segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Capítulo 41 – Operações-Cupido

Notas iniciais: Vocês também são o tipo de pessoa que planejam uma coisa e fazem outra completamente diferente? Pois eu sou! Planejei que a festa da Gabs já ia começar nesse capítulo, maaaas... Bom, vejam por si mesmas... hahaha

Só posso dizer que o esquenta para a festa está bem agitado e tenso.

Espero que gostem do capítulo! =)
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 - Wherever, wherever, nã, nã, nã, nã, nã, to be together...”

- Primeiro de tudo – Rebeca interrompeu a cantoria (ou a tentativa de uma) do Nando com um olhar que seria capaz de matá-lo instantaneamente – pelo amor de Deus, não acaba com a música desse jeito. A Shakira não merece essa desfeita! Até porque nem é essa música que a Gabi está ensaiando! Você tinha que estar cantando a outra...

- Minha filha, Shakira é cultura! Vai das Arábias à África, passando pelo Brasil, Colômbia e o mundo todo. O tema da festa, aliás, deveria ser os hits dessa mulher. Eu iria fantasiando de “La Tortura”, bem lindo cantando “Ay amor, fue una tortura perderte” e dançando todo sensual e arrasador – nosso amigo rebateu caprichando na dose de humor.

Estávamos saindo de um dos meus ensaios de dança do ventre no estúdio da Pérola. E, enquanto o Nando e a Rebeca discutiam sobre o sucesso da cantora colombiana, eu só conseguia pensar se conseguiria sobreviver até o meu aniversário. Na minha primeira semana de ensaios fiquei apenas treinando os movimentos básicos, que de básicos não tinham nada. Era um tal de joga quadril pra lá, bota perna pra cá, e a costela vai acolá... Meus quadris, abdômen e pernas estavam mais moídos que na época do balé. A única vantagem era a que eu não precisava usar sapatilhas, o que não posso negar: já era um tremendo alívio. Porém, não fiquei livre de movimentos na ponta e meia-ponta do pé.

Como tínhamos pouco tempo até a festa os ensaios estavam bem puxados. Duravam cerca de duas a duas horas e meia. A principal desvantagem de ser filha da dona Beatriz era essa: a Pérola sabia que o ritmo da minha mãe sempre fora muito puxado, por isso não fazia nenhuma cerimônia ao exigir o máximo de mim. Inclusive, a minha coreografia que ela tinha prometido que seria algo simples, ao que tudo indicava, não seria assim, tão fácil... A música escolhida pela minha professora foi uma da Shakira chamada “Ojos Así”. A coreografia, inclusive, também seria inspirada em uma performance que a cantora fez em um dos seus DVD’s. Segundo ela, como a música não era tão típica, permitiria que eu improvisasse mais nos passos.

Para minha surpresa, ter feito balé me ajudou muito a pegar os movimentos. Eu não fazia ideia, mas muitas profissionais da dança do ventre faziam aulas de balé clássico, sapateado e até yoga para aperfeiçoar suas apresentações. Outra coisa muito interessante foi conhecer um pouquinho da cultura dos países árabes, muito diferente da nossa ocidental. Mas, o mais legal, sem sobra de dúvida, era o quanto eu estava me sentindo linda e poderosa. A dança do ventre tinha vários movimentos sensuais e aprendê-los estava me ajudando descobrir um lado meu que ainda não tinha explorado.

Como iria rolar um vídeo só com os preparativos da festa, alguém sempre ia comigo para registrar os meus micos durante as aulas. Claro que também rolavam muitos stories no Instagram, o que estava rendendo vários comentários e aumentando ainda mais a expectativa da festa entre os convidados.

- Gente, é sério: acho que amanhã eu não consigo ensaiar. Tudo dói – falei enquanto caminhávamos pelas ruas do Centro de Guararema com destino à Casa da Cultura, onde encontraríamos minha mãe para pegar uma carona para casa.

- Pois trate de aguentar firme, porque hoje ainda temos a Operação Cupido Sem Fronteiras – Nando me lembrou.

- O Alê e a Lala avisaram no grupo que tudo está correndo bem. Eles já começaram a preparar o jantar – Rebeca nos posicionou com seu típico jeito de líder – Mas vamos precisar de você para levar seu pai até o salão de eventos do condomínio.

- Nossa, é verdade! Ainda tem mais essa... E eu pensando que chegaria em casa e me jogaria na cama como se não houvesse amanhã – falei, respirando fundo.

Estava previsto que meu pai chegaria ao Brasil na semana passada. Porém, por conta de alguns problemas na empresa, ele precisou adiar a data, o que nos deu tempo de preparar um plano para juntá-lo de vez com a dona Melissa. A ideia era bem simples: organizar um jantar à luz de velas com a mensagem “Se casem” e deixar o resto por conta dos dois. Pelos sinais que ambos vinham dando, a única coisa que faltava era esse pequeno empurrãozinho – e, justamente por isso, resolvemos ajudar.

Para isso, depois que ele chegasse em casa, por volta das oito da noite, eu iria convidá-lo para dar uma volta pelo condomínio e levá-lo até o salão de eventos, onde já teríamos organizado o jantar ao lado do deck. O Alê estava encarregado de fazer o mesmo com a dona Melissa.

Peguei o celular para checar se havia alguma novidade do meu pai. Pelas mensagens, tudo estava correndo bem e ele chegaria no horário marcado. Agora era só esperar a hora de entrar em ação.

***
- Ôôôô de casa... – ouvi alguém chamar da porta de casa.

- Está aberta! – gritei de volta e sorri ao ver meu pai passar pela entrada puxando sua bagagem. Eu estava à sua espera enquanto fingia que assistia uma série no Netflix. Digo fingia porque, na verdade, estava no Whats confirmando os últimos detalhes com o resto do pessoal.

- Demorei, mas cheguei – ele disse enquanto dava um longo abraço de boas-vindas nele.
- E deu tudo certo com o seu trabalho? – perguntei, ajudando-o com as malas.

- Ah, sim. Tivemos um imprevisto, mas nada muito complicado. A única coisa chata é que acabei precisando adiar a viagem. Mas agora estou aqui e estou morrendo de fome. Tem alguma coisa pra comer nesta casa?

Precisei me segurar para não abrir um sorriso de vitória antes do tempo. Eu nem precisaria me esforçar. Sr. Marco Sérgio estava me dando a deixa que precisava de bandeja.

- Hmmm... Deve ter. Minha mãe sempre pede para a Maria deixar alguma coisa pronta na geladeira. Mas pai... Será que podemos sair para comer? Aí aproveitamos e conversamos... – tentei fazer uma expressão de quem estava confusa e precisando de orientação para convencê-lo. Eu sabia que ele não resistiria a um pedido de ajuda da sua filha problemática.

- Ah, claro! Quer chamar um Uber? – ele mordeu a isca com uma expressão de intrigado.
Ponto pra mim!

- Dá pra ir andando, pai. Tem uma espécie de “vilinha” na frente do comdomínio com algumas opções boas para comer. Tem um japonês ótimo lá, inclusive – falei, relembrando o dia que jantei lá com o Edu depois da minha apresentação como Julieta. Era muito difícil acreditar que isso tinha acontecido há poucos meses. De lá pra cá, tanta coisa tinha mudado...

- Bom, então vamos... Talvez a gente possa passar pela casa da Melissa e ver se eles também querem ir – ele sugeriu – Claro, se não quiser conversar em particular.

- Ah, você sabe que amo o Alê e a dona Melissa, mas acho que prefiro falar só com você primeiro, embora eu saiba que depois você vai acabar contado pra ela... – falei em tom provocativo.

Ele me respondeu com um sorriso amarelo, se entregando ainda mais. Gente, não tinha nada mais fofo que uma pessoa apaixonada. - Você anda terrível, né mocinha? Melhor irmos logo, antes que você continue com essa língua terrível!

Fiz sinal para que ele fosse na frente com um sorriso irônico no rosto. Ele nem imaginava o que ainda estava por vir. Antes de sair, peguei o celular e digitei no grupo “A caminho”.

- E então, sobre o que queria falar? – ouvi meu pai perguntar enquanto eu trancava a porta da frente.

- Semana passada fui levar o Edu no aeroporto com o Alê e a dona Melissa fez uma pergunta no carro que me deixou meio encucada – comecei ao mesmo tempo que caminhávamos lado a lado pela rua – Ela quis saber se já estamos pensando no vestibular e... bem... eu não tenho a mínima ideia do que quero fazer na faculdade. Eu passei a vida inteira achando que estudaria Dança e faria parte de uma grande companhia. Agora estou perdida – desabafei. Desde a briga com a minha mãe e o meu tempo com o balé, eu não tinha parado muito para pensar no que faria dali para frente. Mas agora, com os professores fazendo uma verdadeira lavagem cerebral sobre universidade, provas e tudo mais, eu me sentia cada vez mais confusa.

- Gabi, realmente há muita pressão para que vocês escolham uma formação quando terminam o Ensino Médio. Mas saiba que eu não apoio a ideia que você precisa terminar o colégio e ir imediatamente para uma faculdade. Acho que há outras opções muito mais válidas, como viajar, aprender algum outro idioma, ser voluntário em alguma causa ou começar a trabalhar... Pressionar alguém a escolher uma profissão pode causar consequências muito graves.

