
vermelhos, por isso lavei o rosto várias vezes com água gelada para melhorar o
meu aspecto.
- É... até que não está tão mal – falei para mim
mesma.
Subi as escadas apressada, plenamente consciente de
que estava muito atrasada.
- Com licença – pedi, assim que alcancei a minha
sala e bati na porta.
- Entra, entra... E se apressa que a aula hoje é
importante – a professora Marisa avisou com o seu típico jeito de mandona.
Apesar de sempre se fazer de “durona”, ela era uma das nossas professoras
prediletas.
Olhei para o meu lugar e, pela primeira vez, senti
vontade de sentar em outra mesa. Eu costumava ficar na segunda fileira, na
parte da frente da classe, entre a Carol e a Marília. Na fileira do lado
estavam Nathy, Mel e Deby. Elas conversavam em voz baixa, animadas e pareciam
nem ligar para a minha presença. Do outro lado, sentado no fundo perto dos
“nerds” e renegados, estava o Alê. Até aquele momento eu nunca tinha entendido
porque ele insistia em sentar ali, longe de todos. Agora, levando em
consideração os últimos acontecimentos, eu começava a desconfiar que o meu amigo
há muito tempo descobrira o que eu começava a perceber: às vezes, era melhor
ficar só do que mal acompanhado...
Com a expressão preocupada, ele levantou o polegar
querendo saber se estava tudo bem. Assenti com a cabeça, mesmo que meus olhos vermelhos
denunciassem o contrário. Ali perto, um par de olhos verdes me espreitavam,
curiosos. Quando foquei meu olhar no Edu, ele me ofereceu um sorriso tímido e
um rápido aceno de mão. Retribuí o gesto antes de finalmente tomar coragem de
ir me sentar.
Tentei prestar atenção na aula, mas foi impossível.
Era como se alguém tivesse tirado uma venda dos meus olhos. De repente, eu via
coisas que simplesmente não enxergava antes. O jeito esnobe e cínico que a Mari
e a Nathália usavam para falar das pessoas, a forma como a Carol preferia se
omitir para não bater de frente com elas e a maneira como a Débora e a Melina
“puxavam o saco” delas na tentativa de ganhar “status”.
Minha cabeça rodava com tantas informações. Cheguei
a ficar enjoada ao perceber a falsidade das meninas – com exceção da Cá. Estava
na cara que aquele papo de começar de novo era tudo “balela”. No fundo, elas
estavam só disfarçando, fingindo que não fizeram nada demais para não levarem a
culpa. Conforme a situação foi clareando na minha mente, fui me sentindo cada
vez menor, boba, uma pessoa dispensável, como um brinquedo velho que não tem
mais tanta graça.
Eu mantinha a pose por fora, mas por dentro eu
carregava um enorme vazio, como se tudo o que havia ali antes tivesse
desmoronado como um castelo de areia.
Depois das aulas, as meninas decidiram permanecer
no colégio para fazer os deveres em grupo. Fazia uma tarde gostosa e, em
situações normais, eu adoraria ficar na área externa da escola, na sombra das
árvores, conversando e fofocando enquanto copiávamos os deveres uma das outras.
Mas naquele dia dei uma desculpa qualquer e fui para casa.
Coloquei os fones de ouvido e liguei o som no
último volume enquanto caminhava pela pequena estrada que levava até o
condomínio. Morávamos um pouco longe do centro, o que permitia um maior contato
com a natureza. O caminho tinha árvores de diferentes tamanhos que cobriam o
caminho com as suas longas sombras. O cheiro de terra e de mato misturava-se no
ar, ajudando a criar uma sensação gostosa de liberdade, como se não houvesse
preocupações ou problemas.
- Búú! – Ouvi alguém puxar o meu fone ao mesmo
tempo que colocava a mão na minha cintura.
Virei, assustada, e dei de cara com o Edu. Seus
cabelos estavam bagunçados e o rosto um pouco suado, sinal que indicava que ele
correra para me encontrar.
- E aí? Tudo bem? – me cumprimentou com dois beijos
no rosto, antes de voltarmos a caminhar lado a lado.
Fiquei olhando para a sua cara, tentando entender a
razão porque ele não me cumprimentava com um selinho, pelo menos – Tudo certinho.
E com você? – disse, desistindo de tentar entender as razões daquele garoto.
