quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Quem é você, Anita?

No capítulo anterior:

“Senti uma dor incrível e automaticamente levei a mão à cabeça. A água ao meu redor ficou vermelha. Desesperada, tentei voltar à superfície, mas meu corpo simplesmente não obedecia. Senti meus pulmões sem ar, e o gosto de sangue tomar minha boca enquanto afundava mais e mais. Era estranho, mas a única coisa que me veio à cabeça foi a pergunta que o Luan me fez: Afinal, quem eu era de verdade? Naquele momento, senti como se parte cada de mim estivesse em conflito e o resultado dessa guerra era a escuridão total e o frio da água tomando conta de tudo.”

Ponto de vista do Luan

- Anitaaaa! – Gritei como um louco, o medo tomando conta de mim. Eu não sabia como, mas a Divinha e o Faísca haviam fugido do canil e vindo correndo em direção ao jardim como um trem desgovernado. Ao ver a dona, a nossa cadela pulou com tudo nas costas dela, fazendo a Ní perder o equilíbrio, bater a cabeça na borda da piscina e cair dentro da água com tudo.

Assim que me aproximei e vi a água tingida de vermelho, eu não perdi tempo. Mergulhei e a trouxe de volta à superfície. Ela estava desmaiada e coberta de sangue que brotava de um corte na testa.

Coloquei seu corpo na beirada da piscina e fiquei olhando para ela completamente desesperado. Eu queria acordá-la, queria abraçá-la e aquecê-la da água gelada, queria protegê-la de qualquer jeito, mas não conseguia. Parecia que meu coração estava sangrando junto com ela, ou que minha mente também estava desmaiada. Ao longe eu ouvia o grito e os comentários dos convidados, e via o movimento das pessoas, mas nada era capaz de me tirar daquele estado de torpor. 

- Papai, papai, o que aconteceu com a mamusca? – a Nicole correu em minha direção, jogando os braços ao redor do meu pescoço, as lágrimas caindo pelo rosto. Ali do lado, a Divinha me encarava com cara de “a culpa não foi a minha”, como se quisesse se desculpar pelo acidente.

- Ela caiu e se machucou, Nica. Mas não é nada demais, a gente vai cuidar de tudo e ela vai ficar boa logo – minha filha me puxou de volta para a realidade. Não era hora para vacilar. Eu precisava ser forte e cumprir o meu papel de pai e de marido. Usando forças que eu nem sabia que tinha, saí da piscina e a peguei no colo, segurando-a firme entre meus braços.

Nessa hora, a Rafa apareceu ao meu lado com algumas toalhas para estancar o sangramento. O Neymar também veio ao nosso auxílio, batendo no rosto da Anita na tentativa de acordá-la enquanto o André gritava a plenos pulmões “a curica está DES-MAI-A-DA! CHAMEM O SAMU!”

Graça a Deus, um dos convidados da festa era médico e veio nos ajudar – Os sinais vitais estão bons e não há fraturas. O corte é superficial, mas vai precisar levar alguns pontos. Acho melhor levá-la para dentro, assim ela vai ficar mais protegida e não vai chamar atenção das pessoas – o doutor deu as ordens depois de cutucar minha esposa em um monte de lugares enquanto a examinava.

- Tá certo, vamos fazer isso – disse – Neymar e André, vocês podem cuidar dos convidados? Avisar que a Anita está bem mas que precisa repousar e dar um jeito de tocar esse povo daqui? – Pedi.

- Opa! Deixa comigo, parça! – o jogador disse, solícito.

- A-DO-RO expulsar pessoas! Vou botar esse bando de curicas pra correr! – André se empolgou com a missão.

- Nica, vou precisar que você fique com a tia Malú, por enquanto – pedi, colocando minha filha no chão. Depois acenei para que a Maria Luiza se aproximasse de mim.

- Mas eu quero ficar com a mamusca! Ela precisa de mim! – a Nica respondeu, demonstrando que teimosia era algo de família.

- Claro que ela vai precisar, meu amor. Então vamos combinar o seguinte: você vai fazer um desenho bem bonito. Aí, quando a mamãe acordar, você vai entregar para ela. Pensa em como ela vai ficar feliz com a surpresa! Vai até se recuperar mais rápido desse tombo – precisei improvisar.

- Verdade, papai! Vai ser o máximo! Vou fazer um desenho bem bonito – ela concordou com um sorriso no rosto.

- Então vem, Nick! Eu vou te ajudar a fazer algo bem bacana para a sua mãe! – a Maria disse, segurando a mão da Nica e levando-a para longe.

Depois de ter garantido que minha filha ficaria protegida daquela bagunça, pelo menos até que a situação estivesse mais controlada, levei a minha esposa para dentro com a ajuda da Rafa e do David. Para não dar chance ao azar, o Marreco tratou de dar um jeito de ficar por perto e garantir presença.

Enquanto entrávamos na Toca e subíamos as escadas, eu cheguei a três conclusões: 1 – a Rafinha tinha um ímã para jogadores de futebol; 2 – como atacante, o Pato havia perdido uma grande chance de marcar um gol 3 – O David era um zagueiro e tanto. O cara sabia como fazer marcação pesada no que queria... 

Levamos a Ní para o nosso quarto, e esperamos que o doutor chegasse com o equipamento para a sutura. Enquanto ele cuidava dos ferimentos da minha esposa, fiquei andando de um lado para o outro do quarto, o coração disparado, tentando controlar a minha ansiedade. Naquele momento uma guerra interna acontecia: uma parte de mim queria sentar e chorar feito uma criança, mas havia outra parte que lutava para se manter em pé e firme. A Anita precisava de mim e era minha responsabilidade cuidar dela.

 Quem também estava de plantão no pé da cama era a Divinha. A cadela sentou ao lado da dona e passou a montar guarda ali, como se estivesse a protegendo. A devoção da nossa mascote fez com que a raiva que eu estava sentindo dela diminuísse um pouco. Apesar de destrambelhada, ela também sabia ser amorosa e carinhosa.

- Esse me parece um caso muito mais psicológico do que físico. Não sou especialista nessa área, mas sei que em algumas situações traumáticas alguns dos nossos medos ou problemas interiores costumam vir à tona. É como se a mente dela estivesse fragmentada, mas, de alguma maneira, ainda estivesse conectada. O acidente fez com que essas partes se soltassem, e agora ela não sabe como juntá-las, compreende? 

- Não, doutor. Não entendi nada do que “cê’ falou – fui sincero. Aquela história tinha dado um nó danado na minha cabeça. Como assim havia pedaços que não estavam mais conectados? Isso queria dizer que precisaríamos de super bonder para consertar a Ní?

- Como disse, não sou especialista na área. Mas todo estado de choque tem a ver com algum trauma que precisa ser trabalhado no eu interior do paciente – o médico completou.

Eu estava prestes a perguntar que "trem" de eu interior era aquele, quando de repente a Anita acordou, dando um berro capaz de ensurdecer qualquer pessoa. Com um movimento rápido, ela pulou da cama e se encolheu contra a parede com uma expressão de medo em seu rosto.

- Ní, está tudo bem com você? – perguntei, preocupado.

- Quem são vocês? – Ela sussurrou com a voz baixa e carregada de medo.

- Como assim quem somos nós? – Repeti com o coração pequeno dentro do peito. Ver a Ní daquele jeito, tão indefesa e perdida me fez lembrar do dia que a conheci. Na primeira vez que vi a Anita pessoalmente, quando nos encontramos no reality e ela estava sofrendo pelo Murilo, eu senti uma vontade enorme de protegê-la, de mostrar que a vida era muito melhor e abençoada. Aquele mesmo sentimento vibrava dentro de mim naquele momento. Não importava quanto tempo passasse ou quanto as coisas mudassem, minha Granfina sempre precisaria ser protegida. Só que dessa vez a Anita tinha se superado! Minha esposa alcançara todos os limites possíveis da zica. Tanto que eu olhava para ela e e só conseguia pensar em uma coisa: foi pro pau!

- Any, gata garota, sou eu, a Rafa! A sua empresária-barra-amiga-barra-conselheira-barra-estilista-barra-tantas outras coisas – a loira percebeu que eu estava sem saber como agir e veio em meu auxílio – E esse é o Luan, o seu caipira-barra-marido-barra-amor perfeito. Somos sua família... você não lembra? – a empresária apontou para cada pessoa com um sorriso acolhedor no rosto, como se quisesse dizer que ela não precisava ter medo.