Eu adorava o jeito que meu pai falava de coisas sérias de um jeito natural, como se fosse se fosse só mais uma conversa comum. Isso sem falar no alívio em saber que, pelo menos por enquanto, não seria obrigada a decidir sobre algo que estava totalmente confusa.

- Além do mais, você não precisa riscar a dança da sua lista completamente – ele emendou com uma voz um pouco mais animada – Você dançou balé por muito tempo. Teve um problema este ano, mas isso não significa que não possa pensar em voltar. Mas, enquanto está dando este tempo, pode experimentar outros tipos de dança ou, quem sabe, explorar outras artes, como o teatro, por exemplo. Nova York tem escolas ótimas de jazz, sapateado, interpretação, música... Você poderia estudar por lá – ele sugeriu do mesmo jeito que uma criança tenta convencer um adulto a sair para brincar com ele. De modo doce e fazendo parecer que a proposta seria muito divertida.

- Nossa, pai! Como é que nunca pensei nisso? – a ideia parecia tão genial e incrível que eu não conseguia acreditar que não tinha cogitado a hipótese antes – Lembra que te falei da Pérola, a professora de dança do ventre? Então, ela me explicou que o balé pode servir de base para muitos outros tipos de dança e até para atores e atrizes... Poder estudar outros gêneros vai ser incrível – eu não estava me aguentando de tanta empolgação. Mil ideias começaram a surgir na minha mente. Talvez eu poderia até ser uma daquelas atrizes de musicais, que cantavam, dançavam e atuavam... Será que era sonhar alto demais?

- Às vezes focamos tanto no problema que não percebemos que a solução está logo abaixo do nosso nariz – ele piscou para mim – Você pode terminar o colégio e ir passar um tempo comigo em Nova York. Sua mãe e eu temos falado sobre isso e ela apoia a ideia. Na verdade, ela está se apegando a ela com todas as forças porque acredita que você tem muito talento para a dança, independente se for ou não seguir carreira no balé. Mas não conta essa parte para ela, ok? – pediu como quem conta um segredo.

- Prometo que fica entre nós – levantei a mão imitando um gesto solene.

- Era para ser surpresa, mas já que você tocou no assunto, vou te contar – seu modo de falar era o de alguém que estava aprontando algo. Aí vinha coisa – A Melissa fez essa pergunta porque temos conversado muito sobre o projeto que estamos desenvolvendo para jovens. E, como está sempre com vocês, ela já tinha notado que você e o Alê estavam com problemas em decidir uma faculdade. Por isso pensamos em propor essa temporada em Nova York para vocês.

- Peraí... vocês? Para o Alê também? – perguntei mal acreditando no que estava ouvindo.
- Isso mesmo! Para o Alê também. Nova York é uma cidade incrível, cheia de opções, seja para bailarinas, skatistas, youtubers... – dava para perceber que meu pai também estava muito empolgado com a ideia. O sorriso no seu rosto só não era maior que o meu.

- Isso vai ser incrível! Vai ser ótimo viajar com meu amigo – estava tão entusiasmada com as novidades que, por pouco, não estraguei o plano inteiro. Já estávamos quase chegando perto do lago. Eu precisava pensar rápido para desviar a rota sem chamar muita atenção.
- Falando no Alê, ele disse que estaria com a Laís no deck. Agora que já conversamos, será que podemos chamá-los para ir com a gente?

- Podemos. Mas este assunto, por enquanto, precisa ficar entre nós. A Melissa disse que estava de acordo com a ideia, mas sabe como é, né? Não podemos nos meter. Ela precisa conversar com ele primeiro – meu pai se preocupou em explicar.

- Fica tranquilo, não vou dizer nada! Agora, vem – puxei sua mão apressando o passo. Eu queria muito que ele encontrasse a surpresa logo.

Chegamos perto do lago onde havia a entrada para o salão de festas. O ambiente era amplo, com o pé direito alto, piso de madeira e grandes portas de vidro. Uma delas dava acesso direto ao deck. A segunda levava a um jardim que tinha uma ligação com uma outra rua do condomínio. O Alê usaria a segunda opção para levar dona Melissa até o nosso jantar. Eu estava só imaginando quais artimanhas ele usaria para convencer a levar a mãe até ali.

- Filha, o que está acontecendo?  Meu pai perguntou ao perceber a movimentação diferente. Na beira da água havia uma mesa para dois e, logo ao lado, um aparador com os pratos e as bebidas. O cardápio foi especialmente selecionado pela Beca: lasanha de berinjela e salada de folhas verdes e frescas. Também havia algumas frutas para a sobremesa, além de uma torta com cobertura de frutas vermelhas que parecia divina. Para beber, suco de jabuticaba para a dama e vinho para o cavalheiro. Uma playlist montada pela Laís tocava em uma caixinha de som. Em um canto, acertando os últimos detalhes, estava todo o resto do Time B, com exceção do Nando que estava incumbido de registrar o encontro dos pombinhos.

- Tenha só um pouquinho de paciência que já, já, você vai descobrir – falei.

- Enquanto isso, o senhor pode ir se sentando à mesa – Nando sugeriu enquanto fazia imagens do meu pai.

- Tudo que está aqui é para você e para nossa outra convidada especial. Por favor, espero que apreciem – Laís juntou-se a nós o conduzindo até o seu lugar.

A mesa estava muito bonita, forrada com uma toalha branca, pratos de porcelana com estampas de flores delicadas e taças. Velas, flores e fios de luz completavam o visual de forma simples, porem muito charmosa.

*** Segue uma foto pra dar uma ideia da decoração. A diferença é que eles estavam em um deck***

- Meninos... – a expressão do meu pai era uma mistura de medo com expectativa.

- Calma! Confia em mim. Você vai gostar – falei olhando pela entrada do jardim, esperando o Alê dar sinal de vida. Será que algo tinha dado errado?

- Gostaria de provar a entrada? – Rebeca interviu para distrair meu pai.

- Acho que prefiro descobrir quem será a pessoa que vai jantar comigo primeiro – ele respondeu sério. Sua expressão começava a ficar bem desconfiada e não ajudava muito a demora do Alê. Olhei o celular para checar se havia alguma mensagem dele. Nada! Dava para perceber que todos os meus amigos estavam apreensivos.

- Pessoal, acho que levei um bolo e nem sei de quem foi... – meu pai disse, levantando-se da mesa depois de 10 minutos de espera.

- Calma, pai! Só mais um pouquinho de paciência... – quase implorei enquanto rezava para o skatista aparecer logo.

Por sorte, e como se Deus estivesse atendendo as minhas preces, ouvi a voz do meu amigo e da dona Melissa se aproximando.

- Vem, vem! Por aqui. Isso... só mais alguns passos... Já estamos chegando – ele falava enquanto guiava a sua mãe que estava com uma venda nos olhos. Ai meu Deus! O que aquele garoto estava aprontando?

- Só um pouquinho mais adiante... Pronto! Agora, pare! Pegue no compasso! Brincadeira, brincadeira... Seguinte: uando eu contar até três você pode tirar a venda, ok? – ele foi dando as instruções todo convencido até que sua mãe parasse em frente à mesa onde estava meu pai.

- Alexandre, o que é tudo isso? – fui até ele e sussurrei em seu ouvido muito séria. Ao meu redor, todos encaravam a cena com cara de “mas o que diabos está acontecendo aqui?” – Era para trazer a sua mãe, não para fazer uma gincana!

- E qual seria a graça se não tivesse um pouco de dramaticidade? – ele retrucou, voltando a prestar atenção na sua mãe e me fazendo revirar os olhos – Ok, vamos lá! No três: um, dois, dois e meio... e... – fez uma pausa dramática se achando o animador de festa – três!
Ao ouvir o sinal, dona Melissa tirou a venda e, ao dar de cara com meu pai, congelou feito uma estátua. Do outro lado da mesa, a reação do “seu” Marco Sérgio foi exatamente a mesma. Era difícil saber se eles ficaram felizes com o que aprontamos.

Por um momento, tudo o que se ouvia era o som da música. Ninguém sabia o que falar ou o que fazer. Até o Nando, que estava filmando tudo, pareceu perder o foco.

- Por favor, dona Melissa, sente-se – a Laís foi a primeira a tomar uma atitude – Vou servir algo para vocês beberem. Beca, a entrada, por favor.

Ao ver a dupla sentada na mesa nos olhando de jeito questionador, Alê resolveu explicar – Vocês sempre nos incentivam a ir atrás do que queremos, a expressar o que sentimos e essas coisas todas... Por isso, tomamos coragem para mostrar o que estamos pensando de uma maneira bem... digamos, que direta. Mas, caso não tenham entendido ainda, queremos que vocês fiquem juntos porque eu e a Gabi queremos ser irmãos – ele foi direto ao ponto, explicando a situação de uma maneira bem casual, como se estivesse contando que foi comprar pão na padaria.

- E, eu no caso, quero ser a nora de vocês – Laís completou dando uma piscadinha.

