quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Relicário

No capítulo anterior:
- Eu não vou mais nada! Chega, eu quero a minha liberdade! SOCORRO! SOCORRO! - ela aproveitou que todos estávamos distraídos e disparou em direção à porta, correndo feito um pé de vento e gritando como uma louca.
- "Paxão', "vorta" aqui, bandida! Vem cá, "muié" - saí atrás dela, dando um pulo do sofá. Se perdêssemos a Anita de vista a situação iria sair do controle de vez: afinal, como explicaríamos para as pessoas que a famosa atriz Anita Tunice não se lembrava de nada, muito menos de quem era?
Desde quando a Anita tinha virado maratonista? Rapaiz, a minha Grafina estava correndo mais que um finalista da São Silvestre! Só faltava tocar aquela musiquinha chata de "tan, tant tan, tan tan, tan”.

Puxei fôlego de onde não tinha para ir ainda mais rápido, mas mesmo assim não consegui impedir que ela cruzasse o jardim e saísse pelo acesso de entrada, indo parar na rua do condomínio e parando na frente de um segurança que fazia ronda por ali com uma moto. Ao ver minha esposa correndo como se estivesse fugindo de um ataque zumbi, o rapaz estacionou a motocicleta com uma expressão assustada.

- Socorro, socorro! Por favor, me ajude! – Ela falou enquanto tentava recuperar o ar.

- Dona Anita, mas o que está acontecendo? – O guarda parecia confuso.

- Ô rapaz, não é nada, não! – Finalmente consegui alcançá-los, passando os braços pela cintura da Anita puxando seu corpo para junto do meu. Ela tentou se soltar, mas estava tão cansada que não teve forças e logo desistiu – A gente só está brincando de pega-pega. Sabe, né? Coisa normal de casal... – tentei parecer o mais descontraído que consegui. Meu coração ameaçava sair pela boca, tanto pela corrida, quanto pelo medo do guarda descobrir que a Any perdera a memória e espalhasse a notícia para imprensa e fãs.

- Brincando de pega-pega? – o rapaz repetiu com uma expressão que queria dizer “é sério mesmo?”.

- Pois é, cara... – cocei a cabeça, sem jeito – Aliás... Anita está com você! – Coloquei a mão nas costas da minha esposa, como as crianças faziam quando brincavam, para ver se conseguia convencer o guarda.

- Para, não é nada disso... Para de mentir... – Aparentemente, ela havia recuperado o fôlego, porque voltou a se bater e a querer gritar. Eu precisava dar um jeito de interrompê-la o mais rápido possível.

- Paxão, já disse que você precisa aprender a perder, né? Fica tranquila, saiba que mesmo sendo péssima no pega-pega eu ainda te amo – girei o seu corpo para que ficasse de frente com o meu enquanto tentava desmenti-la. Não sei se era loucura minha, mas podia jurar que havia visto um brilho diferente em seu olhar. Ela também hesitou por um momento, como se a minha declaração tivesse mexido com algo dentro dela. Porém, não demorou para que voltasse ao estado “sem memória”.

- Olha aqui, você não tem o direito de fazer isso comigo! – ela ralhou, girando na direção do guarda novamente – Moço, por favor, você precisa me ajudar...

Antes que pudesse terminar a frase, eu a segurei pela cintura, deitei o seu corpo e tasquei-lhe um beijo digno de cinema. No começo ela estranhou a situação e tentou se desvencilhar de mim, mas, aos poucos, conforme nossos lábios se encaixavam e eu sentia o seu gosto quente, ela foi relaxando e se entregando ao momento. Senti a minha velha Anita ali de volta, com sua mania de passar a mão pelo meu cabelo enquanto me beijava, o doce cheiro dos seus cabelos que me lembravam uma tarde na fazenda, a dança suave dos nossos corpos e o jeito que ela tinha de me fazer sentir completo quando estava em seus braços.

- Uaaau, vejo que interrompemos um momento e tanto – Ouvi a voz da Rafa surgir por detrás de nós.

- Mas que pouca VER-GO-NHA é essa? Curicos, recomponham-se – Foi a fez do André dar o seu pitaco.

Diante de tanta plateia, não tiver opção senão interromper o beijo. Assim que a soltei, a Anita me encarou com os olhos perdidos e a respiração alterada. Abriu a boca como se quisesse falar alguma coisa, mas as palavras lhe fugiram. Percebi que estava mais confusa do que antes e coloquei a mão de leve no seu braço na intenção de reconfortá-la. Para minha surpresa, ela não me evitou. Apenas continuou me olhando, como se eu acabasse de lhe apresentar algo completamente novo e fantástico.

- Hum... E então Paxão, vamos voltar para terminar a nossa partida de pega-pega? – sugeri com a voz suave, torcendo para que ela não tentasse fugir ou chamar a atenção do guarda que, a propósito, ainda nos encarava como se estivesse vendo um documentário muito interessante no Discovery Chanel de “como os loucos se comportam”.

- Hããã... claro... – minha esposa respondeu sem muita convicção, ainda perdida por conta da “juntada” que dei nela.

Rapaiz, será que eu beijava tão bem assim a ponto de deixar a minha granfina desnorteada?

- Bom, sendo assim, já podemos voltar para casa! Não vejo a hora de voltar a brincar – a Rafinha entrou no espírito da coisa tentando me ajudar, exagerando na empolgação – Agradecemos muito sua ajuda, mas temos tudo sobre controle por aqui – ela se dirigiu ao guarda, claramente o dispensando – A não ser que queira ficar e brincar com a gente. Mas aí vai estar com você... – ela deu de ombros.

- Não, não... muito obrigado! Tenho trabalho a fazer – de repente ele pareceu voltar ao normal, como se o documentários sobre os “loucos” tivesse acabado. O homem subiu na sua moto e saiu resmungando coisas como “esses artistas são todos pirados”, “só porque são ricos acham que podem ficar aprontando desse jeito na rua” e coisas do tipo.

- Ufa, essa foi por POU-CO! – o André respirou, aliviado.

- Sim, mais um pouco e teríamos um baita problema nas mãos. Quer dizer, outro baita problema, né? – a Rafa emendou, apontando com o queixo para a direção da Anita.

- Olha aqui, se sou um problema para vocês, por que não me libertam? Não seria mais fácil para todos? – foi a vez da Ní responder super chata e mal-humorada. Era bom que a velha Anita voltasse logo, porque eu não ia aguentar aquela nova personalidade da minha esposa por muito tempo.

