quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Capítulo 42 – Maktub – Parte 1


Notas iniciais: Eu sei que demorei pra postar... Mas a boa notícia é que esse cap é bem decisivo. A partir daqui caminhamos para a reta final e para a conclusão dessa história. Não é à toa que o nome é Maktub, uma palavra árabe que significa “estava escrito”. E sim, já estamos no clima das arábias porque o aniversário da Gabs vai começar. Será que a maldição das festas vai continuar?

Então, como diria o Nando (já, já, vocês vão entender): “Essa é a mistura do Brasil com o Egito. Tem que ter charme pro cap ficar bonito...”
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O burburinho do público aumentou e as luzes se acenderam. Meu pai se levantou e me ajudou a segurar o Alê. Eu continuava segurando um dos seus braços e pedindo para que ele se acalmasse.

Vi minha mãe vir correndo dos bastidores e se juntar ao Miguel. A essas alturas, o Fernando já estava ao lado do nosso amigo no palco, os dois de mãos dadas.

- Gabi, me ajuda a tirar ele daqui – Marco Sérgio pediu. O olhar do meu amigo estava fixo no rosto do rapaz que ofendera o Mig. Eu nunca tinha visto o skatista tão bravo.

Saímos do auditório e paramos no saguão de entrada. Atendendo a pedidos do meu pai, corri na lanchonete comprar água para o Alê. O corpo do meu amigo tremia e ele estava muito pálido, os olhos arregalados.

Quando voltei, ouvi a música recomeçar no interior do teatro. Poucos segundos depois, vi a Beca, Carol e a Laís passarem pela porta.

- O Miguel está dançando? – perguntei espantada.

- Ele não queria muito, mas o Nando foi incrível. Ficou ao lado do Mig, explicando que o dom dele é como se fosse uma estrela que precisa continuar iluminando o mundo, mesmo que algumas pessoas escolham ficar na escuridão – Rebeca contou com a voz um pouco emocionada.

- Ele também disse que nós sempre estaremos aqui para ajudá-lo e que não tem porque sentir medo. Foi muito fofo. Queria muito que vocês tivessem visto! Nando foi falando com calma até o Miguel se sentir confiante de novo – a Carol completou – Por isso viemos chamar vocês. Vai ser importante o Miguel ver que estamos todos lá para apoiá-lo.

- Se vocês quiserem entrar, eu fico aqui com o Alê – a Lala ofereceu para mim e para o meu pai.
- Vem cá, amor. Faz massagem em mim – o skatista choramingou – Cara, eu não sabia que bater em alguém doía tanto! Parece que alguém deu vários pauladas na minha mão. Está doendo demais!

- Isso é para você aprender que não devemos tentar impedir a violência com mais violência – meu pai chamou sua atenção de maneira carinhosa, se é que isso é possível...

- Eu sei, mas aquele cara é escroto demais! Ele não pode ficar tratando as pessoas do jeito que bem entender, como se fosse o dono do mundo – eu nunca tinha visto o meu amigo tão alterado. Ao mesmo tempo que aquela reação me preocupava, também me fazia gostar ainda mais do meu futuro “irmão postiço”. Ele era o tipo de pessoa que não media esforços para proteger quem ama e mais uma vez havia provado o quanto era leal e justo.

- Alê, o que aconteceu? Você não está bravo desse jeito só por causa de hoje, né? – aproveitei para perguntar, olhando fixamente para ele. Ele apenas desviou o olhar e se calou, deixando ainda mais claro que havia algo que não queria contar.

- Meninas, por que vocês não voltam lá para dentro? Como a Carol disse, é importante que o Miguel veja que não está sozinho – meu pai pediu, usando o seu melhor tom de “cara gente boa e educado” – Aliás, o garoto que falou aquelas bobeiras ainda está lá dentro?

