quarta-feira, 22 de julho de 2015

Capítulo 16 – Por um fio

Notas iniciais: Fim da primeira fase, começo da segunda e o clima ficando cada vez maaaais tenso. Espero que gostem das 12 páginas de capítulo!
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Saí do banheiro depois que o segundo sinal tocou indicando o início das aulas daquela manhã. Meus olhos estavam inchados e um pouco vermelhos, por isso lavei o rosto várias vezes com água gelada para melhorar o meu aspecto.

- É... até que não está tão mal – falei para mim mesma.

Subi as escadas apressada, plenamente consciente de que estava muito atrasada.

- Com licença – pedi, assim que alcancei a minha sala e bati na porta.

- Entra, entra... E se apressa que a aula hoje é importante – a professora Marisa avisou com o seu típico jeito de mandona. Apesar de sempre se fazer de “durona”, ela era uma das nossas professoras prediletas.

Olhei para o meu lugar e, pela primeira vez, senti vontade de sentar em outra mesa. Eu costumava ficar na segunda fileira, na parte da frente da classe, entre a Carol e a Marília. Na fileira do lado estavam Nathy, Mel e Deby. Elas conversavam em voz baixa, animadas e pareciam nem ligar para a minha presença. Do outro lado, sentado no fundo perto dos “nerds” e renegados, estava o Alê. Até aquele momento eu nunca tinha entendido porque ele insistia em sentar ali, longe de todos. Agora, levando em consideração os últimos acontecimentos, eu começava a desconfiar que o meu amigo há muito tempo descobrira o que eu começava a perceber: às vezes, era melhor ficar só do que mal acompanhado...

Com a expressão preocupada, ele levantou o polegar querendo saber se estava tudo bem. Assenti com a cabeça, mesmo que meus olhos vermelhos denunciassem o contrário. Ali perto, um par de olhos verdes me espreitavam, curiosos. Quando foquei meu olhar no Edu, ele me ofereceu um sorriso tímido e um rápido aceno de mão. Retribuí o gesto antes de finalmente tomar coragem de ir me sentar.

Tentei prestar atenção na aula, mas foi impossível. Era como se alguém tivesse tirado uma venda dos meus olhos. De repente, eu via coisas que simplesmente não enxergava antes. O jeito esnobe e cínico que a Mari e a Nathália usavam para falar das pessoas, a forma como a Carol preferia se omitir para não bater de frente com elas e a maneira como a Débora e a Melina “puxavam o saco” delas na tentativa de ganhar “status”.

Minha cabeça rodava com tantas informações. Cheguei a ficar enjoada ao perceber a falsidade das meninas – com exceção da Cá. Estava na cara que aquele papo de começar de novo era tudo “balela”. No fundo, elas estavam só disfarçando, fingindo que não fizeram nada demais para não levarem a culpa. Conforme a situação foi clareando na minha mente, fui me sentindo cada vez menor, boba, uma pessoa dispensável, como um brinquedo velho que não tem mais tanta graça.

Eu mantinha a pose por fora, mas por dentro eu carregava um enorme vazio, como se tudo o que havia ali antes tivesse desmoronado como um castelo de areia.

Depois das aulas, as meninas decidiram permanecer no colégio para fazer os deveres em grupo. Fazia uma tarde gostosa e, em situações normais, eu adoraria ficar na área externa da escola, na sombra das árvores, conversando e fofocando enquanto copiávamos os deveres uma das outras. Mas naquele dia dei uma desculpa qualquer e fui para casa.

Coloquei os fones de ouvido e liguei o som no último volume enquanto caminhava pela pequena estrada que levava até o condomínio. Morávamos um pouco longe do centro, o que permitia um maior contato com a natureza. O caminho tinha árvores de diferentes tamanhos que cobriam o caminho com as suas longas sombras. O cheiro de terra e de mato misturava-se no ar, ajudando a criar uma sensação gostosa de liberdade, como se não houvesse preocupações ou problemas.

- Búú! – Ouvi alguém puxar o meu fone ao mesmo tempo que colocava a mão na minha cintura.

Virei, assustada, e dei de cara com o Edu. Seus cabelos estavam bagunçados e o rosto um pouco suado, sinal que indicava que ele correra para me encontrar.

- E aí? Tudo bem? – me cumprimentou com dois beijos no rosto, antes de voltarmos a caminhar lado a lado.

Fiquei olhando para a sua cara, tentando entender a razão porque ele não me cumprimentava com um selinho, pelo menos – Tudo certinho. E com você? – disse, desistindo de tentar entender as razões daquele garoto.

- “Tô” indo. Machuquei meu tornozelo ontem andando de skate com o Alê. Está doendo para caramba – o carioca fez careta apontando para o pé direito – Por isso que prefiro surfar. Quando você cai, pelo menos tem a água para amenizar o tombo. No skate você leva um “rola” e cai de cara no asfalto...

 - Não consigo te imaginar andando de skate... – deixei minha mente divagar um pouco, imaginando o carioca na praia, a pele molhada, os cabelos caídos no rosto...

- Mas você já me viu andando – ele rebateu.

- Eu sei. Mas sei lá... era algo de brincadeira. É diferente do seu primo. Parece que ele nasceu com o skate no pé. Você não. Não consigo te imaginar fazendo outra coisa que não tenha a ver com o mar – dei minha opnião, fixando meu olhar no seu rosto.

Ele retribuiu o olhar, e foi impossível não lembrar da noite que passamos juntos, do jeito que ele me abraçava, me chamava de linda, me beijava falando que adorava o meu perfume... Agora nós dois caminhávamos próximos, mas não havia toque, nem mãos dadas, muito menos beijo ou qualquer tipo de demonstração de carinho. Nem me chamar no Whats ele chamava... Como poderíamos ir do tudo para o nada assim, tão de repente?

- Minha mãe finalmente resolveu se mudar. Fiquei “mó” ocupado com a mudança esses dias – ele justificou sua ausência, como se estivesse adivinhando os meus pensamentos.

Meu estômago afundou a ouvir aquela notícia. Se mesmo perto ele já costumava ficar tão “longe”, o que seria de mim agora sem a proximidade com a qual eu me acostumara? Aproveitei que estávamos passando pela entrada do condomínio para desviar o olhar e dar oi para o pessoal da portaria. Não queria que ele percebesse o quanto fiquei chateada - Então você vai para o bairro da Carol?- retomei a conversa.

- Vou sim. Hoje já fico por lá. Vim só buscar umas coisas que faltaram – ele explicou.

Fiquei imaginando o quarto nos fundos da casa da Dona Melissa vazio, sem as roupas e a bagunça do Edu. Como seria o seu novo quarto? Será que um dia iria conhecê-lo?

- Você vai estar livre de mim – tentei brincar, me esforçando para que a frase não ficasse pesada demais.

- Vou estar livre é do Alê, aquele mala! Fica me metendo em roubada... Entro na dele e sempre me ferro. Meu tornozelo é prova disso – ele fez drama enquanto eu me perguntava se o carioca estava falando apenas do tombo de skate ou insinuando algo a mais. Afinal de contas, fora o skatetista que me apresentou para ele.

Percorremos o resto da caminho em silêncio. Estava sem ânimo para puxar assunto, como sempre costumava fazer quando estava perto do Edu. A conversa com a Marília não saía da minha cabeça. A cada vez que relembrava o nosso diálogo, eu me sentia ainda pior.  A sensação de ser descartável crescia dentro de mim como um buraco negro que engolia tudo o que via pela frente.

- E essa cara de brava? – ele enfim perguntou quando paramos na frente de casa. Eu nem havia percebido que ele passara reto pelo portão da dona Melissa.

