No capítulo anterior:
- Eu não vou mais
nada! Chega, eu quero a minha liberdade! SOCORRO! SOCORRO! - ela aproveitou que
todos estávamos distraídos e disparou em direção à porta, correndo feito um pé
de vento e gritando como uma louca.
-
"Paxão', "vorta" aqui, bandida! Vem cá, "muié" - saí
atrás dela, dando um pulo do sofá. Se perdêssemos a Anita de vista a situação
iria sair do controle de vez: afinal, como explicaríamos para as pessoas que a
famosa atriz Anita Tunice não se lembrava de nada, muito menos de quem era?
Desde quando a Anita tinha virado maratonista? Rapaiz, a minha
Grafina estava correndo mais que um finalista da São Silvestre! Só faltava
tocar aquela musiquinha chata de "tan, tant tan, tan tan, tan”.
Puxei fôlego de onde não tinha para ir ainda mais rápido, mas
mesmo assim não consegui impedir que ela cruzasse o jardim e saísse pelo acesso
de entrada, indo parar na rua do condomínio e parando na frente de um segurança
que fazia ronda por ali com uma moto. Ao ver minha esposa correndo como se
estivesse fugindo de um ataque zumbi, o rapaz estacionou a motocicleta com uma
expressão assustada.
- Socorro, socorro! Por favor, me ajude! – Ela falou enquanto
tentava recuperar o ar.
- Dona Anita, mas o que está acontecendo? – O guarda parecia
confuso.
- Ô rapaz, não é nada, não! – Finalmente consegui alcançá-los,
passando os braços pela cintura da Anita puxando seu corpo para junto do meu.
Ela tentou se soltar, mas estava tão cansada que não teve forças e logo
desistiu – A gente só está brincando de pega-pega. Sabe, né? Coisa normal de
casal... – tentei parecer o mais descontraído que consegui. Meu coração
ameaçava sair pela boca, tanto pela corrida, quanto pelo medo do guarda
descobrir que a Any perdera a memória e espalhasse a notícia para imprensa e
fãs.
- Brincando de pega-pega? – o rapaz repetiu com uma expressão que
queria dizer “é sério mesmo?”.
- Pois é, cara... – cocei a cabeça, sem jeito – Aliás... Anita
está com você! – Coloquei a mão nas costas da minha esposa, como as crianças
faziam quando brincavam, para ver se conseguia convencer o guarda.
- Para, não é nada disso... Para de mentir... – Aparentemente, ela
havia recuperado o fôlego, porque voltou a se bater e a querer gritar. Eu
precisava dar um jeito de interrompê-la o mais rápido possível.
- Paxão, já disse que você precisa aprender a perder, né? Fica
tranquila, saiba que mesmo sendo péssima no pega-pega eu ainda te amo – girei o
seu corpo para que ficasse de frente com o meu enquanto tentava desmenti-la.
Não sei se era loucura minha, mas podia jurar que havia visto um brilho
diferente em seu olhar. Ela também hesitou por um momento, como se a minha
declaração tivesse mexido com algo dentro dela. Porém, não demorou para que
voltasse ao estado “sem memória”.
- Olha aqui, você não tem o direito de fazer isso comigo! – ela
ralhou, girando na direção do guarda novamente – Moço, por favor, você precisa
me ajudar...
Antes que pudesse terminar a frase, eu a segurei pela cintura,
deitei o seu corpo e tasquei-lhe um beijo digno de cinema. No começo ela
estranhou a situação e tentou se desvencilhar de mim, mas, aos poucos, conforme
nossos lábios se encaixavam e eu sentia o seu gosto quente, ela foi relaxando e
se entregando ao momento. Senti a minha velha Anita ali de volta, com sua mania
de passar a mão pelo meu cabelo enquanto me beijava, o doce cheiro dos seus
cabelos que me lembravam uma tarde na fazenda, a dança suave dos nossos corpos
e o jeito que ela tinha de me fazer sentir completo quando estava em seus
braços.
- Uaaau, vejo que interrompemos um momento e tanto – Ouvi a voz da
Rafa surgir por detrás de nós.
- Mas que pouca VER-GO-NHA é essa? Curicos, recomponham-se – Foi a
fez do André dar o seu pitaco.