- Portanto, aproveitem o jantar, a decoração, conversem, se amem, se beijem... E não precisam ficar preocupados. Todos nós vamos dormir na casa da Gabi hoje para não deixar nossa Bonequinha sozinha, já que dona Beatriz só volta amanhã. Ou seja, nossa casa estará livre hoje, tá mãe? – o skatista voltou a falar fazendo gracinha, o que ajudou a quebrar o clima na mesa.

- Acho que criamos dois monstros... – foi tudo o que dona Melissa disse o que não nos ajudava a descobrir se eles tinham gostado ou não.

A Beca entrou em ação explicando o menu, o que pareceu deixar os dois menos retraídos. Antes de sairmos, avisamos que no dia seguinte iríamos limpar e organizar o local, e que eles não precisariam esquentar a cabeça com nada.

- E aí? Vocês acham que rola? – Rebeca questionou um pouco apreensiva enquanto caminhávamos para a minha casa.

- Mas é claro que rola. Quem resiste a toda essa produção? – Alê estava um nojo de tão convencido.

- Não sei não, hein? Eu esperava uma reação mais alegre da parte dos dois. Eles ficaram meio tensos – Lala avaliou.

- Normal, né? Não é todo dia que seus filhos e os amigos deles resolvem bancar o cupido. Se você for parar para pensar, é um pouco constrangedor, né? Parece que eles estavam encalhados... – foi a vez do Nando falar.

- Será que mandamos mal? – de repente senti um mau pressentimento.

- Relaxa, bonequinha. Tudo vai dar certo. Em breve estaremos rindo disso tudo passeando por Nova York – Alê não se deixou abalar. O comentário dele me fez lembrar da conversa com meu pai antes da “Operação Cupido”. Será que nossa tentativa de aproximá-los poderia colocar tudo a perder?

- Eu espero que você esteja tão confiante assim amanhã à noite para me ajudar com o Miguel – Fernando estava ansiosíssimo para que o dia seguinte chegasse. Afinal, já fazia um tempo que ele não via o Mig.

De repente, a autoconfiança do Alê desapareceu. Tudo o que meu amigo fez foi balançar a cabeça, como se não soubesse o que dizer.

- Bom gente, não tem mais nada que possamos fazer além de esperar, não é mesmo? Então, enquanto aguardamos, quero saber de uma coisa: qual filme vamos assistir hoje? – Lala conduziu a conversa para um ponto mais neutro: a festa do pijama que havíamos programado para aquela noite. Tudo bem que o objetivo inicial da festa era comemorar o resultado positivo do jantar... Agora, ao que tudo indicava, a comemoração serviria mais como uma forma de distração até que recebêssemos alguma notícia do deck.

- De terror, é claro! Porque, se a Lala ficar com medo, vai poder pular no meu colo e ficar agarradinha comigo a noite inteira... – o skatista tentou disfarçar o momento de tensão fazendo piada.

Ao ouvir a gracinha do meu amigo, eu, Beca e Nando reviramos o olho ao mesmo tempo.
- Deus, como que uma única pessoa consegue falar tanta besteira? – nossa Hermione provocou.

- Eu treino bastante, querida. Um dia você chega no meu nível...

- Lala, pelo amor de Deus, dá um jeito nele – praticamente implorei.

- Pode deixar, Gabs. Vou mantê-lo na linha! – ela respondeu, abraçando o namorado mais forte, fingindo uma punição – Mas ó, eu topo o filme de terror. Mas nem pense em usar isso como desculpa para ficar me agarrando – ela advertiu o skatista, que pareceu bem desapontado com a notícia.

Chegamos em casa bem mais animados do que antes. Bom, quase todo mundo. Nando parecia um pouco encucado com a reação do nosso amigo. Pra falar bem a verdade, eu também tinha ficado com o pé atrás. Nota mental: conversar com o skatista e descobrir porque ele estava agindo estranho quando o assunto era Nando e Miguel.

Mas, enquanto não a oportunidade de falar com o meu “futuro irmão” não aparecia, eu e a Lala o deixamos escolhendo o filme, enquanto preparávamos os petiscos e o Fernando e a Rebeca pegavam os refrigerantes.

O filme estava na metade quando ouvimos a porta abrir, assustando todo mundo.

- Calma, meninos! Sou eu – meu pai avisou – Pelo nível do susto de vocês, devem estar assistindo filme de terror. Acertei?

- Isso mesmo, “seu” Marco. Até porque, romance é com você e a minha mãe – Alê não perdeu a oportunidade.

- Bom... não quero atrapalhar a sessão pipoca. Filha, você pode me ajudar a levar as coisas para o quarto? Ainda preciso responder alguns e-mails antes de dormir – “seu” Marco Sérgio desconversou. Não pude deixar de notar que, para quem estava chegando de um jantar romântico, sua expressão parecia um pouco séria demais.

- Hm... Claro! – disse antes de me levantar do sofá.

- Meninos, estarei no meu quarto se precisarem de mim. Antes de dormir passo para ver se está tudo certo. Comportem-se, hein? – Marco Sérgio tentou dar uma aliviada na tensão sem muito sucesso – E Alê, sua mãe pediu para ficar de olho em você – deu uma piscada para o meu amigo antes de pegar as malas – Boa noite!

Seguimos até o quarto sem falar muita coisa. Ele me perguntou a senha do wi-fi e confirmou se realmente iríamos assistir o espetáculo da minha mãe no dia seguinte.

- E aí, pai? Gostou do jantar? – arrisquei perguntar depois que o ajudei a se instalar no seu quarto.

- Estava tudo muito bom, filha. Agradeça aos seus amigos, aliás. Eles capricharam – respondeu com um meio sorriso nos lábios.

- Maaas... e aí? E a dona Melissa? – tentei descobrir algo.

- Gabriela, não posso negar que achei a atitude de vocês muito bacana. Mas, estou aqui para cuidar de você. Foi o que prometi para a sua mãe, inclusive. Não podemos perder o foco, ok? – ouvi meu pai falar antes de vir até mim e me dar um beijo na testa – Agora, volta lá para a sala que seus amigos estão te esperando. Boa noite!

E, com essa resposta que não esclarecia nada, ele se despediu e fechou a porta do quarto. Segui pelo corredor novamente sem saber o que pensar. Ele tinha gostado do jantar. Tinha gostado da iniciativa. Então, por que diabos não ficou com a dona Melissa?

- E aí, Gabs? Alguma novidade do jantar? – Nando quis saber assim que retornei à sala.

- Pela cara do seu pai a coisa não funcionou como imaginávamos... – a Beca avaliou antes de dar um gole no seu refrigerante.

- Ele disse que gostou da ideia, mas que prometeu para a minha mãe que cuidaria de mim e que não podíamos perder o foco – resumi a resposta depois que voltei ao meu lugar no sofá.

- Hmmm... Será que ele ainda está interessado na sua mãe?  -a especulação veio do Fernando.

- Gente, será que ele acha que a dona Beatriz ainda não o perdoou por ter ido embora e está tentando se redimir? – Lala embarcou na teoria do nosso amigo e foi ainda mais além.
- Olha, hoje mais cedo meu pai comentou de eu ir passar um tempo em Nova York com ele. Pode ser que ele esteja com “medo” de comprar briga com a minha mãe e acabar atrapalhando a viagem – falei, mantendo a parte sobre o Alê em segredo. Se minha teoria estivesse certa, era bem possível que não rolasse do skatista ir comigo para a “Big Apple”.
- Eu ainda não estou acreditando que tivemos todo esse trabalho para nada... – meu amigo se lamentou.

- Calma! Nem tudo está perdido, galera. Ainda tem a festa de aniversário da Gabi. Como os três estarão juntos no mesmo lugar, poderemos observar e entender melhor o que está rolando. A partir daí, definimos qual será o nosso próximo passo – a nerd do grupo fez o que fazia de melhor: colocava ordem no “barraco”, determinando o que deveríamos fazer.
- Se a Hermione está dizendo, quem eu sou para discordar? – o skatista provocou deitado no colo da sua namorada – O jeito será esperar a festa...

Concordei, a expectativa para o meu aniversário ficando cada vez mais alta. Além desta nova questão, eu ainda não sabia se o Edu viria ou não. Nós ainda estávamos conversando via Whats com quase a mesma frequência de antes. Porém, por causa de um problema no cartão da mãe, ele ainda não tinha conseguido comprar a passagem de volta e não sabia se conseguiria fazer a compra a tempo da festa. Ou seja: assim como no caso do meu pai e da dona Melissa, tudo o que me restava fazer era ter paciência e torcer para que tudo desse certo...

***
- Quem foi mesmo que convidou essa guria chata para vir com a gente? – Laís quis saber com a cara fechada.

Estávamos na frente do Teatro Municipal da nossa cidade esperando a Carol chegar para entrar e assistir a apresentação da minha mãe. Nossa missão ali era clara: ajudar na reaproximação do Nando e do Miguel. O que me lembrou que, com a chegada do meu pai tão cedo em casa, eu acabei me esquecendo de conversar com o Alê. Hoje, sem falta, precisaria tirar aquele assunto a limpo com ele.

- Já disse: ela me mandou mensagem perguntando se poderia vir com a gente. Eu não tive como dizer não... – relembrei o que já havia explicado no grupo mais cedo assim que a Carol me chamou no Whats.