A Ní parou e nos encarou por um momento, como se estivesse se esforçando para lembrar – Não faço ideia de quem são vocês e de onde é esse lugar – ela disse por fim – Olha, se vocês estão tentando me sequestrar, já vou logo avisando: minha família tem contatos. Vocês não sairão impunes dessa! E outra coisa, eu estou estudando para ser juíza, portanto sei direitinho quais são os crimes pelos quais vocês serão condenados. Querem que eu faça uma lista? – ela completou, agora com a voz mais agressiva. Não era nem sombra da garota que eu conhecia.

- Ihh.... Deu ruim para a moça! – o David sussurrou baixinho, levando a mão à cabeça.

- Estudando para juíza? – a Rafa questionou com uma cara de quem está muito preocupada – Anita, faz tanto tempo que você não fala disso... Acho que a última vez que tocou no assunto foi quando começou a fazer aulas de teatro. Foi logo que você voltou para o Brasil, devia ter uns 11 anos. Sei porque seu irmão me contou que antes de decidir ser atriz você queria seguir a carreira jurídica – a empresária falava com muita calma, como se estivesse medindo o terreno, avaliando a situação.

- Atriz? Eu? Vocês estão malucos! – ela balançava a cabeça, como se aquela hipótese não fizesse sentido algum – E eu seu bem o que vocês estão tentando fazer: querem me confundir, se fazer de meus amigos, para eu gostar de vocês e não querer denunciá-los por causa do sequestro. Mas eu não vou cair nessa! Ou vocês me deixam sair, ou eu vou gritar!

- Paxão, calma! As coisas não são assim... – Tentei acalmá-la, mas devo ter piorado tudo porque ela realmente começou a gritar como uma louca.

- SOCORRO! ALGUÉM CHAMA A POLÍCIA! FUI SEQUESTRADA! SOCORROOOO! ALGUÉM ME AJUDA, POR FAVOR! TEM UM BANDO DE LOUCOS AQUI QUE EU NÃO CONHEÇO!

O quarto virou um trupé danado. Anita gritava e corria, tentando fugir enquanto eu e todas as pessoas presentes no cômodo tentávamos acalmá-la e a Divinha latia feito uma maluca. Quanto mais tentávamos mostrar que éramos do bem, mais ela se desesperava, gritava e pedia por socorro. 

Bem, em defesa da minha esposa, ficava difícil acreditar nas pessoas quando você não as conhecia e, principalmente, quando elas estavam vestidas como piratas, sereias, e o mais estranho de tudo: Bob Esponja!

Por fim, a única solução foi pegá-la a força e aplicar um sedativo para que voltasse a dormir. O efeito foi imediato e em pouco tempo a situação já estava novamente sobre controle.

- É exatamente como eu previ – o médico anunciou depois que deixamos o quarto – O acidente gerou uma situação traumática para sua esposa, fazendo com que ela perdesse a identidade.

- E agora? Como vamos ajudá-la? Que remédio eu preciso comprar para que ela volte ao normal? Qual profissional podemos contratar? – eu estava disposto a ir até o fim do mundo para buscar uma solução. Eu faria qualquer coisa, mas precisava ter a minha Ní de volta.

- Infelizmente, não há muito o que nós podemos fazer. A solução para o problema está dentro da sua esposa. A única maneira de ajudá-la é fazer com que ela encontre as respostas que procura - o doutor me respondeu com a voz calma.

- Peraê, você está querendo me dizer que não há uma cura, um tratamento, uma saída para o problema da Anita? – Comecei a ficar muito, mas muito bravo mesmo.

- Já disse, a saída está dentro dela. Vocês só podem ajudá-la a encontrar esse caminho – ele repetiu dando de ombros, como se não soubesse mais como ajudar - Posso encaminhá-la para um hospital psiquiátrico, mas acredito que vocês não querem chamar a atenção dos fãs...

A raiva que senti naquele momento era tanta que fui até a parede mais próxima e comecei a dar socos, tentando descontar minha frustração e medo em algum lugar. Era como se eu estivesse com as duas mãos amarradas, incapaz de ajudá-la no momento que ela mais precisava de mim.

- Calma Luan, calma!  - A Rafa veio até mim e segurou meus braços – Lembra que depois de toda tempestade vem um lindo dia de sol? Nós só precisamos resistir a esse momento de tormenta.

- Mas como, Rafinha? Como? Eu não consigo ver a solução! – Comecei a chorar, completamente desesperado.

- Gato garoto, você só precisa acender a luz! – Ela piscou para mim, como se aquela fosse a resposta mais óbvia de todos os tempos.

A minha vontade era de responder “Diacho, tá me chamando de funcionário da companhia de luz?”. Porém, achei melhor controlar a minha raiva. Mesmo assim, a minha cara de dúvida deve ter ficado muito evidente, porque ela continuou falando, na tentativa de esclarecer a ideia para mim.

- A Anita precisa se encontrar, certo? – concordei com a cabeça e ela continuou – e quem é a pessoa que mais entende aquela garota nesse mundo? - fiz sinal para que ela continuasse, o raciocínio começando a fazer sentido na minha cabeça – Nós, Luan! Nós somos as pessoas que melhor compreendem a arte de ser Anita. Logo, nós temos todas as ferramentas necessárias para trazê-la de volta. Só precisamos aplicá-las – a empresária explicou com o seu típico tom de otimismo.

- Certo, e como vamos fazer isso? – Perguntei.

- Hum... Eu tenho algumas ideias.

***

O plano da Rafa era muito, mas muito louco. Mas quando foi que as coisas naquela trupe foram normais, não é mesmo? 

Enquanto a Anita dormia, bolamos uma estratégia de ação muito simples: já que ela acreditava que aquilo tratava-se um sequestro, nós iriamos nos comportar como sequestradores e, para conseguir a liberdade, ela teria que cumprir uma série de atividades estipuladas por nós. A ideia era, por meio dessas tarefas, recriar situações marcantes que a Anita viveu ao lado de cada um de nós.

Amanhecemos o dia bolando as estratégias para cada atividade e escolhemos que o primeiro a tentar seria o Neymar. Por motivos de segurança, mantivemos a Divinha longe da Any. A cadela não gostou nem um pouco de abandonar a dona naquele estado, mas não tinha jeito: ninguém queria um novo acidente.

Já era quase sete da manhã quando a minha esposa acordou. Respirando fundo, o jogador levantou do sofá e subiu as escadas, pronto para colocar sua parte do plano em ação. Eu ia logo atrás, com uma câmera de vídeo na mão. A proposta era recriar o reality no qual nós nos conhecemos.

- Bom dia, diva! Como você está se sentindo hoje? – ele entrou no quarto com o seu jeito descontraído e brincalhão.

- Primeira coisa: quem é você? Segundo: por que tem esse cabelo estranho? Terceiro: quem te deu essas liberdades para me chamar de Diva? – ela perguntou enquanto tentava ajeitar os cabelos. Dava para perceber que a nova Anita era mais vaidosa e preocupada com a aparência em relação à Anita das antigas.

- Bom, vamos às apresentações: oi, eu sou o Neymar, o cara mais gente boa e legal dessa Trupe...

- Ahaaan – Chamei atenção, para que ele se lembrasse que eu também estava ali.

- Ah é... E esse é o Luan, também conhecido como galã meteórico – ele me apresentou.

- E por que vocês estão com essa câmera? – Ela não demonstrou nenhuma emoção diferente ao ouvir o meu nome e até mesmo mudou de assunto, o que de me deixou um pouco chateado.

- É o seguinte: mentiram para você ontem. Isso é sim um sequestro! E para você conseguir a sua liberdade, vai ter que cumprir algumas tarefas simples que a gente pedir. Pode ficar tranquila: não vamos te maltratar, nem pedir algo que vá te ofender. Na verdade, tem um rango maneiro lá embaixo e tudo o que você precisa fazer é descer com a gente, tomar o seu café da manhã tranquila enquanto o nosso amigo ali - ele fez um gesto apontando para mim - faz um documentário contando como é a vida dos jovens da nossa idade, combinado? – o Neymar foi direto ao assunto, sem nem criar uma desculpa criativa para convencê-la.