- Não. Os seguranças pediram que se retirasse. Eles usaram a saída de emergência. Acho que não queriam chamar a atenção – Laís explicou, um dos braços ao redor do meu amigo que continuava fazendo drama por causa da sua mão.

- Menos mal... Mas, mesmo assim, acho melhor vocês voltarem... – ele insistiu.

Dava para perceber que as três queriam ficar para tentar descobrir o que o Alê estava escondendo, mas acabaram voltando para dentro. A mais contrariada era a Laís, que parecia não querer largar o namorado. Vi o Marco Sérgio olhando para a Lala como se quisesse dizer “vai ser melhor assim” antes dela se dar por vencida e passar.

- Agora sim! – ele disse animado depois que ficamos sozinhos – Alexandre, eu preciso que me conte o que realmente está acontecendo aqui – meu pai pediu olhando sério para o skatista.

Silêncio. Ele realmente não parecia disposto a falar.

- Que tal sentarmos para tomar um café? – “seu” Marco tentou novamente.

Caminhamos até a lanchonete, escolhemos uma mesa e fizemos os nossos pedidos. Café para meu pai, Coca-Cola para mim e para o Alê.

Ficamos em silêncio esperando as bebidas até o meu amigo não aguentou e resolveu falar.

- Tá bom, foi o seguinte: teve um dia que estava chovendo e minha mãe me pediu para pegar o carro e ir até uma daquelas lojas no centro que vendem aquelas “bagacinhas” naturais que ela adora. Já estava meio escuro e eu corri para chegar antes da tal loja fechar. Deixei o carro perto da escola da mãe da Gabi porque é mais fácil de estacionar e fui correndo até a loja. Só que, na correria, eu virei na rua errada e foi aí que eu vi... O Miguel estava encurralado por mais três garotos, um deles é o idiota que estava na plateia hoje. Acho que o Miguel tinha acabado de sair do ensaio, porque dava para perceber que estava com uma daquelas roupas justinhas que vocês usam para dançar – ele apontou para mim para enfatizar o seu exemplo – Claro que os idiotas dos meninos ficaram enchendo o saco dele, falando um monte de baboseira... Ví o Miguel tentar fugir do cerco e levar um baita empurrão. Na hora que ele caiu no chão, um outro garoto foi até ele e deu uma “bicuda”. Não sei se conseguiu acertar, mas eu saí correndo para ajudar antes que a situação piorasse. Passei pelos meninos, peguei a mão do Miguel e saímos correndo com o trio atrás da gente. Ainda levamos uns tapas e uns socos de raspão, mas conseguimos entrar no carro e eu saí acelerando para fugir – Alê fez uma pausa dando um gole na sua bebida que acabara de chegar. Por reflexo, eu e meu pai fizemos o mesmo, sem saber o que falar. O assunto era muito mais sério do que podíamos imaginar.

- E por que vocês não contaram para a gente? - perguntei, brava com o fato segurarem aquela barra sozinhos.

- Gabs, o Miguel ficou muito mal. Ele entrou no carro e começou a chorar. Demorou pra caramba para ele se acalmar. Eu falei que poderíamos ir pra casa, que ele poderia conversar com a minha mãe, mas não rolou. Acho que o Miguel já vinha sofrendo com esses meninos há um tempo e estava assustado demais para revidar - meu amigo explicou mexendo as mãos de forma agitada – Talvez ele sofra com esses meninos até hoje. Eu não sei... ele não quis conversar sobre o assunto.

- Então foi por isso que ele estava com tanto medo de se envolver com o Nando... - pensei em voz alta, tudo fazendo sentido na minha cabeça - E por isso que sempre que falávamos dos dois ficarem juntos você desconversava. É porque já sabia de todo esse rolo com o Mig.

- Hmmm... Será que alguém pode me atualizar aqui? O Nando e o Miguel tem alguma coisa? - meu pai estava boiando na conversa, o que fez eu e o Alê cairmos na risada.