- Às vezes eu queria que você não fosse tão boazinha, Gabs... – a morena respondeu ainda de cara feia.

- Relaxa, bebê. É só uma mocreia chata que não tem cemancol e acha que a gente gosta dela. Sou muito mais você – Nando tentou acalmá-la.

- Tem horas que eu queria ser que nem a Beca. Tá nem aí pra boy nenhum – Lala disse enquanto passava um braço pelo ombro da nossa amiga em uma espécie de abraço – Essa aqui é o orgulho do grupo.

Assim que terminou a frase, o Caio apareceu descendo a rua ao lado de uma mulher que parecia muito ser sua mãe fazendo com que a Reb quase sofresse um mini colapso.

- Bom, talvez ela ligue um pouco... – Nando corrigiu a informação enquanto caíamos na risada e nossa pequena nerd ficava toda vermelha de vergonha.

- Oi, pessoal – o Caio nos cumprimentou rapidamente já que a mulher ao seu lado estava bastante apressada. Eu não sabia se era impressão minha, mas ele me pareceu um pouco nervoso ao ver a Beca...

- Oiiiii Alê! – uma Carol muito animada e simpática fez com que todos voltassem o foco para o assunto anterior à aparição do Caio. Vimos nossa companheira de estudo dar um abraço bem apertado no skatista, o que não seria nada demais se ela não estivesse colocando um pouco a mais de “empolgação” no gesto e se o Alê não parecesse ligeiramente incomodado com a situação.

 “Pode me tirar tudo que eu tenho, pode falar tudo o que eu faço, mas eu só te faço um pedido...”.

Ouvi a Lala cantar enquanto a Carol cumprimentava todo o resto do grupo. A referência era tão clara que a amiga da Mari ficou sem saber como agir. Para piorar, o Nando entrou na zuera, deixando a Carol ainda mais constrangida.

- “Não encosta no meu namorado”. Adoro essa música, gente!

- Eu também amo! Ludmilla disse tudo, não é mesmo, Carol? – Lala continuou sua vingança.

É... sim, verdade! – a garota não sabia como sair daquela saia justa. Acho que se ela pudesse viraria um avestruz e colocaria a cabeça na terra só pra não ter que encarar a Laís.

Olhei para o lado para ver qual tinha sido a reação do Alê, mas ele estava sério, olhando fixamente para um garoto do outro lado da rua. Ele mal notara a troca de farpas entre as duas meninas.

- Acho melhor a gente entrar senão vamos perder o início da apresentação – Rebeca decidiu intervir a favor da Carol que só faltou dar um beijo nela para agradecer – Gabi, seu pai vai nos encontrar lá dentro, né?

- Isso mesmo! – concordei. “Seu” Marco Sérgio havia ido conosco, mas entrou antes para que pudesse visitar os bastidores.

Entramos no teatro e senti a nostalgia tomando conta de mim. Lembrei da época que estava me preparando para dar vida à Julieta, dos ensaios, das broncas da Mari por ter uma vida tão regrada, das minhas dúvidas e medos... A minha vida havia dado um giro e tanto nos últimos meses, não só no sentido figurado como também no literal: saí do papel principal para o de uma simples expectadora. Ironicamente ou não, eu nunca me sentira tão protagonista da minha própria história como agora.

***
A peça começara e, como já era esperado, o Miguel estava arrasando no palco. Não pude deixar de notar que ele e sua nova parceira ainda não estavam 100% e precisavam refinar alguns movimentos quando dançavam juntos. Porém, só as pessoas que entendiam de balé notariam este pequeno detalhe. No geral, tudo estava perfeito o que me encheu de orgulho. Eu sabia que dava trabalho montar um espetáculo de tamanha magnitude e que todo mundo se esforçara bastante para estar naquele palco.

A história foi seguindo e chegamos ao ponto alto da apresentação, no qual o Romeu e a Julieta executavam juntos uma sequência complexa de saltos e giros.

- Bichaaa! Lugar de veado é no zoológico, seu gay – ouvi uma das pessoas que estava sentada na plateia falar. Ao olhar para o lado, percebi que tratava-se do garoto que o Alê encarava antes de entrarmos no teatro. Ele não estava falando em um tom tão alto, mas, como estávamos bem na frente, era o suficiente para quem estivesse no palco ouvisse.

Mais pessoas ouviram o insulto, porque houve uma agitação entre o público, a maioria pedindo silêncio.

Assustada, olhei para o Miguel que segurava a Julieta em seus braços perto de nós. Sua expressão estava tensa, mas ele permanecia firme.

- Até que a bichinha aí é bem forte... É bom ir ficando fortinha mesma, porque da próxima vez não vamos ser tão bonzinhos.

Tudo aconteceu muito rápido. Vi o Miguel desviar o olhar para o garoto por apenas um segundo, os olhos cheio de pavor. E, então, ele se desiquilibrou e ele e sua parceira foram ao chão.

Imediatamente o Nando deu um pulo da sua cadeira e foi correndo ver se o Miguel estava bem. Eu já estava me levantando para ajudá-lo quando vi o Alê ficar em pé e ir em direção ao autor dos comentários homofóbicos.

- Quem não vai ser bonzinho agora sou eu! – ele disse com a voz cheia raiva. E, antes que eu pudesse segurá-lo, acertou um soco no rosto do garoto que tombou para o lado com o nariz ensanguentando.

Ele estava se preparando para acertá-lo novamente quando consegui impedi-lo – Alê, o que está acontecendo aqui? – gritei, tentando fazê-lo voltar a razão.

Estava claro que ele sabia de algo. Mas o que poderia ser tão grave a ponto de fazê-lo agir de maneira tão violenta?
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Notas finais: Maaaaas gente... As operações-cupido deram bem errado, né? Algum palpite do que fez o Alê agir de forma tão violenta?

E o jantar da dona Melissa e do Marco Sérgio que também deu errado?! Palpites do que está impedindo o casal-fofura de ficar junto?

Sem falar no típico mistério do carioca: será que ele vai aparecer na festa da Gabi? Mas ó, posso falar quem já garantiu presença? Sim, ele mesmo: o Léo! Quem aí está com saudade do Cabeludinho?

Preparem os corações que muita coisa vai acontecer no próximo capítulo!

Beijão e até o próximo!

(***)

Hey, você! Tá gostando da história?Então não esquece de deixar um comentário. Não é tão difícil, vai? E ó, vocês nem imaginam o quanto ajuda quem está escrevendo aqui do outro lado! <3

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domingo, 11 de novembro de 2018

Capítulo 40 – O outro lado da moeda


Notas iniciais: olha, vou contar uma coisa... deu trabalho escrever essa briga, viu?
Mas acho que aqui vale uma reflexão interessante: estariam Gabi e Mari invertendo os papéis? Se sim, isso faz da Gabi uma vilãzinha também?
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No capítulo anterior...
- Pessoal, vou correndo no banheiro e encontro vocês na biblioteca, ok? – avisei, já pegando minha mochila e saindo.

- Beleza, bonequinha. Eu vou ver se a Carol vai participar com a gente...  – o Alê deu de ombros, tentando se justificar. Desde o ocorrido na festa, ela andava faltando aos nossos encontros.
Ouvi a Rebeca comentar algo sobre o assunto, mas estava apertada demais para prestar atenção. Desci as escadas o mais rápido que pude e só parei ao sentir o alívio de quem consegue chegar a tempo para fazer xixi.
Estava me preparando para abrir a porta do box onde estava quando ouvi alguém entrar no banheiro chorando muito alto. Preocupada, saí para ver do que se tratava e dei de cara com a Marília.
- Está feliz com o que você fez, Gabriela?
            A acusação chegou até a mim como um tapa na cara. Demorei para conseguir organizar os meus pensamentos e entender a situação. A Mari estava me acusando de fazê-la chorar? Era isso mesmo?

- Não adianta ficar aí fazendo essa cara de santinha. Estou indo na diretoria agora reclamar desse vídeo ridículo que vocês fizeram – sua voz estava cheia de agressividade – Eu não consigo nem andar pela escola sem ficar ouvindo alguma piadinha. Está todo mundo rindo de mim porque você e os seus amiguinhos resolveram criar uma imagem minha que não é verdadeira.

Ao ouvir isso o meu sangue ferveu – Ah, então você está bravinha porque o vídeo faz uma pequena referência a você?! Está chorando desse jeito porque o pessoal está fazendo piadinha pelos corredores? Agora imagina o que você fez comigo! Todo mundo me olhava e torcia o nariz, me ofenderam, eu ouvi coisas horríveis, eu fiz coisas péssimas comigo mesma... EU PERDI O CARA QUE EU GOSTAVA POR SUA CAUSA! – foi inevitável. Quando percebi, estava gritando a plenos pulmões, colocando para fora a raiva que senti por todo aquele tempo. De onde eu estava, conseguia ver um espelho que refletia a minha imagem e a da loira. O que estava refletido ali me assustou: éramos duas completas estranhas. Como era possível que pudéssemos ter sido amigas por tanto tempo e agora eu mal reconhecê-la?

- Minha culpa? Quem saiu se oferecendo para o Eduardo não fui eu, queridinha! Pelo contrário! Eu tentei te avisar que não ia dar certo – disse com ar de desdém.