- Sei lá... Acho que estou um pouco chateada – confessei mexendo no cabelo distraidamente.

- Mas você acabou de chegar de viagem. Não era para você estar feliz? – questionou tirando a mochila dos ombros e colocando sobre os seus pés.

Apenas o fitei, relembrando da minha empolgação na Bahia. Eu planejara contar para ele tudo o que havia aprendido por lá: o nome das praias do Rio, as gírias, a experiência com o Stand Up, a forma como adorei ficar no mar tanto tempo e como havia compreendido o fascínio que ele tinha pela praia. Como as coisas fugiam assim do nosso controle? Agora estávamos ali, e eu não mencionara uma palavra sequer sobre o meu Carnaval.

- Eu amei a viagem. Foi sensacional, sério! Tinha um monte de coisa para contar. Mas é que cheguei aqui e fiquei sabendo que a Mari estava falando um monte de coisas sobre mim... Nós conversamos hoje de manhã, mas acho que não resolveu muito. O clima está meio estranho entre nós... – minha voz soava fraca e distante, como se não pertencesse a mim.

- Mas... foi assim, de repente? Aconteceu alguma coisa para o clima ficar estranho? – sua expressão era a de quem estava “jogando o verde para colher o maduro”. Ele sabia que era o motivo da briga, eu estava certa disso. Mesmo assim, não quis facilitar.

- Não, nada aconteceu. Acho que é só uma questão da Mari perceber que não sou uma bonequinha de porcelana e que ela não precisa se preocupar tanto em me proteger. Talvez ela esteja tão acostumada a cuidar de mim que não percebeu que posso me virar muito bem sozinha. Acho que é uma questão de tempo... Até ela se acostumar – expliquei, tentando parecer que a situação era algo sem muita importância.

 - Mas vocês não podem deixar de ser amigas. Faz “mó” tempo que se conhecem e tals... Não é certo deixar uma bobagem atrapalhar isso.

- Relaxa, não vai atrapalhar. Tenho certeza que já, já passa – forcei um sorriso, dando o assunto por encerrado.

- Se você diz – ele deu de ombros – se precisar de alguma coisa, é só pedir, tá?

- Obrigada! Pode deixar que qualquer coisa eu grito – meu sorriso aumentou mais um pouco enquanto meu coração dava pulos e piruetas como se fosse a Daiane dos Santos. As demonstrações de carinho do Edu eram tão raras que, quando aconteciam, deviam ser devidamente celebradas.

Ele ficou parado me olhando, como se não quisesse deixar o assunto morrer. Em dias normais, eu falaria sobre um assunto qualquer, ele “morderia a isca” e continuaríamos conversando por horas e horas. Quase sempre eu caía naquele truque, mas naquele dia consegui evitar. Meus sentimentos por ele estavam tão confusos que já não sabia mais o que queria. Metade de mim pedia para gritar que o amava, que queria ficar junto com ele, que eu merecia mais atenção e carinho... Já a outra queria se proteger, evitar a queda que parecia inevitável. Sim, porque gostar do Edu era como pular de um abismo. Não haveria volta e nem garantias que a situação acabaria bem.

- Dú, vou entrar – me aproximei, colocando a mão no seu rosto – Se precisar de ajuda com a mudança é só chamar.

Ele me olhou de um jeito sério, como se estivesse ponderando se deveria falar o que estava pensando ou não. Ficamos assim por alguns instantes, até que a minha ansiedade falou mais alto e eu o beijei de forma lenta e carinhosa, quase triste, como se fosse uma despedida. Mesmo retribuindo o gesto, não pude deixar de notar que ele não me abraçou, como sempre fazia. Me afastei dele, mil dúvidas pipocando na minha cabeça. Aquilo significaria algo?

- Tchau, Edu – tirei a mão do seu rosto, a voz quase falhando. A angústia que sentia era tão arrasadora que minha vontade era de sentar e chorar ali mesmo, de tão fraca e perdida que estava.

- Tchau, Gabi – ele pegou a mochila e começou a caminhar em direção à casa do primo, me deixando sozinha com meus pensamentos.

*** Segunda fase: Do tudo para o nada ***

[So wake me up when it's all over (Então, acorde-me quando tudo estiver acabado)
When I'm wiser and I'm older (Quando eu for mais sábio e mais velho)
All this time I was finding myself (Todo este tempo eu estava procurando por mim mesmo)
And I didn't know I was lost (E não sabia que eu estava perdido) – Wake me up – Avicii]
           
O dia seguinte foi estranho. A sensação que eu tinha era de estar no lugar errado, na hora errada e com as pessoas erradas. Havia um clima diferente no ar, uma conversa que todos sabiam, menos eu.

Depois de três aulas naquela brincadeira de “escondam o segredo da Gabi”, finalmente o sinal do intervalo tocou. Dando a desculpa que precisava falar com o Alê, sai de perto da Mari e sua turma.

- Nossa, parece que até o ar está mais leve – soltei a respiração pesadamente quando cheguei perto do meu amigo.

- Por que? O que aconteceu? – o skatista me olhou de forma preocupada.

- Sei lá, o clima está estranho... Está todo mundo fingindo ser amigo de todo mundo, mas ao mesmo tempo tem algo rolando que não sei o que é – expliquei enquanto caminhávamos pelos corredores que levavam à cantina. Uma multidão de alunos passava por nós falando alto e fazendo algazarra.

- Jura que você não sabe o que é? – seu tom era cínico.

- Claro que não sei... Aliás, se eu soubesse, minha vida não estaria tão complicada – desabafei.

- É elementar, minha cara – levantou uma sobrancelha fazendo graça – Esse é mais um dos jogos de popularidade da Marília. O que serve, a loira mima e coloca em um pedestal. O que não serve ela joga fora.

A explicação foi fria, curta e grossa, mas puramente verdadeira. A Marília estava me “jogando fora”, como uma roupa velha que não servia mais. E estava sendo tão cruel que não pretendia simplesmente me dispensar. Ela iria me “ignorar” feito um cachorro vira-lata até que eu me sentisse mal o suficiente para me afastar.

O skatista deve ter percebido a minha expressão, porque passou um braço sob os meus ombros em um gesto de conforto – Parece que fomos promovidos ao time dos excluídos – me ofereceu um olhar conciliador.

- Você também? – apoiei a cabeça no seu ombro, feliz com o carinho recebido. Um pouco de atenção faria bem.

- Bom, depois da minha briga com a Carol, não estou sendo muito bem recebido no grupo do “Gueto”... – ele tentou parecer indiferente, mas eu consegui perceber uma nota de ressentimento em sua voz. Parecia que não era só eu que estava sofrendo pela rejeição dos nossos amigos.

- É, acho que me defender não foi uma boa ideia – falei assim que chegamos à cantina. O lugar estava lotado, por isso sentamos na grama mesmo, em um canto mais afastado dos outros alunos.

- Lógico que foi. Já te disse que nunca concordei com essa “ditadura de aparências” imposta pela Marília. E espera aí que vou pegar algo para a gente comer – fez um gesto com as mãos pedindo paciência antes de se afastar.

Enquanto esperava, uma questão surgiu na minha mente: o Alê parecia não aprovar nem um pouco as atitudes da Marília. Mas então, por que ainda andava com a gente? Por que aguentava tudo aquilo em silêncio?

- Você ainda está com a dieta liberada, né? – cinco minutos depois ele voltou sacudindo um saco grande e duas latas de Coca-Cola.

- Se você continuar agitando esse refrigerante, vou abri-lo bem na sua cara para deixar a espuma voar em você – ameacei, segurando as latas para que ele pudesse sentar.