- Sabe o que eu acho? – o rosto da Rafa se iluminou de repente – Acredito que esse seja uma excelente hora para um “momento gata garota”. O que acham? Quem topa?

- Momento Gata o quê? – a Ní perguntou com tom de desdém.

- Acredite em mim, você até pode não gostar do nome ou da ideia no geral, mas você sempre ama o resultado – dei minha opinião para a minha esposa.

- Eu gosto? Mas como se nunca passei por isso? Como você pode afirmar com tanta certeza? – ela questionou. Parecia que finalmente estava percebendo que havia algo errado com ela.

- Hum... Talvez seja intuição? – o André propôs, tentando mudar de assunto para não deixá-la preocupada.

- Ou talvez o Luan seja só muito bom em adivinhar o futuro e está prevendo que você vai gostar – foi a vez da Rafa tentar.

- Ou talvez você tenha batido a cabeça, não lembre parte do seu passado e por isso tenha se apegado a essa lance de ter uma “vida normal”. Esse sempre foi o seu maior medo: “não poder viver a vida de forma anônima”. E desde que a Nicole nasceu você está sempre repetindo isso: que precisamos ter uma vida normal, que a nossa filha precisava ser uma pessoa normal... Agora tá explicado: o acidente fez com que você voltasse para o único período da sua vida em que realmente foi uma pessoa comum, ou conseguiu chegar perto disso, pelo menos – eu não sabia como, mas as peças do quebra-cabeça se juntaram na minha cabeça e me deram uma visão mais ampla da situação. Como eu chegara àquela conclusão eu não sabia, mas enquanto uma lâmpada de “eureca” parecia se acender sobre a minha cabeça, a Rafa e o André me lançavam um olhar de censura por ter revelado a verdade de forma tão direta.

- Espera... você está querendo dizer que eu bati a cabeça e esqueci quem eu sou? – a Anita pronunciou cada palavra pausadamente, como se cada uma delas saísse da sua boca com muito custo. 

- É isso aí, curica! Não sei como alguém pode não lembrar que é uma atriz famosa, que tem MI-LHÕ-ES na conta e é que casada com TU-DO isso de Nego Divo, mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, PUF! Surgiu essa versão IN-SU-POR-TÁ-VEL de Anita – o André interviu com o seu jeito tão particular – E eu pensando que a outra versão que era DI-FÍ-CIL de aturar. Já quase sinto saudades da sua implicância.

A Ní me lançou um olhar suplicante, como se quisesse ouvir de mim uma confirmação. Balancei a cabeça devagar, em um gesto afirmativo e vi que os olhos dela se encheram de lágrimas.

- Então vocês não estavam brincando quando falaram, lá no quarto que eu era atriz? – minha esposa repetiu encarando o chão, a expressão derrotada. Minha vontade era de colocá-la no meu colo, fazer carinho no seu cabelo e dizer que tudo aquilo ia passar, mas eu sabia que ela estava muito assustada e uma aproximação repentina poderia piorar ainda mais a situação.

- Não, nós não estávamos – confirmei tentando manter um tom de voz amigável.

- E quem garante que vocês não estão só tentando me enrolar? – quando voltou a erguer o rosto, a expressão da minha Granfina voltou a ser a desconfiada e arrogante. Aquela nova versão parecia ser mais confiante de si. Ou mais egoísta, talvez...

- Você só vai saber se pagar para ver e encarar o Momento Gata Garota – a Rafa respondeu de um modo travesso – E como já dissemos, é satisfação garantida ou seu dinheiro de volta – a empresária piscou, antes de pegar a mão da Anita e sair em disparada arrastando minha esposa junto dela.

Eu e o André nos entreolhamos: se aquilo não desse certo, não sabíamos mais o que poderia funcionar.

***

A intenção da Rafa era clara: ela separou a roupa preferida da Anita (ou pelo menos a que costumava ser antes do acidente): uma camisa xadrez com uma regata preta simples por baixo, shorts jeans e all star. Depois ela sentou a minha esposa na frente de um espelho e começou a maquiá-la e arrumar os seus cabelos, exatamente como sempre costumava fazer. A loira caprichou na região dos olhos e deixou as madeixas da Ní bem soltas e meio bagunçadas, deixando do jeito que a Anita mais gostava.

Assim que terminou o make, a Rafa levou a amiga para o banheiro para fazer a troca de figurino. Até então ela ainda estava usando parte da fantasia de pirata, o que eu precisava concordar: deixava a situação toda muito mais difícil de entender. Imagine acordar de manhã e, além de não saber quem é, se ver vestida de pirata? Bem complicado, não é?! 

Com a troca de roupa, ela se parecia muito mais com uma pessoa normal. Ou melhor, com a minha Anita normal.

- Atenção, trupe! – a loira chamou quando elas estavam voltando para a sala – pre-para que a Anita está de volta!

Meu coração falhou uma batida quando vi o resultado: apesar de simples, o visual da minha granfina estava de matar qualquer caipira. Percebi que todos ao meu redor tinham a mesma opinião. Logo a Malú se manifestou, provando que estava certo.

- Uaaau, Any! Fazia tempo que não te via assim. Desde que você teve a Nick, você tem se maquiado e se arrumado bem menos...

Eu não podia negar: ela estava certa. Não que me incomodasse – até porque eu gostava da minha mulher de qualquer jeito, mas, fazia tempo que não a via tão bonita e atraente.

Com o olhar desconfiado, a Ní foi até o espelho e encarou seu reflexo. Seus olhos mostravam todas as suas dúvidas, como se estivesse tentando se imaginar como era aquela Anita que falávamos, mas que ela era capaz de lembrar.

- Já sei! E se aproveitarmos que a curica já está arrumada e fizermos um vídeo? Sei lá... coisa simples, só para voltar aos velhos tempos. Pode ser uma cena do clipe de Nega, que os dois fizeram juntos – o dedo da Malú passeou de mim para a Any enquanto falava. A ideia logo contagiou a Trupe. No mesmo instante, todos concordaram que a cena deveria ser gravada no jardim e cada um saiu atrás do material necessário: Maria Luiza foi buscar a câmera fotográfica, André a de vídeo e Rafa e Neymar foram atrás de um aparelho de som e um CD com a música.

- Eu... já gravei um clipe com você? – ouvi minha esposa me questionar quando percebeu que estávamos sozinhos.