- Você quer dizer que eu realmente fui sequestrada? – Anita fez cara de quem ia começar a berrar a qualquer momento pedindo ajuda.

- Ó, a Rafinha é melhor em explicar esses paranauê aí... Por enquanto, desce logo e vem comer que eu estou com fome – Isso era o que eu chamava de “intimar uma pessoa”.

Com jeito muito desconfiado, ela nos acompanhou até a cozinha da Toca, local que já servira de cenário para muitas cenas marcantes da Trupe. Cada parte de mim torcia para que a Anita se lembrasse disso.

Já posicionados na mesa estavam a Malú, André e a Rafa. Achamos melhor mandar o David, o Bob Esponja cabeludo, e o Marreco para casa, já que a amizade deles com a Anita ainda era muito recente e, portanto, talvez não existissem laços tão fortes entre eles e a minha esposa. Vick Caramelo e Nica estavam na casa dos meus pais. Minha irmã ficara com a difícil missão de distraí-las para que não sentissem a falta da mãe e tia. 

O doutor voltaria naquele dia mais tarde junto com um especialista. Ele queria levá-la para uma clínica especializada a qualquer custo, mas não autorizei por acreditar que isso só chamaria a atenção da imprensa e dos críticos. E a Any jamais me perdoaria por deixar que a vida dela fosse exposta daquela maneira. Era por isso que estava depositando todas as minhas fichas no nosso plano. Ele tinha que dar certo!

- Bom dia, gata garota! – A Rafa recepcionou a Anita com seu humor matinal único.

- Quem é você? – a resposta não chegou nem perto da animação da empresária.

- Prazer, eu me chamo Rafaela Prado e sou chefe dessa operação – a loira tratou de fazer as apresentações.

- Ahhh, então é você que vai me dar algumas respostas? Ótimo! Quero entender que palhaçada é essa que está acontecendo aqui – Anita soltou os cachorros em todo mundo antes de puxar uma cadeira, sentar-se à mesa e servir-se de uma xícara de café – a verdadeira Ní NUNCA bebia café. Aquele era um mal sinal – Certo, quero respostas! Por que vocês me sequestraram?

Dali em diante, começou um diálogo muito, mas muito chato. Basicamente, minha esposa exigia respostas e a Rafa apenas a enrolava, dizendo que a sequestramos por conta do dinheiro que a família dela tinha. Como a mãe da Any era uma importante economista e entendia muito do mundo financeiro, isso até fazia sentido. Porém, a parte que não iríamos exigir um resgate deixava a Ní muito desconfiada e colocava toda a nossa história em risco.

Depois de umas duas horas daquele papo furado, a Rafa estava se enrolando cada vez com a história do rapto e a Anita ficava cada vez mais agitada. Ela parecia um gato arisco, pronto para atacar e fugir a qualquer momento. 

Eu mantive a minha posição firme na câmera, e o resto do pessoal tentava descontrair o ambiente, mas nada adiantava. Estava claro que a minha esposa não estava disposta a dar bola para gente, o deixava a tentativa de recriar uma lembrança do reality praticamente impossível.

- Sabe que eu acho? Que está faltando uma música aqui – de repente o Neymar tirou o telefone do bolso e começou a mexer na tela. Um minuto depois, um pagode tomou conta do lugar.

*** Link para músicahttps://www.youtube.com/watch?v=Cf9yVFyxoJ8*** (aumenta o som e se joga, meu povo!)

“Caraca, muleke
Que dia! Que isso? Toca um pagodinho, só para relaxar...”

- Opa! Agora a coisa animou, hein? – o jogador levantou e começou a dançar, todo soltinho. Como adorava uma bagunça, o diretor também entrou no clima.

- “Cola comigo, que eu tô no brilho, hoje eu vou me jogar” – o Neymar foi em direção à Anita, tentando puxá-la para dançar. Ela apenas revirou os olhos, ignorando o craque sem nem disfarçar.

- Ihh, qual é, diva? Vai se fazer de difícil? Você adora essa música! – ele insistiu, mantendo o samba no pé e o sorriso carismático. Cheguei mais perto para registrar a cena de um ângulo melhor.

- Anita, aproveita e conta para a gente: como jovens como vocês fazem para se divertir no meio dessa rotina de trabalho tão corrida? – a Rafa lançou uma das perguntas do reality, em mais uma tentativa de trazer a amiga de volta.

- Que tipo de pergunta mais sem cabimento é essa? – ela jogou os cabelos fazendo cara de desdém – Posso te garantir que não é com esse tipo de "barulho" que vocês chamam de música. Na minha família nós costumamos ouvir apenas os clássicos, como Mozart e Beethoven.

Lembrei de uma ocasião quando a Ní me contou que sua mãe sempre ouvia música instrumental em casa. Apesar dela apreciar muito as composições e de ter sido algo importante para a sua formação musical, ela sentia falta de ouvir canções mais populares. Aproveitando essa deixa, emendei outra pergunta na sequência – E você não sente falta de ouvir música que te aproxime mais das pessoas, que fale um pouco da cultura do nosso país?

- E desde quando esse tipo de som é chamado de cultura? – ela apontou para o celular com uma expressão de nojo – música popular brasileira é Caetano, Gil, Marisa Monte...

Todos nós trocamos olhares ansiosos naquele momento. Com certeza, o pensamento que passava pela minha mente era o mesmo que se passava pela cabeça dos demais: 1 – a situação estava pior do que imaginávamos 2 – a nova Anita era uma chata de galocha.

- Agora CHE-GA! Você quer ouvir música clássica? Então vem cá que eu vou te mostrar um CLÁS-SI-CO que tem até violino – o diretor surtou do meu lado, pegando o braço da Any e a arrastando em direção à sala.

Lá, ele ligou o rádio e passou a procurar uma faixa no iPod que já estava conectado ao aparelho. Todos encaravam a cena em silêncio, muito apreensivos. Aquilo não fazia parte do plano, então ninguém sabia o quê o diretor pretendia, e muito menos qual seria o resultado.

De repente, uma batida country encheu o ambiente.

*** Link para música - https://www.youtube.com/watch?v=PAm7JFdDKRw *** (Todo mundo pronto para a dança mais meteórica de todos os tempos?)

- Agora vem CU-RI-CA! Que eu vou te mostrar como se derruba um forninho! – o diretor anunciou, subindo no sofá e balançando o corpo no ritmo da música. 

Sabe quando dizem que no amor e na guerra vale tudo? Então... Eu estava disposto a fazer qualquer coisa para ter a minha esposa de volta. Por isso, joguei a câmera na mão da Malú e corri para me juntar ao Dé no sofá. A Rafa puxou o Neymar e não demorou para que todos nós estivéssemos fazendo a coreografia eternizada pela Anita nas redes sociais: a dança da cobra mal-matada.

“Ela é atriz, ela faz cena, ela mete uma pressão
Se joga na minha frente, me engana não
Feito cobra mal matada ela rebola, eu passo mal”

Nós descíamos e subíamos com um pé flexionado, depois dávamos uma volta mexendo a cintura como se estivéssemos brincando de bambolê.

Rápaiz, eu tinha que confessar uma coisa... nunca tinha visto cena mais engraçada na minha vida. Pensa em um bando de "marmanjo" dançando que nem loucos em cima de um sofá! Na pior das hipóteses, se o plano não funcionasse, pelo menos o vídeo renderia boas risadas.

- Meu Deus, o que vocês estão fazendo? O que é isso? Estou presa com um bando de loucos! – a Anita colocou a mão na cabeça, encarando a situação horrorizada. 

- Ihhh, isso não é nada! Acredite em mim, sempre pode piorar. E geralmente, piora! Espera só para ver  – a Malú tentou tranquilizá-la ao mesmo tempo que registrava a sua reação com a câmera.

- Eu não vou mais nada! Chega, eu quero a minha liberdade! SOCORRO! SOCORRO! – ela aproveitou que todos estávamos distraídos e disparou em direção à porta, correndo feito um pé de vento e gritando como uma louca.

