Notas iniciais: Eu sei que demorei pra postar... Mas a boa
notícia é que esse cap é bem decisivo. A partir daqui caminhamos para a reta
final e para a conclusão dessa história. Não é à toa que o nome é Maktub, uma
palavra árabe que significa “estava escrito”. E sim, já estamos no clima das
arábias porque o aniversário da Gabs vai começar. Será que a maldição das
festas vai continuar?
Então,
como diria o Nando (já, já, vocês vão entender): “Essa é a mistura do Brasil
com o Egito. Tem que ter charme pro cap ficar bonito...”
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O burburinho do
público aumentou e as luzes se acenderam. Meu pai se levantou e me ajudou a
segurar o Alê. Eu continuava segurando um dos seus braços e pedindo para que
ele se acalmasse.
Vi minha mãe
vir correndo dos bastidores e se juntar ao Miguel. A essas alturas, o Fernando
já estava ao lado do nosso amigo no palco, os dois de mãos dadas.
- Gabi, me
ajuda a tirar ele daqui – Marco Sérgio pediu. O olhar do meu amigo estava fixo
no rosto do rapaz que ofendera o Mig. Eu nunca tinha visto o skatista tão
bravo.
Saímos do
auditório e paramos no saguão de entrada. Atendendo a pedidos do meu pai, corri
na lanchonete comprar água para o Alê. O corpo do meu amigo tremia e ele estava
muito pálido, os olhos arregalados.
Quando voltei,
ouvi a música recomeçar no interior do teatro. Poucos segundos depois, vi a
Beca, Carol e a Laís passarem pela porta.
- O Miguel está
dançando? – perguntei espantada.
- Ele não
queria muito, mas o Nando foi incrível. Ficou ao lado do Mig, explicando que o
dom dele é como se fosse uma estrela que precisa continuar iluminando o mundo,
mesmo que algumas pessoas escolham ficar na escuridão – Rebeca contou com a voz
um pouco emocionada.
- Ele também
disse que nós sempre estaremos aqui para ajudá-lo e que não tem porque sentir
medo. Foi muito fofo. Queria muito que vocês tivessem visto! Nando foi falando
com calma até o Miguel se sentir confiante de novo – a Carol completou – Por
isso viemos chamar vocês. Vai ser importante o Miguel ver que estamos todos lá
para apoiá-lo.
- Se vocês
quiserem entrar, eu fico aqui com o Alê – a Lala ofereceu para mim e para o meu
pai.
- Vem cá, amor.
Faz massagem em mim – o skatista choramingou – Cara, eu não sabia que bater em
alguém doía tanto! Parece que alguém deu vários pauladas na minha mão. Está
doendo demais!
- Isso é para
você aprender que não devemos tentar impedir a violência com mais violência –
meu pai chamou sua atenção de maneira carinhosa, se é que isso é possível...
- Eu sei, mas
aquele cara é escroto demais! Ele não pode ficar tratando as pessoas do jeito
que bem entender, como se fosse o dono do mundo – eu nunca tinha visto o meu
amigo tão alterado. Ao mesmo tempo que aquela reação me preocupava, também me
fazia gostar ainda mais do meu futuro “irmão postiço”. Ele era o tipo de pessoa
que não media esforços para proteger quem ama e mais uma vez havia provado o
quanto era leal e justo.
- Alê, o que
aconteceu? Você não está bravo desse jeito só por causa de hoje, né? –
aproveitei para perguntar, olhando fixamente para ele. Ele apenas desviou o
olhar e se calou, deixando ainda mais claro que havia algo que não queria
contar.
- Meninas, por
que vocês não voltam lá para dentro? Como a Carol disse, é importante que o
Miguel veja que não está sozinho – meu pai pediu, usando o seu melhor tom de
“cara gente boa e educado” – Aliás, o garoto que falou aquelas bobeiras ainda
está lá dentro?
- Não. Os
seguranças pediram que se retirasse. Eles usaram a saída de emergência. Acho
que não queriam chamar a atenção – Laís explicou, um dos braços ao redor do meu
amigo que continuava fazendo drama por causa da sua mão.