- Sim... foi em um período que estávamos separados, e esse clipe fez com que a gente se reaproximasse. Na verdade... a gente meio que sempre está nessa situação: brigamos, nos desentendemos e sempre voltamos – cocei a cabeça, rindo sem jeito – É por isso que a letra da música fala assim: “Nega, chega junto, vem amar, vem cá! Já ‘tô’ arrumando a minha vida mas ‘tô’ doido pro ‘cê’ bagunçar...”. Você está sempre está bagunçando a minha vida, Anita – admiti, encarando seus olhos de mel.

- E isso é algo bom? – sua voz era receosa, como a de uma criança curiosa.

- Para mim é perfeito – confessei, ainda mais sem jeito. Era estranho falar dos nossos sentimentos, principalmente quando a pessoa com quem você dividiu os melhores momentos da sua vida não se lembrava disso.

Ela apenas assentiu, sem coragem de me encarar de volta – Tudo isso é muito louco para mim. A lógica me diz que isso é um sequestro, que eu deveria correr, pedir ajuda, chamar a polícia... Mas, ao mesmo tempo, meu coração está dizendo que é aqui que eu devo ficar...

- Então fica – pedi.

Ela me ofereceu um sorriso tímido e pareceu tomar coragem para me falar algo, mas o André, Rafa, Malú e Neymar entraram na sala fazendo um trupé danado.

- Tudo PRON-TO! Já para o jardim os dois. Já escolhi qual cena vamos fazer. Claro que o cena vai ficar prejudicada porque temos poucos recursos, mas nada que eu, um diretor BRI-LHAN-TE, não possa resolver – o André nos mostrou toda sua humildade.

Fomos empurrados porta afora, em direção a uma espécie de tenda com sofás, almofadas e uns objetos decorativos que havia por ali. A Anita sempre reclamava que nunca usávamos aquele lugar para nada e que fora um desperdício de espaço e dinheiro. Bom... agora tínhamos uma utilidade para ele. 

Rápida e eficiente como era, a Rafa usou uma extensão para ligar o rádio e colocar o CD para tocar, ao mesmo tempo em que o diretor e sua assistente Malú posicionavam as duas câmeras que trouxeram do interior da casa. Já o Neymar, cuidou de procurar o clipe no Youtube com o seu celular para mostrar à Anita qual parte iríamos reproduzir.

- Meu Deus, sou eu nesse clipe? – mil sentimentos se passaram pelo rosto da minha esposa: surpresa, medo, receio e, se eu não estivesse errado, até mesmo uma pontada de satisfação.

Assenti com a cabeça. Ao meu redor, todos me encaravam com a mesma expressão de: nossa, se era assim tão fácil contar a verdade para ela, por que complicamos tanto? 

- Então vocês não estão mentindo? – ela encarava a tela, concentrada em cada imagem.

- Não, não estamos – confirmei mais uma vez.

- É, mas não se iluda tanto... você só está diva desse jeito no filme porque tenho RE-CUR-SOS especiais que te valorizaram, curica – o André interferiu na conversa.

- Para Dé, não fala assim! A minha gata garota sempre foi linda! – Rafinha também entrou no assunto.

- Any sempre foi diva, pessoal! André está de recalque – Neymar deu sua opinião jogando-se confortavelmente nas almofadas.

- Também... com uma fada madrinha como a Rafa, até eu fico sempre bonita – Malú não perdeu a oportunidade.

- Vem cá... vocês sempre implicam um com o outro assim? – a Ní perguntou baixinho para mim, me fazendo rir.

- Sim. E quando você está no seu estado “normal” – fiz aspas com a mão para dar ênfase à palavra – fica ainda pior.

- Meu Deus, tenho medo de descobrir que tipo de pessoa eu era... ou eu sou... Ahh, sei lá – ela deu de ombros, desistindo de entender a questão.

- Você era o tipo de pessoa pela qual qualquer cara com juízo o suficiente se apaixonaria – disse. Ela corou com o elogio, fazendo meu coração dar uma leve disparada.

- Já CHE-GA! – André deu um de seus chiliques – Vamos começar a trabalhar de uma vez ou eu me DE-MI-TO!

- Ele está falando sério? – minha esposa perguntou praticamente sem emitir nenhum som.

- Ele sempre ameaça, mas nunca cumpre – expliquei.

- Luan, nego-DI-VO, eu até posso adorar você, mas se continuar falando, eu juro que te jogo na PIS-CI-NA – o diretor apontou o dedo para mim, com um olhar assassino.

- “Aôôô ressentimento” – Neymar tirou sarro.

- E quebro suas pernas também, seu MA-GRE-LO! Quero ver jogar no Barcelona depois disso – a ameaça foi em direção ao meu amigo.

- Ai André, para de mimimi e começa logo – Malú reclamou com um tom entediado na voz.

A Ní apenas assistia a discussão rindo sem parar. Por um momento, tudo foi como antes: a implicância, o clima de amizade, a nossa velha e boa trupe de sempre. Olhei para a Rafa e ela piscou para mim. Havia esperança. Tudo ia ficar bem.

- Certo, como eu ia dizendo antes de ser interrompido – o diretor lançou um olhar venenoso em minha direção – vamos começar a TRA-BA-LHAR. Anita Maria, ou seja lá quem você for agora – ele fez um gesto com as mãos como se quisesse dizer que aquilo era o de menos – você viu o clipe, certo? Prestou atenção na cena da ponte? – ela disse que sim antes dele continuar – Pois bem, vamos refazer essa parte da história. Tudo bem que não temos aquele cenário MA-RA-VI-LHO-SO e aquele pôr do sol DI-VI-NO, mas essa choupana velha deve bastar.

- Choupana? Eiii, vai devagar! Fui eu quem decorou essa casa e isso aqui custou muito caro para ser chamado de choupana – a Rafa protestou.

- Ai gente, corta para a parte que começamos a gravar, pelo amor de Deus! – Maria Luiza parecia realmente muito entediada.

- A CU-RI-CA está certa! – O André ajeitou os óculos, voltando a focar no remake do clipe - Anita, tudo o que você precisa fazer é fingir ser uma princesa da Disney e deixar o Luan te pegar no colo, te girar e rodopiar enquanto você sorri com cara de a mulher mais SOR-TU-DA desse mundo, entendeu ou vai querer que eu desenhe?

- Mais do que claro, capitão – corri para responder, porque a Anita parecia prestes a mandar o André para um lugar nada bacana.