- “Paxão’, “vorta” aqui, bandida! Vem cá, “muié” – saí atrás dela, dando um pulo do sofá. Se perdêssemos a Anita de vista a situação iria sair do controle de vez: afinal, como explicaríamos para as pessoas que a famosa atriz Anita Tunice não se lembrava de nada, muito menos de quem era?
_______________________________
Notas finais: Eita Trupe, o forninho caiu! 

Gente, e essa memória da Anita? Volta ou não volta? É o fim do casal Luanita? Façam suas apostas que ainda vem muito babado, confusão e gritaria por aí!

Bom, já deu para perceber que o capítulo bônus era para ter só duas partes, mas aí essa pessoa aqui que vos escreve se empolgou e agora ela será dividida em três. Espero que vocês compreendam essa mudança de planos. =) Juro que eu tento me controlar, mas essa Trupe é impossível!

E a agora, a melhor notícia de todas: dia 19 de dezembro entro de férias. ***Todo mundo grita!*** E aí terei todo tempo desse planeta para escrever. E aí? O que vocês querem ler por aqui? Aproveitem que serão só 15 dias de férias.

Para finalizar:

Já estão sabendo que criei um grupo no Whats App para reunir as leitoras da fic? Mandem o número de vocês por Face, twitter, ou deixem aqui nos comentários que eu adiciono vocês, ok?

É isso, gatas garotas! A gente se vê na última parte!

Ahh, esqueci de falar: o título é inspirado no livro do meu querido John Green, o "Quem é você, Alasca?". Recomendo muito para quem quer descobrir "como vamos sair desse labirinto".


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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Sobre desejos e tempestades

Sabe aquela história que você precisa tomar cuidado com o que deseja? Pois então... estou aqui hoje para dizer que esse lance é a mais pura verdade.

Já tem um tempo, mais ou menos uns dois anos, que eu escrevi uma história chamada “A Nossa Canção”. Nela, o personagem principal era apaixonado pela Júlia, que ele definia como “a sua tempestade”.

Para ser mais clara, segue o trecho onde ele explica o sentimento que tem pela moça:

“Ela é como uma tempestade. Chega e leva tudo consigo. Não dá para se defender da tempestade, você só fica ali e a deixa tomar conta de você. É algo muito forte, é bonito, é inevitável... Depois, quando vai embora, é como se não sobrasse mais nada...”

Eu não sei explicar muito bem o porquê, mas essa frase me marcou bastante e por muito tempo eu desejei viver um Amor Tempestade, desse tipo que arrebata o nosso coração e muda a nossa vida para sempre.

Quis tanto que a minha tempestade chegou em uma Sexta-Feira Santa e, coincidência ou não, tinha os mesmos olhos verdes marcantes da Júlia.

Claro que eu não sabia que aquele encontro iria mudar minha vida. Na verdade, eu não dei a mínima confiança para a situação. Uma semana depois, nos reencontramos novamente e o que começou como garoa veio dessa vez com tudo que tinha direito: coração disparado, pernas bambas, vontade incontrolável de estar junto. Era a tempestade, afinal, mostrando toda sua beleza e força.

Deixei-me levar por essa tormenta, deixei que o sentimento fluísse como a água que cai do céu, permiti que a tempestade se instalasse dentro de mim, até porque não há como se proteger dela. Como diz a frase, você só pode senti-la, nunca controlar.

Por um tempo, viver nesse ciclo vicioso me bastou. Ele vinha, chovia, molhava tudo o que havia para molhar e depois ia embora, deixando apenas nuvens escuras e enxurrada.

Porém, ninguém sobrevive muito tempo exposto à tempestade sem se machucar. Afinal, ela é capaz de destruir casas, carregar carros, derrubar árvores... Imagine só o que ela pode fazer com um simples coração? O resultado de tantas tormenta foi um solo completamente devastado, varrido de qualquer esperança, vontades ou desejos. Tornei-me um terreno estéril, incapaz de gerar qualquer fruto ou flor, porque nele só havia medo, confusão, ressentimento e raiva.

Lembro que na época que escrevi a história, fiquei na dúvida se esse tal amor tempestade era realmente algo bom. Durante esse período estéril, que não por coincidência aconteceu no inverno, eu estive convencida que não, que esse tipo de sentimento só sufocava, maltratava, entristecia.

Mas a mesma tempestade que destrói, também faz florescer. Com o tempo, as sementes que você deixou dentro de mim começaram a brotar. Sentimentos de compreensão, perdão, amor, paz... É louco pensar que, certamente, você não teve essa intenção, mas em muitas situações da minha vida escuto a sua voz comentando algo sobre aquele assunto. É como se a sombra das nuvens de tempestade me acompanhasse onde quer que vá.

Hoje percebo que a tempestade serviu para lavar. Levar tudo o que não era mais necessário e criar um jardim muito mais bonito, florido e capaz de resistir à novas tormentas. E agora me bateu uma estranha necessidade de te mostrar o resultado do que você ajudou a construir.

Talvez você nunca saiba do poder que teve (e sinceramente, ainda tem) sobre a minha vida. Mesmo sendo tempestade, mesmo nunca ficando o tempo necessário para me ajudar a me restabelecer depois da tormenta, mesmo sendo capaz de ter o melhor e o pior de mim.

A Nossa Canção é uma história que fala de segundas chances, sobre como em certos momentos da vida não somos capazes de tomar as atitudes certas e carregamos o peso dessas escolhas erradas por muito tempo em nossas vidas. Refletindo sobre isso, percebo que mesmo tendo renascido e permitido que coisas boas brotassem a partir do meu coração sobrevivente, ainda há algo que me prende a esse cenário cinza e frio.

É como se as nuvens de tempestade ainda pairassem sobre o meu jardim, e tenho fechado os portões com medo que ela entre e destrua tudo novamente. Mas hoje, com o sol brilhando e a brisa suave batendo no meu rosto, me dei conta que é hora de permitir a sua entrada e confiar no meu poder de aceitar e resistir.

E quando digo isso, significa que não me arrependo de ter vivido a tempestade, de ter morrido no inverno e muito menos de aceitar as transformações da primavera. Só me arrependendo de não ter permitido que você soubesse tudo o que acontecia dentro do meu coração durante esse período, de tomar consciência do poder que tinha. De assumir que você era tempestade, e não uma simples garoa.

Não ouso pedir nada, porque aprendi a minha lição: é preciso ter cuidado com aquilo que se deseja. Também aprendi que sou a única capaz de cuidar do meu jardim. Pessoas podem ventar ou chover, mas daqui em diante ninguém mais terá o poder de destruir o que cresceu nesses últimos tempos com raízes fortes e bem estruturadas.

O ciclo da vida continua e hoje eu não luto mais contra ele. O segredo para manter o seu jardim não é prever se amanhã vai fazer sol ou chuva. E sim saber ler os sinais e me preparar para o que vier.

Mas eu abri os portões, a grama está verde e as flores estão brotando, uma mais bonita que a outra. Talvez a chuva fosse bem-vinda...

[“Quando já não procurava mais
Pude enfim, nos olhos teus vestidos d'água
Me atirar tranqüila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver” – Quando fui chuva, Maria Gadú]

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A Trupe dos sete mares

Notas iniciais: Como eu prometi, resolvi fazer um capítulo bônus de AGeOC para comemorar o aniversário de três anos do blog!
Sei que demorei, mas peço a compreensão de vocês, porque esse ano tem sido tem um pouco complicado e estou precisando focar mais no meu trabalho e na vida pessoal.

Tenho MUITO o que falar e explicar, mas farei isso ao final desse capítulo bônus.

Por enquanto, tudo o que vocês precisam saber é que eu já vinha sonhando com essa cena há algum tempo, e por isso resolvi escrevê-la.

Ela não é uma continuação imediata da quarta temporada. Na verdade, imaginei a Trupe alguns anos depois, com a Nica mais crescidinha. A ideia é descobrir como andam os nossos personagens prediletos depois de um tempo.

Espero que gostem desta primeira parte!
__________________________

Ponto de vista da Anita

- Certo Trupe, atenção! – Bati a mão de leve na mesa fazendo todos olharem para mim – Vamos repassar o plano!

- De novo?