- Menos mal...
Mas, mesmo assim, acho melhor vocês voltarem... – ele insistiu.
Dava para
perceber que as três queriam ficar para tentar descobrir o que o Alê estava
escondendo, mas acabaram voltando para dentro. A mais contrariada era a Laís,
que parecia não querer largar o namorado. Vi o Marco Sérgio olhando para a Lala
como se quisesse dizer “vai ser melhor assim” antes dela se dar por vencida e
passar.
- Agora sim! –
ele disse animado depois que ficamos sozinhos – Alexandre, eu preciso que me
conte o que realmente está acontecendo aqui – meu pai pediu olhando sério para
o skatista.
Silêncio. Ele
realmente não parecia disposto a falar.
- Que tal
sentarmos para tomar um café? – “seu” Marco tentou novamente.
Caminhamos até
a lanchonete, escolhemos uma mesa e fizemos os nossos pedidos. Café para meu
pai, Coca-Cola para mim e para o Alê.
Ficamos em
silêncio esperando as bebidas até o meu amigo não aguentou e resolveu falar.
- Tá bom, foi o
seguinte: teve um dia que estava chovendo e minha mãe me pediu para pegar o
carro e ir até uma daquelas lojas no centro que vendem aquelas “bagacinhas”
naturais que ela adora. Já estava meio escuro e eu corri para chegar antes da
tal loja fechar. Deixei o carro perto da escola da mãe da Gabi porque é mais
fácil de estacionar e fui correndo até a loja. Só que, na correria, eu virei na
rua errada e foi aí que eu vi... O Miguel estava encurralado por mais três
garotos, um deles é o idiota que estava na plateia hoje. Acho que o Miguel
tinha acabado de sair do ensaio, porque dava para perceber que estava com uma
daquelas roupas justinhas que vocês usam para dançar – ele apontou para mim
para enfatizar o seu exemplo – Claro que os idiotas dos meninos ficaram
enchendo o saco dele, falando um monte de baboseira... Ví o Miguel tentar fugir
do cerco e levar um baita empurrão. Na hora que ele caiu no chão, um outro
garoto foi até ele e deu uma “bicuda”. Não sei se conseguiu acertar, mas eu saí
correndo para ajudar antes que a situação piorasse. Passei pelos meninos,
peguei a mão do Miguel e saímos correndo com o trio atrás da gente. Ainda
levamos uns tapas e uns socos de raspão, mas conseguimos entrar no carro e eu saí
acelerando para fugir – Alê fez uma pausa dando um gole na sua bebida que
acabara de chegar. Por reflexo, eu e meu pai fizemos o mesmo, sem saber o que
falar. O assunto era muito mais sério do que podíamos imaginar.
- E por que
vocês não contaram para a gente? - perguntei, brava com o fato segurarem aquela
barra sozinhos.
- Gabs, o
Miguel ficou muito mal. Ele entrou no carro e começou a chorar. Demorou pra
caramba para ele se acalmar. Eu falei que poderíamos ir pra casa, que ele
poderia conversar com a minha mãe, mas não rolou. Acho que o Miguel já vinha
sofrendo com esses meninos há um tempo e estava assustado demais para revidar -
meu amigo explicou mexendo as mãos de forma agitada – Talvez ele sofra com
esses meninos até hoje. Eu não sei... ele não quis conversar sobre o assunto.
- Então foi por
isso que ele estava com tanto medo de se envolver com o Nando... - pensei em
voz alta, tudo fazendo sentido na minha cabeça - E por isso que sempre que
falávamos dos dois ficarem juntos você desconversava. É porque já sabia de todo
esse rolo com o Mig.
- Hmmm... Será
que alguém pode me atualizar aqui? O Nando e o Miguel tem alguma coisa? - meu
pai estava boiando na conversa, o que fez eu e o Alê cairmos na risada.