- Vou conversar com a sua mãe sobre a melhor maneira de ajudar o Miguel. O que ele sofreu vai muito além do bullying, como foi o seu caso. Não é à toa que está tão assustado - Marco Sérgio ponderou depois que o atualizamos de toda a história.

- Você acha que os dois vão conseguir ficar juntos? - perguntei, os últimos acontecimentos ainda rodando na minha cabeça.

- Aí só o tempo, o Miguel e o Nando poderão nos contar - meu pai abriu um sorriso carinhoso para mim, como se assim pudesse espantar todos os fantasmas - Mas agora acho importante voltarmos para assistir o final do espetáculo. Vamos lá, meninos?

Voltamos para o teatro e retomamos nossos lugares. A apresentação já estava quase terminando e o Miguel interpretava a parte que o Romeu se preparava para tomar o veneno.

Eu sabia que não deveria usar meu celular naquele momento, mas tinha muita coisa acontecendo e queria muito contar as novidades e as minhas impressões para alguém. Abri a conversa com o Edu, porém não tinha nenhuma nova mensagem. Nosso último assunto fora sobre uma praia que ele iria surfar há dois dias.

Murchei ao lembrar que não tinha notícias dele há um tempo e fiquei ainda mais desanimada ao ver a cara feia que a Beca estava fazendo para mim por causa do brilho da tela.

Bloqueei o aparelho e me concentrei na peça tentando afastar a ideia de que o Edu sempre seria o Edu...

***

Era uma tradição que, ao final do espetáculo, todo a companhia se reunisse no palco para agradecer. Todos ficaram enfileirados lado a lado enquanto a Julieta iniciava o protocolo de dar alguns passos a frente e se curvar para o público enquanto era aplaudida.

Eu sabia que o segundo seria o Miguel, por isso já me preparei para levantar e aplaudi-lo de pé. Fiquei surpresa ao ver que meus amigos tiveram a mesma ideia. Todos levantaram enquanto o Nando assobiava, bastante empolgado.

Do palco, o Miguel olhou para nós, o sorriso brilhando de felicidade. Porém, quando ele olhou para frente novamente, vi seu rosto mudar para espanto e depois ser tomado pela a emoção. Olhei para trás e vi que todo o teatro também estava em pé para aplaudi-lo, muitas pessoas gritando palavras como “bravo” ou “maravilhoso”.

A sensação era de arrepiar. Era incrível ver todas aquelas ovacionando o trabalho do meu amigo. Era como o Nando falara: o dom do Miguel era como uma estrela e, naquela noite, ela havia brilhando ainda mais forte.

***
Uma semana depois

“Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida. É pra Gabi nadaaaaaa!Tudoooo! Então como é que é...”

Finalmente o dia do meu aniversário havia chegado. Depois de uma semana tensa por conta da repercussão do que aconteceu com o Miguel e muitos ensaios para que tudo saísse perfeito na minha apresentação de dança do ventre, era reconfortante abrir a porta de casa e ver todos os seus amigos usando chapéu de festa e cantando parabéns.

- Aêeee, diva! Tá ficando “véia”, hein? – Alê foi o primeiro a se pendurar no meu pescoço para me parabenizar.

- Fica tranquila que está tudo certo para hoje à noite! Estou em contato com todos os fornecedores e daqui a pouco a equipe de decoração chega para começar a montagem – nossa líder, digo a Beca, tentou me abraçar enquanto equilibrava com uma das mãos vários papéis. Na certa, ali estavam todos os recibos e documentos relacionados à decoração.

- E aqui está a roupa da odalisca mais maravilhosa de todos os tempos – Laís apontou para uma daquelas capas de roupas que ela estava carregando – Miga, é sério! “Cê” vai ficar um arraso!