- “Tô” indo. Machuquei meu tornozelo ontem andando
de skate com o Alê. Está doendo para caramba – o carioca fez careta apontando
para o pé direito – Por isso que prefiro surfar. Quando você cai, pelo menos
tem a água para amenizar o tombo. No skate você leva um “rola” e cai de cara no
asfalto...
- Não consigo te imaginar andando de skate...
– deixei minha mente divagar um pouco, imaginando o carioca na praia, a pele
molhada, os cabelos caídos no rosto...
- Mas você já me viu andando – ele rebateu.
- Eu sei. Mas sei lá... era algo de brincadeira. É
diferente do seu primo. Parece que ele nasceu com o skate no pé. Você não. Não
consigo te imaginar fazendo outra coisa que não tenha a ver com o mar – dei
minha opnião, fixando meu olhar no seu rosto.
Ele retribuiu o olhar, e foi impossível não lembrar
da noite que passamos juntos, do jeito que ele me abraçava, me chamava de
linda, me beijava falando que adorava o meu perfume... Agora nós dois
caminhávamos próximos, mas não havia toque, nem mãos dadas, muito menos beijo
ou qualquer tipo de demonstração de carinho. Nem me chamar no Whats ele
chamava... Como poderíamos ir do tudo para o nada assim, tão de repente?
- Minha mãe finalmente resolveu se mudar. Fiquei
“mó” ocupado com a mudança esses dias – ele justificou sua ausência, como se
estivesse adivinhando os meus pensamentos.
Meu estômago afundou a ouvir aquela notícia. Se
mesmo perto ele já costumava ficar tão “longe”, o que seria de mim agora sem a
proximidade com a qual eu me acostumara? Aproveitei que estávamos passando pela
entrada do condomínio para desviar o olhar e dar oi para o pessoal da portaria.
Não queria que ele percebesse o quanto fiquei chateada - Então você vai para o
bairro da Carol?- retomei a conversa.
- Vou sim. Hoje já fico por lá. Vim só buscar umas
coisas que faltaram – ele explicou.
Fiquei imaginando o quarto nos fundos da casa da
Dona Melissa vazio, sem as roupas e a bagunça do Edu. Como seria o seu novo
quarto? Será que um dia iria conhecê-lo?
- Você vai estar livre de mim – tentei brincar, me
esforçando para que a frase não ficasse pesada demais.
- Vou estar livre é do Alê, aquele mala! Fica me
metendo em roubada... Entro na dele e sempre me ferro. Meu tornozelo é prova
disso – ele fez drama enquanto eu me perguntava se o carioca estava falando
apenas do tombo de skate ou insinuando algo a mais. Afinal de contas, fora o
skatetista que me apresentou para ele.
Percorremos o resto da caminho em silêncio. Estava
sem ânimo para puxar assunto, como sempre costumava fazer quando estava perto
do Edu. A conversa com a Marília não saía da minha cabeça. A cada vez que
relembrava o nosso diálogo, eu me sentia ainda pior. A sensação de ser
descartável crescia dentro de mim como um buraco negro que engolia tudo o que
via pela frente.
- E essa cara de brava? – ele enfim perguntou
quando paramos na frente de casa. Eu nem havia percebido que ele passara reto
pelo portão da dona Melissa.
- Sei lá... Acho que estou um pouco chateada –
confessei mexendo no cabelo distraidamente.
- Mas você acabou de chegar de viagem. Não era para
você estar feliz? – questionou tirando a mochila dos ombros e colocando sobre os
seus pés.
Apenas o fitei, relembrando da minha empolgação na
Bahia. Eu planejara contar para ele tudo o que havia aprendido por lá: o nome
das praias do Rio, as gírias, a experiência com o Stand Up, a forma como adorei
ficar no mar tanto tempo e como havia compreendido o fascínio que ele tinha
pela praia. Como as coisas fugiam assim do nosso controle? Agora estávamos ali,
e eu não mencionara uma palavra sequer sobre o meu Carnaval.
- Eu amei a viagem. Foi sensacional, sério! Tinha
um monte de coisa para contar. Mas é que cheguei aqui e fiquei sabendo que a
Mari estava falando um monte de coisas sobre mim... Nós conversamos hoje de
manhã, mas acho que não resolveu muito. O clima está meio estranho entre nós...
– minha voz soava fraca e distante, como se não pertencesse a mim.