- Vou conversar
com a sua mãe sobre a melhor maneira de ajudar o Miguel. O que ele sofreu vai
muito além do bullying, como foi o seu caso. Não é à toa que está tão assustado
- Marco Sérgio ponderou depois que o atualizamos de toda a história.
- Você acha que
os dois vão conseguir ficar juntos? - perguntei, os últimos acontecimentos
ainda rodando na minha cabeça.
- Aí só o
tempo, o Miguel e o Nando poderão nos contar - meu pai abriu um sorriso
carinhoso para mim, como se assim pudesse espantar todos os fantasmas - Mas
agora acho importante voltarmos para assistir o final do espetáculo. Vamos lá,
meninos?
Voltamos para o
teatro e retomamos nossos lugares. A apresentação já estava quase terminando e
o Miguel interpretava a parte que o Romeu se preparava para tomar o veneno.
Eu sabia que
não deveria usar meu celular naquele momento, mas tinha muita coisa acontecendo
e queria muito contar as novidades e as minhas impressões para alguém. Abri a
conversa com o Edu, porém não tinha nenhuma nova mensagem. Nosso último assunto
fora sobre uma praia que ele iria surfar há dois dias.
Murchei ao
lembrar que não tinha notícias dele há um tempo e fiquei ainda mais desanimada
ao ver a cara feia que a Beca estava fazendo para mim por causa do brilho da
tela.
Bloqueei o
aparelho e me concentrei na peça tentando afastar a ideia de que o Edu sempre
seria o Edu...
***
Era uma
tradição que, ao final do espetáculo, todo a companhia se reunisse no palco
para agradecer. Todos ficaram enfileirados lado a lado enquanto a Julieta
iniciava o protocolo de dar alguns passos a frente e se curvar para o público
enquanto era aplaudida.
Eu sabia que o
segundo seria o Miguel, por isso já me preparei para levantar e aplaudi-lo de
pé. Fiquei surpresa ao ver que meus amigos tiveram a mesma ideia. Todos
levantaram enquanto o Nando assobiava, bastante empolgado.
Do palco, o
Miguel olhou para nós, o sorriso brilhando de felicidade. Porém, quando ele
olhou para frente novamente, vi seu rosto mudar para espanto e depois ser
tomado pela a emoção. Olhei para trás e vi que todo o teatro também estava em
pé para aplaudi-lo, muitas pessoas gritando palavras como “bravo” ou “maravilhoso”.
A sensação era
de arrepiar. Era incrível ver todas aquelas ovacionando o trabalho do meu
amigo. Era como o Nando falara: o dom do Miguel era como uma estrela e, naquela
noite, ela havia brilhando ainda mais forte.
***
Uma semana depois
“Parabéns pra
você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida. É pra Gabi
nadaaaaaa!Tudoooo! Então como é que é...”
Finalmente o
dia do meu aniversário havia chegado. Depois de uma semana tensa por conta da
repercussão do que aconteceu com o Miguel e muitos ensaios para que tudo saísse
perfeito na minha apresentação de dança do ventre, era reconfortante abrir a
porta de casa e ver todos os seus amigos usando chapéu de festa e cantando
parabéns.
- Aêeee, diva!
Tá ficando “véia”, hein? – Alê foi o primeiro a se pendurar no meu pescoço para
me parabenizar.
- Fica
tranquila que está tudo certo para hoje à noite! Estou em contato com todos os
fornecedores e daqui a pouco a equipe de decoração chega para começar a
montagem – nossa líder, digo a Beca, tentou me abraçar enquanto equilibrava com
uma das mãos vários papéis. Na certa, ali estavam todos os recibos e documentos
relacionados à decoração.
- E aqui está a
roupa da odalisca mais maravilhosa de todos os tempos – Laís apontou para uma
daquelas capas de roupas que ela estava carregando – Miga, é sério! “Cê” vai
ficar um arraso!
- “Essa é a mistura do Brasil com o Egito, tem
que ter charme pra dançar bonito”. Já “tô” entrando no clima para ralar o
tchan logo mais – era difícil saber o motivo pelo qual o Nando estava mais
feliz: se era por causa da festa ou porque estava de mãos dadas com o Mig.