- “Essa é a mistura do Brasil com o Egito, tem que ter charme pra dançar bonito”. Já “tô” entrando no clima para ralar o tchan logo mais – era difícil saber o motivo pelo qual o Nando estava mais feliz: se era por causa da festa ou porque estava de mãos dadas com o Mig.

Nos últimos dias, minha mãe e meu pai haviam dado uma atenção especial ao Miguel. Depois que souberam do que aconteceu no teatro, os pais dele não queriam que ele continuasse dançando. A bem da verdade é que eles nunca apoiaram totalmente a carreira de bailarino do meu amigo, porém, como a prefeitura dava uma ajuda de custo para alguns integrantes da companhia, eles não reclamavam. Mas, agora que a homossexualidade do filho fora exposta para toda a cidade, eles diziam que a culpa de tudo era o balé e que, se o Mí saísse da companhia, as coisas voltariam ao “normal”.

Foi necessária muita conversa para convencê-los que o Miguel deveria continuar dançando. Eles ainda estavam fazendo uma forte oposição, alegando, principalmente, que não queriam que o filho fosse “contaminado”. Eu já tinha ouvido histórias de pessoas que sofriam preconceito, mas ver tudo acontecendo tão de perto despertava uma sensação de incapacidade... Era como se estivéssemos falando em uma língua na qual eles não eram capazes de compreender e, cada vez que tentávamos explicar que tudo estava bem, que não havia motivo para achar que o Miguel era “diferente” ou “estava infectado”, mais incapazes de nos entender eles se tornavam, como se estivessem erguendo muros ao seu redor que os impediam de enxergar a situação como um todo.

Meu pai descreveu a situação como uma pessoa dentro de um carro com os vidros embaçados. Ela só vai conseguir enxergar o que está ao seu redor se desembaçar as janelas, porém, nem todo mundo está disposto a ter este trabalho. E, então, ficam presos dentro do carro com a vista limitada, controlando tudo pelos mesmos botões que eles acreditam dominar. Um dia o carro vai acabar saindo da estrada e causando um tremendo problema. Mas, até que isso aconteça, eles vão continuar seguindo sem querer enxergar.

- Nossa! Parece meio surreal que vou participar de uma festa depois de tudo... Mas estou feliz por estar aqui com você – meu ex-partner veio até mim e me deu um longo abraço.

- E você? Está bem? – perguntei baixinho para não chamar atenção, afinal, não sabia se ele queria conversar sobre o assunto naquele momento.

- Eu... me sinto aliviado – ele me ofereceu um sorriso tímido – Eu tinha tanto medo do que poderia acontecer ou do que as pessoas iriam falar que acabava guardando tudo pra mim, sabe? Eu nunca me permiti parar e pensar se era gay ou não. Foi algo que sempre reprimi e que me causava um penso imenso aqui dentro – falou, colocando uma das mãos sobre o peito – É como se alguém tivesse tirado um gorila das minhas costas. Agora, sim, eu consigo parar e analisar o que estou sentindo. A terapia tem ajudado muito nesse sentido.

- Jura? Meu pai me perguntou se eu queria fazer, mas... sei lá... – desconversei. Marco Sérgio havia comentado sobre o assunto naquela semana e falou que, se eu sentisse a necessidade, por conta de tudo o que tinha acontecido no começo do ano, ele me ajudaria a procurar um profissional. Eu até pensei em aceitar, principalmente, por causa dos episódios que acabei descontando na comida e colocando tudo pra fora... Mas, já fazia um tempo que eu não passava por uma crise.

A única coisa que eu vinha fazendo era comer demais. Aliás, eu tinha até engordado um pouco.  Principalmente em épocas tensas, como a briga com a Marília, a história do Miguel, a preparação para o meu aniversário, eu acabava ficando muito ansiosa e descontando na comida. Mas... eu sempre ouvia a Laís e até e Beca falando que comiam um pouco a mais quando estavam nervosas e tristes. Isso era normal, não era? Não era algo para me preocupar, ou, pior, preocupar meus pais... Eu já tinha causado uma verdadeira revolução na família inteira. Não poderia nem pensar em causar mais um problema, ainda mais agora que tudo estava se encaixando.