Diante de tanta plateia, não tiver opção senão interromper o
beijo. Assim que a soltei, a Anita me encarou com os olhos perdidos e a
respiração alterada. Abriu a boca como se quisesse falar alguma coisa, mas as
palavras lhe fugiram. Percebi que estava mais confusa do que antes e coloquei a
mão de leve no seu braço na intenção de reconfortá-la. Para minha surpresa, ela
não me evitou. Apenas continuou me olhando, como se eu acabasse de lhe
apresentar algo completamente novo e fantástico.
- Hum... E então Paxão, vamos voltar para terminar a nossa partida
de pega-pega? – sugeri com a voz suave, torcendo para que ela não tentasse
fugir ou chamar a atenção do guarda que, a propósito, ainda nos encarava como
se estivesse vendo um documentário muito interessante no Discovery Chanel de
“como os loucos se comportam”.
- Hããã... claro... – minha esposa respondeu sem muita convicção,
ainda perdida por conta da “juntada” que dei nela.
Rapaiz, será que eu beijava tão bem assim a ponto de deixar a
minha granfina desnorteada?
- Bom, sendo assim, já podemos voltar para casa! Não vejo a hora
de voltar a brincar – a Rafinha entrou no espírito da coisa tentando me ajudar,
exagerando na empolgação – Agradecemos muito sua ajuda, mas temos tudo sobre
controle por aqui – ela se dirigiu ao guarda, claramente o dispensando – A não
ser que queira ficar e brincar com a gente. Mas aí vai estar com você... – ela
deu de ombros.
- Não, não... muito obrigado! Tenho trabalho a fazer – de repente
ele pareceu voltar ao normal, como se o documentários sobre os “loucos” tivesse
acabado. O homem subiu na sua moto e saiu resmungando coisas como “esses
artistas são todos pirados”, “só porque são ricos acham que podem ficar
aprontando desse jeito na rua” e coisas do tipo.
- Ufa, essa foi por POU-CO! – o André respirou, aliviado.
- Sim, mais um pouco e teríamos um baita problema nas mãos. Quer
dizer, outro baita problema, né? – a Rafa emendou, apontando com o queixo para
a direção da Anita.
- Olha aqui, se sou um problema para vocês, por que não me libertam?
Não seria mais fácil para todos? – foi a vez da Ní responder super chata e
mal-humorada. Era bom que a velha Anita voltasse logo, porque eu não ia
aguentar aquela nova personalidade da minha esposa por muito tempo.
- Sabe o que eu acho? – o rosto da Rafa se iluminou de repente –
Acredito que esse seja uma excelente hora para um “momento gata garota”. O que
acham? Quem topa?
- Momento Gata o quê? – a Ní perguntou com tom de desdém.
- Acredite em mim, você até pode não gostar do nome ou da ideia no
geral, mas você sempre ama o resultado – dei minha opinião para a minha esposa.
- Eu gosto? Mas como se nunca passei por isso? Como você pode
afirmar com tanta certeza? – ela questionou. Parecia que finalmente estava percebendo
que havia algo errado com ela.
- Hum... Talvez seja intuição? – o André propôs, tentando mudar de
assunto para não deixá-la preocupada.
- Ou talvez o Luan seja só muito bom em adivinhar o futuro e está
prevendo que você vai gostar – foi a vez da Rafa tentar.
- Ou talvez você tenha batido a cabeça, não lembre parte do seu
passado e por isso tenha se apegado a essa lance de ter uma “vida normal”. Esse
sempre foi o seu maior medo: “não poder viver a vida de forma anônima”. E desde
que a Nicole nasceu você está sempre repetindo isso: que precisamos ter uma
vida normal, que a nossa filha precisava ser uma pessoa normal... Agora tá
explicado: o acidente fez com que você voltasse para o único período da sua
vida em que realmente foi uma pessoa comum, ou conseguiu chegar perto disso,
pelo menos – eu não sabia como, mas as peças do quebra-cabeça se juntaram na
minha cabeça e me deram uma visão mais ampla da situação. Como eu chegara
àquela conclusão eu não sabia, mas enquanto uma lâmpada de “eureca” parecia se
acender sobre a minha cabeça, a Rafa e o André me lançavam um olhar de censura
por ter revelado a verdade de forma tão direta.