- Eu defendo a pessoa e é isso que ganho em troca. Ó mundo cruel – ele fez drama, me fazendo rir.

- Para com isso, seu bobo! Você sabe que estou brincando – estendi uma Coca para ele e abri a outra para mim -  Mas agora é sério. Tenho uma dúvida: se você odeia a Mari como diz, por que simplesmente não se afasta? – questionei, olhando-o de forma séria.

- Porque... porque... – vi o meu amigo se enrolar. Para ganhar tempo, ele abriu o saco de papel, me oferecendo o que tinha dentro. Depois de uma olhada rápida, descobri que eram mini pães de queijo  – Para de me enrolar, Alexandre – exigi depois de me servir.

Nesse instante, vi a Carol passar por nós com uma expressão estranha. Se ela não tivesse desdenhado do Alê, poderia até dizer que ela estava com ciúme. Virei o rosto para o skatista, e vi uma tristeza nos seus olhos que não estava ali a cinco segundos atrás. E foi aí que tudo fez sentido.

- Você é apaixonado pela Carol! – exclamei como se tivesse encontrado a cura para o câncer.

- Fala baixo, sua magrela! Quer que ela escute? – ele quase pulou em cima de mim para me fazer calar a boca, fazendo gotas de Coca Cola voar no meu uniforme.

Esperei até a Carol se afastar para continuar – É isso, não é? Você é apaixonado pela Cá. Por isso sempre pegou no pé do Caio. Por isso aguentava as chatices da Marília e os “mimimis” da Nathália, Débora e Melina – a cada frase a minha descoberta passava a fazer mais e mais sentido – Mas “pera”... é por isso que você é meu amigo? – fiquei tensa esperando a resposta.

- Não pira, Gabriela! Sou seu amigo desde que me conheço por gente, lembra? Uma coisa não tem nada a ver com a outra – ele me lançou um olhar de repreensão, como se aquela ideia fosse ridícula – O lance da Carol que é mais... complicado.

- Caramba! Estou chocada! Como ninguém nunca percebeu nada?

- É que eu não fico dando bola por aí, né?  - comeu mais um pão de queijo, só para aumentar o suspense – Eu sempre gostei da Carol. Mas antes achava que era algo de amigo, saca? Tipo o que rola entre eu e você. Achava que me importava porque erámos “brothers”. Foi quando ela conheceu o sem noção do Caio que percebi que não era bem isso... Mas aí já era tarde. Por isso nunca falei nada.

Eu nunca tinha visto o meu amigo com uma expressão tão abatida. Fiquei ainda mais chateada com a Carol pelo seu vacilo.

 – E aí, quando vocês ficaram na festa de Carnaval, você achou que poderia dar certo...

- Não vou negar que me iludi e criei uma esperança – ele deu um sorriso sem graça – Mas aí ela veio com um papo bravo de que não presto para ela. Só fico me perguntando uma coisa: se não sirvo para ficar com ela, como posso servir para ser amigo? Ou sou boa companhia ou não sou... Não aceito nada pela metade – deu mais gole no seu refrigerante, fechando a cara.

- Acho que é o mesmo lance da Marília: enquanto era conveniente, ela me amava. Agora que decidiu que não sirvo mais, me esnoba. Só queria saber a causa dessa mudança tão repentina – ponderei, deixando meu olhar correr pelo pátio até chegar onde queria: o Edu estava sentado com o Léo, não muito longe da gente. Um pouco mais longe, as meninas conversavam de modo um pouco espalhafatoso, rindo e falando alto.

- Também já te falei isso: Mari não aceita sair do centro das atenções. Aí, de repente, meu primo chega, ignora a loira e cai matando em cima de você. Claro que ela ia implicar, né? Nunca ouviu aquela história de as pessoas querem te ver bem, mas nunca melhor do que elas?

Mais uma vez aquela sinceridade crua me atingindo como uma pancada no estômago. Mas apesar de saber que, no fundo, ele tinha razão, eu não queria acreditar. Me parecia egoísta demais...

- Gabi, agora somos só eu e você. Melhor a gente aceitar que vai doer menos.

- Você está certo. Melhor mesmo aceitar... – concordei, me dando por vencida. Quanto mais eu resistisse aquela nova realidade, pior seria.

***
Por sorte, as outras aulas aconteceram no laboratório de Química e depois na sala de Artes.  O nosso professor de Educação Artística era jovem, bem vestido e não tinha cara de louco como o do ano interior. Embora aquela não fosse a minha matéria predileta, eu gostava do jeito do professor Gabriel. Ele falava muito sobre ser quem você realmente é, expressar seus sentimentos, liberdade e amor. Bem diferente dos outros mestres que só falavam de vestibular, vestibular e vestibular...

Aproveitei a mudança de ambiente para sentar perto do Alê, mas logo percebi que ele não era uma boa influência. Meu amigo era péssimo aluno e nunca prestava atenção nas aulas. Ao invés disso, ficava no celular vendo vídeos de manobras de skate. Embora eu adorasse o professor Gabriel, estava muito difícil prestar atenção no conteúdo que ele estava explicando. Eu não conseguia parar de pensar no Edu, Mari, Nathália e na conversa com o Alê na hora do intervalo.

Acabei desistindo e fazendo como meu amigo: pegando o celular e acessando a internet. Abri o Instagram e comecei a fuçar no perfil do carioca em busca de alguma informação interessante. Como ele não postava com frequência, não havia muito para ver. A última atualização era um foto do seu novo quarto com a legenda “Mudando de ares, de novo”. Imaginei o quanto deveria ser difícil mudar de cidade tantas vezes... Seria esse o motivo dele ser tão fechado?

Continuei vendo as fotos até que algo me chamou a atenção. A Marília e a Nathália tinham curtido e comentado todas as postagens, sem exceção. Puxei pela memória e não consegui me lembrar quando foi a última vez que elas curtiram alguma das minhas imagens. Intrigada, abri o perfil da Marília. Havia uma postagem recente, a foto provavelmente clicada na hora do intervalo. Na imagem ela estava abraçada com a Nathália, as duas sorrindo. A legenda dizia “Nós vamos invadir sua praia” junto com as hashtags #projetomozao #Rio40Graus.

Mais uma postagem com indiretas para o Edu. Isso significava que todo o meu esforço na festa de Carnaval não adiantara de nada. Elas continuavam dando em cima do carioca, que por sua vez continuava distante de mim... Se é que era possível, consegui ficar ainda mais triste e desanimada. Sentia meu coração apertado e a garganta fechada, como se estivesse me afogando e não tivesse ninguém para me salvar. A cada segundo eu ficava mais distante da superfície e não encontrava forças para voltar a nadar.

***
Quando o sinal da última aula tocou, saí tão rápido do colégio que parecia que estava fugindo de um incêndio.

- Tudo isso é fome? – o Alê me alcançou quando já estava na rua, caminhando para casa. Ele respirava pesadamente, indicando que tinha corrido.

- Tudo isso é vontade de fugir desse lugar. Graças a Deus hoje é sexta-feira. Não aguentaria ficar nem mais um segundo dentro desse colégio.

- Relaxa, Gabi. Já, já tudo isso passa – ele tentou me animar, ainda respirando com um pouco de dificuldade – É como minha mãe sempre diz: inspira, expira, não pira.

- Dona Melissa e seus sábios conselhos – comentei. “Não pirar” parecia uma sugestão bem apropriada perto de tudo o que se passava pela minha cabeça.