Nos últimos
dias, minha mãe e meu pai haviam dado uma atenção especial ao Miguel. Depois
que souberam do que aconteceu no teatro, os pais dele não queriam que ele
continuasse dançando. A bem da verdade é que eles nunca apoiaram totalmente a
carreira de bailarino do meu amigo, porém, como a prefeitura dava uma ajuda de
custo para alguns integrantes da companhia, eles não reclamavam. Mas, agora que
a homossexualidade do filho fora exposta para toda a cidade, eles diziam que a
culpa de tudo era o balé e que, se o Mí saísse da companhia, as coisas
voltariam ao “normal”.
Foi necessária
muita conversa para convencê-los que o Miguel deveria continuar dançando. Eles
ainda estavam fazendo uma forte oposição, alegando, principalmente, que não
queriam que o filho fosse “contaminado”. Eu já tinha ouvido histórias de
pessoas que sofriam preconceito, mas ver tudo acontecendo tão de perto
despertava uma sensação de incapacidade... Era como se estivéssemos falando em
uma língua na qual eles não eram capazes de compreender e, cada vez que
tentávamos explicar que tudo estava bem, que não havia motivo para achar que o
Miguel era “diferente” ou “estava infectado”, mais incapazes de nos entender
eles se tornavam, como se estivessem erguendo muros ao seu redor que os
impediam de enxergar a situação como um todo.
Meu pai
descreveu a situação como uma pessoa dentro de um carro com os vidros
embaçados. Ela só vai conseguir enxergar o que está ao seu redor se desembaçar
as janelas, porém, nem todo mundo está disposto a ter este trabalho. E, então,
ficam presos dentro do carro com a vista limitada, controlando tudo pelos
mesmos botões que eles acreditam dominar. Um dia o carro vai acabar saindo da
estrada e causando um tremendo problema. Mas, até que isso aconteça, eles vão
continuar seguindo sem querer enxergar.
- Nossa! Parece
meio surreal que vou participar de uma festa depois de tudo... Mas estou feliz
por estar aqui com você – meu ex-partner veio até mim e me deu um longo abraço.
- E você? Está
bem? – perguntei baixinho para não chamar atenção, afinal, não sabia se ele queria
conversar sobre o assunto naquele momento.
- Eu... me
sinto aliviado – ele me ofereceu um sorriso tímido – Eu tinha tanto medo do que
poderia acontecer ou do que as pessoas iriam falar que acabava guardando tudo
pra mim, sabe? Eu nunca me permiti parar e pensar se era gay ou não. Foi algo
que sempre reprimi e que me causava um penso imenso aqui dentro – falou,
colocando uma das mãos sobre o peito – É como se alguém tivesse tirado um
gorila das minhas costas. Agora, sim, eu consigo parar e analisar o que estou
sentindo. A terapia tem ajudado muito nesse sentido.
- Jura? Meu pai
me perguntou se eu queria fazer, mas... sei lá... – desconversei. Marco Sérgio
havia comentado sobre o assunto naquela semana e falou que, se eu sentisse a
necessidade, por conta de tudo o que tinha acontecido no começo do ano, ele me
ajudaria a procurar um profissional. Eu até pensei em aceitar, principalmente,
por causa dos episódios que acabei descontando na comida e colocando tudo pra
fora... Mas, já fazia um tempo que eu não passava por uma crise.
A única coisa
que eu vinha fazendo era comer demais. Aliás, eu tinha até engordado um
pouco. Principalmente em épocas tensas,
como a briga com a Marília, a história do Miguel, a preparação para o meu aniversário,
eu acabava ficando muito ansiosa e descontando na comida. Mas... eu sempre
ouvia a Laís e até e Beca falando que comiam um pouco a mais quando estavam
nervosas e tristes. Isso era normal, não era? Não era algo para me preocupar,
ou, pior, preocupar meus pais... Eu já tinha causado uma verdadeira revolução
na família inteira. Não poderia nem pensar em causar mais um problema, ainda
mais agora que tudo estava se encaixando.