- Espera... você está querendo dizer que eu bati a cabeça e
esqueci quem eu sou? – a Anita pronunciou cada palavra pausadamente, como se
cada uma delas saísse da sua boca com muito custo.
- É isso aí, curica! Não sei como alguém pode não lembrar que é uma
atriz famosa, que tem MI-LHÕ-ES na conta e é que casada com TU-DO isso de Nego
Divo, mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, PUF! Surgiu essa
versão IN-SU-POR-TÁ-VEL de Anita – o André interviu com o seu jeito tão
particular – E eu pensando que a outra versão que era DI-FÍ-CIL de aturar. Já
quase sinto saudades da sua implicância.
A Ní me lançou um olhar suplicante, como se quisesse ouvir de mim
uma confirmação. Balancei a cabeça devagar, em um gesto afirmativo e vi que os
olhos dela se encheram de lágrimas.
- Então vocês não estavam brincando quando falaram, lá no quarto
que eu era atriz? – minha esposa repetiu encarando o chão, a expressão
derrotada. Minha vontade era de colocá-la no meu colo, fazer carinho no seu
cabelo e dizer que tudo aquilo ia passar, mas eu sabia que ela estava muito
assustada e uma aproximação repentina poderia piorar ainda mais a situação.
- Não, nós não estávamos – confirmei tentando manter um tom de voz
amigável.
- E quem garante que vocês não estão só tentando me enrolar? –
quando voltou a erguer o rosto, a expressão da minha Granfina voltou a ser a
desconfiada e arrogante. Aquela nova versão parecia ser mais confiante de si.
Ou mais egoísta, talvez...
- Você só vai saber se pagar para ver e encarar o Momento Gata
Garota – a Rafa respondeu de um modo travesso – E como já dissemos, é
satisfação garantida ou seu dinheiro de volta – a empresária piscou, antes de
pegar a mão da Anita e sair em disparada arrastando minha esposa junto dela.
Eu e o André nos entreolhamos: se aquilo não desse certo, não
sabíamos mais o que poderia funcionar.
***
A intenção da Rafa era clara: ela separou a roupa preferida da
Anita (ou pelo menos a que costumava ser antes do acidente): uma camisa xadrez
com uma regata preta simples por baixo, shorts jeans e all star. Depois ela
sentou a minha esposa na frente de um espelho e começou a maquiá-la e arrumar
os seus cabelos, exatamente como sempre costumava fazer. A loira caprichou na
região dos olhos e deixou as madeixas da Ní bem soltas e meio bagunçadas,
deixando do jeito que a Anita mais gostava.
Assim que terminou o make, a Rafa levou a amiga para o banheiro
para fazer a troca de figurino. Até então ela ainda estava usando parte da
fantasia de pirata, o que eu precisava concordar: deixava a situação toda muito
mais difícil de entender. Imagine acordar de manhã e, além de não saber quem é,
se ver vestida de pirata? Bem complicado, não é?!
Com a troca de roupa, ela se parecia muito mais com uma pessoa
normal. Ou melhor, com a minha Anita normal.
- Atenção, trupe! – a loira chamou quando elas estavam voltando
para a sala – pre-para que a Anita está de volta!
Meu coração falhou uma batida quando vi o resultado: apesar de
simples, o visual da minha granfina estava de matar qualquer caipira. Percebi
que todos ao meu redor tinham a mesma opinião. Logo a Malú se manifestou,
provando que estava certo.
- Uaaau, Any! Fazia tempo que não te via assim. Desde que você
teve a Nick, você tem se maquiado e se arrumado bem menos...
Eu não podia negar: ela estava certa. Não que me incomodasse – até
porque eu gostava da minha mulher de qualquer jeito, mas, fazia tempo que não a
via tão bonita e atraente.
Com o olhar desconfiado, a Ní foi até o espelho e encarou seu
reflexo. Seus olhos mostravam todas as suas dúvidas, como se estivesse tentando
se imaginar como era aquela Anita que falávamos, mas que ela era capaz de
lembrar.