- Você tentou coisa nenhuma. A única coisa que sempre quis foi continuar sendo a queridinha por todos, por isso que ficou tão enciumada quando ele não quis saber de você... O que mais te incomoda é, lá no fundo, saber que eu nunca precisei correr atrás dele como você adora ficar espalhando por aí.

- Pode até não ter corrido atrás, mas sempre ficou se fazendo de coitadinha, falando que tinha que ensaiar, que não podia comer, que não podia ir... – afinou a voz para dar um ar infantil e frágil às afirmações – Se toca, Gabriela! Chega uma hora que as pessoas se cansam dessa sua vida de bonequinha. E é claro que todo mundo ia ficar falando, né? Não tenho culpa se você surtou, fugiu do colégio e se afastou do nosso grupo. Aliás, deve ser por isso que está criando toda essa confusão. Pra chamar a atenção, porque é isso que você faz para as pessoas ficarem te paparicando... – enquanto falava, ela secava as lágrimas, os olhos vermelhos e inchados. Eu duvidada que aquele choro era de tristeza. Para mim, era de raiva. Afinal, ela estava provando do próprio veneno.

Fiz uma pausa, respirando fundo para organizar os pensamentos. Eu estava diante de uma mestra em tirar as pessoas do sério. Não poderia permitir que ela ganhasse mais essa - É verdade, Marília! Eu era uma bonequinha mesmo e assumia a posição de frágil quando permitia que todo mundo desse opinião na minha vida e decidisse por mim o que eu deveria ou não fazer. Mas você ajudou a mudar isso quando me mostrou que nem todos que estavam a minha volta realmente se importavam se eu estava bem. O que elas queriam eram continuar vivendo a vidinha perfeita que levavam, independente do preço. Então, não! Eu nunca quis chamar a atenção. Isso quem faz é você! Eu me omitia, justamente porque não queria atenção, eu não queria era ter que me posicionar. Mas, ó, na real, eu preciso é te agradecer por ter sido essa pessoa tão egocêntrica e egoísta, porque só assim eu entendi que eu poderia ser muito maior que esse seu mundinho de aparência – enquanto eu falava, fui caminhando pelo banheiro até encostar no espelho. O movimento me ajudou a clarear melhor as ideias e, quando dei por mim, tinha encontrado todas as respostas que vinha procurando durante os últimos meses. A sensação era a de limpar uma vidraça e conseguir enxergar o que havia além – Agora, me fala Marília: quando foi a última vez que você se permitiu ser você mesma? Sem precisar ficar se preocupando com o que os outros vão pensar?

A pergunta pareceu pegá-la de jeito. Ela me respondeu com seus olhos azuis frios e céticos cravados em mim – E dá para ser quem somos de verdade, Gabriela? O preço que se paga por isso não é alto demais?  – perguntou com a voz baixa. Na sequência, passou as mãos pelo cabelo e arrumou a postura, como se precisasse esconder aquele momento de fraqueza – O que eu sei é que você precisa parar de me culpar por tudo ter dado errado. Não posso fazer nada se você não tem o meu carisma, se eu não preciso ficar me fazendo de pobre coitada ou jogando baixo com as outras pessoas para conseguir o que quero – seu tom provocador retornou. Era engraçado como algumas pessoas precisavam atacar para se defender. Quanto mais acuada ela ficava, mais ela se agarrava aos seus argumentos tentando provar que estava com a razão. O problema dessas pessoas é que, na maioria das vezes, a estratégia delas funcionava. Quase ninguém tinha coragem de puxar a cortina e descobrir o que acontecia nos bastidores.

- O nome disso não é carisma. É medo disfarçado de sarcasmo, prepotência e autoritarismo que fazem as pessoas temerem ir contra você. Não te culpo pelo aconteceu comigo. Já falei: eu te agradeço, porque só assim fui capaz de ver a farsa que estava vivendo. Você e toda a Realeza que te cerca são uma farsa, Marília. Tão frágeis quanto um castelo de areia. Por isso se apegam tanto às aparências, porque sabem que por dentro não tem nada que se salve – despejei as palavras todas de uma vez me esquecendo de todo e qualquer tipo de filtro. Por mais que eu não quisesse descer ao nível dela, não conseguia controlar a raiva e a mágoa que estava sentindo.

- Gabi, chega! Vem! Vamos embora! – alguém colocou as duas mãos nos meus ombros e me empurrou para a saída. Eu nem tinha percebido, mas estava tremendo e gritando enquanto várias meninas assistiam a tudo fazendo comentários ou até filmando.

- Vou te falar uma coisa, viu bonequinha! Meu sonho sempre foi entrar no banheiro das meninas, mas não nessas circunstâncias – o Alê tentou apaziguar os ânimos fazendo uma piada enquanto me colocava sentada na escada.

Rebeca me encarava com a expressão tensa enquanto Nando parecia estar se divertindo horrores com a situação. - Quero deixar claro que fui contra o Alê entrar para te tirar de lá. Eu queria mesmo era ter visto a treta – meu amigo disse, cheio de empolgação.

- Falando nisso, como vocês perceberam o que estava acontecendo? – aos poucos, fui me acalmando e absorvendo tudo o que estava acontecendo ao meu redor.

- Lembra que eu ia avisar a Carol do nosso grupo de estudos? – Alê começou a explicar – Pois bem, ela disse que iria participar, mas, antes, precisava passar no banheiro. Eis que esperamos todos terminarem de pegar suas coisas e descemos juntos. Assim, já nos encontraríamos aqui na porta do toalete – ele falou a última palavra com uma entonação diferente só para fazer graça – Aí a Carol entrou e voltou poucos segundos depois com os olhos arregalados e dizendo que você estava brigando com a Marília.

- Você precisava ver, Gabs! Alê nem pensou duas vezes: saiu correndo para ir te socorrer – Nando contou, o que me fez sorrir para o skatista.

- E a Carol saiu correndo atrás do Alê que nem uma boba – Rebeca soltou em tom ácido – Aquela ali não se toca!

- E cadê ela? – perguntei.

- Deve ter ficado com a abelha-rainha, né? Ela ia ser boba de abandonar a líder da realeza justo nessa hora? – foi a vez do Fernando comentar em tom venenoso – Mas o que importa mesmo é: como que essa briga começou?

- Quando estava saindo do banheiro dei de cara com a Marília chorando. Quando me viu, ela reclamou do vídeo que fizemos. Disse que todos na escola estão rindo da cara dela... – contei enquanto sentia a raiva voltar a tomar conta de mim. Lembrar das acusações da loira me deixava indignada.

- Oi? Ela está bravinha porque fizemos um vídeo que faz uma referência a ela? E espalhar boatos pela escola e acabar com a vida das pessoas pode? – Fernando parecia tão bravo quanto eu.

- Essas meninas da Realeza são tão inúteis – Rebeca engrossou o coro dos revoltados.
- Gabi, você está bem?

Só percebi a Carol se aproximando quando ela já estava, praticamente, ao lado do Alê. Ao se dar conta da sua presença, a Rebeca revirou os olhos e fez uma careta, confirmando sua falta de paciência com a amiga da Marília. Tive que me segurar para não rir da sua reação.
- ... falei para ela não fazer isso, mas sabe como a Mari é, né?

- Oi? Desculpa, não entendi... – disfarcei para que ninguém notasse que a Carol estava falando comigo e eu não estava nem ouvindo. Porém, a Rebeca foi mais rápida e pegou a minha gafe. Segurando o riso, fez um gesto com as mãos como se quisesse dizer “nem liga. Ela é nem é importante mesmo...”.

- Falei que tentei fazer a Marília não ir reclamar de você na diretoria, mas não adiantou. Ela convenceu as outras meninas a irem com ela – Carol explicou pacientemente.

- E você não foi junto? – Fernando não conseguiu esconder sua surpresa.

- Não. Dessa vez eu vou fazer o que acho certo. Vou ficar do lado da Gabi, o que deveria ter feito quando rolou o lance com o Edu – ela disse com a cabeça baixa, sem coragem de olhar para nós.
Por um instante, todos ficaram sem saber o que falar. Vi a Beca e o Nando trocarem um olhar, enquanto o Alê mexia no boné, o que sempre fazia quando estava sem graça.

- Obrigada, Carol – sorri para ela de modo carinhoso – Bom, “bora” estudar, né gente? É o que tem pra hoje – tentei mandar o “climão” embora e fingir costume com a situação.

- É... com briga ou sem briga, temos provas na semana que vem – Rebeca recuperou seu típico ar de nerd.

-Ahh, agora sim! Essa é a Hermione que eu conheço. Já estava te estranhando, Beca. Como assim você está se envolvendo em assuntos mundanos e deixando os estudos de lado? Não pode isso! – Alê não perdeu a chance de cutucar nossa colega.

A partir daí a conversa seguiu um rumo mais confortável para todos. Rebeca falando dos resumos do dia, Alê fazendo suas provocações, Nando disparando comentários ácidos, Carol se esforçando para parecer que fazia parte do time e eu... bem, eu fingia estar acompanhando tudo, mas, na verdade, não conseguia parar de pensar nas acusações da Marília. Se ela estivesse certa, isso indicava que tínhamos trocado de lugar. Que eu tinha me transformado na Realeza, que agia sem dar a mínima para o que os outros sentiam. Será que eu era mesmo esse monstro que ela estava dizendo? E será mesmo que ela era essa vilã que eu tinha criado na minha mente?       