- Ainda estou no começo, né? Mas é bom poder conversar com alguém e falar o que você está sentindo – ele me explicou – E ainda tem o Nando, né? Ele está me ajudando bastante. Temos conversado muito e combinamos de ir devagar. Até porque, isso também é novo para ele. Estamos nos descobrindo juntos – o sorriso que ele abriu ao falar do seu companheiro foi contagiante. Como alguém tinha coragem de dizer que um sentimento como aquele era errado?

- Hey, vocês! Estão achando que vão ficar aí de boa sem ajudar? – Nando, que até então estava entretido com os meus outros amigos, veio até nós querendo dar bronca. Até então, ele e meus outros amigos estavam reunidos dividindo as tarefas para a montagem da festa. Não preciso nem dizer quem estava dando as ordens... Rebeca controlava cada detalhe acompanhando as anotações que fizera em um aplicativo que ajudava na organização de tarefas.

Montamos uma verdadeira operação para deixar tudo em ordem a tempo. Logo na entrada, para que os convidados já fossem entrando no clima, colocamos lanternas que fizemos com potes de vidro pintados com desenhos na temática árabe. Ao entrar na sala, eles seriam recebidos com tecidos coloridos presos no teto e muitas almofadas nos sofás. Havia também tapetes e uma mesa de doces decorada com espelhos, velas e algumas flores.

A festa se estenderia até a beira da piscina, onde tochas acesas ajudariam a manter as pessoas aquecidas. Mesastambém decoradas com tecidos e colocadas sobre tapetes serviriam como local para que as pessoas comessem o jantar árabe que os garçons serviriam. Seguindo a tradição, colocamos almofadas para que as pessoas se sentassem mais confortavelmente no chão. Grandes incensos perfumavam o lugar com o aroma de sândalo, enquanto flores davam o toque final na decoração.

- Gente, isso daqui tá um ba-fo! – Fernando comentou ao terminarmos a montagem – Vou fazer vários stories pra postar agorinha mesmo e deixar todo mundo morto de curiosidade pra ver a decoração completa.

- Só depois que terminarmos de organizar as bebidas, querido – Rebeca cortou o barato dele na mesma hora sem nem tirar os olhos do seu aplicativo – Estamos quase acabando, mas ainda temos algumas coisinhas pra fazer.

- Na boa, na hora que essa festa finalmente começar, eu vou estar é morto – Alê fez drama se jogando no sofá. Na mesma hora a Laís fez sinal para que ele se levantasse, o que só o deixou ainda mais contrariado.

- Não vale estragar a decoração antes da hora, né amor? – ela o repreendeu de forma carinhosa – Meninos, como vocês se arrumam mais rápido, vou raptar a aniversariante e a Reb para começar a maquiá-las, ok?

- Isso! Leva essa general para longe da gente! – o skatista fingiu estar implorando.

- Vou até organizar as bebidas mais feliz. A Beca não dá moleza – até o Miguel resolveu desabafar, o que fez todos caírem na risada.

***

- Chega, Rebeca! É hora de relaxar – Laís disse puxando o celular da mão dela. Foi um verdadeiro sacrifício convencê-la a subir e deixar o resto da organização com os meninos. Aliás, assim que chegamos ao andar de cima, tive a impressão de ouvi-los comemorando. Com certeza a Laís também tinha ouvido, porque agora falava de forma persuasiva para que nossa amiga desencanasse um pouco – Tudo o que você precisa fazer agora é relaxar e se concentrar em arrasar na festa hoje. Escolhi figurinos caprichados para nós. Afinal, não é todo dia que podemos nos vestir de odaliscas.