- Mas... foi assim, de repente? Aconteceu alguma
coisa para o clima ficar estranho? – sua expressão era a de quem estava
“jogando o verde para colher o maduro”. Ele sabia que era o motivo da briga, eu
estava certa disso. Mesmo assim, não quis facilitar.
- Não, nada aconteceu. Acho que é só uma questão da
Mari perceber que não sou uma bonequinha de porcelana e que ela não precisa se
preocupar tanto em me proteger. Talvez ela esteja tão acostumada a cuidar de
mim que não percebeu que posso me virar muito bem sozinha. Acho que é uma
questão de tempo... Até ela se acostumar – expliquei, tentando parecer que a
situação era algo sem muita importância.
- Mas vocês não podem deixar de ser amigas.
Faz “mó” tempo que se conhecem e tals... Não é certo deixar uma bobagem
atrapalhar isso.
- Relaxa, não vai atrapalhar. Tenho certeza que já,
já passa – forcei um sorriso, dando o assunto por encerrado.
- Se você diz – ele deu de ombros – se precisar de
alguma coisa, é só pedir, tá?
- Obrigada! Pode deixar que qualquer coisa eu grito
– meu sorriso aumentou mais um pouco enquanto meu coração dava pulos e piruetas
como se fosse a Daiane dos Santos. As demonstrações de carinho do Edu eram tão
raras que, quando aconteciam, deviam ser devidamente celebradas.
Ele ficou parado me olhando, como se não quisesse
deixar o assunto morrer. Em dias normais, eu falaria sobre um assunto qualquer,
ele “morderia a isca” e continuaríamos conversando por horas e horas. Quase
sempre eu caía naquele truque, mas naquele dia consegui evitar. Meus sentimentos
por ele estavam tão confusos que já não sabia mais o que queria. Metade de mim
pedia para gritar que o amava, que queria ficar junto com ele, que eu merecia
mais atenção e carinho... Já a outra queria se proteger, evitar a queda que
parecia inevitável. Sim, porque gostar do Edu era como pular de um abismo. Não
haveria volta e nem garantias que a situação acabaria bem.
- Dú, vou entrar – me aproximei, colocando a mão no
seu rosto – Se precisar de ajuda com a mudança é só chamar.
Ele me olhou de um jeito sério, como se estivesse
ponderando se deveria falar o que estava pensando ou não. Ficamos assim por
alguns instantes, até que a minha ansiedade falou mais alto e eu o beijei de
forma lenta e carinhosa, quase triste, como se fosse uma despedida. Mesmo
retribuindo o gesto, não pude deixar de notar que ele não me abraçou, como
sempre fazia. Me afastei dele, mil dúvidas pipocando na minha cabeça. Aquilo
significaria algo?
- Tchau, Edu – tirei a mão do seu rosto, a voz quase
falhando. A angústia que sentia era tão arrasadora que minha vontade era de sentar
e chorar ali mesmo, de tão fraca e perdida que estava.
- Tchau, Gabi – ele pegou a mochila e começou a
caminhar em direção à casa do primo, me deixando sozinha com meus pensamentos.
***
Segunda fase: Do tudo para o nada ***
[So wake me up when it's all over (Então, acorde-me quando tudo estiver
acabado)
When I'm wiser and I'm older (Quando eu for mais sábio e mais velho)
All this time I was finding myself (Todo este tempo eu estava procurando por
mim mesmo)
And I didn't know I was lost (E não sabia que eu estava perdido) –
Wake me up – Avicii]
O
dia seguinte foi estranho. A sensação que eu tinha era de estar no lugar
errado, na hora errada e com as pessoas erradas. Havia um clima diferente no
ar, uma conversa que todos sabiam, menos eu.
Depois
de três aulas naquela brincadeira de “escondam o segredo da Gabi”, finalmente o
sinal do intervalo tocou. Dando a desculpa que precisava falar com o Alê, sai
de perto da Mari e sua turma.
-
Nossa, parece que até o ar está mais leve – soltei a respiração pesadamente
quando cheguei perto do meu amigo.
-
Por que? O que aconteceu? – o skatista me olhou de forma preocupada.
-
Sei lá, o clima está estranho... Está todo mundo fingindo ser amigo de todo
mundo, mas ao mesmo tempo tem algo rolando que não sei o que é – expliquei
enquanto caminhávamos pelos corredores que levavam à cantina. Uma multidão de
alunos passava por nós falando alto e fazendo algazarra.