- Ainda estou
no começo, né? Mas é bom poder conversar com alguém e falar o que você está
sentindo – ele me explicou – E ainda tem o Nando, né? Ele está me ajudando
bastante. Temos conversado muito e combinamos de ir devagar. Até porque, isso
também é novo para ele. Estamos nos descobrindo juntos – o sorriso que ele
abriu ao falar do seu companheiro foi contagiante. Como alguém tinha coragem de
dizer que um sentimento como aquele era errado?
- Hey, vocês!
Estão achando que vão ficar aí de boa sem ajudar? – Nando, que até então estava
entretido com os meus outros amigos, veio até nós querendo dar bronca. Até
então, ele e meus outros amigos estavam reunidos dividindo as tarefas para a
montagem da festa. Não preciso nem dizer quem estava dando as ordens... Rebeca
controlava cada detalhe acompanhando as anotações que fizera em um aplicativo
que ajudava na organização de tarefas.
Montamos uma
verdadeira operação para deixar tudo em ordem a tempo. Logo na entrada, para
que os convidados já fossem entrando no clima, colocamos lanternas que fizemos
com potes de vidro pintados com desenhos na temática árabe. Ao entrar na sala,
eles seriam recebidos com tecidos coloridos presos no teto e muitas almofadas
nos sofás. Havia também tapetes e uma mesa de doces decorada com espelhos,
velas e algumas flores.
A festa se
estenderia até a beira da piscina, onde tochas acesas ajudariam a manter as
pessoas aquecidas. Mesastambém decoradas com tecidos e colocadas sobre tapetes
serviriam como local para que as pessoas comessem o jantar árabe que os garçons
serviriam. Seguindo a tradição, colocamos almofadas para que as pessoas se
sentassem mais confortavelmente no chão. Grandes incensos perfumavam o lugar
com o aroma de sândalo, enquanto flores davam o toque final na decoração.
- Gente, isso
daqui tá um ba-fo! – Fernando comentou ao terminarmos a montagem – Vou fazer
vários stories pra postar agorinha mesmo e deixar todo mundo morto de
curiosidade pra ver a decoração completa.
- Só depois que
terminarmos de organizar as bebidas, querido – Rebeca cortou o barato dele na
mesma hora sem nem tirar os olhos do seu aplicativo – Estamos quase acabando,
mas ainda temos algumas coisinhas pra fazer.
- Na boa, na
hora que essa festa finalmente começar, eu vou estar é morto – Alê fez drama se
jogando no sofá. Na mesma hora a Laís fez sinal para que ele se levantasse, o
que só o deixou ainda mais contrariado.
- Não vale
estragar a decoração antes da hora, né amor? – ela o repreendeu de forma
carinhosa – Meninos, como vocês se arrumam mais rápido, vou raptar a
aniversariante e a Reb para começar a maquiá-las, ok?
- Isso! Leva
essa general para longe da gente! – o skatista fingiu estar implorando.
- Vou até
organizar as bebidas mais feliz. A Beca não dá moleza – até o Miguel resolveu
desabafar, o que fez todos caírem na risada.
***
- Chega, Rebeca!
É hora de relaxar – Laís disse puxando o celular da mão dela. Foi um verdadeiro
sacrifício convencê-la a subir e deixar o resto da organização com os meninos.
Aliás, assim que chegamos ao andar de cima, tive a impressão de ouvi-los
comemorando. Com certeza a Laís também tinha ouvido, porque agora falava de
forma persuasiva para que nossa amiga desencanasse um pouco – Tudo o que você
precisa fazer agora é relaxar e se concentrar em arrasar na festa hoje. Escolhi
figurinos caprichados para nós. Afinal, não é todo dia que podemos nos vestir
de odaliscas.