Eu não sabia quais eram as respostas para essas perguntas, mas poderia garantir uma coisa: a funcionária da secretaria que tinha acabado de entrar na biblioteca não estava ali por acaso. Quando a vi mexendo a cabeça de um lado para o outro procurando por alguém, levantei da cadeira, surpreendendo meus amigos de estudo.

- Ah, Gabriela! Era você mesmo que eu estava procurando. Por favor, preciso que me acompanhe até a diretoria – ela disse enquanto caminhava até a nossa mesa.
- Ok. Já estou indo...

Era como se eu estivesse no piloto-automático. Calmamente, peguei meus livros e cadernos e coloquei na mochila. Depois, segui a funcionária do colégio até a diretoria, onde a Marília e a dona Cecília estavam me esperando.

- Gabriela, boa tarde! Gostaria de conversar sobre o vídeo que você e seus amigos gravaram e também sobre a discussão que aconteceu hoje no banheiro - seu tom era ditatorial e seu olhar frio e julgador - Você sabe que nesta escola não permitimos bullying. Sendo assim, por que você incitou os seus amigos para gravarem esse tipo de material?

- Eu já falei. Ela queria se vingar porque acha que o Edu não ficou com ela por minha culpa. Mas eu a avisei desde o início que ele não era esse tipo de garoto – Mari disparou.

Naquele momento consegui visualizar como as mulheres acusadas de bruxaria se sentiram durante o período da inquisição. Eu estava sendo queimada na fogueira por causa de uma acusação completamente distorcida.

- Gabriela, não vejo outra solução senão aplicar as medidas cabíveis nesse caso: suspensão por três dias. Também vou chamar sua mãe aqui para que ela fique ciente desse seu comportamento.

Pensei na minha mãe e no apoio que ela estava me dando nos últimos dias. Lembrei também do meu pai e na sua célebre frase “surfe com a onda”. Se ela estava me enxergando como uma pessoa transgressora, então era isso que eu seria.

- Pode chamar. Mas chama a mãe da Marília também, porque há alguns meses ela fez algo semelhante comigo e ninguém da escola se posicionou. O que me parece algo bem estranho, já que o colégio não admite a prática de bullying – encerrei a frase levantando a sobrancelha e com um tom bem desafiador. O Alê, se estivesse vendo a cena, diria que eu estava no modo “vilã afrontosa” do jogo do Engana Trouxa – Além disso, quem disse que fui eu quem incitou os meus amigos? Nós fizemos o vídeo juntos, porque é assim que amigos de verdade fazem as coisas. Não temos um “líder” que dita como devemos ser e pensar... – finalizei dando uma alfinetada na Mari.

Por um momento as duas me olharam completamente sem reação. Na certa elas não esperavam uma resposta tão ácida da minha parte. Olhei fixamente para a diretora sentada na minha frente e depois para a Marília que estava ao meu lado. Mantive a expressão séria, mesmo que por dentro eu estivesse dando pulos de alegria por ter conseguido desarmá-las tão rapidamente.

- Bom, sugiro que os pais de todos os envolvidos sejam chamados para conversar sobre o tema – o tom ditatorial havia passado, mas ainda havia uma firmeza ao falar que parecia um pouco exagerado, como alguém que precisa se impor - Por enquanto, a suspensão de três dias será mantida para você e todos os envolvidos no filme que estudam no colégio, é claro. Vou pedir para chamá-los aqui para conversarmos. Marília, você está dispensada. Agradeço muito a sua coragem de vir me contar sobre o vídeo e a discussão. Foi muito importante para o colégio – a última frase foi dita com uma voz suave, que beirava o tom maternal e seguida por um sorriso de compreensão que quase me fez revirar os olhos.Era sério mesmo que a Marília ia sair como santa da história?

 Tentei pensar em algum argumento rápido para fazê-la ficar, mas quando a loira atravessou a sala e colocou a mão na maçaneta, dei a batalha por perdida. Eu não conseguiria fazê-la ficar. Bem nesse momento um Alê completamente esbaforido entrou na sala aos gritos, seguido de todo o resto da nossa turma que começou a falar ao mesmo tempo. Pelo visto, o boato da suspensão já havia se espalhado.

 No meio da confusão de mãos e vozes, ouvia-se muitas frases soltas e era difícil descobrir quem estava falando o quê.

- Diretora, a culpa não é da Gabi. Nós fizemos o vídeo junto com ela!

- Não foi ela que começou a briga no banheiro. Foi a Marília que começou a acusá-la.
- Não é justo só ela ser punida!

- Estamos em época de prova! Não pode tirá-la da escola agora – sem nenhuma dúvida, essa reclamação era da Rebeca...

- MENINOS, ACALMAM-SE! – a diretora precisou elevar a voz para que todos escutassem – Ninguém será punido agora, nem precisará perder as provas. Vou fazer o seguinte – ela fez uma pausa, passando a mão pelos cabelos soltos. Sua expressão era a de alguém que olhava um quarto bagunçado e não sabia por onde começar a organizar – Vou chamar os pais de todos os envolvidos para conversar. Também reunirei o conselho da escola para definir quais serão as medidas adotadas pelo colégio. Uma coisa é fato: não vamos admitir bullying neste colégio. Todos entenderam? – lançou um dos seus olhares duros em nossa direção.

- Desde que fique claro quem estava praticando e quem estava sofrendo bullying – Mari fez questão de ressaltar.

- Fique tranquila, Marília. Vamos fazer o que for melhor para todos e para o colégio.

A partir desse momento, parece que alguém pegou os dias, colocou em uma caixinha e chacoalhou. Tudo virou uma loucura. Os pais foram chamados na escola e passaram dias discutindo o que deveria ser feito. Até meu pai participou da conversa via Skype. Como Marco Sérgio assumiu a questão, minha mãe não participou das reuniões. Ela estava prestes a sair em turnê com o espetáculo Romeu e Julieta e preferiu focar nos ensaios. Mas, Dona Beatriz fez questão de conversar comigo dizendo que estava ao meu lado e que não achava justo que eu fosse suspensa. Achei interessante quando ela me explicou que a dança, assim como outros tipos de arte, também pode ser usada como ferramenta de protesto, como eu e meus amigos havíamos feito nos dois últimos clipes. Intencionalmente ou não, conseguimos fazer com que outras pessoas olhassem para aquele problema de forma diferente e passassem a pensar em novas soluções.

E quando digo que outras pessoas passaram a prestar atenção no assunto, não estou exagerando. Todo o colégio resolveu se posicionar contra a punição que a diretoria queria nos dar e muitas pessoas se sentiram confortáveis para falar sobre situações parecidas que tinham acontecido com elas. A parte de comentários do nosso vídeo foi transformada em um mural de confissões anônimas dos mais variados casos que aconteceram dentro e fora da escola. Alguns eram engraçados, mas a maioria assustava. Era impressionante pensar que uma palavra ou uma ação impensada de alguém poderia interferir na vida de outra pessoa de maneira tão profunda. E também havia os vídeos da briga que foram postados nas redes sociais e serviram como combustível para vários memes.

Como o assunto deu o que falar e também porque as férias do meio do ano já estavam se aproximando, o conselho estudantil junto com os nossos pais resolveram organizar uma semana especial de atividades para lidar com o tema no segundo semestre. A organização já estava a todo vapor e, claro, que dona Melissa e Marco Sérgio se ofereceram para participar. Também ficou decidido que, até um segundo momento, as suspensões não precisariam ser cumpridas.

Mas, antes do merecido descanso, ainda tínhamos as provas de final de semestre para nos preocupar, como a Rebeca fazia questão de lembrar sempre que ameaçávamos perder o foco.

As coisas andavam tão malucas que eu e o Edu acabamos nos reaproximando. Começou com o assunto do bullying. Ver as pessoas relatando seus casos e como refletiu na vida delas abriu uma porta para que falássemos como nos sentimos depois que a Mari espalhou o boato a nosso respeito. Falei para ele sobre a minha fuga da escola, do Léo, de conhecer o meu pai e da briga com a minha mãe, do Jogo do Engana Trouxa e de quanto o Alê me ajudou no processo de voltar ao colégio e tudo o mais que acontecera desde então...

O carioca não era muito de falar sobre o que pensava, mas acabou revelando um pouco de como foi complicado vir do Rio para cá, que ao chegar aqui ele tentou se encaixar em algum grupo e, quando viu que tudo estava indo por água abaixo, fugiu para outro colégio, onde sofreu mais ainda porque não quis fazer amigos para ter certeza que não prejudicaria ninguém. Lembrei que já tínhamos conversando um pouco sobre o tema no Guararema Fest Show, mas dessa vez ele foi um pouco mais fundo contando alguns detalhes mais específicos. Uma coisa era certa: não foi uma barra fácil para ninguém segurar.