Continuamos conversando até chegar em casa, quando me despedi. O Alê me convidou para andar de skate com ele, mas estava sem ânimo. Assim que cheguei ao meu quarto, me joguei na cama e fiquei encarando o teto enquanto minha mente imaginava o Edu e a Nathália juntos e a Mari rindo de mim ou cenas ainda piores. Era incrível a capacidade que a minha mente tinha de criar os piores cenários possíveis.

Com muito custo, levantei para comer algo. Eu sabia que tinha dever de casa para fazer, mas acabei deitando para tirar um cochilo. Dormir parecia o melhor remédio. Pelo menos eu não sentiria mais a dor do meu coração.

***
Acordei com a minha mãe me cutucando de leve.

- Dormindo a essas horas, Gabriela? Saiba que essa moleza vai acabar, viu? Segunda-feira retomamos os ensaios e a partir de agora você está de dieta novamente. Falei com a minha amiga nutricionista e montamos uma alimentação bem balanceada para você. Já passei no mercado e comprei tudo que precisamos. Essas “gordurinhas” vão sumir a qualquer custo – ela disparou a falar, despejando as informações sobre mim.

Apenas concordei com a cabeça, sentindo meu corpo pesado e um gosto horrível na boca.

- E vai tomar um banho e trocar de roupa. Você ainda está com o uniforme da escola – ralhou antes de deixar o quarto.

Obedeci a ordem e me arrastei para o chuveiro. A água morna surtiu o efeito desejado. Me senti melhor, com as energias renovadas. Coloquei uma roupa limpa, penteei os cabelos e escovei os dentes, mesmo sabendo que a janta estaria na mesa dali alguns minutos – dieta significava refeições com horário marcado e calorias controladas.

Às sete da noite pontualmente minha mãe me chamou para comer. No cardápio, sopa extremamente light e sem sal. Eu já sentia saudades das refeições exageradas que fizera com a Raíssa no resort.

Quando terminei, subi para o quarto e comecei a assistir séries no notebook para manter a cabeça ocupada. Assisti “The Originals” babando pelos lindos do Klaus e Elijah até quase uma da manhã até que a fome falou mais alto e fiz uma pausa.

Com o estômago roncando por causa do jantar controlado, resolvi assaltar a cozinha. Com sorte, minha mãe ainda não teria jogado fora as bolachas recheadas que compramos na época da “dieta free”. No caminho, caí no erro de pegar o celular e olhar o Instagram. A primeira foto que vi virou meu mundo de cabeça para baixo. Na imagem, a Nathália estava abraçada com o Edu na casa da Carol. A legenda dizia “Ressaca do Carnaval no Gueto – Vixiii, foi daquele jeito”. Eles estavam tão juntos, ele com um sorriso largo no rosto, ela fazendo biquinho, ambos com a expressão tão alegre que era difícil acreditar que tratava-se apenas de uma selfie de amigos.

Encontrei o pacote de Passatempo escondido no fundo do armário, puxei o lacre de uma só vez e devorei as duas primeiras bolachas em um único segundo. Eu sentia vontade de gritar, de quebrar a casa inteira, de fugir, de bater em mim mesma por ser tão idiota.

Sentei no balcão da cozinha e fiquei encarando a tela do celular fazendo uma lista de quantas mentiras e traições aquela foto me revelava:

1° - organizaram uma festa no Gueto sem mim. Justo eu, que era uma das “criadoras” do espaço...

2° - A minha amizade com a Marília realmente chegara ao fim. E, pelo jeito, a Carol ficaria do lado da loira, já que não teve nem o trabalho de me explicar o porquê não me convidou para a festa.

3° - Edu e Nathy deviam ter ficado naquela noite, isso se não ficaram no show do Michel Teló. O que, provavelmente, significava que a Marília não estava mentindo quando repetia sem parar que ele não queria nada sério com ninguém. Ao que tudo indicava, ela realmente estava tentando evitar que eu me machucasse. Ou será que só estava querendo manter a sua reputação de popular, como o Alê dissera?

4° - Será que o Edu também ficava horas no Whats conversando com ela, contando sobre a praia, surfe, futebol e todas as coisas bobas que fazia ao longo do dia? Será que ele também dançara com ela no meio da rua, roubado beijos e feito amor com ela? Será que ele repetira inúmeras vezes que a achava linda e dito que estava se surpreendendo com ela? Será que ele também convidara a Nathália para ir para o Rio com ele?

Olhei o Whats e vi que a última mensagem que eu enviara para ele ainda estava sem resposta, embora estivesse com os dois tiques azuis.

“E a mudança, como anda?”.

Eu preocupada e ele “festando” com Nathália e companhia! As lágrimas escorreram dos meus olhos sem que eu pudesse controlar. Não sabia se era de tristeza, raiva, frustração, arrependimento... tudo que sabia era que doía muito, como se alguém tivesse me dado uma surra.

Estava tão desnorteada que peguei outro pacote de Passatempo. Já estava na metade da embalagem quando me dei conta da quantidade de bolachas que havia comido. Senti ainda mais raiva de mim mesma. Eu já tinha tantos problemas, não precisava da minha mãe pegando no meu pé me chamando de gorda.

Senti uma culpa tão grande que corri para o banheiro e, sem pensar, coloquei tudo para fora. Lavei a boca me sentindo um pouco mais leve. Pelo menos aquele problema estava resolvido.

Respirei fundo e encarei o meu reflexo no espelho. Eu me sentia um pouco tonta, como se tivesse acabado de acordar de um sonho ruim. Fiquei ali, sem me mexer, repassando mentalmente tudo o que acontecera nos últimos minutos. Aos poucos, os meus sentidos foram voltando ao normal e a onda de tristeza que me invadiu foi tão grande que não consegui me controlar. Voltei para o quarto e me joguei na cama, usando travesseiro para abafar o barulho do meu choro. Eu me perguntava o que estava acontecendo, onde foi que tudo deu errado, relembrando cada momento daquelas últimas semanas nos quais poderia ter agido diferente para evitar aquele fim tão triste.

Eu tentava recuperar o controle, pensar com calma no que poderia fazer para reverter a situação, mas nada adiantava. Por fim, desisti, me encolhendo na cama e soluçando baixinho. Fechei os olhos com uma única frase fazendo sentido na minha cabeça: todos os meus fios haviam arrebentado.
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Notas finais: Gente do céu, a casa caiu! Socorro!
Gabi vomitando, Edu e Nathália se pegando, Mari sendo Mari (ou seja, insuportável), Carol vacilando na missão e o bicho pegando.
Nem preciso falar que essa segunda fase vai ser bem tensa, né? Então preparem-se que vem muito babado, confusão e gritaria por aí (literalmente).
Palpites do que vai acontecer? Curiosa para saber a opinião de vocês.
Beijão e até o próximo cap. <3


*** Bora para o próximo capítulo? Então clique aqui


segunda-feira, 13 de julho de 2015

Capítulo 15 – Quarta-feira de cinzas – Parte II

Notas iniciais: Não, eu não fui abduzida por extras terrestres. Capítulo demorou, mas saiu! Espero que gostem!
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No capítulo anterior:

Resolvi especular o que acontecera na minha ausência com a Carol. Como estava me esforçando para não responder o Edu, acabei ficando distante das redes sociais durante a viagem. Eu precisava de uma atualização geral para poder definir os meus próximos passos.

“Cááá, cheguei! Acabo de desembarcar na Terra da Garoa. Estou pegando o táxi para GMA.”

Digitei usando a abreviação do nome da nossa cidade.

“Ebaaa! Estava com saudades, Gabs”.

A Carol, como sempre, estava online no Whats.

“Eu também! Aliás, quero relatório completo. Como estão as coisas?”