- Perfeito, então... TODOS EM SEUS LUGARES! LUZ, CAMÊRA E.... AÇÃO! – o diretor gritou fazendo todo mundo correr como uns doidos: a Malú nos puxou pelo braço para colocar eu e a Ní em nossos lugares, a Rafa soltou a música e o Neymar, bom... ele ficou lá, assistindo e rindo do nosso desespero.

No começo a Anita ficou um pouco travada. Ela olhava para mim e para as câmeras, meio desconfiada, parecendo um bicho acuado. 
- Calma, é só respirar fundo e pensar que tudo isso é uma canção. Tudo o que você precisa fazer é dançar conforme a música – cheguei perto e dei o mesmo conselho que ela me dera quando gravamos o clipe, há tanto tempo atrás. De lá para cá a minha atuação em frente às câmeras já havia melhorado bastante, mas eu nunca esquecia aquele ensinamento.

Ela sorriu, fechou os olhos e eu pude senti-la puxando o ar e soltando lentamente. Depois, ela olhou para mim e passou os braços pelo meu ombro – Então dança comigo – pediu, com um sorriso contagiante no rosto.

Coloquei meu braço na sua cintura e a levantei, girando com ela ainda no ar. Os olhos dela brilhavam e tudo parecia tão fácil e simples. Com ela em meus braços nenhum mal seria capaz de nos alcançar. Exceto, talvez, uma pedra que me fez escorregar de leve, desequilibrar e cair rolando com a Anita pelo chão.

Foi aí que tudo foi pro pau.

- COOOR-TA! COOOOR-TAAAA! Meu Deus do céu, estou cercado de IN-COM-PE-TEN-TES! Eu me DE-MI-TO! Me demito! – o diretor gritava sem parar, mexendo as mãos, furioso.

- Você se machucou? – perguntei, assim que consegui sair de cima da minha esposa. Nossa situação não era nada boa: tinha grama e terra nas nossas roupas e no cabelo dela.

- Acho que sim – ela se sentou tentando limpar a blusa – mas acho que machuquei o pé...

- Vocês não precisavam levar tão a sério essa história de refazer a cena, Luan. A parte que a Anita se machuca vocês poderiam ter pulado – a Rafa disse ao se aproximar de nós, com o jeito preocupado.

- A culpa não foi minha – tentei me defender.

- Não, a culpa foi minha! – a Any colocou as duas mãos no rosto, como se fosse chorar – Eu que fiz tudo errado. Eu disse para vocês, eu não sou atriz. Sou apenas uma garota normal, que veio do Canadá e está tentando se adaptar à vida no Brasil. Eu não sou isso que vocês estão falando!  Não sou, não sou! – com um pulo, ela se levantou e começou a correr para o interior da casa mancando por causa do pé machucado. 

- E a gente achando que seria fácil... – me lamentei, ainda sentado na grama, completamente perdido. Nada do que tentamos havia funcionado. E agora? Será que eu nunca iria ter a minha Granfina de volta?

- Calma, Lú! Tudo vai dar certo – a Rafa se abaixou para me dar um abraço – não importa o quão ruim seja a situação. A gente só precisa se lembrar de como acender a luz para reencontrar o nosso caminho.

- Nossa Rafa, uau!  - a Malú fez um joia com o polegar, impressionada.

- Foi o Dumb que falou – a loira mexeu as mãos, fingindo que não era nada de importante.

- Dumb de Dumbledore? Aquele cara barbudo de Harry Potter? – Neymar chegou perguntando.

- Esse mesmo...

- Rafaela Prado, nós aqui em uma situação super tensa e você falando de Harry Potter? – a Maria balançava a cabeça em negativa, como se não pudesse acreditar naquilo. De longe, o André remexia nas câmeras, fingindo estar bravo e não estar prestando atenção na nossa conversa.

- Uai, e o que é que tem? Esse é um ótimo conselho, na verdade – ponderei – Se a gente for pensar, não é a primeira vez que a Ní passa por uma crise dessas. Quando ela brigou com o Murilo, ela me contou que foi o realitty, a minha amizade e a do Neymar que a fizeram dar a volta por cima. Depois, foi a traição do Caio que fez com que ela passasse a prestar mais atenção na própria carreira...

- Com o Luan, teve várias vezes que a “luz foi acesa” – a Rafa continuou meu raciocínio, empolgada com ideia – Por exemplo, quando aconteceu aquele problema no Bicuço e o jatinho quase caiu, ela resolveu voltar a falar com você, mesmo depois de ter rompido o namoro de um modo super estranho. Na época do clipe, foi a ameaça da Cacau que fez a nossa Gata Garota se mexer e tentar te reconquistar...

- E na época do casamento, teve toda a tensão se ela aceitaria ou não. Precisou do vídeo da cobra mal matada para a Diva se decidir – Neymar lembrou.

- E na gravidez, a Any teve que sair de casa para resolver aquela questão se ela conseguiria ou não ser uma boa mãe... – Maria Luiza emendou.

- Diacho, mas o que todos esses acontecimentos têm em comum? – passei a mão pelo cabelo como se aquilo fosse ajudar a clarear as ideias.

- Meu Deus, será que vocês são tão BUR-ROS assim ? – o André gritou lá do outro lado – a Anita precisa de DE-SA-FIO, entenderam? Todas essas vezes que ela pirou e foi atrás do que queria... Era tudo ou NA-DA, entenderam? É disso que ela precisa. Se ela estiver diante de um precipício, ela não hesita em pular. 
Encarei o resto do pessoal com cara de “será?”. Todos pareciam refletir sobre o assunto, olhando um para a cara do outro, balançando a cabeça ou encarando o André com expressão de choque, como era o caso do Neymar.

- Será, gente? – foi a Rafa quem quebrou o silêncio.

- Só tem um jeito de descobrir – a Malú fez um gesto apontando para a casa. A mensagem era clara: vá até lá e faça alguma coisa, rapaz.

- Minha Nossa Senhora... – falei baixinho enquanto me levantava. Respirando fundo, me enchi de coragem e fui em direção à Toca. 
Eu não sabia onde a Ní estava, mas segui o palpite de que ela estaria no quarto. Afinal, era o único lugar que ela, em sua nova versão, conhecia na casa.

Subi as escadas, atravessei o corredor, abri a porta e dei de cara com ela na frente do espelho com uma roupa no ombro, tentando desesperadamente tirar a maquiagem e arrumar o cabelo. Não pude deixar de reparar que ela havia separado um vestido super careta que a Anita “verdadeira” odiava e só não se livrava da peça porque fora presente da mãe.