- Cala a boca, Neymar! Gente que consegue deixar a linda da Brú Marquezine escapar não tem direito de opinar sobre a minha logística... – Coloquei ordem na casa, mostrando que quem mandava naquela Toca era eu. Afinal, era o aniversário de cinco anos da Nicole e aquela seria a primeira vez que organizávamos uma festinha para recepcionar os amigos de escola da minha filha e tudo, absolutamente tudo, precisaria correr perfeitamente bem.

Está certo que talvez a palavra “festinha” não definisse muito bem o que estava prestes a acontecer... No princípio, a ideia era fazer apenas um bolinho. Mas a Nicole adorava o filme Piratas do Caribe, especialmente o Capitão Jack Sparrow, e pediu para que a festa fosse inspirada naquele tema. 

Em uma família normal, isso não seria nenhum problema. Um buffet seria contratado e a festa teria uma ou duas pessoas fantasiadas para dar um clima especial à comemoração. Já no caso da Nicole, a coisa não era tão simples, porque: a) ela era afilhada da Rafa e do Neymar b) era muito querida pela Malú e pelo André c)era filha do casal mais maluco e improvável de todos os tempos.

Juntando tudo isso, o resultado foi: uma mega festa, com direito a uma réplica do Pérola Negra flutuando na piscina, atores contratados vestidos de piratas, muita comida e bebida, e uma lista com mais de 150 convidados.  É, a Trupe sabia como comemorar um aniversário...

Tudo bem que eu não estava muito feliz com a minha filha sendo fã de um personagem que dizia coisas como:

“Eu sou um desonesto. E nos desonestos, pode-se sempre confiar porque sabe-se que sempre serão desonestos. Honestamente, é nos honestos que temos que ficar de olho... Porque nunca se sabe quando vão fazer alguma coisa realmente estúpida!”

Mas... quem resiste quando os pequenos pedem algo com aquela cara de gatinho do Shrek? Era por isso que agora eu estava ali, no escritório da Toca, reunida com toda a Trupe, repassando cada mínimo detalhe da programação para garantir que o aniversário de cinco anos fosse incrível e, o principal, digno de uma criança “normal”. Ou seja, com docinhos, salgadinhos, amiguinhos vomitando no tapete, mães reclamando do buffet e coisas do tipo.

Manter o equilíbrio era o maior desafio na educação da minha filha: eu não queria ninguém a julgasse por ter a vida que tem, e queria, principalmente, que ela crescesse sabendo que nada caía do céu e que era necessário muito trabalho honesto para conquistar a fortuna e conforto que eu e o pai dela tínhamos. Por isso, eu quis tanto que a festa não tivesse nenhuma extravagância ou ostentação. Óbvio que havíamos falhado nesta missão já que tínhamos um navio pirata especialmente construído para caber na piscina. Mas o importante era continuar tentando...

- Pega leve, Diva! Estou só tentando ajudar... – O craque se defendeu.

- E eu estou só tentando garantir...

- Que a minha filha tenha um aniversário normal, como uma criança normal, sem nenhum benefício por conta da fama dos pais – Neymar voltou a me interromper, repetindo minhas palavras com voz de tédio – Já sabemos disso, Any. Agora faz um favor: acelera aí essa revisão das regras porque está todo mundo com fome e queremos descer para comer. Afinal, a Bruninha contratou ou não contratou o melhor buffet da cidade?

- Opa! Aqui não dorme em serviço, rapaz! Comida e bebida não vão faltar, assim como o run – Minha cunhada se gabou.

- RUN? – Quase tive um infarto. Meu Deus, aquilo era uma festa de criança!

-Brincadeirinha, brincadeirinha! – Ela me ofereceu um sorriso amarelo de desculpas.

Respirei fundo e recuperei o foco – Menos mal, Bruna! Eu sabia que podia confiar em você. Rafa, e a sua parte?

- Temos uma equipe lá embaixo pronta para transformar todos os pequenos convidados em piratas dignos dos mares do Caribe. Além disso, os nossos figurinos também estão prontos e separados. Isso sem falar que a Nicole vai ficar lindíssima vestida de Elizabeth. Vocês precisam ver! O vestido tem aquelas mangas bufantes, e todos aqueles babados... E os bordados? Coisa de outro mundo...

- Ok Rafa, já entendi! – Precisei cortar a loira, senão ela nunca mais ia parar de falar dos detalhes do figurino da minha filha – André? E você?

- FRAN-CA-MEN-TE, Anita Maria! Você ainda duvida dos meus trabalhos? Depois de tantas novelas e filmes que fizemos juntos? – O diretor fez drama – Minha equipe já está toda posicionada! Os vídeos desse aniversário vão ficar dignos de OS-CAR, entendeu? OS-CAR! Tatua isso na sua TES-TA para não esquecer!

- André, poxa vida, não fala assim com a Any! Ela só está preocupada com a filha – A Malú falou em tom choroso. Desde que descobrira que estava grávida de trigêmeos ela andava assim: puro sentimentalismo. Bastava aumentar um pouquinho a voz para que ela se afogasse em lágrimas – Anita, pode ficar tranquila! As fotografias da festa ficarão lindas, eu garanto! Cuidei de cada detalhe. E esse tema de piratas é tão lindo, me dá até vontade de chorar... – Ela fungou segurando as lágrimas.

- Aliás, a Nica AR-RA-SO-U com esse tema. Já estou até pensando em organizar uma nova festa de casamento com a mesma temática. O que acha, xuxu? – André questionou a esposa.

- Ahhh, vai ser lindo! Podemos fazer a festa em uma ilha. Ainda não casamos em uma ilha – Maria Luiza ficou radiante com a possibilidade.

- Não, espera! Vão casar mais uma vez? Mas gente, vocês já fizeram nove festas de casamento, cada uma em um lugar e com um tema diferente. Será que já não está bom? – A Rafa, como sempre, assumiu o papel de “a ajuizada” da Trupe.

- Fica na sua aí, CU-RI-CA! Pelo menos somos felizes no nosso casamento. Não preciso mandar meu marido para Nova York – André esfregou a verdade na cara da minha empresária. 

Até eu fiquei com dó. No ano em que a Nicole nasceu, a minha empresária enfrentava uma crise em seu casamento com o Murilo. A parada tinha rendido até divórcio e, justo quando a Rafinha estava se envolvendo com o meu amigo Pato, o eterno empata-love do Murilo resolveu reaparecer, pedir desculpas e jurar de pé junto que iria mudar. A loira, por sua vez, decidiu ficar com ele por causa da filha e, desde então, eles viviam aquela relação maluca: ele lá em Nova York e ela aqui, fazendo cada vez mais sucesso na sua carreira profissional, mas segurando essa relação que nem de longe era perfeita.

- Opa, cartão vermelho! Entrada dura essa, hein amigo? - Neymar chamou atenção do André usando o seu jeito descontraído.

- Tá bom, tá bom... Desculpa, RA-FA! Sinto muito por você não estar com o Marreco, como já diria o meu querido amigo Luan! – O diretor deixou a minha amiga completamente vermelha. Todo mundo sabia que rolava um clima entre ela e o Alê, mas como a Rafa era uma mulher comprometida, os dois seguravam a barra e fingiam ser só amigos.

- Falando em Luan... – Achei melhor mudar de assunto – Alguém viu meu marido?

- Ele está lá embaixo no barco, Any. O Lú fez questão de verificar pessoalmente o sistema de som e iluminação da apresentação. Depois que ele passou a produzir o próprio show esse menino anda impossível! Agora canta, compõe, toca e nas horas vagas produz – A minha empresária se apressou em me responder, feliz com a mudança de rumo na conversa.

- Bom, vou até lá para vê-lo e acertar os últimos detalhes da apresentação. Pessoal, por favor, conto com vocês. Essa festa precisa sair perfeita – Praticamente implorei. Eu estava tão pilhada por conta dos preparativos que até os meus ombros pesavam para frente. Parecia que eu estava carregando um elefante nas costas.

- Qual é, diva? Alguma vez a gente te decepcionou? Nós podemos causar um pouco de confusão de vez em quando, mas decepcionar? Isso nunca! – O Neymar veio até mim e colocou a mão no ombro para me dar força.

- É Any, Trupe unida jamais será vencida! – A Rafa disse em tom entusiasmado.