-
Jura que você não sabe o que é? – seu tom era cínico.
-
Claro que não sei... Aliás, se eu soubesse, minha vida não estaria tão
complicada – desabafei.
-
É elementar, minha cara – levantou uma sobrancelha fazendo graça – Esse é mais
um dos jogos de popularidade da Marília. O que serve, a loira mima e coloca em
um pedestal. O que não serve ela joga fora.
A
explicação foi fria, curta e grossa, mas puramente verdadeira. A Marília estava
me “jogando fora”, como uma roupa velha que não servia mais. E estava sendo tão
cruel que não pretendia simplesmente me dispensar. Ela iria me “ignorar” feito
um cachorro vira-lata até que eu me sentisse mal o suficiente para me afastar.
O
skatista deve ter percebido a minha expressão, porque passou um braço sob os
meus ombros em um gesto de conforto – Parece que fomos promovidos ao time dos
excluídos – me ofereceu um olhar conciliador.
-
Você também? – apoiei a cabeça no seu ombro, feliz com o carinho recebido. Um
pouco de atenção faria bem.
-
Bom, depois da minha briga com a Carol, não estou sendo muito bem recebido no
grupo do “Gueto”... – ele tentou parecer indiferente, mas eu consegui perceber
uma nota de ressentimento em sua voz. Parecia que não era só eu que estava
sofrendo pela rejeição dos nossos amigos.
-
É, acho que me defender não foi uma boa ideia – falei assim que chegamos à
cantina. O lugar estava lotado, por isso sentamos na grama mesmo, em um canto
mais afastado dos outros alunos.
-
Lógico que foi. Já te disse que nunca concordei com essa “ditadura de
aparências” imposta pela Marília. E espera aí que vou pegar algo para a gente
comer – fez um gesto com as mãos pedindo paciência antes de se afastar.
Enquanto
esperava, uma questão surgiu na minha mente: o Alê parecia não aprovar nem um
pouco as atitudes da Marília. Mas então, por que ainda andava com a gente? Por
que aguentava tudo aquilo em silêncio?
-
Você ainda está com a dieta liberada, né? – cinco minutos depois ele voltou
sacudindo um saco grande e duas latas de Coca-Cola.
-
Se você continuar agitando esse refrigerante, vou abri-lo bem na sua cara para
deixar a espuma voar em você – ameacei, segurando as latas para que ele pudesse
sentar.
-
Eu defendo a pessoa e é isso que ganho em troca. Ó mundo cruel – ele fez drama,
me fazendo rir.
-
Para com isso, seu bobo! Você sabe que estou brincando – estendi uma Coca para
ele e abri a outra para mim - Mas agora
é sério. Tenho uma dúvida: se você odeia a Mari como diz, por que simplesmente
não se afasta? – questionei, olhando-o de forma séria.
-
Porque... porque... – vi o meu amigo se enrolar. Para ganhar tempo, ele abriu o
saco de papel, me oferecendo o que tinha dentro. Depois de uma olhada rápida,
descobri que eram mini pães de queijo –
Para de me enrolar, Alexandre – exigi depois de me servir.
Nesse
instante, vi a Carol passar por nós com uma expressão estranha. Se ela não
tivesse desdenhado do Alê, poderia até dizer que ela estava com ciúme. Virei o
rosto para o skatista, e vi uma tristeza nos seus olhos que não estava ali a
cinco segundos atrás. E foi aí que tudo fez sentido.
-
Você é apaixonado pela Carol! – exclamei como se tivesse encontrado a cura para
o câncer.
-
Fala baixo, sua magrela! Quer que ela escute? – ele quase pulou em cima de mim
para me fazer calar a boca, fazendo gotas de Coca Cola voar no meu uniforme.
Esperei
até a Carol se afastar para continuar – É isso, não é? Você é apaixonado pela
Cá. Por isso sempre pegou no pé do Caio. Por isso aguentava as chatices da
Marília e os “mimimis” da Nathália, Débora e Melina – a cada frase a minha
descoberta passava a fazer mais e mais sentido – Mas “pera”... é por isso que
você é meu amigo? – fiquei tensa esperando a resposta.