- Precisando de ajuda? – perguntei encostado no batente da porta. Tentei parecer calmo e sério, mas era claro que era tudo mentira. Meu coração batia feito louco dentro do peito e a mão tremia feito vara verde.

- Eu quero ir embora! Eu não sou quem vocês pensam! Eu não sei como, mas não sou aquela pessoa do vídeo, não sou, não sou... – ela repetia as últimas palavras sem parar, mais para convencer a si mesma do que a mim – Tenho certeza que isso é um sequestro, tipo daquelas histórias loucas de filme policial, onde matam uma pessoa e colocam outra no lugar para substituir...

Rapáiz... a Ní até podia ter perdido a memória, mas a capacidade de criar histórias mirabolantes continuava intacta – Você realmente acredita nisso? – perguntei, fazendo um imenso esforço para não cair na risada.

- Mas é claro que acredito! – ela respondeu fazendo cara de enfezada – Vou sair daqui e vou direto à polícia dar queixa. E nem tente me impedir!

Aquela era a hora. Se precisava desafiá-la, eu não teria uma oportunidade melhor  – Não, você não vai... – disse com a voz firme e a olhando fixamente nos olhos. Estufei o peito para fazer pose de mal, torcendo para que aquilo realmente funcionasse.

- Você está me prendendo aqui? – ela estava inconformada – Então isso é mesmo um sequestro?

- Pense o que quiser, mas daqui você não vai sair – avisei.
Ela me parou, me olhando com uma expressão determinada no rosto. Ajeitou o corpo e enrolou os cabelos para trás. Aquele simples gesto me fez lembrar da velha Anita. Seria um bom sinal?

- Olha...  eu não vou te machu... – não consegui terminar a frase. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, a Anita passou correndo por mim. Fui atrás dela e, percebendo que não conseguiria fugir do quarto, ela tentou se trancar no banheiro, fechando a porta na minha cara. Fui mais forte e consegui abrir passagem. Em uma última tentativa, ela seguiu para o boxe de vidro, segurando a porta com as duas mãos para tentar impedir a minha entrada. A cena toda parecia a de um gato correndo atrás de um rato que agora estava acuado e sem saída. A expressão no rosto da minha esposa não deixava dúvidas: ela estava com medo. Eu torcia para que ela visse em meus olhos uma mensagem de paz, e não de guerra. Claro que o rato sente um medo natural do gato, mas em alguns casos, as aparências enganavam. Eu só torcia para que ela acreditasse nisso.

Com um puxão forte, consegui abrir a porta e entrei no boxe – Anita, por favor, preciso que você me escute.

- Sai de perto de mim – ela se encolheu contra a parede, tentando se defender. 

Eu não sei como, talvez fosse por causa das conversas sobre o passado da Anita, mas vê-la daquele jeito me lembrou de quando ela aceitou se casar comigo. Na ocasião, depois de tomar um porre e criar a Dança da Cobra Mal Matada, ela desmaiou no sofá. Então, eu a levei para o banheiro e tasquei-lhe uma ducha muito gelada. No início foi um trupé danado. Ela reclamou, se debateu, mas depois se acalmou e acabou confessando a verdadeira razão de ainda não ter aceitado o meu pedido. Aquele foi um dos momentos de maior sinceridade e entendimento entre nós. Então, por que não tentar de novo?

Com uma das mãos, mantive a Ní encostada na parede e, com a outra, liguei a ducha. A água não estava gelada, mas não havia nada que eu poderia fazer no momento quanto a isso.

- O que diabos você pensa que está fazendo? – ela se debateu quando a puxei para debaixo do jato de água – Para com isso, seu louco! Para!

- Anita, para! Olha para mim! Só olha para mim! – pedi colocando as duas mãos ao redor do seu rosto, obrigando-a a me olhar – Eu vou te contar uma história e você precisa ouvir, entendeu?

Demorou um pouco para que concordasse, mas mantive a postura firme e séria até que ela entendeu que não teria outra alternativa senão me ouvir. Quando finalmente se acalmou, eu contei sobre o episódio da Cobra Mal Matada, do pedido de casamento aceito e da música que ela cantou para mim na sequência.

- E foi assim Paxão, que você aceitou ser minha mulher e me fez o homem mais feliz desse mundo – sorri com a lembrança – Sabe aquela hora que você disse que o seu coração estava te pedindo para ficar? Escuta o que ele te diz, por favor. No fim das contas, você sempre faz aquilo que quer e do jeito que quer e essa é uma das características que mais gosto em você. Por isso, se quiser ir embora, pode ir. Mas se achar que deve ficar, se essa história mexeu com você e fez acordar algum sentimento adormecido aqui dentro – desci uma das mãos até o seu peito sentindo as batidas aceleradas do seu coração – fica. Fica por mim, pela sua filha, por todos os seus amigos que estão lá fora. Fica pelo imenso amor que sinto por você, minha Granfina.

- Filha? – ela perguntou com os olhos arregalados.

- Sim, nós temos uma linda menina de cinco anos. O nome dela é Nicole – contei.

Nesse momento, um furacão passou correndo pela porta, seguido de perto pela minha irmã.

- Desculpa Luan, mas não consegui segurar. A Nicole queria ver a mãe de qualquer jeito e você sabe como ela, né? Fugiu na primeira oportunidade – a Pi explicou enquanto recuperava o fôlego. Dentro do box, minha filha procurava proteção entre as pernas da Ní enquanto a água caía em cima das duas e o vapor ia enchendo o banheiro de fumaça, deixando os espelhos embaçados.

A Anita ficou estática, os olhos ainda mais arregalados que iam da filha para mim como se estivesse pedindo ajuda. Preocupado, me levantei e já estava pronto para pegar a Nica no colo e tirá-la dali enquanto inventava alguma desculpa qualquer, quando vi a Anita se virar, desligar o chuveiro e, calmamente, se sentar no chão. Rápida como era, minha filha aproveitou para se aninhar em seu colo, passando os braços pelo pescoço da mãe.

Sem saber o que fazer, apenas vi a Anita fechando os olhos enquanto a Nick perguntava como ela estava, contava como sentiu sua falta e o que tinha feito no seu dia. Rezei com todas as minhas forças para a Anita não ter uma nova crise. Seria muito complicado explicar para a Nicole porquê a mãe não se lembrava dela. Sem que eu percebesse, minha irmã havia nos deixado a sós. Com certeza ela percebera que o momento era delicado.