- Além do mais, nós estamos aqui para te ajudar. Qualquer coisa que sair do controle, nós corremos para arrumar antes mesmo de alguém perceber – Foi a vez da minha cunhada me oferecer força.

Senti uma onda de alívio imensa tomar conta de mim. Aquela pessoas haviam se transformado na minha família e eu confiava neles para qualquer coisa – Sendo assim, nem vou me preocupar mais. Vou direto cuidar do meu cabelo, maquiagem e figurino porque preciso estar divina nessa festa – Falei em tom mais descontraído, tentando quebrar a tensão.

- Você vai cuidar da sua maquiagem, cabelo e figurino? – Minha empresária me olhou com uma expressão de descrença no rosto.

- Ok, ok... A Rafa vai fazer tudo isso. Mas o que importa é que vou ficar a pirata mais bonita dos sete mares! – Me gabei, me achando a derrubadora de forninhos.

- É assim que se fala, garota! – A Malú me apoiou – Vai tranquila, a gente cuida de tudo! Na pior das hipóteses, se algo der errado, sempre pode-se improvisar um bom e velho truque com palhaços e mágicos...

Achei melhor não discutir com a grávida. Claro que nada, absolutamente NADA, iria dar errado justo na primeira festa da minha filha com convidados. Tudo sairia muito bem, eu tinha certeza! Os meus esforços para ser uma pessoa normal não seriam em vão.

Deixei o grupo acertando os últimos detalhes no escritório e subi para o meu quarto. No caminho, passei pelo cômodo onde a minha filha e seus fieis companheiros, Vick Caramelo e Davi Lucas – filho do Neymar – brincavam acompanhados pela babá. 

Como a Rafa dissera, a Nick estava linda com um vestido rosa claro que parecia ter vindo direto de um filme do século antigo: era cheio de babados, bordados e botões, tudo muito delicado e bem feito. Na cabeça, uma tiara dourada que lembrava uma coroa enfeitava seus cabelos lisos. Nos pés, uma sapatilha delicada, combinando com a roupa. Já a Vick Caramelo, estava uma mistura de pirata com roqueira: cabelos com dread-locks, bandana, camisa branca um pouco mais larga, calça colada com um cinto de couro muito maneiro e botas. A Rafa havia separado duas fantasias de sereia para a ocasião: uma para ela e outra para filha. Porém a Vitória se recusou a vestir algo tão “de menininha” e criou o seu próprio look para a festa. Era engraçado, mas a filha da minha empresária, que deveria ser vaidosa e antenada no mundo da moda como a mãe, se parecia muito mais comigo. Ela recusava vestir roupas cor de rosa, não gostava de vestidos e não seguia a tendência das outras garotas. A Nicole, por outro lado, era delicada, adorava escolher seus looks e passava horas no meu closet experimentando minhas roupas, sapatos e bolsas. Parecia que nossas filhas tinham trocado de personalidade, o que sempre rendia situações muito engraçadas.

- Mamãe! – A Nick exclamou ao me ver parada na porta – Você ainda não está pronta? Estou louca para te ver de pirata – Ela disse enquanto corria para os meus braços e pulava no meu colo – A Vick disse que hoje você vai assumir um papel. Como é isso, mamãe?

A pergunta me pegou desprevenida. Eu já havia explicado a ela, meio por cima, qual era a minha profissão. Mas só naquele momento eu me dei conta que seria a primeira vez que ela iria, de fato, me ver trabalhando. Isso porque eu produzira uma espécie de peça de teatro para distrair as crianças na festa. Seria algo simples: os atores convidados fingiriam um falso sequestro da minha filha e eu, junto com a Rafa, Luan, André e Malú iríamos resgatá-la. No caminho teríamos algumas cenas engraçadas e até lutas com espadas. Nada muito complexo, mas o suficiente para chamar a atenção dos pequenos. Eu já havia conversado com a Nicole para avisá-la que o sequestro era combinado e que na verdade ninguém iria machucá-la, mas acabei me esquecendo de explicar o principal: que nós também estaríamos interpretando um papel.

- Sim, meu amor. Hoje mamãe vai fazer uma das coisas que ela mais gosta de fazer – Entrei no quarto e fui até o sofá, onde me sentei ainda com ela no meu colo – Lembra que combinamos que hoje, em um determinado momento da festa, um cara fingindo ser mal vai te raptar para a gente poder fazer o teatrinho no navio pirata?

Ela assentiu com a cabeça me dando o sinal para continuar. A essas alturas, as outras crianças já estavam sentadas ao nosso redor, David com sua fantasia de tubarão, idêntica ao do pai – Pois bem, esse rapaz é um ator. Você se recorda quando eu te expliquei o que os atores fazem?

- Eles fingem ser pessoas que não são, não é? – Ela me respondeu com um tom receoso.

- Isso mesmo! Atores e atrizes fingem ser pessoas que não são para criar situações que não existem, como o teatro do seu aniversário.

- Mas tia, isso não é feio? Mamãe diz que eu sempre devo respeitar a minha au... au...

- Autenticidade, Vitória! – Auxiliei a minha afilhada. A pequena Vick já vinha sofrendo alguns problemas no colégio por conta da personalidade forte e da família um pouco...diferente. Como eu conhecia muito bem aquela história, estava ajudando a Rafa a orientá-la sobre como lidar com a situação da melhor forma possível – Você está certíssima, Caramelo. Porém, atores se dedicam a assumir personagens para divertir e emocionar pessoas. É como contar uma história. Mas os invés de ler para vocês, eles usam o corpo, a voz, e a própria expressão para demonstrar cada emoção dos personagens.

- Eu entendi, mamusca – Minha filha abriu um sorriso de satisfação. Quando fazia isso, seus olhinhos puxados fruto da Síndrome de Down ficavam bem pequenos, deixando-a com uma expressão ainda mais angelical – E era isso que você fazia, mamãe? Você era uma boa atriz?

- Nica, minha filha, sua mãe não era uma boa atriz – Meu marido entrou de sopetão no quarto já vestindo a sua fantasia de Jack Sparrow com direito a dread locks, chapéu, e até maquiagem na região dos olhos. Precisei de um segundo para reconhecer o Luan vestido daquela maneira. Ele estava extremamente charmoso e sedutor e era por essas e outras que eu me apaixonava por aquele homem cada vez mais.

- Não? – As crianças ficaram confusas.

- Não – Ele voltou a negar, caminhando até mim e sentando ao meu lado – Ela é uma ótima atriz. Nica, minha filha, você não tem ideia do que sua mãe era capaz de fazer em uma novela. Ela colocava marmanjos para chorar, seduzia os novinhos, fazia a gente odiá-la quando era vilã e torcer muito quando era mocinha. A primeira vez que vi a Ní na TV eu me encantei pela verdade que ela passava no olhar, mesmo aquilo sendo apenas uma encenação – Meu marido me encarou nos olhos com uma expressão de orgulho no rosto – É incrível como ela consegue transmitir uma parte dela para cada personagem...

Precisei respirar fundo para não perder o foco. Afinal, não era todo dia que se recebia um elogio daqueles – Primeiro: não é Nica, e sim Nick – Fui obrigada a corrigi-lo. Depois de tanto tempo, todos da Trupe ainda insistiam em usar aquele apelido ridículo para se referir à minha filha – E segundo: seu pai está exagerando, Nicole. Nem era tudo isso...

- Não era mesmo, não... Ela só ganhou dezenas de prêmio de melhor atriz e dois EMI’s. Sem falar nas críticas super positivas tanto no Brasil quanto no exterior. Mas realmente... nem era tudo isso – Ele comentou em tom irônico.

- Uaaauuu! Mamãe é demais! – A Nicole colocou a mão no rosto, encarando o pai surpresa.

- Poxa tia, saudades de você na TV. Por que parou? – Foi a vez da Vick entrar no assunto. Ela havia acompanhado a última novela da qual eu participei e costumava adorar ir passear pelos sets quando eu estava gravando.