“Ai Gaaabs... Não vão nada bem. Você não vai gostar do que tenho para te contar”.

Respirei fundo me preparando para o que estava por vir. Pelo visto, a quarta-feira realmente seria de cinzas.

“Ai Carol, o que aconteceu? Fala logo, antes que eu tenha um treco”.

Precisei apagar e reescrever a mensagem várias vezes. Fiquei tão nervosa que não conseguia digitar direito. Senti cada parte do meu corpo ficar tensa. Minha intuição me dizia que era algo relacionado ao Edu e a Mari.

“Você sabe que eu estava tentando me manter neutra nessa história, né? Como você e a Mari são minhas amigas, não queria ter que defender uma e ser injusta com a outra. Mas agora não dá mais... Fiquei me sentindo horrível ontem. Chorei muito sem saber o que fazer. Quase te liguei para a gente conversar. Só não fiz isso porque sabia que estava viajando e pelas fotos você estava curtindo muito o passeio”.

A cada palavra eu sentia minha alegria ir diminuindo até sumir completamente. No seu lugar, a velha e conhecida sensação de medo e ansiedade tomou conta de mim. Minha mente girava em alta velocidade, imaginando mil situações diferentes, cada uma mais terrível que a outra.

“Carol, o que aconteceu? Me fala, pelo amor de Deus. Você está me deixando preocupada”.

“Espera, vou explicar por áudio”.

Peguei o fone dentro da bolsa e conectei ao celular enquanto esperava. Fiquei encarando a mensagem de “gravando aúdio” na tela, amaldiçoando cada minuto de espera. O que ela tanto tinha para falar? Será que não dava para resumir?

Assim que a mensagem de voz chegou apertei o play para ouvir.

“Gá, lembra que estávamos agitando no colégio de ir no show do Michel Teló?”.

Parei um segundo para lembrar. A prefeitura da cidade sempre organizava uma programação especial de shows para celebrar o carnaval. Naquele ano, teríamos vários cantores de sertanejo, como Thaeme e Thiago e Luan Santana. Lembro que o pessoal estava agitando para ir no do Michel, mas não estava nada certo ainda. E com a festa do Gueto para organizar, isso acabou ficando em segundo plano.

Bufei de raiva. Se a notícia tinha a ver com o show, então era pior do que eu imaginava. Nessas apresentações de Carnaval sempre rolava “pegação”. Inclusive, foi em um dessas comemorações que a Carol conheceu o Caio e o “rolo” deles teve início. Caramba! Não dava para acreditar que já tinha passado tanto tempo...

“Sei,sim. O Alê que estava agitando...”, respondi, ficando ainda mais impaciente. Será que não dava para ir direto ao assunto?

“Então, ontem a gente foi no show do Michel. O Alê chamou todo mundo no grupo e a Mari super agitou o rolê. Além de nós, o Edu e a Nathália também foram. O carioca não estava muito afim, mas a Marília e o primo o convenceram. A gente mal chegou e a Má já começou a colocar as garrinhas de fora. Ai Gabs, foi horrível... Ela ficou falando que você está se jogando em cima do Edu, que foi ridículo o que aconteceu na festa, que você parecia uma biscate se oferecendo para o carioca e que vocês só ficaram por causa disso”.

Precisei ouvir a mensagem três vezes para que “ficha caísse”. Meus olhos encheram de lágrimas e parecia que alguém amarrara um bloco de pedra no meu coração, de tão pesado e dolorido que ele estava. Como assim a Marília, uma das pessoas que eu considerava como a minha melhor amiga, poderia falar de mim daquele jeito?

E outra, eu não havia feito nada demais na festa. Tudo bem que fui quem tomou a iniciativa de beijar o Edu, mas ele não tinha reclamado, não é mesmo? Pelo contrário: pareceu gostar bastante dos meus beijos. Tanto que terminamos a noite no quarto dele.

“Cá, eu não acredito que a Marília disse tudo isso. E olha, isso me parece a suja falando da mal lavada. Afinal, não é exatamente isso que ela faz quando está afim de alguém?”, digitei, sentindo a raiva tomar conta de mim.

“Pois é... Eu também pensei nisso. É sempre a Má que toma a iniciativa com os garotos que ela está afim. Ela chama no Whats, vai até onde eles estão de propósito... Sem falar que vive pegando no meu pé falando que sou ‘mole’ demais com o Caio. Difícil saber o que ela quer da vida”. O aúdio da Carol chegou logo na sequência.

“Marília resolveu pegar no meu pé por causa do Edu, só pode! Só não consigo entender o que ela ganha com isso... Mas e aí? O que aconteceu depois disso? Ninguém falou nada?”, perguntei, cruzando os dedos para que alguém tivesse saído em minha defesa.

“O Edu ficou apenas ouvindo, sem falar nada. Já o Alê ficou super bravo. Ele disse que a Marília era uma falsa, que estava ‘viajando’, que todo mundo sabia que você não era desse jeito. Os dois discutiram sério e ele saiu de perto da gente antes mesmo do show acabar. Na hora eu não falei nada porque não queria me meter nesse rolo de vocês. Mas quando cheguei em casa, me senti péssima. Desculpa, Gabs. Eu também deveria ter te defendido. A Mari passou dos limites dessa vez”. Pelo seu tom de voz dava para perceber que a Carol realmente estava arrependida.

Respirei fundo, controlando as lágrimas que ameaçavam rolar do meu rosto. Eu nem sabia por que estava prestes a chorar: tristeza, raiva, medo, mágoa... Pela janela do carro eu via o mundo lá fora passar como um borrão enquanto eu tentava me encontrar no meio daquela confusão de sentimentos.

“Pois é... Estamos tão acostumadas a ver, e até ajudar a Mari, a fazer esse tipo de coisa com outras pessoas que nos esquecemos o quanto pode doer ser vítima das armadilhas dela”, escrevi, me forçando a recuperar o foco. Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes a Marília tinha arrumado brigas no colégio. Sempre que alguém se metia em seu caminho, era exatamente aquilo que a loira fazia: inventava calúnias, falava mal do seu comportamento, fazia o possível para que seu “oponente” perdesse a credibilidade. Como era muito popular, ela sempre vencia no final. E eu e a Cá sempre colaborávamos com os seus planos e nos divertíamos da situação – a Mari tinha o poder de tornar tudo engraçado, como se não estivéssemos machucando ninguém e sim contando uma piada muito boa. Agora eu estava sentindo na pele o quanto doía estar na situação inversa. Eu só não conseguia entender o porquê ela me escolheu como seu alvo....

“Acho que foi por isso que fiquei tão mal. Sério, Gabs. Eu me senti péssima. Fiquei achando que era a pior amiga do mundo por não ter ficado ao seu lado. E ainda teve todo o rolo com o Alê...”, o ânimo da Carol no áudio só não era pior que o meu.

“Rolo com o Alê? Como assim?”. Fiquei preocupada. Não bastasse a minha situação, o meu amigo também estava em apuros?

“Então... antes de contar a segunda parte da noite, preciso te atualizar de algo que aconteceu na festa. É que... eu e o Alê ficamos”, ela vacilou ao falar a última parte, como se estivesse com vergonha ou arrependida.

“Oi? Como que é? Explica isso direito, Carolina!”, exigi.

“Não tem como explicar. A gente bebeu muito na festa e o Alê, como sempre, foi superfofo comigo. Aí juntou a minha carência por causa do término com o Caio e deu no que deu”, agora era oficial: pela sua voz, a Cá estava arrependida.