A Lala não estava exagerando quando dizia que tinha arrasado. Meu traje de apresentação, por exemplo, estava incrível: bustiê e cinto bordado com moedas e pedras douradas, além de alguns outros detalhes em preto e uma saia com uma fenda de cada lado com duas camadas de tecido que acompanhavam as cores predominantes do figurino.

Além da roupa para a hora da dança, havia outra que eu usaria para receber os convidados: um cropped que tinha um acabamento de amarração na frente e mangas em sino na cor vinho e uma saia longa na mesma cor que também tinha detalhes dourados e uma fenda bem ousada. Nos pés, uma sandália dourada com algumas tiras amarradas na altura do tornozelo fechavam o visual. E claro: muitos acessórios. Colares, brincos e pulseiras eram o que não faltava no look.

A maquiagem também foi bem caprichada: olhos com delineados bem marcados e sombra em tons de marrom e dourado para combinar com as roupas. A pele tinha bastante iluminador, enquanto a boca ficava mais discreta com um batom de tom claro.

- Uaaaau! Não quero me gabar, mas acho que fiz um excelente trabalho aqui, hein? – Laís disse quando terminou – Calma, não se mexe ainda! Preciso fazer vídeos para ir para o vlog.

- Gente, depois desse aniversário a Gabi já vai poder virar uma blogueirinha. Já tem vídeo mostrando a rotina, já fez permuta pra festa... Só falta chegar uns recebidos – Rebeca me zuou enquanto terminava de colocar os brincos e a Laís me pedia para fazer poses para o vídeo.

Ela também estava muito bonita: usava um vestido preto com transparências na área do colo e dos braços, além de ter aplicações pratas e verdes. O cabelo estava solto com ondas, o que ajudava a quebrar o ar de séria que lhe era típico. Quem a visse hoje, com certeza, não reconheceria ao primeiro olhar.

- Você esqueceu o mais importante: as polêmicas, né? Blogueira que é blogueira sempre tem alguém criticando – brinquei.

- Na verdade, também está faltando um tutorial, né? Tipo um “oi, beninas! Tudo bom? No vídeo de hoje vou ensinar a como se meter em uma briga com a Realeza. Para isso, vocês vão precisar de um Carioca, um skatista, uma amiga songa-monga e uma bruxa disfarçada de princesa – Laís entrou na brincadeira enquanto terminava a sua maquiagem. A namorada do Alê estava fantástica: calça azul escuro que lembrava a que a Jasmin usava no filme do Aladim, um bustiê branco com pedras em diferentes tons de azul bordados e uma sandália prata de salto fino. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo bem alto e a maquiagem tinha sombras em tom de azul metálico que estava um verdadeiro arraso – Aliás, falando em carioca...

- Nenhuma notícia dele – respondi um pouco irritada. Fazia dias que eu estava tentando descobrir se o Edu viria e ele sempre desconversava. Mas, depois que ouvi a dona Melissa avisando o filho que chegaria um pouco mais tarde na festa porque passaria o dia em São José atendendo uma cliente, eu desisti de vez. Afinal, se ela não iria buscá-lo no aeroporto era porque ele não viria mesmo... – Acho que não conseguiu resolver o problema no cartão da mãe... – emendei, tentando disfarçar um pouco a frustração.

- Bom, vocês podem comemorar outro dia... – Laís tentou remediar – O importante é que hoje você está linda e maravilhosa e vai deixar todo mundo babando com aquela coreografia babadeira!

- Falando em descer, “bora”, gente? A festa já começou. Preciso ver se está tudo bem lá embaixo.

- Rebeca, você não relaxa nunca? - a Laís fez cara de séria para perguntar.

- Aposto que até quando dorme ela fica pensando nas coisas que precisa fazer – foi a minha vez de provocar – Mas dessa vez eu vou ter que concordar com a Beca. “Tô” curiosa também pra ver quem já chegou.

- Certo, o pedido da aniversariante é uma ordem! Deixa eu só dar uma última olhada na make de vocês...