-
Não pira, Gabriela! Sou seu amigo desde que me conheço por gente, lembra? Uma
coisa não tem nada a ver com a outra – ele me lançou um olhar de repreensão,
como se aquela ideia fosse ridícula – O lance da Carol que é mais...
complicado.
-
Caramba! Estou chocada! Como ninguém nunca percebeu nada?
-
É que eu não fico dando bola por aí, né?
- comeu mais um pão de queijo, só para aumentar o suspense – Eu sempre
gostei da Carol. Mas antes achava que era algo de amigo, saca? Tipo o que rola
entre eu e você. Achava que me importava porque erámos “brothers”. Foi quando
ela conheceu o sem noção do Caio que percebi que não era bem isso... Mas aí já
era tarde. Por isso nunca falei nada.
Eu
nunca tinha visto o meu amigo com uma expressão tão abatida. Fiquei ainda mais
chateada com a Carol pelo seu vacilo.
– E aí, quando vocês ficaram na festa de
Carnaval, você achou que poderia dar certo...
-
Não vou negar que me iludi e criei uma esperança – ele deu um sorriso sem graça
– Mas aí ela veio com um papo bravo de que não presto para ela. Só fico me
perguntando uma coisa: se não sirvo para ficar com ela, como posso servir para
ser amigo? Ou sou boa companhia ou não sou... Não aceito nada pela metade – deu
mais gole no seu refrigerante, fechando a cara.
-
Acho que é o mesmo lance da Marília: enquanto era conveniente, ela me amava.
Agora que decidiu que não sirvo mais, me esnoba. Só queria saber a causa dessa
mudança tão repentina – ponderei, deixando meu olhar correr pelo pátio até
chegar onde queria: o Edu estava sentado com o Léo, não muito longe da gente.
Um pouco mais longe, as meninas conversavam de modo um pouco espalhafatoso,
rindo e falando alto.
-
Também já te falei isso: Mari não aceita sair do centro das atenções. Aí, de
repente, meu primo chega, ignora a loira e cai matando em cima de você. Claro
que ela ia implicar, né? Nunca ouviu aquela história de as pessoas querem te
ver bem, mas nunca melhor do que elas?
Mais
uma vez aquela sinceridade crua me atingindo como uma pancada no estômago. Mas
apesar de saber que, no fundo, ele tinha razão, eu não queria acreditar. Me parecia
egoísta demais...
-
Gabi, agora somos só eu e você. Melhor a gente aceitar que vai doer menos.
-
Você está certo. Melhor mesmo aceitar... – concordei, me dando por vencida.
Quanto mais eu resistisse aquela nova realidade, pior seria.
***
Por
sorte, as outras aulas aconteceram no laboratório de Química e depois na sala
de Artes. O nosso professor de Educação
Artística era jovem, bem vestido e não tinha cara de louco como o do ano
interior. Embora aquela não fosse a minha matéria predileta, eu gostava do
jeito do professor Gabriel. Ele falava muito sobre ser quem você realmente é,
expressar seus sentimentos, liberdade e amor. Bem diferente dos outros mestres
que só falavam de vestibular, vestibular e vestibular...
Aproveitei
a mudança de ambiente para sentar perto do Alê, mas logo percebi que ele não
era uma boa influência. Meu amigo era péssimo aluno e nunca prestava atenção
nas aulas. Ao invés disso, ficava no celular vendo vídeos de manobras de skate.
Embora eu adorasse o professor Gabriel, estava muito difícil prestar atenção no
conteúdo que ele estava explicando. Eu não conseguia parar de pensar no Edu,
Mari, Nathália e na conversa com o Alê na hora do intervalo.
Acabei
desistindo e fazendo como meu amigo: pegando o celular e acessando a internet.
Abri o Instagram e comecei a fuçar no perfil do carioca em busca de alguma
informação interessante. Como ele não postava com frequência, não havia muito
para ver. A última atualização era um foto do seu novo quarto com a legenda
“Mudando de ares, de novo”. Imaginei o quanto deveria ser difícil mudar de
cidade tantas vezes... Seria esse o motivo dele ser tão fechado?
Continuei
vendo as fotos até que algo me chamou a atenção. A Marília e a Nathália tinham
curtido e comentado todas as postagens, sem exceção. Puxei pela memória e não
consegui me lembrar quando foi a última vez que elas curtiram alguma das minhas
imagens. Intrigada, abri o perfil da Marília. Havia uma postagem recente, a
foto provavelmente clicada na hora do intervalo. Na imagem ela estava abraçada
com a Nathália, as duas sorrindo. A legenda dizia “Nós vamos invadir sua praia” junto com as hashtags #projetomozao
#Rio40Graus.