- Parei para me dedicar à minha filhota – Contei, abraçando a Nick ainda mais forte nos meus braços. Desde que ela nascera, eu praticamente havia largado mão da minha carreira e me dedicado apenas a minha família. Não fazia mais filmes, novelas, comerciais, ensaios fotográficos, nem nada do tipo. A única atividade que acabei desenvolvendo nesse período foi a de roteirista para uma web série que o André estava produzindo. A ideia era mostrar o lado negro da fama, como a falta de privacidade, o excesso de ego, o envolvimento com drogas e dai por diante. A série virou um sucesso, graças ao talento do André, o que abriu portas para que eu criasse mais roteiros para outras séries, documentários e curtas. Mas tudo sem sair de casa e sempre de olho no meu marido e filha. Apesar de sentir falta do mundo do estrelato, afinal eu cresci em frente às câmeras e sob os holofotes, em nenhum momento me arrependi da minha decisão. Foram anos de muita paz e tranquilidade, sem falar na alegria que foi ver Nick crescer e superar cada desafio que a Síndrome de Down colocava em seu caminho.

Inicialmente eu optara por oferecer uma educação domiciliar, para que pudesse acompanhar cada detalhe do desenvolvimento da minha filha. Porém, o Luan insistiu para que ela estudasse em uma escola adequada, na qual teria mais contato com o mundo e com as pessoas. No fim, ele teve o apoio de toda a Trupe e dos médicos que acompanhavam o quadro da Nicole. Escolhemos um colégio com uma estrutura bacana para recebê-la e os resultados estavam muito satisfatórios. Eu, no entanto, agora me sentia sozinha em casa, como se faltasse algo. Luan dizia que era saudade de trabalhar. E por mais que eu concordasse com ele, eu não sabia se teria coragem de me dedicar a um projeto, ficar 12 horas trancada em um estúdio ou viajando para gravar cenas externas e, consequentemente, longe da minha filha. Isso sem falar que eu queria que ela tivesse uma vida normal. O que já era bem difícil com o pai sendo um dos cantores mais famosos do Brasil. Imagina se a mãe também resolvesse começar a dar entrevistas e a participar de eventos? Pior ainda: como faríamos com os boatos maldosos que sempre surgia? O que a Nicole pensaria de mim depois de ler alguma manchete mentirosa nos jornais? Não, eu não estava disposta a arriscar...

- Mas agora já está na hora de recomeçar... – Meu marido me aconselhou com a expressão carinhosa – A Nick está crescendo, tornando-se uma pessoinha cada vez mais espertinha – Ele apertou a bochecha da nossa filha que riu, toda boba com o mimo – E é sempre importante lembrar: ela é um passarinho muito especial, mas é completamente capaz de voar sozinha.

- E de comandar um barco pirata, papai – Nicole completou empolgada.

- E de arrumar os melhores esconderijos no esconde-esconde – David defendeu a amiga. Era incrível com os dois se davam bem.

- Luan, eu sou a pessoa que mais defendo essa ideia. Tanto que permiti que a Nick estudasse em uma escola normal, incentivo ela a fazer aulas de canto, dança, a ter amigos... – Gesticulei apontando a cena ao meu redor, como se quisesse enfatizar a minha frase. Fiz o máximo de esforço para manter o meu tom de voz natural. Afinal, não queria que as crianças pensassem que estávamos discutindo ou algo do tipo.

- Mas não acredita na ideia, realmente... – Ele me repreendeu de forma despretensiosa.

- Vocês vão começar a ter aquelas conversas de adulto e vão pedir para a gente sair do quarto? – Nicole perguntou com jeito de quem não estava gostando nada, nada, daquilo.

- Minha mãe diz que não é elegante ficar discutindo problemas pessoais na frente dos outros – Vick Caramelo chamou a nossa atenção com um ar muito maduro. Sinceramente, eu tinha medo daquelas duas garotinhas. Se tão pequenas já eram daquele jeito, imagina só quando crescessem...

- Ninguém está discutindo nada aqui, dona Vitória. Estamos apenas conversando sobre a nossa filha – Expliquei para a minha afilhada antes de focar minha atenção para a Nicole – E sim, vocês vão precisar sair do quarto, mas porque daqui a pouco seus amiguinhos vão chegar. Que tal ir lá fora para checar se está tudo do seu gosto? Se não estiver, a tia Rafa e a tia Malú podem te ajudar, combinado? Mamãe vai se vestir agora para curtir muitão o seu aniversário, porque hoje é dia de alegria!

- Mamusca, se hoje é dia de alegria, então você deixa a Divinha e o Faísca participarem da festa também? – Ela me pediu com sua melhor versão de gatinho do Shrek – Por favor. Eles não merecem ficar presos lá no canil...

- Eita menina esperta! Só esperando o melhor momento para pegar a gente no contra golpe – O Lú riu da malandragem da filha – Essa é a minha Nica!

- Nick, Luan! – Corrigi com a voz cansada – E Nicole Tunice Domingos Santana, nós já não conversamos sobre isso? Faísca e Divinha juntos são capazes de derrubar essa casa. Imagina a bagunça que eles vão causar na festa? Nem pensar! Hoje tudo tem que sair perfeito!

- Filhota, sua mãe tem razão. Mas ó, no fim do dia, a gente solta os dois e deixa eles lamberem toda a comida que cair no chão, combinado? – Meu marido tentou compensar a situação. Fiz cara de nojo diante da proposta, mas a ideia pareceu agradar as crianças que saíram aos gritos e pulos planejando tudo que iriam fazer no pós-festa. Pelo o que entendi, a programação incluía: levar o Faísca para passear de barco, deixar a Divinha nadar na piscina porque ela adorava água e guardar bolo, docinhos e salgadinhos para os dois mascotes. Ouvi a babá tentar repreendê-los ao acompanhá-los, mas eu duvidada que ela conseguisse dar conta daqueles três arteiros juntos.

- Ela está crescendo tão rápido... Parece que foi ontem que descobrimos que você estava grávida – Luan comentou saudoso.

- Nossa, lembra? Eu desmaiei e precisei até tomar calmante. Tudo porque morria de medo de ser mãe. E depois ainda teve a descoberta da Síndrome de Down – Foi como se um filme passasse pela minha cabeça. Nenhum daqueles momentos foi fácil, mas eu não me arrependia de nada. Passaria por tudo novamente, porque a recompensa valia muito a pena.

- E nós enfrentamos tudo isso juntos, lado a lado, aprendendo com os erros e melhorando a cada dia – Ele veio até mim e me abraçou por trás, encostando a cabeça no meu ombro – Estou muito orgulhoso da mãe e esposa que você se tornou. Não é a toa que sou louco por você – Ele riu baixinho da brincadeira, fazendo a minha pele arrepiar.

- Tudo vale a pena quando é feito para alguém se ama – Dei um beijo de leve em sua boca – E eu amo muito você, meu capira-barra-pirata. 

- E você é a rainha dos meus sete mares – Ele respondeu roçando os lábios na minha orelha – Aproveitando esse tema e a conversa que tivemos agora pouco – Ele girou o corpo para ficar de frente para mim – Como rainha, está na hora de você expandir seus horizontes. Essa casa é muito pequena para você. Esse é o momento de permitir que a sua filha comece a aprender a voar e, principalmente, que você volte a assumir o seu verdadeiro papel. 

- Como assim? Do que você está falando? – Fiquei confusa por um momento – Luan, eu estou muito bem onde estou. Esse é o meu papel: ser sua esposa, mãe, de cuidar da nossa casa, das nossas vidas. Quando me casei com você, eu prometi que faria o meu melhor pelo nosso relacionamento, e é o que estou fazendo.

- Anita, quando me casei com você, eu declarei em frente ao padre e a todos que te aceitava exatamente do jeito que você é, lembra? – Ele pousou um dedo suavemente no meu rosto, acariciando de leve – Mas acho que agora é você quem precisa se aceitar como é de verdade e parar de viver uma realidade que não é sua.

- Any, posso saber por que diabos a senhorita ainda não... – A Rafa entrou de repente no quarto, mas parou no meio do caminho ao perceber o clima – Ops! Desculpa, gente! É que estava esperando a Anita para ajudá-la com a maquiagem e o cabelo, e ela não apareceu... Fiquei preocupada – Minha empresária se justificou mexendo as mãos sem parar, muito nervosa.