- Laís, em algum momento você para de pensar em maquiagem? – foi a vez da Rebeca dar o troco.

- Certo, fui vencida! Vamos descer! – a morena, finalmente, largou os pincéis enquanto ria da pergunta.

Fui uma das primeiras a sair do quarto. Estávamos trabalhando naquela festa há quase um mês e o meu nível de ansiedade estava elevadíssimo. E eu precisava confessar: meu histórico para festividades não andava muito positivo aquele ano: desde o esquenta das voltas aulas, quando conheci o Edu e torci o pé, até a festa de aniversário do Caio eu só tinha me dado mal. Não queria que essa maré de azar se estendesse para o meu aniversário...

Desci os primeiros degraus prendendo a respiração de nervoso. Porém, conforme fui avançando, um sentimento imenso de alegria e empolgação foi tomando conta de mim. Estava tudo muito lindo! O colorido dos tecidos, os tapetes, as pessoas conversando, a música temática e duas dançarinas do ventre que a Pérola indicara animando os convidados. Estava tudo perfeito!

Olhei para o lado e vi na expressão das meninas que elas estavam tão empolgadas quanto eu.

- É isso aí, Gabi! Hora da festa! – a Laís piscou para mim e me puxou para o meio do pessoal, assim que terminamos de descer as escadas.

***

- Uaaaaau! Mas que espetáculo!

- Obrigada, Alê! Vocês também estão incríveis – sorri para o meu amigo que, assim como Nando e Miguel, também estava com o figurino a caráter: batas com lenços pendurados no pescoço. O do Nando era colorido como o arco-íris em uma mensagem subliminar – ou nem tão subliminar assim.

- Foi mal Gabi, mas dessa vez estou falando desta mulher maravilhosa aqui – ele pegou a mão da Laís e a girou.

- Mas eu estou falando de você, Gabi. Está divina. Feliz aniversário! – o Caio apareceu entre os convidados para me dar um abraço – A festa está muito irada! Vocês mandaram muito bem!

- Obrigada! Que legal que você veio!

- É... – ele coçou a cabeça, sem jeito – Mas eu não vim sozinho.

Franzi as sobrancelhas, confusa. O que ele queria dizer?

- Vem cá... – ele me puxou para um canto, passando por entre os convidados que iam acenando para mim, elogiando minha roupa ou me parabenizando. Muitas pessoas já estavam por ali: integrantes da companhia da dança, colegas da escola, vizinhos do condomínio...

- É o seguinte, Gabi. Você mandou convite para mim e para o Gusta, né? – ele começou a sussurrar depois que chegamos do lado de fora, em uma parte que não tinha muita gente.

- Isso! E cadê o Gusta, aliás? – eu não estava entendendo a razão de tanto mistério.

- Então... Ele está lá fora. Com uma pessoa que queria muito te ver... – ele falou de forma rápida.

- Para de gracinha, Caio! Fala logo! – por mais que não fosse lógico, lá no fundo meu coração acelerou com a possibilidade de ser o Edu. Mas, o carioca não gostava do Caio, então, as chances disso acontecer eram bem mínimas.

- Desculpa, Gabs. Mas a única maneira de você descobrir é ir lá fora e ver quem está com o Gusta.

Parei por um segundo e pensei nas possibilidades. Eu não conseguia pensar em ninguém além do Edu até que, de repente, um estalo me trouxe um outro nome à cabeça.

- Não pode ser... – virei e fui em direção a saída, andando o mais rápido que podia.

Passei pela porta de entrada da minha casa, virei à direita e fui até a esquina e lá estava ele, encostado em uma mureta, os cabelos bagunçados e os olhos fixos em mim.

- Léo?!
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Notas finais: Eis que esse encontro finalmente aconteceu. Senhoras e senhores: GaLeo está in the house! E aí? Essa festa promete ou não promete?

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