“O Alê é um fofo mesmo. Entre ele e o Caio, o nosso amigo é mil vezes melhor. Ai Cá, eu adorei a novidade. Vocês tem o meu apoio. Acho que você se deu bem nessa história”, um meio sorriso surgiu nos meus lábios enquanto digitava aquelas palavras. Finalmente uma “luz no fim do túnel”.

“Não Gabi, nada a ver isso. O Alê é nosso amigo, sempre foi. Além disso, a gente não tem nada a ver. Ele é todo largado, sonha em ser skatista, não está nem aí para nada, é ‘maior vida loca’... Eu e ele somos muito diferentes. E também... depois de ontem, não quero ver o Alê nem pintado de ouro na minha frente”. Fiquei confusa depois de ouvir aquele áudio. De triste e arrependida, a voz da Carol foi para “super/mega brava”. Tinha algo de muito errado naquela história...

“Carol, será que dá para parar de enrolação e ir direto ao ponto, criatura? Conta o que aconteceu de uma vez”. Era tanta confusão que, por um minuto, eu até esqueci da Marília e do Edu.

“Foi assim... Depois que o Alê saiu, eu fiquei um tempo com o restante do pessoal. A Mari nem se abalou com a briga e continuou falando mal de você. Só que ela te criticava e elogiava a Nathália, como se quisesse insinuar que aquele projeto de perua fosse melhor que você. Nossa Gabs, não sei como a Má conseguia falar aquelas coisas... Disse que você era feia, sem graça, que ficava fazendo drama por causa do balé... Não consegui ficar nem cinco minutos perto deles. Fiquei com tanto nojo que fui atrás do Alê. Quando encontrei, perguntei se estava tudo bem e ele começou a desabafar falando que achava a atitude da Marília ridícula. Eu concordei e ficamos conversando, mas aí ele veio tentar me beijar e eu não deixei. Quando quis saber o porquê, eu dei a mesma justificativa: que ele era ‘vida loca’ demais e a gente não combinava.  Aí ele ficou nervoso e começou a me ofender, dizendo que eu era tão hipócrita quanto a Marília. Que aceitava ser feita de boba pelo Caio, porque ele é um ‘boyzinho’ bem vestido, mas que morre de medo de perder o ‘status’ de ‘popular’ por causa dele”.

Encarei a tela sem saber o que responder. Embora achasse a atitude do meu amigo um pouco radical, eu concordava com ele. Afinal de contas, a própria Carol acabara de confessar que não teve coragem de me defender diante às afrontas da Mari – na certa porque tinha medo de ser a próxima “vítima” da loira. E em relação ao Caio... bom, todo mundo sabia que o cara fazia a Cá de “gato e sapato”. Tanto que teve a audácia de terminar o “lance” dos dois na festa que ela estava organizando e ainda ficou para beber cerveja de graça.

“Cá, entendo que vocês tenham estilos diferentes. Mas o Alê é super gente boa. Nós crescemos juntos, lembra? É um ótimo pretendente para você”, defendi o skatista.

“Ótimo pretendente, Gabi? Fala sério, né? Uma coisa é ser amiga, outra é ficar com o cara. Não tem nada a ver. Não vou pagar esse mico!”, a voz dela transmitia tanto nojo que me senti até enjoada. Como ela poderia falar daquele jeito do nosso amigo? O que estava acontecendo com todo mundo?

“Você falou que nem a Marília agora. Credo, Carolina! Que bobagem é essa? O Alê é um dos caras mais bacanas que conheço”, mantive o meu ponto de vista.

“Você também com esse papo que sou igual a Mari? Que foi? Você e o seu ‘amiguinho’ combinaram de pegar no meu pé?”. Percebi que ela estava ficando ainda mais brava, então decidi mudar de assunto. Eu tinha questões mais importantes para me preocupar naquele momento.

“Bom, você sabe o que faz... Voltando ao Edu e a Marília, e aí? Você sabe se rolou alguma coisa entre o carioca e a Nathália?”, fiz a pergunta de um milhão de dólares.

“Desculpa Gabs, mas não sei de nada. Eu não consegui mais encontrá-los depois da briga com o Alê. Mas pela propaganda que a Marília fez e pelo tamanho do decote daquela garota, olha... não duvido nada que tenha acontecido alguma coisa”.

Respirei fundo várias vezes seguidas para segurar a vontade de chorar. Eu queria gritar, bater em alguém, jogar o celular pela janela... qualquer coisa que pudesse extravasar a raiva que estava sentindo. Justo agora que eu achava que tudo ia dar certo... Parecia que alguém ficava só esperando: sempre que eu conseguia colocar ordem na bagunça que a minha vida se tornara, vinham  e tornavam a revirar tudo.

- Que cara é essa, filha? – minha mãe perguntou, desviando a atenção do livro que estava lendo.

- Nada, não... Só cansaço... – improvisei.

- Deu para aproveitar bastante, né? Valeu muito a pena essa viagem – ela sorriu de uma maneira saudosa – Mas agora é bom você se preparar. Vou pedir para a nutricionista montar a sua dieta e eu mesma vou cuidar dessa pele queimada de sol, né? Teremos pouco tempo para recuperar a sua antiga forma...

Apenas concordei com a cabeça, sem nem dar atenção ao discurso de “uma bailarina precisa cuidar do seu corpo”. Minha mente estava muito longe dali.

Apesar do ar condicionado forte do carro, eu me sentia sufocada. Eu precisava falar com alguém, colocar para fora tudo o que estava sentindo, pedir conselhos, ganhar colo... Mas quem? Acabei apelando para a pessoa mais improvável para falar sobre garotos: o Alê.

“O que é que a baiana tem?”, ele respondeu com seu típico humor alguns minutos depois de eu chamá-lo no Whats.

Tenho vontade de oferecer a Carol e a Mari, aquelas duas coisas ruins, como oferenda para Iemanjá”, tentei parecer um pouco mais feliz do que realmente estava.

“Ela vai devolver. Iemanjá só fica oferenda de primeira classe. É a Rainha do Mar, né querida? Não aceita qualquer coisa”.

Como alguém poderia querer ficar longe de uma pessoa como aquela? O Alê conseguia alegrar qualquer pessoa com as suas palhaçadas.

“Pelo jeito você já está sabendo o que rolou no show do Michel Teló, né?”, ele questionou logo na sequência.

“Carol acabou de me atualizar dos últimos acontecimentos. Tenho apenas duas coisas para falar. Primeiro: OBRIGADA por me defender. Você foi o único que se importou comigo. Segundo: Que babado é esse de ficar com a Carol e depois brigar com ela? Eu viajo por alguns dias e vocês deixam tudo de pernas para o ar?”, fiz questão de agradecer em letras maiúsculas para frisar o quanto gostei da atitude do meu amigo.

“Não fiz mais do que a minha obrigação, Gá. Nunca aprovei a atitude da Marília, mas nunca falei nada porque você e a Cá pareciam não se importar. Mas dessa vez foi diferente. Não suporto hipocrisia e gente que não honra com a sua palavra. Se ela é sua amiga, então seja sua amiga, caramba! Não é porque um cara bonitinho chegou no colégio que ela precisa pirar desse jeito”.

Com certeza ele estava falando do Edu... Desde a chegada do carioca tudo estava fora do lugar.

“Já sobre a Carol, estou meio mal por tudo o que aconteceu. Não queria ter sido grosso com ela, mas já estava nervoso por causa da Marília e acabei perdendo a linha. Na boa... nunca achei que ouviria aquelas coisas da boca da Cá. Falar que não ficaria de jeito nenhum comigo por causa do meu jeito? Então ela prefere sofrer com o Caio só porque ele tem cara de bom moço?”