- Não, Rafa! Você tá certa! A senhorita aqui precisa se arrumar para ir receber os convidados junto comigo – Ele apontou para mim, que ainda estava com cara de boba, com a boca aberta, sem entender absolutamente nada do que acabara de acontecer – E Rafa, capricha porque a Ní tem que ser a pirata mais bonita desse “marzão”.

- Pode deixar, capitão – Ela bateu continência quando ele passou pela porta nos deixando a sós.

- E então, marinheira? Podemos começar? – Minha empresária quis saber com sua alegria tão característica. Assenti com a cabeça e então ela me puxou corredor afora, em direção ao meu quarto. Enquanto me deixava levar, minha cabeça dava voltas tentando entender o que o Luan me dissera. Como assim, eu estava vivendo uma realidade que não era minha?

Foi aí que uma terrível pergunta surgiu na minha cabeça: Afinal, quem eu era de verdade? Será que eu era mesmo a pessoa que eu me tornara?

***

*** Link para música: https://www.youtube.com/watch?v=KNozmRVDaa0 (Só para vocês irem entrando no clima) *** 

- Gente, pelo amor de Deus, alguém manda esse DJ sem NO-ÇÃO trocar o CD? Ele já tocou essa música umas duas mil e trezentas vezes! Estou vendo o momento que esses PIR-RA-LHOS vão se revoltar, dar a louca, encarnar o piratas que há dentro deles, pilhar e saquear tudo! Escutem o que eu digo: esse DJ está procurando EN-CREN-CA! Se continuar assim, eu me DE-MI-TO – O André veio até mim reclamando, como sempre.

Porém, dessa vez, eu precisava concordar. O DJ realmente estava exagerando na repetição da trilha sonora. Por sorte, os convidados pareciam não ligar muito. A festa estava bombando! Tinha criança correndo para todos os lados, pais conversando animados sentados nas mesas, monitores ocupados com os pequenos pedindo mais atividades e diversão, garçons passando por todo lado com docinhos, salgadinhos e bebidas... O jardim e a beira da piscina eram uma mistura incrível de cores e sons, exatamente como uma festa de aniversário deveria ser.

A minha pequena Nick e seus fieis escudeiros, Vick e David, eram só alegria na oficina de customização. Aparentemente, cada um estava personalizando o próprio chapéu pirata com penas, faixas, fitas e outros acessórios.

A Rafa estava fazendo o maior sucesso com a criançada por causa da fantasia de sereia (que para variar, estava linda e diva). Além dela, o amigo do Neymar - que acabou se tornando meu amigo depois de aparecer inúmeras vezes em festas na Toca - David Luiz também estava causando alvoroço. Por algum motivo, ele acreditou que a fantasia de Bob Esponja se encaixava na temática da festa. Embora estivesse meio “fora do padrão”, as crianças não paravam de pular ao redor dele gritando “tio, cadê o Patrick? Cadê o Lula Molusco?”. A mesma coisa acontecia com a Rafa que era chamada de Ariel (mesmo ela sendo loira, e não ruiva. Aparentemente, os pequenos realmente tinham uma imaginação muito fértil, ou não se apegavam muito aos detalhes. Quem entende?).

Os dois acabaram encurralados em um canto, cercados por uma multidão de crianças querendo tirar fotos ou brincar. O mais engraçado é que, por mais que tentasse, a minha empresária não conseguia disfarçar a sua indignação com o penteado do jogador. Se eu bem conhecia a Rafa, ela devia estar louca para dar um jeito naqueles fios rebeldes. 

O jogador, porém, devolvia as encaradas da loira com caretas engraçadas, o que só deixava as crianças ainda mais empolgadas. Não demorou muito para que a Rafa também soltasse o seu lado criança e os dois começassem um campeonato de caretas. Fazia tanto tempo que não via a Rafa tão feliz que acabei me esquecendo que havia uma festa acontecendo e que eu precisava cuidar dos preparativos.

- "Paxão", pronta para o show? – Senti o Luan se aproximar e colocar a mão na minha cintura.

- Nossa, já está na hora?

- Sim! Os atores já mandaram o sinal que está tudo ok. E eu estou ansiosíssimo para ver minha mulher brilhando de novo – Ele me respondeu com um sorriso no rosto. Aquele que sempre conseguia me roubar o ar.

- Deixa disso, Luan! É só um teatrinho para festa infantil... 

- Teatrinho que tem mais de 20 atores envolvidos, coreografia impecável e até um barco pirata na piscina? – Ele arqueou uma sobrancelha fazendo um ar questionador.

- Ok, talvez eu tenha exagerado um pouco... – Confessei mexendo nos cabelos, sem graça.

- Ou talvez só esteja querendo voltar aos velhos tempos – Ele sugeriu com a voz cheia de segundas intenções.

- Velhos tempos? – Franzi a testa, confusa – Mas minha vida agora é essa... – Apontei ao redor de nós dando o assunto por encerrado – Vou avisar a Nick que o teatro vai começar. Por favor, dá um toque para o André e a Malú, e dá um jeito de tirar a Rafa do lado do Bob Esponja cabeludo.

Fui até a minha filha e repassei todas as instruções do teatro. Nós já havíamos conversando muito sobre o assunto, por isso tinha certeza que ela não se sentiria assustada ou com medo. Na verdade, ela estava adorando a ideia de ser atriz por um dia.

Chequei a posição do pessoal: todos já estavam em seus lugares, assim como os objetos especiais que seriam usados na peça. A festa continuava sem que ninguém percebesse os preparativos. Isso era ótimo, porque a ideia era pegar todos de surpresa, como em um flash mob.

Estava tudo pronto. Era hora do show!

Ao sinal, os atores que representavam o lado “negro da força” invadiram a festa, fazendo muito barulho e derrubando os objetos estrategicamente posicionadas. O susto foi geral, e muitas pessoas gritaram. Como combinado, eles correram até a Nick e a sequestraram.

Foi aí que nós, a turma do “bem”, entramos em ação. Sacamos as nossas espadas (de mentira, é claro) e corremos atrás dos bandidos. Demos início a nossa coreografia exaustivamente ensaiada. Os movimentos eram rápidos, precisos e, principalmente, engraçados. Como montei a cena inspirada nos Trapalhões, em determinados momentos da “luta” a calça de um dos bandidos caia, ou eles davam piruetas e cambalhotas exageradas. Por outro lado, o Luan fingia não saber o lado certo da espada para usar e ficava imitando os gestos do verdadeiro Capitão Jack, a Rafa ameaçava maquiar os bandidos presos e o André gritava a todos pulmões “fujam seus VER-MES do mar”. Não demorou para que todos perceberem que tratava-se de um teatro e começarem a rir e interagir com a apresentação, batendo palmas ou repetindo as frases que pedíamos.

Na sequência combinada, assim que a luta terminava, os sequestradores apareciam no navio tentando obrigar a Nick a pular da prancha. Essa era a deixa para ela falar “Oh, e agora, quem poderá me defender?” balançando o seu lindo vestido ao vento e fazendo a melhor cara de donzela indefesa.

Nesse momento, todos nós invadíamos o barco e fazíamos um espetacular número de dança ao som de “onda, onda, olha a onda...”. Afinal, não dá para falar de piratas sem lembrar dessa música.

Corri em direção à rampa de acesso dando continuidade ao número. Mas, quando estava chegando à beira da piscina, senti algo pulando nas minhas costas, me fazendo cair com tudo na água.

Senti uma dor incrível e automaticamente levei a mão à cabeça. A água ao meu redor ficou vermelha. Desesperada, tentei voltar à superfície, mas meu corpo simplesmente não obedecia. Senti meus pulmões sem ar, e o gosto de sangue tomar minha boca enquanto afundava mais e mais. Era estranho, mas a única coisa que me veio a cabeça foi a pergunta que o Luan me fez: Afinal, quem eu era de verdade? Naquele momento, senti como se cada parte de mim estivesse em conflito e o resultado dessa guerra era a escuridão total e o frio da água tomando conta de tudo.
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Notas finais: Não preciso nem falar que teremos continuação, não é?

O que será que aconteceu com a dona Anita? E essa festa bafônica? Quem aí está curtindo matar as saudades da nossa Trupe predileta ergue a mão!

Só aviso uma coisa: Forninhos vão cair! Preparem-se, porque a próxima parte será demais!

Beijos, gurias! Me digam o que acharam, ok?


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