Confissões a parte, nós passamos a nos falar todo dia, o dia inteiro. Tudo virava assunto: a escola, o almoço, séries que estávamos assistindo no Netflix, o vizinho que tinha arrumado uma namorada nova... A conversa não morria nunca. Dormíamos conversando e, pela manhã, a primeira mensagem sempre era dele. Tínhamos virado melhores amigos, fato que não tive coragem de compartilhar com os meus amigos. Afinal, por mais que todo mundo fale que não devemos nos importar com a opinião dos outros, também há aquele ditado que diz que errar uma vez era humano, mas a segunda já era burrice. E aí surgia uma tremenda dúvida que me deixa bem confusa: ficar com o Edu tinha sido um erro ou não? Sem toda a intromissão da Mari, nós teríamos dado certo?

***
Quando as aulas acabaram, foi como se o furacão tivesse passado. Os primeiros dias do recesso foram marcados pelo silêncio. Parecia que todo mundo estava de ressaca, porque o assunto no grupo estava bem escasso. Demorou uns quatro dias para que a ficha que estávamos de férias caísse. E, claro, que o primeiro a se manifestar a esse respeito foi o Alê, colocando em prática o plano para aproximar o Miguel e o Nando que havíamos arquitetado antes de toda a repercussão do clipe.

“E aí, pessoal? Bora aproveitar o recesso pra gravar mais clipes de dança, que nem a mãe da Gabs sugeriu? A gente pode tentar não causar tanto dessa vez... hahaha”

Era uma quarta-feira de manhã e o tempo já estava bem frio. Eu já havia tirado todos os casacos pesados do armário e pela janela do meu quarto via o típico céu do inverno, aquele bem azul e com um sol fraco, que aquecia como se fosse uma fogueira se apagando.

Enquanto digitava que estava mais do que disposta, meu telefone tocou, indicando uma chamada de vídeo via WhatsApp.

- Oi, filha! Tudo bem? Está aproveitando as férias? – vi a figura do meu pai aparecer do outro lado. Ele estava com roupas de calor, o que me fez lembrar que o tempo em Nova York era diferente do nosso.

- Não muito, ainda. Com toda aquela confusão no colégio, o pessoal acabou ficando meio desanimado. O Alê está tentando animar a galera agora para gravar mais vídeos... Vamos ver o que vai rolar – respondi enquanto colocava o celular em um suporte que ficava na escrivaninha, deixando, assim, minhas mãos livres.

- Mais vídeos? Hm... ainda bem que estou indo para o Brasil então, né? Assim, se der problema de novo, já estarei aí para intervir por você... – disse em tom de brincadeira.

- Nossa, pai! É verdade! Acabei me esquecendo completamente...

- Como assim esqueceu de mim, Gabriela? Esses jovens de hoje são realmente muito ingratos – ele fez um drama, fazendo os dois caírem na risada - Sua mãe vai entrar em turnê com o espetáculo e, como este ano você deu uma pausa na dança, ela me pediu para ficar com você. Aí, já vou unir o útil ao agradável: organizarei as atividades antibulying na escola com a Mel e ficarei para o seu aniversário. Pensei em fazer uma festa à fantasia. O que acha?

- Uaaauuu! Nós até estávamos pensando em algo, mas nada tão caprichado assim... – exclamei, bastante animada. Como sempre estava em turnê na época do meu aniversário, as comemorações sempre foram simples: só eu, minha mãe, Carol, Mari e o pessoal da companhia de dança. A ideia de ter uma festa de aniversário de verdade me deixou muito animada. Só uma coisinha me incomodou – Mas à fantasia não pode ser. Já tivemos uma no Gueto esse ano – fiquei séria ao me lembrar da ocasião. Afinal, foi ali que tudo começou.

- Bom... podemos pensar em algo diferente. Uma festa temática, sei lá... Ou só uma comemoração mais básica mesmo... – o tom do meu pai diminuiu ao perceber minha hesitação sobre a festa à fantasia.

- NÃO! Nada básico! – quis deixar claro – Gostei da ideia da festa temática. Vou pedir para o pessoal sugerir temas. E você chega quando ao Brasil?

- Até o final dessa semana. Aí acertamos melhor os detalhes, ok? Estou na correria para deixar tudo pronto para a viagem, liguei só para avisá-la e saber como estava.

- Beleza, pai! Fico só te esperando, então... Enquanto isso, já vou pensando nos detalhes da festa – disse antes de nos despedirmos.

Quando voltei a atenção ao grupo, o pessoal já tinha se manifestado com algumas sugestões de músicas para gravarmos a coreografia. Comecei a digitar novamente para contar a novidade quando o chegou uma mensagem do Miguel.

“Pessoal, não poderei gravar agora. Podem seguir sem mim”.

Parei de digitar e fiquei olhando para a tela tentando entender porque meu amigo estava sendo tão seco. Pelo o que dava para perceber, a minha dúvida era a mesma de todo mundo, porque um silêncio constrangedor tomou conta do grupo. De repente, todos ficaram quietos.

“Mí, tudo bem? Está ansioso com a turnê?”

 Mandei mensagem para ele no privado. Eu sabia que a preparação para apresentações sempre era tensa, por isso achei melhor confirmar se ele não era só nervosismo pré-estreia.

“Bastante! Principalmente porque você não vai estar lá, né? Tantos anos com a mesma parceira que estou achando muito estranho me apresentar com outra pessoa. É quase como se estivesse te traindo”.

“Magina! Tenho certeza que tudo vai dar certo. Minha mãe anda bem calma aqui em casa e isso só pode ser sinal de uma coisa: que os ensaios estão indo bem” .

Tentei descontrair um pouco antes de ir direto ao assunto.

“Mas é só por isso mesmo que você não quer gravar com a gente?”

A resposta demorou para chegar. Enquanto esperava, quebrei o “climão” no grupo contando sobre a festa e que precisava de sugestões de temas. Alê não perdeu a oportunidade: já foi logo dizendo que o tema deveria ser “A Barraca do Beijo” pra gente armar dos nossos pais ficarem juntos de uma vez.

Embora tenha achado a ideia muito engraçada, a notificação de resposta do Miguel voltou a me deixar tensa.

“Bom, acho que deu para perceber que não fiquei tão à vontade com a brincadeira do Nando quando gravamos da última vez. Confesso que estou um pouquinho confuso com isso, Gabs. Eu amo a companhia dele, mas não sei se é desse jeito... Além disso, eu morro de medo. Você sabe que só por eu dançar balé já sofri muito preconceito. Imagina se um dia eu me assumir gay?”

Li a mensagem do meu amigo com tristeza. Infelizmente, eu sabia que não era fácil para ele ser um bailarino. Eu já tinha presenciado algumas situações constrangedoras nos bastidores com pessoas que faziam perguntas ou comentários homofóbicos. Até os pais dele não apoiavam muito no início. Minha mãe precisou conversar muito com eles para conseguir com que mudassem de ideia.

“Mig, sei que não é fácil para você. Mas ó... você não precisa tirá-lo da sua vida de uma forma tão radical. Acho que podemos ir com calma, respeitando o seu tempo. E não esquece que estamos aqui para te apoiar em tudo” – tentei argumentar.

“Obrigada pelo apoio, Gabs. Mas eu realmente não quero pensar nisso agora. Estou bastante focado nas apresentações. Trocar de parceira está me deixando bem inseguro. E você sabe que dona Beatriz é bem exigente quando o assunto é apresentação”.

Resolvi dar a batalha por perdida, pelo menos por um tempo para não estressá-lo ainda mais. Mas, antes, eu precisava falar com o Nando que também devia estar triste com aquela situação.

  Se te conheço bem, você não está se manifestando no grupo porque ficou chateado com a resposta do Miguel. Acertei?”.

“Na mosca, garota. Desculpa, mas perdi totalmente o clima. Prometo que depois te ajudo com a festa, beleza?”

Mandei um áudio contando pra ele sobre a minha conversa com o Miguel e falando que, por causa das apresentações, seria melhor dar mais um tempo para ele.

“Gabs, se a questão é o balé, não podemos ir todos juntos assistir alguma das apresentações? De repente podemos ficar nos bastidores dando um apoio moral, sei lá... você entende melhor como essas coisas funcionam. Assim ele vai confiando mais na gente” – Nando sugeriu.

“Ótima ideia, migo. Vou perguntar pra minha mãe as datas das apresentações aqui perto. Aí vemos com o resto do pessoal se eles também vão querer ir” – me animei imediatamente com a ideia. Fazia toda a diferença receber o apoio de pessoas queridas antes de subir ao palco.

“Querida, já vou montar o meu kit cheerleader, com direito até a pom-pom e coreografia. Se Miguelzito precisa de apoio, é isso que ele vai ter”.

“Vindo de você, eu não duvido! Aqueles bastidores jamais serão os mesmos depois que você passar por lá” – respondi, rindo só de imaginar a cena.

Depois de resolver essa “questão”, voltei para o grupo do Time B, onde a conversa estava bombando. Depois de dar uma olhada por cima nas mensagens, vi que a Beca sugeriu o tema “Noite Mexicana”, que estava agradando a todos até o momento. A Laís já estava até procurando referências de como fazer uma maquiagem de caveira mexicana quando Nando voltou ao grupo com uma entrada triunfal.

“Gente, o tema pre-ci-sa ser As Mil e uma Noites! Já imaginaram a Gabi dançando para o Eduardo que nem a Jade dançava para o Lucas enquanto tocava ‘somente por amor...’. Vai ser épico!”