Eu realmente não conseguia entender a lógica da Carol. Para mim, a única razão para ela agir daquela maneira era para evitar chamar a atenção do pessoal do colégio e não criar “falatório”. Ela sempre fez a linha mais “discreta”.

“Ai, ai... O que a gente faz com essas meninas?”, digitei, soltando o ar pesadamente. Desviei o olhar para a janela como se estivesse procurando uma saída. O táxi passava pela entrada da cidade. Em alguns minutos, eu estaria de volta a minha casa.

“Com a Carol eu não vou fazer nada. Pensei que ela fosse o tipo de garota que valesse a pena, mas percebi que só é mais uma ‘seguidora’ da Marília. Aliás, falando na Mari, acho que você precisa ter uma conversa séria com ela. Tipo ‘papo reto’ mesmo. Aquela garota já passou dos limites”.

Fiquei assustada ao ler as palavras do Alê. O skatista sempre fora gentil e costumava relevar todas as nossas ‘chatices’ de garotas. Tudo indicava que a briga com a Carol e a Mari fora mais grave do que eu imaginava, para ele falar daquele jeito.

 “Você está certo. Eu já havia decidido fazer isso antes mesmo de saber tudo o que aconteceu no Carnaval”, contei. Nas minhas conversas com a Raíssa, ela me aconselhara a colocar a Mari contra a parede e resolver essa questão de uma vez por todas.

“Boa sorte! Se precisar de ajuda para se livrar do corpo depois, é só chamar”, ele brincou me fazendo cair na risada, bem na hora que chegamos na porta de casa.

Enquanto minha mãe pagava a corrida e descarregávamos as malas, voltei a chamar a Carol no Whats.

“Vou pedir para a Mari me encontrar amanhã de manhã na escola antes da hora da entrada. Quero conversar com ela. O que acha?”

“É uma ótima ideia. Só não fala que fui eu quem te contou da briga dela e do Alê, ok?”

Balancei a cabeça, inconformada, com a resposta da Cá. Impossível alguém ficar “mais em cima do muro” do que ela.

Coloquei as malas no chão do meu quarto e fui direto para a ducha. Eu queria pensar antes de fazer qualquer coisa. Lidar com a Mari não seria fácil. Eu precisava me preparar para aquela conversa.

Chequei meu celular assim que saí do banho. Tinha mensagens da Raíssa, Carol, Alê, até do Miguel, meu parceiro no balé... Mas do Edu, nada! Eu sabia que ele estava online. Então por que não falava comigo? Será que estava falando com a Nathália?

Aproveitando que uma nova onda de raiva tomava conta de mim, mandei uma mensagem para a Marília perguntando se ela aceitaria conversar comigo no dia seguinte, logo cedo.

“Combinado” foi tudo o que ela respondeu. Eu poderia apostar que ela já desconfiava qual seria o assunto principal do nosso encontro.

***
Mal consegui dormir tamanha era a minha ansiedade. Pesadelos terríveis me assombraram a noite inteira. Imagens do Edu me deixando, da Mari rindo da minha cara, de cair no mar e ser engolida pelas ondas, de estar sozinha em um palco diante de uma plateia que me olhava com olhares de repreensão... Acabei acordando antes do despertador tocar. Peguei o celular, desesperada por notícias do Edu. Nenhuma mensagem, nenhuma curtida em fotos, nenhum sinal de vida... Uma sensação estranha causou um gosto amargo na minha boca. Uma mistura de medo, angústia e preocupação. Por que o Eduardo tinha que ser tão instável? Um dia me amava, no outro mal me dava atenção...

Levantei da cama com enjoo e sentindo um peso estranho nos ombros, como se já estivesse muito cansada mesmo fazendo poucos minutos que estava acordada.

Vesti meu uniforme no modo automático, passei na cozinha para beber um copo de suco e comer algumas bolachinhas e saí com a mochila nos ombros. Fazia um calor gostoso e os raios da manhã tocavam o meu rosto como se desejassem boa sorte.

- Nossa, alguém torrou no sol lá na Bahia, né? – ouvi a inconfundível voz do Alê ao me aproximar do portão da sua casa.

- Caiu da cama? – me aproximei para abraçá-lo.

- Não queria te deixar sozinha com a víbora da Marília.

Lembrei que comentara sobre o encontro com ele na noite anterior e sorri como forma de agradecer o seu gesto. Ter companhia para andar até o colégio seria ótimo. Ajudaria a espantar os “fantasmas” que andavam rondando a minha mente.

O Colégio Raízes, onde estudávamos, não ficava muito distante do nosso condomínio. Localizada em uma enorme área cercada por mata, a escola era dividida em duas partes: de um lado da estrada ficava os prédios do ensino infantil e primário. Já o outro lado era dedicado aos alunos do ginásio e ensino médio. Passávamos o dia inteiro ali, entretidos com as aulas normais e com atividades artísticas, prática de esportes, balé (classe da qual eu era dispensada por motivos óbvios), e outros eventos extra curriculares, como saraus, clube de poesia, exposições e toda sorte de tarefas que fizessem nosso cérebro ferver com tantas obrigações. Apesar do clima do colégio ser bem leve e ter bastante espaço, às vezes tantas aulas nos sufocavam. No fim do dia eram tantos deveres que os alunos não sabiam nem por onde começar.

Na hora do almoço, quase todo o colégio saía para comer em um pequeno centro comercial na frente do condomínio. Na verdade, tratava-se de uma rua com duas lanchonetes, uma papelaria, um restaurante por quilo além do restaurante japonês que o Edu me levara depois da apresentação de Romeu e Julieta. Porém, quando queríamos fazer um lanche rápido, comíamos na cantina que ficava dentro da escola. Cercada por um belo jardim, o espaço era ótimo para passar as manhãs e tardes de verão.

- Vou buscar um suco para nós – o skatista se ofereceu depois que escolhemos uma mesa em um canto mais reservado. Faltavam ainda cinco minutos para a hora marcada com a Marília. Olhei ao redor, mas não ainda não tinha nenhum sinal dela.

- Aqui. Suco de maracujá para acalmar os nervos – o Alê voltou com dois copos na mão. Precisei respirar fundo antes de estender o braço. Minhas mãos tremiam e suavam frio.

Já havia bebido metade do meu suco quando a loira deu sinal de vida.

- Desculpa, minha mãe ficou enrolando para me trazer – ela comunicou ao se aproximar da mesa, o rosto uma máscara de frieza.

- Bom madames, vou deixá-las a sós – o Alê se pronunciou colocando-se de pé – Gabi, rola emprestar o dever de matemática? Não consegui terminar... – emendou com um sorriso amarelo no rosto.

Rindo da sua cara de pau, peguei minha apostila dentro da mochila e coloquei em suas mãos.

- Valeu, Gabs! – piscou para mim antes de se afastar, me deixando sozinha com a Marília.

Essa era a hora.

- Senta aí, Mari – pedi, forçando uma simpatia que não existia. Só de olhar para ela eu sentia a raiva ferver nas minhas veias, como uma febre muito alta.

- E então, o que queria falar comigo? – questionou, deixando a mochila na cadeira onde o Alê estivera antes e sentando-se na do lado.

- Queria saber o que está acontecendo. Fiquei sabendo que você falou umas coisas estranhas sobre mim... – joguei o “verde”, na tentativa de conseguir uma confissão.

- Eeeu? Que tipo de coisas? – seu ar de cinismo era profundamente irritante.

- Sobre eu e o Edu. Parece que você andou me acusando de me jogar em cima dele, de estar ‘pesando’ demais na do carioca – Falei cada palavra como se estivesse desarmando uma bomba. Um movimento errado e bum! Tudo iria para os ares...