- Já sei! E se aproveitarmos que a curica já está arrumada e
fizermos um vídeo? Sei lá... coisa simples, só para voltar aos velhos tempos.
Pode ser uma cena do clipe de Nega, que os dois fizeram juntos – o dedo da Malú
passeou de mim para a Any enquanto falava. A ideia logo contagiou a Trupe. No
mesmo instante, todos concordaram que a cena deveria ser gravada no jardim e
cada um saiu atrás do material necessário: Maria Luiza foi buscar a câmera
fotográfica, André a de vídeo e Rafa e Neymar foram atrás de um aparelho de som
e um CD com a música.
- Eu... já gravei um clipe com você? – ouvi minha esposa me
questionar quando percebeu que estávamos sozinhos.
- Sim... foi em um período que estávamos separados, e esse clipe
fez com que a gente se reaproximasse. Na verdade... a gente meio que sempre
está nessa situação: brigamos, nos desentendemos e sempre voltamos – cocei a
cabeça, rindo sem jeito – É por isso que a letra da música fala assim: “Nega,
chega junto, vem amar, vem cá! Já ‘tô’ arrumando a minha vida mas ‘tô’ doido
pro ‘cê’ bagunçar...”. Você está sempre está bagunçando a minha vida, Anita –
admiti, encarando seus olhos de mel.
- E isso é algo bom? – sua voz era receosa, como a de uma criança
curiosa.
- Para mim é perfeito – confessei, ainda mais sem jeito. Era
estranho falar dos nossos sentimentos, principalmente quando a pessoa com quem
você dividiu os melhores momentos da sua vida não se lembrava disso.
Ela apenas assentiu, sem coragem de me encarar de volta – Tudo
isso é muito louco para mim. A lógica me diz que isso é um sequestro, que eu
deveria correr, pedir ajuda, chamar a polícia... Mas, ao mesmo tempo, meu
coração está dizendo que é aqui que eu devo ficar...
- Então fica – pedi.
Ela me ofereceu um sorriso tímido e pareceu tomar coragem para me
falar algo, mas o André, Rafa, Malú e Neymar entraram na sala fazendo um trupé
danado.
- Tudo PRON-TO! Já para o jardim os dois. Já escolhi qual cena
vamos fazer. Claro que o cena vai ficar prejudicada porque temos poucos
recursos, mas nada que eu, um diretor BRI-LHAN-TE, não possa resolver – o André
nos mostrou toda sua humildade.
Fomos empurrados porta afora, em direção a uma espécie de tenda
com sofás, almofadas e uns objetos decorativos que havia por ali. A Anita
sempre reclamava que nunca usávamos aquele lugar para nada e que fora um
desperdício de espaço e dinheiro. Bom... agora tínhamos uma utilidade para
ele.
Rápida e eficiente como era, a Rafa usou uma extensão para ligar o
rádio e colocar o CD para tocar, ao mesmo tempo em que o diretor e sua
assistente Malú posicionavam as duas câmeras que trouxeram do interior da casa.
Já o Neymar, cuidou de procurar o clipe no Youtube com o seu celular para
mostrar à Anita qual parte iríamos reproduzir.
- Meu Deus, sou eu nesse clipe? – mil sentimentos se passaram pelo
rosto da minha esposa: surpresa, medo, receio e, se eu não estivesse errado,
até mesmo uma pontada de satisfação.
Assenti com a cabeça. Ao meu redor, todos me encaravam com a mesma
expressão de: nossa, se era assim tão fácil contar a verdade para ela, por que
complicamos tanto?
- Então vocês não estão mentindo? – ela encarava a tela,
concentrada em cada imagem.
- Não, não estamos – confirmei mais uma vez.
- É, mas não se iluda tanto... você só está diva desse jeito no
filme porque tenho RE-CUR-SOS especiais que te valorizaram, curica – o André
interferiu na conversa.
- Para Dé, não fala assim! A minha gata garota sempre foi linda! –
Rafinha também entrou no assunto.
- Any sempre foi diva, pessoal! André está de recalque – Neymar
deu sua opinião jogando-se confortavelmente nas almofadas.
- Também... com uma fada madrinha como a Rafa, até eu fico sempre
bonita – Malú não perdeu a oportunidade.