Mais
uma postagem com indiretas para o Edu. Isso significava que todo o meu esforço
na festa de Carnaval não adiantara de nada. Elas continuavam dando em cima do
carioca, que por sua vez continuava distante de mim... Se é que era possível,
consegui ficar ainda mais triste e desanimada. Sentia meu coração apertado e a
garganta fechada, como se estivesse me afogando e não tivesse ninguém para me
salvar. A cada segundo eu ficava mais distante da superfície e não encontrava
forças para voltar a nadar.
***
Quando
o sinal da última aula tocou, saí tão rápido do colégio que parecia que estava
fugindo de um incêndio.
-
Tudo isso é fome? – o Alê me alcançou quando já estava na rua, caminhando para
casa. Ele respirava pesadamente, indicando que tinha corrido.
-
Tudo isso é vontade de fugir desse lugar. Graças a Deus hoje é sexta-feira. Não
aguentaria ficar nem mais um segundo dentro desse colégio.
-
Relaxa, Gabi. Já, já tudo isso passa – ele tentou me animar, ainda respirando
com um pouco de dificuldade – É como minha mãe sempre diz: inspira, expira, não
pira.
-
Dona Melissa e seus sábios conselhos – comentei. “Não pirar” parecia uma
sugestão bem apropriada perto de tudo o que se passava pela minha cabeça.
Continuamos
conversando até chegar em casa, quando me despedi. O Alê me convidou para andar
de skate com ele, mas estava sem ânimo. Assim que cheguei ao meu quarto, me
joguei na cama e fiquei encarando o teto enquanto minha mente imaginava o Edu e
a Nathália juntos e a Mari rindo de mim ou cenas ainda piores. Era incrível a
capacidade que a minha mente tinha de criar os piores cenários possíveis.
Com
muito custo, levantei para comer algo. Eu sabia que tinha dever de casa para
fazer, mas acabei deitando para tirar um cochilo. Dormir parecia o melhor
remédio. Pelo menos eu não sentiria mais a dor do meu coração.
***
Acordei
com a minha mãe me cutucando de leve.
-
Dormindo a essas horas, Gabriela? Saiba que essa moleza vai acabar, viu?
Segunda-feira retomamos os ensaios e a partir de agora você está de dieta
novamente. Falei com a minha amiga nutricionista e montamos uma alimentação bem
balanceada para você. Já passei no mercado e comprei tudo que precisamos. Essas
“gordurinhas” vão sumir a qualquer custo – ela disparou a falar, despejando as
informações sobre mim.
Apenas
concordei com a cabeça, sentindo meu corpo pesado e um gosto horrível na boca.
-
E vai tomar um banho e trocar de roupa. Você ainda está com o uniforme da
escola – ralhou antes de deixar o quarto.
Obedeci
a ordem e me arrastei para o chuveiro. A água morna surtiu o efeito desejado.
Me senti melhor, com as energias renovadas. Coloquei uma roupa limpa, penteei
os cabelos e escovei os dentes, mesmo sabendo que a janta estaria na mesa dali
alguns minutos – dieta significava refeições com horário marcado e calorias
controladas.
Às
sete da noite pontualmente minha mãe me chamou para comer. No cardápio, sopa
extremamente light e sem sal. Eu já sentia saudades das refeições exageradas
que fizera com a Raíssa no resort.
Quando
terminei, subi para o quarto e comecei a assistir séries no notebook para
manter a cabeça ocupada. Assisti “The Originals” babando pelos lindos do Klaus e
Elijah até quase uma da manhã até que a fome falou mais alto e fiz uma pausa.
Com
o estômago roncando por causa do jantar controlado, resolvi assaltar a cozinha.
Com sorte, minha mãe ainda não teria jogado fora as bolachas recheadas que
compramos na época da “dieta free”. No caminho, caí no erro de pegar o celular
e olhar o Instagram. A primeira foto que vi virou meu mundo de cabeça para
baixo. Na imagem, a Nathália estava abraçada com o Edu na casa da Carol. A
legenda dizia “Ressaca do Carnaval no
Gueto – Vixiii, foi daquele jeito”. Eles estavam tão juntos, ele com um
sorriso largo no rosto, ela fazendo biquinho, ambos com a expressão tão alegre
que era difícil acreditar que tratava-se apenas de uma selfie de amigos.