- Quem falou isso? – seu tom era de exigência.

- Não importa quem falou. Eu só quero saber se é verdade ou não – mantive uma postura firme, demonstrando que não estava disposta a negociar.

- Olha Gabi... – ela passou a mão pelos cabelos, assumindo uma posição menos ofensiva – tenho reparado que faz um tempo que estamos distantes, e acho que isso das pessoas ficarem se metendo na nossa amizade é o que está nos prejudicando. Tenho certeza que foi o Alê quem te contou isso... Acho ridículo ele ficar fazendo esse papel de “leva e traz”. Acaba criando essas briguinhas bobas.

Olhei para ela, incapaz de acreditar no que eu estava ouvindo. Era realmente sério que ela ia jogar a culpa no Alê?

- Não Mari, acho que você está enganada. O Alê não está causando nenhuma briguinha boba – imitei o seu tom sarcástico - Pelo contrário, ele só está tentando me ajudar. E consequentemente, te ajudar também, porque assim você pode se explicar. Poxa, não é normal ouvir uma pessoa do seu grupo de amigos falar mal de outro amigo... O Alê não achou justo e por isso veio me contar – estava tão nervosa que acabei gaguejando algumas vezes, mesmo me esforçando para me manter centrada. Eu não queria demonstrar fraqueza, mas não tinha como não ficar nervosa. A Mari parecia estar disposta a me tirar do sério com a sua falsidade.

- Eu não falei mal de você! – apressou-se em se defender. Senti vontade de revirar os olhos, mas me segurei. Queria ver até onde ela teria coragem de ir – Eu só estava preocupada. Foi o que eu disse, Gabi. Faz um tempo que a gente anda afastada. E eu sei que você está se envolvendo com o Edu. Tenho medo de você se machucar...

- Marília, ninguém está se machucando aqui. O Edu é um cara bem legal e a gente está se dando bem. Mas isso não significa nada além do que acabei de falar: estamos nos conhecendo e curtindo o lance que está rolando entre a gente. Não precisa se preocupar. Eu sei muito bem me cuidar – retruquei, mexendo as mãos sem parar e quase derrubando o meu copo de suco ainda pela metade.

- Se você diz... – a loira deu de ombros, como se aquilo não importasse para ela.

- Por que você está fazendo isso? – questionei, olhando fixamente nos seus olhos. Eu procurava por algum vestígio da Marília que eu conhecia, mas não conseguia enxergar nada além de descaso e desprezo.

- Isso o que? – sua voz era a de quem tratava de um tema chato e entediante.

- Por que está criando um muro entre a gente? A gente sempre foi superamiga... Foi só o Edu chegar que tudo mudou. Por que? – deixei minha armadura de lado e permiti que meus verdadeiros sentimentos transparecessem naquela frase. Eu precisava saber. Mais do que isso: eu queria a minha amiga de volta. Queria ter com quem dividir os meus problemas, alguém para rir das minhas burradas, um colo para buscar carinho quando tudo desse errado. Essas pessoas sempre foram a Mari e a Cá. Por que agora ela se recusava a cumprir o seu papel?

- Não estou construindo muro nenhum. Foi você quem se isolou, quem me excluiu da sua vida. E volto a dizer, tudo o que eu fiz foi para te proteger, Gabi. Não quero que você se machuque – ela repetiu o seu discurso ensaiado. Eu não conseguia mais decifrar o que era verdade ou mentira das suas palavras. Eu não conseguia mais reconhecer a Marília...

- Me proteger jogando a Nathália para cima do Edu, mesmo sabendo que eu estava ficando com ele? – não me aguentei e acabei colocando o dedo na ferida.

- Eu não joguei ninguém em cima de ninguém. Mas os dois são solteiros e livres até onde eu sei... – novamente aquele tom de cinismo capaz de tirar do sério até um monge tibetano – O Edu me pediu o Whats dela e eu passei. Foi só isso...

  Nunca a expressão “procurar agulha no palheiro” fez tanto sentido para mim. Era tanta informação e tantas emoções envolvidas que era praticamente impossível conseguir encontrar quais eram verdadeiras. Eu não sabia mais no que acreditar, muito menos o que pensar. Será que o Edu realmente estava caçando assunto com a Nathy? Será que, no fundo, a Mari tinha razão de querer me proteger?

- Olha Gabi, eu só quero ficar de boa com você. Não quero que nada atrapalhe a nossa amizade...

Por que, de repente, ficou tão difícil acreditar naquela frase?

- Eu também, Mari. Mas, sei lá... Parece que você passou para o outro lado. É como se antes fizéssemos parte do mesmo grupo, e agora estivéssemos separadas por time. Eu no A, a Carol no B e você no C... – usei o resto de forças que me restavam para continuar na conversa. Minha vontade era sair correndo dali, para um lugar onde ninguém pudesse me encontrar.

- Mas eu não passei para lado nenhum – mexeu as mãos, irritada.

- Passou sim. A Carol também acha isso – envolvi minha amiga na história, mesmo sabendo que ela desejava ficar “neutra”.

- Bom, eu não acho... Mas se vocês dizem... – deu de ombros - Acho então que devemos tentar reverter isso. Criar um novo grupo, deixar para trás essas “picuinhas” e começar de novo. O que acha? – não pude deixar de sentir uma pontada de ironia quando ela falou das “picuinhas”. Ela iria mesmo insistir em jogar a culpa nos outros?

- Seria ótimo – concordei, só para não estender ainda mais o assunto.

- Então ficamos assim. Vou falar com a Natália, Mel e Deby e você fala com a Carol. Todo mundo esquece o que passou e a começa de novo, de coração aberto. Vamos construir um novo grupo – sugeriu com uma empolgação forçada na voz.

- Perfeito! É uma ótima ideia – assenti. A pergunta “desde quando a Nathália faz parte do nosso grupo?” ecoando na minha cabeça como um alerta de incêndio. Para mim, sempre fomos nós três: eu, ela e a Cá. E só. Mesmo não aprovando a ideia. Guardei o pensamento só para mim.

- Vou já procurar as meninas. A gente se encontra na sala, ok? – a loira avisou, pegando suas coisas e me deixando sozinha.

Lentamente, deixei a mesa e caminhei até o banheiro mais próximo. Me fechei em uma das divisórias e encostei a cabeça na parede, esgotada demais para conseguir raciocinar. Fechei os olhos e permaneci na mesma posição por muito tempo, não me importando com as lágrimas silenciosas que insistiam em rolar pelo meu rosto.

Naquele turbilhão de sentimentos, de repente uma frase do livro Cidades de Papel surgiu na minha cabeça. Era parte de um diálogo entre a Margo e o Quentin, no prólogo do livro quando eles conversavam sobre a razão de um cara ter se suicidado.

“Talvez todos os fios dentro dele tenham se arrebentado”.

Nunca algo fez tanto sentido para mim. A única questão era: quantos fios ainda me restavam?
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Notas finais: Geeeente do céu, o carnaval rendeu, hein? Carol e Alê brigando, Mari fazendo a cínica e o Edu...... Bom, esse só fez papel de árvore, né? #ChateadaComOEdu

E a Gabi, gente? Deu uma dó... #ReageGabi

Mas ó, esse só o começo. Muitos forninhos vão cair ainda. Estamos a dois capítulos de começar a segunda fase e aí a coisa vai séria de verdade! PRE-PA-RA que vem fortes emoções por aí!

Já deu para perceber que estou empolgada, né? Hahahaha Juro que a demora vai valer a pena, gente. Juro, juradinho!


Beijocas e até o próximo capítulo!


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