Longos minutos se passaram até que a Anita abriu os olhos novamente. Mas, dessa vez, sua expressão estava suave e tranquila, como alguém que volta para casa depois de uma longa viagem.

*** Link para música - https://www.youtube.com/watch?v=dnga63bL0p4 ***

“Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete, a cena se inverte
Enchendo a minha alma daquilo que outrora eu
Deixei de acreditar”

Ela começou a cantar com a voz baixa, primeiro encarando a filha, depois olhando pra mim com os olhos brilhando de um jeito que eu conhecia muito bem. Fiquei apenas ouvindo, o coração batendo forte, sem forças ou palavras para reagir àquela emoção. Eu estava esperando por mais briga e discussão e de repente a Ní resolvia cantar para gente. Minha esposa era realmente surpreendente.


“Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar


Consegui cantar baixinho, dando continuidade a letra, a voz falhando de felicidade.

“Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de ‘vocês’

Só enquanto eu respirar”

- Anita, você lembrou? – enfim consegui encontrar forças para levantar e ir até ela.

- Que cantei essa música no dia que você me pediu em namoro lá na fazenda da sua família? – um sorriso contagiante iluminava o seu rosto.

- E você lembrou de mais alguma coisa? – perguntei, esperançoso. Será que, enfim, a minha Paxão estava de volta?

- Lembrei que amo você, meu Caipira. E que minha vida jamais estaria completa sem ter você ao meu lado – então ela curvou o corpo na minha direção e me beijou rapidamente nos lábios – Também lembrei desse nosso tesouro aqui – ela passou a mão suavemente pelo rosto da filha – que foi o maior presente que você já me deu – sua voz estava emocionada e ela segurava a Nica nos braços com firmeza, como se nunca quisesse perdê-la.

- Te vivo, minha Granfina – sussurrei em seu ouvido, acariciando o seu rosto.

- Mamãe, você “tá” melhor agora? – Nick perguntou de novo, encarando minha esposa de maneira ansiosa.

- Mamãe está melhor sim, meu amor. Você já pode acalmar esse coraçãozinho e ficar em paz – ela respondeu tentando secar as lágrimas que corriam pelo seu rosto.

- E o que você tinha, mamusca?

- Eu estava precisando reencaixar os meus pedaços, pequena – a Ní respondeu depois de fechar os olhos por um instante, como se estivesse terminando de colocar cada peça no lugar antes de falar.

A Nica ficou olhando da mãe para mim e de mim para mãe, como se estivesse assistindo uma partida de tênis, sem entender absolutamente nada.

- É o seguinte, filhota – resolvi tentar ajudá-la – Lembra aquela vez que a gente viajou para a Europa, pegamos o mapa dos trens e metrôs para andar por lá, mas acabamos nos perdendo por que nosso GPS estava desatualizado? – nós três rimos ao lembrar daquelas férias. Foram dias muito confusos e divertidos explorando as “Europa” – Então... o mapa da mamãe estava meio confuso, entende? Ela se esqueceu de fazer o último upload, não decidiu bem a rota, esqueceu dos caminhos que já havia percorrido e acabou se perdendo por aí. Mas agora ela já acertou tudo, já fez os uploads todos e “tá” prontinha para recomeçar a andar para frente...

- Mas mamãe, por que você não pediu para a tia Rafa fazer essa atualização? Ela vive fazendo um montão de coisas para você – minha filha opinou.

- Porque há certas coisas que precisamos fazer por nós mesmos, Nick – a Any disse arrumando os cabelos da pequena.

-Huumm... Alguém sabe me explicar a razão da Anita estar sentada no chão do banheiro, toda molhada, com a Nicole nos braços e o Luan ajoelhado ao lado das duas? – a voz da Rafa surgiu na porta do banheiro.

- Pelo o que consegui entender, a Anita se recuperou de um pequeno problema de desatualização no GPS, recalculou a rota e está pronta para seguir viagem – minha irmã também apareceu por ali, resumindo tudo de forma eficiente.

- Então a CU-RI-CA deixou de ser desmemoriada? – ouvi a voz do André atrás da dupla de loiras.

- Nossa, ainda bem! Já estava começando a achar que teríamos que gravar vídeos contando toda a história da Anita, igual aquele filme “Como se fosse a primeira vez” – a voz da Malú também surgiu do meio da multidão.

- Aêê Divaa! Eu sabia que você ia conseguir – pelo jeito, o Neymar também estava por ali. 

Para completar a Trupe, Divinha e Faísca apareceram correndo e atropelando todo mundo. A cadela deu um banho de baba em sua dona enquanto o Faísca se enroscava perto de mim.

- E então, Paxão? Agora que a rota já está recalculada, qual é o seu próximo “destino”? – perguntei.

Minha esposa se levantou, arrumou a postura, ajeitou os fios dos cabelos e, com um ar confiante, me respondeu – Será o teatro. Tenho uma ideia na cabeça, e vou precisar de você – ela se aproximou, passando a mão pelas minhas costas, ficando de frente para o pessoal na porta.

- Aliás, da maioria de vocês. Preparem-se! Tenho planos ousados – ela sorriu de uma maneira maliciosa, os olhos brilhando de entusiasmo.

- Atenção, Trupe: a nossa Granfina está de volta e agora é para ficar – gritei, erguendo a mão da Ní para o alto, a Nicole berrando junto com a gente e a Divinha pulando de um lado para o outro.

Aquela família poderia ser maluca, bagunçada, confusa e bagunceira. Mas nada daquilo importava. Assim como arroz e feijão, Granfina e Caipira se completavam. E todo o resto era o tempero que tornava tudo ainda mais especial.

***

Ponto de vista da Anita
Um ano depois

- Está pronto? – perguntei com a voz ansiosa.

- Opa, mais do que pronto! – meu marido respondeu com o seu melhor sorriso no rosto.

- Então vamos lá! É hora de mostrar ao mundo do que Luanita é capaz! – fui até ele, beijando-o nos lábios de maneira urgente. No começo ele estranhou a minha reação exagerada, mas depois pareceu perceber que a única maneira de acalmar meu coração seria em seus braços.

O André, que também estava no camarim, resmungou alguma coisa, mas eu nem dei ouvidos. Estávamos prestes a divulgar para o mundo algo muito, mas muito bacana e que me enchia de orgulho. Achei que tinha o direito de beijar o meu marido para comemorar. Afinal, todo mundo precisa derrubar o forninho de vez em quando...

- Atenção, pessoal! Está na hora!  – a Rafa entrou no camarim dando ordens, nem percebendo que acabara de quebrar o clima completamente.