Encontrei
o pacote de Passatempo escondido no fundo do armário, puxei o lacre de uma só
vez e devorei as duas primeiras bolachas em um único segundo. Eu sentia vontade
de gritar, de quebrar a casa inteira, de fugir, de bater em mim mesma por ser
tão idiota.
Sentei
no balcão da cozinha e fiquei encarando a tela do celular fazendo uma lista de
quantas mentiras e traições aquela foto me revelava:
1°
- organizaram uma festa no Gueto sem mim. Justo eu, que era uma das “criadoras”
do espaço...
2°
- A minha amizade com a Marília realmente chegara ao fim. E, pelo jeito, a
Carol ficaria do lado da loira, já que não teve nem o trabalho de me explicar o
porquê não me convidou para a festa.
3°
- Edu e Nathy deviam ter ficado naquela noite, isso se não ficaram no show do
Michel Teló. O que, provavelmente, significava que a Marília não estava
mentindo quando repetia sem parar que ele não queria nada sério com ninguém. Ao
que tudo indicava, ela realmente estava tentando evitar que eu me machucasse.
Ou será que só estava querendo manter a sua reputação de popular, como o Alê
dissera?
4°
- Será que o Edu também ficava horas no Whats conversando com ela, contando
sobre a praia, surfe, futebol e todas as coisas bobas que fazia ao longo do
dia? Será que ele também dançara com ela no meio da rua, roubado beijos e feito
amor com ela? Será que ele repetira inúmeras vezes que a achava linda e dito
que estava se surpreendendo com ela? Será que ele também convidara a Nathália
para ir para o Rio com ele?
Olhei
o Whats e vi que a última mensagem que eu enviara para ele ainda estava sem
resposta, embora estivesse com os dois tiques azuis.
“E a mudança, como anda?”.
Eu
preocupada e ele “festando” com Nathália e companhia! As lágrimas escorreram
dos meus olhos sem que eu pudesse controlar. Não sabia se era de tristeza,
raiva, frustração, arrependimento... tudo que sabia era que doía muito, como se
alguém tivesse me dado uma surra.
Estava
tão desnorteada que peguei outro pacote de Passatempo. Já estava na metade da
embalagem quando me dei conta da quantidade de bolachas que havia comido. Senti
ainda mais raiva de mim mesma. Eu já tinha tantos problemas, não precisava da
minha mãe pegando no meu pé me chamando de gorda.
Senti
uma culpa tão grande que corri para o banheiro e, sem pensar, coloquei tudo
para fora. Lavei a boca me sentindo um pouco mais leve. Pelo menos aquele
problema estava resolvido.
Respirei
fundo e encarei o meu reflexo no espelho. Eu me sentia um pouco tonta, como se
tivesse acabado de acordar de um sonho ruim. Fiquei ali, sem me mexer,
repassando mentalmente tudo o que acontecera nos últimos minutos. Aos poucos,
os meus sentidos foram voltando ao normal e a onda de tristeza que me invadiu
foi tão grande que não consegui me controlar. Voltei para o quarto e me joguei
na cama, usando travesseiro para abafar o barulho do meu choro. Eu me
perguntava o que estava acontecendo, onde foi que tudo deu errado, relembrando
cada momento daquelas últimas semanas nos quais poderia ter agido diferente
para evitar aquele fim tão triste.
Eu tentava recuperar o controle, pensar com calma no que poderia
fazer para reverter a situação, mas nada adiantava. Por fim, desisti, me
encolhendo na cama e soluçando baixinho. Fechei os olhos com uma única frase
fazendo sentido na minha cabeça: todos os meus fios haviam arrebentado.
______________________________________
Notas finais: Gente do céu, a casa caiu! Socorro!
Gabi vomitando, Edu e
Nathália se pegando, Mari sendo Mari (ou seja, insuportável), Carol vacilando
na missão e o bicho pegando.
Nem preciso falar que essa
segunda fase vai ser bem tensa, né? Então preparem-se que vem muito babado,
confusão e gritaria por aí (literalmente).
Palpites do que vai
acontecer? Curiosa para saber a opinião de vocês.