*** Para quem não entendeu a referência, Jade e Lucas eram personagens de uma novela chamada O Clone. Pra entender melhor, dá uma olhada no vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=aLFfzffSPKA (Eu amava a Jade dançando. Meu sonho de princesa é dançar que nem ela. Rs!”) ***

“Nando, você arrasou na ideia agora. Já estou imaginando minha fantasia inspirada na Jasmin. Sem falar nos delineados bafos que vai dar pra fazer. Por favor, o tema tem que esse” – Laís foi a primeira a se manifestar a favor.

“Se a Gabi falar que consegue dançar igual a aquelas odaliscas, eu topo!” – Rebeca engrossou o coro.

“Ela consegue, sim. Essa garota dança super bem” – Miguel entrou de novo na conversa. Fiquei mais tranquila ao vê-lo interagindo com o pessoal.

“Já era, Gabs. Tema fechado! Só não sei se vai rolar a parte de dançar para o meu primo, porque ele ‘tá’ indo pro Rio hoje... Aliás, eu, minha mãe e a Lala vamos levá-lo no aeroporto. Bora junto, Gabi?” – o Alê me marcou na mensagem.

O Edu tinha comentado que iria pro Rio, mas, quando ele disse, as férias ainda pareciam algo distante. Eu não tinha me dado conta que já havia chegado. Tanto que levei um baque ao me lembrar. Tínhamos nos reaproximado bastante nos últimos tempos. Como ficaríamos com ele longe?

***
As discussões no grupo sobre o meu aniversário continuaram. Laís ficaria responsável pela decoração, Beca por fazer os orçamentos do buffet e escolher o cardápio, enquanto Alê e Nando registrariam todos os preparativos. A ideia da Lala era conseguir os itens da decoração com desconto ou com permuta oferecendo a divulgação no canal.

- Seu pai já falou com você? – minha mãe apareceu na porta do meu quarto. Ela estava preparada para sair para os ensaios com a bolsa a tiracolo.

- Sim, ele ligou faz uma meia hora. Mãe, você acha que consigo aprender dança do ventre até o meu aniversário?

Precisei explicar todo o contexto para que ela entendesse a minha dúvida – Hmmm.... Acredito que seja possível, sim. Evidente que uma coreografia simples, né? Nada muito complicado – ela parecia estar falando mais com si mesma do que comigo – Conheço uma professora ótima que pode te dar aulas. O nome dela é Pérola. Vou te passar o contato, aí você vê se há disponibilidade de horários – dona Beatriz parecia muito feliz por me ver demonstrar algum interesse na dança novamente, mesmo que não fosse pelo balé – Mas agora eu preciso ir. A Maria vai fazer almoço, tá? – se aproximou, dando um beijo na minha testa.

- Mãe, será que eu e o pessoal podemos acompanhar as apresentações que vão acontecer aqui nas cidades da região? – aproveitei para perguntar.

- Pode, claro! – um sorriso ainda maior surgiu em seu rosto agora que eu tinha reforçado o meu interesse pela dança – Vou pedir para o pessoal da produção colocar os nomes na lista da equipe.

- Tá, pede para me passarem as datas e os locais das apresentações também, por favor.

- Pode deixar. Mas agora eu realmente preciso ir. Depois me fala se deu certo com a Pérola. Tchau! – deu outro beijo na minha testa e bagunçou de leve o meu cabelo.

- Ahh, vou com o Alê e a dona Melissa levar o Edu no aeroporto, tá? – avisei enquanto ela caminhava para a porta.

Dona Beatriz virou e me lançou um olhar de “como que é?”.

- Calma, mãe. Somos amigos. Só isso... – me expliquei.

- A Marília também era... – ela soltou baixinho. Depois, balançou a cabeça e saiu.

***

- Podemos colocar uns aquecedores na parte da piscina para esquentar as pessoas, lenços coloridos pendurados e lanternas marroquinas para dar um ar diferenciado. E incenso, né? Ou é em festa indiana que se usa incenso? Preciso pesquisar...

Estávamos no carro a caminho do aeroporto e a Laís não parava de falar da festa. Eu já tinha marcado de ir até a escola da Pérola para explicar melhor o que eu tinha em mente.

Sentado ao meu lado no banco de trás, além da Laís, estava o Edu, que mexia no celular, parecendo alheio à conversa. Vi que ele bloqueou a tela do seu aparelho e, segundos depois, uma notificação chegou no meu telefone.

“Por que está todo mundo tão animado para essa festa árabe, menos você?”.

Era uma mensagem do Edu. Pelo canto do olho, percebi que ele estava vigiando para ver a minha reação.

“Acho que é por causa desse lance da apresentação... Estão achando que vou dançar igual a uma Odalisca. Não sei se consigo” – comentei, só então notando a ironia: tinha escapado de subir ao palco com o balé, mas não consegui fugir da pressão de ter que me apresentar.

“Relaxa, Gabi. Pra quem já foi a Julieta, ser uma odalisca vai ser facinho” – ele mandou com vários gifs e emojis de pessoas dançando.

“Você sabe que nenhum desses é de dança do ventre, né?” – provoquei.

“Sim, mas pelo menos fez você dar risada. Estava muito séria...”

Precisei me segurar para não demonstrar uma reação muito exagerada ao comentário. Eduardo sabia ser fofo quando queria.

“E aí? Animado para voltar ao Rio?”.

“Simplesmente contando as horas para ver o amor da minha vida”.

“Calma! Estou falando da minha prancha.” – ele riu da cara de assustada que fiz ao ler a mensagem. Fiquei morrendo de vergonha com a bandeira que eu dei, mas, por sorte, ele continuou digitando e não percebeu nada.

“Deixei a prancha na casa desse amigo onde vou ficar esses dias. Fiquei de ir buscar, mas acabei me enrolando e não fui. Vou trazê-la comigo na volta”.

“Falando nisso, quando você volta? Chega a tempo para o meu aniversário?” – não aguentei e acabei perguntando.

- Gabi, olha esses acessórios para o cabelo que maravilhosos! Vão ficar incríveis em você – Laís interrompeu nossa conversa para mostrar algumas imagens no seu celular.

Percebendo que eu estava ficando um pouco aborrecida com o assunto, dona Melissa deu um jeito de puxar outro assunto. Infelizmente, ela não foi tão feliz na missão...

- Meninos, a conversa da festa está muito boa, mas... vocês já decidiram se vão prestar vestibular esse ano? Acabamos não conversando sobre isso ainda.

Eu quase conseguia sentir o Alê se encolhendo no banco do passageiro. Assim como eu, ele também estava bem confuso sobre o assunto.

- Nossa, mãe! Que assunto é esse? Deixa a Laís continuar falando das arábias que estava melhor...

- É que eu e o Marco Sérgio estávamos conversando e tendo algumas ideias. Por isso perguntei. Queria saber se estão planejando algo – por mais que tentasse esconder, dava para perceber um ar de alegria na fala da mãe do meu amigo.

- Mãe, se vocês estiverem planejando se casar e oficializar eu e a Gabi como irmãos, saiba que os planos de vocês batem com os nossos, não é Gabi? Mas esquece esse lance de vestibular, pelo amor de Deus! E nem pense em perguntar de Enem...

Daí em diante a conversa ficou bem mais animada. Para nossa surpresa, dona Melissa achou graça na brincadeira do filho e praticamente todos no carro eram a favor da ideia de que não precisávamos decidir nossas carreiras assim que saímos do colégio, o que me deixou muito mais calma. Eu já ficaria extremamente feliz se conseguisse sobreviver ao último ano do Ensino Médio. Esse lance de definir a minha vida teria que esperar um pouco...

***

- Boa viagem sobrinho lindo! Aproveite a Cidade Maravilhosa! – dona Melissa deu um abraço apertado no Eduardo. Já estava quase na hora do embarque e tudo o que eu conseguia pensar era que ele ainda não havia me respondido. Eu realmente odiava a mania que ele tinha de fazer mistério sobre tudo.

- Hey, Julieta! Juízo, hein? Sem causar polêmicas por aí. Não estarei na cidade para ajudar a gravar vídeo de revanche – ele brincou antes de me abraçar bem apertado – Guarde uma dança pra mim, combinado odalisca? – o ouvi sussurrar no meu ouvido antes de me soltar e se virar para entrar na sala de embarque.

Enquanto ele caminhava, senti um aperto estranho no peito. Como eu poderia querer tanto que ele não se afastasse ao mesmo tempo que me causava medo tê-lo por perto? Será que algum dia o carioca deixaria de ser um mistério pra mim?
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Notas finais: Vocês estão sentindo esse cheiro? Siiim, é cheiro de festa no ar! E vocês já conhecem o problema que Gabi tem com festas, né? Algo sempre dá errado para nossa bonequinha. Será que algo vai dar errado justo no aniversário dela? Será que o Edu vai voltar a tempo? E Nando e Miguel? Vão ou não se acertar?

A propósito, tem alguém com saudade do Léo aí?

E a briga da Marília com a Gabi? O que acharam?

Estamos entrando na reta final de VOV, meus caros! Emoções é o que não vão faltar!

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