- Graças aos deuses! Já estava DER-RE-TEN-DO aqui feito vela esquecida no cemitério – o diretor soltou o seu veneno ao passar por nós, em direção ao corredor.

Estiquei o braço para o meu marido e ele me deu a mão. Juntos, percorremos o caminho que levava até o pequeno palco onde aconteceria a coletiva.

A sala estava cheia e assim que entramos fomos recebidos com uma chuva de flashes e comentários abafados. Em situações normais eu estaria odiando estar no centro das atenções, mas naquele dia eu me sentia forte, completa.

Não demorou para que assumíssemos os nossos lugares. Havia uma mesa com três cadeiras confortáveis e garrafas de água para nós. Fiquei na ponta, Luan no meio e André na outra extremidade. Perto da mesa, fixado na parede, um telão mostraria um clipe inédito do nosso trabalho. 

Com o canto do olho consegui ver que a Rafa, Malú, Vick, Nick, Neymar e alguns outros amigos, como as duas Brunas – minha cunhada e a Marquezine - Fernando, o Sorocaba, Dudu Borges e muitos outros. Mais tarde rolaria um coquetel oficial de lançamento e eu poderia apostar que todos eles estavam loucos para curtir a “ferveção”.

Na minha frente, dezenas de jornalistas estavam ansiosos para saber mais sobre o que estávamos aprontando. Decidi matar a curiosidade deles de uma vez, fazendo sinal para que liberassem as perguntas.

- Anita, por favor, eu gostaria que você explicasse melhor sobre esse trabalho. Da onde surgiu essa ideia? – uma repórter que estava lá no fundo perguntou.

- Bom, como todo mundo sabe, desde que minha filha nasceu eu escolhi me dedicar à maternidade e por isso me afastei um pouco das telas da TV e do cinema. Nesse período, tive a oportunidade de escrever roteiros de curtas e longas metragens que foram muito bem dirigidos e executados pelo meu amigo André – fiz uma pausa para oferecer um olhar carinhoso ao meu amigo. Ele estava irradiando alegria e orgulho de mim. Claro que ele nunca iria assumir, mas dava para perceber de longe.

- Porém, minha filha cresceu, já consegue se virar muito bem sem mim – continuei com um tom brincalhão – Então achei que era hora de voltar à ativa. Foi aí que resolvi escrever o roteiro de um musical para o teatro, que como vocês já devem saber, estreia na próxima semana. Esse foi um trabalho muito bacana, mas muito árduo porque precisei da ajuda de muitas pessoas queridas, como o Dudu Borges, que está ali no cantinho nos assistindo – apontei e acenei para o produtor – porque, como trata-se de um musical, precisávamos desenvolver as letras e melodias das canções que estariam presentes na peça. 

- Muié do céu, que explicação mais longa... A gente não pode ir direto ao ponto? – meu marido me interrompeu fazendo todo mundo cair na risada.

- Então, por favor... faça as honras, Luan – pedi em tom irônico.

- Foi o seguinte, pessoal: a Anita já estava há um tempão com essa tal peça na cabeça, mas ela vivia adiando porque achava que tinha que cuidar de mim, da filha e da casa... Aí ela teve um piripaque, tipo do Chaves, e resolveu reconectar os fios dentro dela. Depois disso foi que a Ní resolveu colocar a ideia do musical em prática, mas ela tinha medo de não conseguir escrever o texto e as letras das músicas – Luan conseguiu resumir quase tudo em uma única frase e ainda deu um ar cômico à minha perda de identidade. Tudo bem que, provavelmente, ninguém tinha entendido muita coisa dessa explicação, mas todos pareciam muito interessados mesmo assim.

- Para me ajudar nessa questão, eu o Luan desenvolvemos uma brincadeira: eu criava uma história e ele precisava desenvolver uma música para ela. Ou vice-versa: ele criava e eu desenvolvia a música. E foi assim que nasceu o “livro musicado” que estamos apresentando hoje. São 10 histórias que contam sobre a importância de você ser você mesmo, de valorizar os amigos, de fazer o que ama... A ideia é inspirar as pessoas por meio de frases e versos – concluí.

Aquele projeto era o nosso xodó. Começamos com uma simples brincadeira, e aos poucos as pessoas foram se envolvendo, apoiando, ajudando e o resultado foi um livro com capa dura, folhas em tom um amarelado bem clarinho, letras com tamanho confortável para a leitura e gravuras. Ao longo da leitura, as pessoas encontravam referências dos pontos nos quais precisavam colocar as músicas para tocar. Aí era só selecionar a faixa no CD que acompanhava a obra e curtir o momento. Também fizemos um aplicativo que disponibilizava as canções online, para os leitores moderninhos que preferiam usar tablets e smartphones. O kit todo ia dentro de uma caixa vermelha de madeira feita a mão. 

Todas as histórias foram escritas por mim e pelo Luan, porém nossos amigos deram muitas opiniões e sugestões para os enredos. O mesmo aconteceu com a trilha sonora: algumas músicas foram gravadas com a voz do meu marido, mas contamos com a colaboração de cantores como a Thaeme, o Sorocaba, os músicos da banda do Luan e do Dudu, que usou sua genialidade para produzir canções únicas.

- É uma proposta muita interessante unir literatura com música. E o nome? Tem alguma razão especial? – outro jornalista perguntou.

- Escolhemos batizar o livro de “Relicário”, porque é assim que chamam as caixas ou cofres usados para guardar relíquias – contei.

- Achamos que esse nome se encaixava perfeitamente na proposta. A ideia era mostrar para as pessoas o verdadeiro valor da vida, então nada mais justo que essas lições fiquem guardadas em um relicário – o Luan completou.

- Ahaaan – o André nos interrompeu, chamando a atenção para si – Vale lembrar que a obra foi adaptada para uma web série, dirigida por mim e que conta com participações de DI-VAS como a Brú Marquezine, a própria Anita Bonita, além da estreia da irmã do Luan, Bruna Santana, como atriz.

Aproveitando a deixa do diretor, um clipe mostrando os melhores momentos da série foi apresentado aos jornalistas, junto com a data de estreia e o endereço eletrônico onde os vídeos estariam disponíveis.

Pela empolgação dos repórteres, deu para perceber que o projeto ia bombar. Eles faziam perguntas sobre cada detalhe: desde a escolha dos temas para as histórias, passando pelas letras das músicas, a produção dos vídeos, expectativas de críticas, pontos de venda e por aí em diante... 