A Lala não
estava exagerando quando dizia que tinha arrasado. Meu traje de apresentação,
por exemplo, estava incrível: bustiê e cinto bordado com moedas e pedras
douradas, além de alguns outros detalhes em preto e uma saia com uma fenda de
cada lado com duas camadas de tecido que acompanhavam as cores predominantes do
figurino.
Além da roupa
para a hora da dança, havia outra que eu usaria para receber os convidados: um
cropped que tinha um acabamento de amarração na frente e mangas em sino na cor
vinho e uma saia longa na mesma cor que também tinha detalhes dourados e uma
fenda bem ousada. Nos pés, uma sandália dourada com algumas tiras amarradas na
altura do tornozelo fechavam o visual. E claro: muitos acessórios. Colares,
brincos e pulseiras eram o que não faltava no look.
A maquiagem
também foi bem caprichada: olhos com delineados bem marcados e sombra em tons
de marrom e dourado para combinar com as roupas. A pele tinha bastante
iluminador, enquanto a boca ficava mais discreta com um batom de tom claro.
- Uaaaau! Não
quero me gabar, mas acho que fiz um excelente trabalho aqui, hein? – Laís disse
quando terminou – Calma, não se mexe ainda! Preciso fazer vídeos para ir para o
vlog.
- Gente, depois
desse aniversário a Gabi já vai poder virar uma blogueirinha. Já tem vídeo
mostrando a rotina, já fez permuta pra festa... Só falta chegar uns recebidos –
Rebeca me zuou enquanto terminava de colocar os brincos e a Laís me pedia para
fazer poses para o vídeo.
Ela também
estava muito bonita: usava um vestido preto com transparências na área do colo
e dos braços, além de ter aplicações pratas e verdes. O cabelo estava solto com
ondas, o que ajudava a quebrar o ar de séria que lhe era típico. Quem a visse
hoje, com certeza, não reconheceria ao primeiro olhar.
- Você esqueceu
o mais importante: as polêmicas, né? Blogueira que é blogueira sempre tem
alguém criticando – brinquei.
- Na verdade,
também está faltando um tutorial, né? Tipo um “oi, beninas! Tudo bom? No vídeo
de hoje vou ensinar a como se meter em uma briga com a Realeza. Para isso,
vocês vão precisar de um Carioca, um skatista, uma amiga songa-monga e uma
bruxa disfarçada de princesa – Laís entrou na brincadeira enquanto terminava a
sua maquiagem. A namorada do Alê estava fantástica: calça azul escuro que
lembrava a que a Jasmin usava no filme do Aladim, um bustiê branco com pedras
em diferentes tons de azul bordados e uma sandália prata de salto fino. O
cabelo estava preso em um rabo de cavalo bem alto e a maquiagem tinha sombras
em tom de azul metálico que estava um verdadeiro arraso – Aliás, falando em
carioca...
- Nenhuma
notícia dele – respondi um pouco irritada. Fazia dias que eu estava tentando
descobrir se o Edu viria e ele sempre desconversava. Mas, depois que ouvi a
dona Melissa avisando o filho que chegaria um pouco mais tarde na festa porque
passaria o dia em São José atendendo uma cliente, eu desisti de vez. Afinal, se
ela não iria buscá-lo no aeroporto era porque ele não viria mesmo... – Acho que
não conseguiu resolver o problema no cartão da mãe... – emendei, tentando
disfarçar um pouco a frustração.
- Bom, vocês
podem comemorar outro dia... – Laís tentou remediar – O importante é que hoje
você está linda e maravilhosa e vai deixar todo mundo babando com aquela
coreografia babadeira!
- Falando em
descer, “bora”, gente? A festa já começou. Preciso ver se está tudo bem lá
embaixo.
- Rebeca, você
não relaxa nunca? - a Laís fez cara de séria para perguntar.
- Aposto que
até quando dorme ela fica pensando nas coisas que precisa fazer – foi a minha
vez de provocar – Mas dessa vez eu vou ter que concordar com a Beca. “Tô”
curiosa também pra ver quem já chegou.
- Certo, o
pedido da aniversariante é uma ordem! Deixa eu só dar uma última olhada na make
de vocês...