No total, a coletiva durou um pouco mais de uma hora e tudo que eu conseguia pensar era: quando vai começar a festa? Porque perder a memória me ensinara a aproveitar o momento, o aqui e o agora. Cada coisa estava em seu devido lugar e não era necessário tentar controlar o futuro. A vida flui e tudo o que precisamos fazer é acompanhar o seu movimento, aproveitando cada pequeno instante de nossas vidas, porque até mesmo os momentos ruins podem se transformar em feitos grandiosos, desde que você seja capaz de reconectar os seus fios, recalcular a sua rota e manter a luz acesa.

Por debaixo da mesa, o Luan apertou a minha mão de leve, como se quisesse dizer que estaria sempre ao meu lado, mesmo se eu precisasse fazer um novo “update” para me reencontrar. Acariciei seus cabelos de leve enquanto esperávamos todos os convidados se dirigirem ao local onde o coquetel aconteceria. Minha filha se juntou a nós e, com os dois ao meu lado, fechei os olhos e agradeci por tudo.

Era engraçado pensar, mas no fim, tudo estava como antes: eu e o Luan juntos, a Trupe unida, nossos amigos ao nosso lado... Mas ao mesmo tempo, tudo estava diferente. E eu, sem dúvidas, mais completa.
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Notas finais: Pessoal, quem já leu esse cap antes deve ter percebido que mudei um pouquinho a história, né? Fiz isso porque achei que desta maneira ficou mais “PÁ”! hahaha

Além disso, dei uma revisada nestes caps bônus porque tenho pensado em escrever mais uma temporada de AGeOC que seguiria nesta temática: Anita, Luan e toda Trupe sentindo um pouco o “fardo” da fama. O que acham? Vocês curtiriam a ideia?

Me contem aqui, combinado?


Beijão e a gente se vê nos capítulos de VOV que tenho publicado por aqui. =)

8 comentários:

  1. Gata-Garota que capitulo que é esse?! Arrasou tá?! Graças a Deus a Ní voltou não aguentava mais!!! Olha Manuzita estou sem palavras viu?! Vc é a melhor escritora com toda a certeza do mundo!!! Capitulo perfeitooooo!!!

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    1. Oi Sofi!

      A Ní estava muito chata mesmo, né? Nossa Senhora, nem eu estava aguentando! Ainda bem que tudo ficou bem: Luanita brilhou, André deu chilique, Rafa divou e toda a Trupe arrasou! hahahaha

      Poxa amor, muito obrigada pelas palavras! É ótimo ler um comentário como esse, você nem imagina o quanto!

      Gratidão por ler e me acompanhar! Espero você em Desatino e em "Voar outra vez".

      Beijo grande!

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  2. Então.. exatamente ontem as 02:14 eu terminei de ler todas imagine minha alegria de saber que você tinha postado ontem e ser uma das primeiras? Cara eu estou de cara com você, realmente você alegrava todos os meus dias com A Granfina e O Caipira, Parabéns nega ����
    Acredito que faça a 5 temporada, se nao eu tenho um trecoooo, capitulo esta inacreditavel, perfeito,encantada manu ����
    Amanda Letícia

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    1. Oi Amanda! Bem-vinda!

      Nossa, bom saber que estava com "time" perfeito: postei exatamente quando você estava terminando a leitura! Isso que chamo de sincronia! hahahaha Com certeza, é um bom sinal.

      Ahhh, que lindeza! Que ótima notícia saber que alegrei os seus dias. Você alegrou muito o meu com esse comentário, pode ter certeza.

      Espero que tenha curtido todas as quatro temporadas. Depois me fala o que achou, as partes que mais gostou e tudo mais.

      Por enquanto, não temos previsão de quinta temporada de AGeOC. Como comentei ali em cima, tenho algumas ideias para 2015 e contei tudo em um post que acabei de publicar. Se quiser ficar por dentro do que vem por aí, vai lá na página de recados e dá uma olhada, ok?

      Fora isso, espero que você possa ler as outras histórias que já escrevi e que se divirta e emocione como foi com AGeOC.

      Muito obrigada mesmo por ler e comentar! É muito bom saber que vocês gostaram da história! É isso que me dá forças para continuar!

      Beijo grande,

      Manu!

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  3. ahh que bom tudo voltou ao "normal" rsrs e deixa eu ir durmir que to com sono! Ficou TÃOO fofo esse capitulo manu! me avisa quando for publicar mais ok? bjs

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    1. Pois é, Mille! Já falei que 2015 será o nosso ano (na verdade, já está sendo). Acho que tudo que deixei de escrever em 2014 estou escrevendo agora. ahahahha

      Olha, não sei se vai rolar cap de AGeOC tão cedo, viu? Estou bastante focada na história que estou escrevendo agora, então talvez demore um pouco para eu criar algo diferente. Mas fique tranquila que se rolar, avisarei com certeza. =)

      Na verdade, tenho planos para uma quinta temporada. Só não posso prometer quando vou escrevê-la. Mas, por enquanto, você pode ir lendo as minhas outras fics. O que acha? ~~lê eu fazendo cara de pidona~~ hahaha

      Beijooo Mí!

      #MaratonaDeComentários

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  4. Oi Manu!! Vc é uma ótima escritora parabéns pelo trabalho. Vc pretende criar um novo fic?? 😘😘

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    1. Oi, Milly! Obrigada pelo carinho e por ler as fics. <3

      Na verdade, já escrevi outras histórias que estão publicadas aqui no blog mesmo. Tem Incondicional, A Nossa canção e algumas outras ..

      Também estou escrevendo um romance. Na verdade, tá meio parado, mas vou voltar a escrever, rs!

      Depois dá uma olhada pra ver se você gosta.

      Beijo e obrigada por ler

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Oiieeee.... xD

Espero que esteja curtindo a fic!
Se estiver, não deixe de "perder uns minutinhos" para me contar a sua opinião, registrar o seu surto ou apenas para dar um oi! E se não estiver curtindo, aproveite o espaço para "soltar o verbo" e falar o que te desagradou!

Uma história não existe sem leitores! São vocês que me dão forças para continuar escrevendo e caprichando cada vez mais em cada capítulo! Portanto, deixe de "corpo mole" e venha "prosear" sobre as fics comigo e com as outras meninas que passam por aqui! *-*

Cada comentário ilumina muito o meu dia! Não deixe de fazer uma quase-escritora feliz: Comente! *-*

E não esqueça de deixar o seu nome, ok?!