- Laís, em
algum momento você para de pensar em maquiagem? – foi a vez da Rebeca dar o
troco.
- Certo, fui
vencida! Vamos descer! – a morena, finalmente, largou os pincéis enquanto ria
da pergunta.
Fui uma das
primeiras a sair do quarto. Estávamos trabalhando naquela festa há quase um mês
e o meu nível de ansiedade estava elevadíssimo. E eu precisava confessar: meu
histórico para festividades não andava muito positivo aquele ano: desde o
esquenta das voltas aulas, quando conheci o Edu e torci o pé, até a festa de
aniversário do Caio eu só tinha me dado mal. Não queria que essa maré de azar
se estendesse para o meu aniversário...
Desci os
primeiros degraus prendendo a respiração de nervoso. Porém, conforme fui
avançando, um sentimento imenso de alegria e empolgação foi tomando conta de
mim. Estava tudo muito lindo! O colorido dos tecidos, os tapetes, as pessoas
conversando, a música temática e duas dançarinas do ventre que a Pérola
indicara animando os convidados. Estava tudo perfeito!
Olhei para o
lado e vi na expressão das meninas que elas estavam tão empolgadas quanto eu.
- É isso aí,
Gabi! Hora da festa! – a Laís piscou para mim e me puxou para o meio do
pessoal, assim que terminamos de descer as escadas.
***
- Uaaaaau! Mas
que espetáculo!
- Obrigada,
Alê! Vocês também estão incríveis – sorri para o meu amigo que, assim como
Nando e Miguel, também estava com o figurino a caráter: batas com lenços
pendurados no pescoço. O do Nando era colorido como o arco-íris em uma mensagem
subliminar – ou nem tão subliminar assim.
- Foi mal Gabi,
mas dessa vez estou falando desta mulher maravilhosa aqui – ele pegou a mão da
Laís e a girou.
- Mas eu estou falando
de você, Gabi. Está divina. Feliz aniversário! – o Caio apareceu entre os
convidados para me dar um abraço – A festa está muito irada! Vocês mandaram
muito bem!
- Obrigada! Que
legal que você veio!
- É... – ele
coçou a cabeça, sem jeito – Mas eu não vim sozinho.
Franzi as
sobrancelhas, confusa. O que ele queria dizer?
- Vem cá... –
ele me puxou para um canto, passando por entre os convidados que iam acenando
para mim, elogiando minha roupa ou me parabenizando. Muitas pessoas já estavam
por ali: integrantes da companhia da dança, colegas da escola, vizinhos do
condomínio...
- É o seguinte,
Gabi. Você mandou convite para mim e para o Gusta, né? – ele começou a
sussurrar depois que chegamos do lado de fora, em uma parte que não tinha muita
gente.
- Isso! E cadê
o Gusta, aliás? – eu não estava entendendo a razão de tanto mistério.
- Então... Ele
está lá fora. Com uma pessoa que queria muito te ver... – ele falou de forma rápida.
- Para de
gracinha, Caio! Fala logo! – por mais que não fosse lógico, lá no fundo meu
coração acelerou com a possibilidade de ser o Edu. Mas, o carioca não gostava
do Caio, então, as chances disso acontecer eram bem mínimas.
- Desculpa,
Gabs. Mas a única maneira de você descobrir é ir lá fora e ver quem está com o
Gusta.
Parei por um
segundo e pensei nas possibilidades. Eu não conseguia pensar em ninguém além do
Edu até que, de repente, um estalo me trouxe um outro nome à cabeça.
- Não pode
ser... – virei e fui em direção a saída, andando o mais rápido que podia.
Passei pela
porta de entrada da minha casa, virei à direita e fui até a esquina e lá estava
ele, encostado em uma mureta, os cabelos bagunçados e os olhos fixos em mim.
- Léo?!
____________________________________________
Notas finais: Eis que esse encontro finalmente aconteceu. Senhoras e senhores: GaLeo
está in the house! E aí? Essa festa promete ou não promete?