- Vem cá... vocês sempre implicam um com o outro assim? – a Ní
perguntou baixinho para mim, me fazendo rir.
- Sim. E quando você está no seu estado “normal” – fiz aspas com a
mão para dar ênfase à palavra – fica ainda pior.
- Meu Deus, tenho medo de descobrir que tipo de pessoa eu era...
ou eu sou... Ahh, sei lá – ela deu de ombros, desistindo de entender a questão.
- Você era o tipo de pessoa pela qual qualquer cara com juízo o
suficiente se apaixonaria – disse. Ela corou com o elogio, fazendo meu coração
dar uma leve disparada.
- Já CHE-GA! – André deu um de seus chiliques – Vamos começar a
trabalhar de uma vez ou eu me DE-MI-TO!
- Ele está falando sério? – minha esposa perguntou praticamente
sem emitir nenhum som.
- Ele sempre ameaça, mas nunca cumpre – expliquei.
- Luan, nego-DI-VO, eu até posso adorar você, mas se continuar
falando, eu juro que te jogo na PIS-CI-NA – o diretor apontou o dedo para mim,
com um olhar assassino.
- “Aôôô ressentimento” – Neymar tirou sarro.
- E quebro suas pernas também, seu MA-GRE-LO! Quero ver jogar no
Barcelona depois disso – a ameaça foi em direção ao meu amigo.
- Ai André, para de mimimi e começa logo – Malú reclamou com um
tom entediado na voz.
A Ní apenas assistia a discussão rindo sem parar. Por um momento,
tudo foi como antes: a implicância, o clima de amizade, a nossa velha e boa
trupe de sempre. Olhei para a Rafa e ela piscou para mim. Havia esperança. Tudo
ia ficar bem.
- Certo, como eu ia dizendo antes de ser interrompido – o diretor
lançou um olhar venenoso em minha direção – vamos começar a TRA-BA-LHAR. Anita
Maria, ou seja lá quem você for agora – ele fez um gesto com as mãos como se
quisesse dizer que aquilo era o de menos – você viu o clipe, certo? Prestou
atenção na cena da ponte? – ela disse que sim antes dele continuar – Pois bem,
vamos refazer essa parte da história. Tudo bem que não temos aquele cenário
MA-RA-VI-LHO-SO e aquele pôr do sol DI-VI-NO, mas essa choupana velha deve
bastar.
- Choupana? Eiii, vai devagar! Fui eu quem decorou essa casa e
isso aqui custou muito caro para ser chamado de choupana – a Rafa protestou.
- Ai gente, corta para a parte que começamos a gravar, pelo amor
de Deus! – Maria Luiza parecia realmente muito entediada.
- A CU-RI-CA está certa! – O André ajeitou os óculos, voltando a
focar no remake do clipe - Anita, tudo o que você precisa fazer é fingir ser
uma princesa da Disney e deixar o Luan te pegar no colo, te girar e rodopiar
enquanto você sorri com cara de a mulher mais SOR-TU-DA desse mundo, entendeu
ou vai querer que eu desenhe?
- Mais do que claro, capitão – corri para responder, porque a
Anita parecia prestes a mandar o André para um lugar nada bacana.
- Perfeito, então... TODOS EM SEUS LUGARES! LUZ, CAMÊRA E....
AÇÃO! – o diretor gritou fazendo todo mundo correr como uns doidos: a Malú nos
puxou pelo braço para colocar eu e a Ní em nossos lugares, a Rafa soltou a
música e o Neymar, bom... ele ficou lá, assistindo e rindo do nosso desespero.
No começo a Anita ficou um pouco travada. Ela olhava para mim e
para as câmeras, meio desconfiada, parecendo um bicho acuado.
- Calma, é só respirar fundo e pensar que tudo isso é uma canção. Tudo
o que você precisa fazer é dançar conforme a música – cheguei perto e dei o
mesmo conselho que ela me dera quando gravamos o clipe, há tanto tempo atrás.
De lá para cá a minha atuação em frente às câmeras já havia melhorado bastante,
mas eu nunca esquecia aquele ensinamento.
Ela sorriu, fechou os olhos e eu pude senti-la puxando o ar e
soltando lentamente. Depois, ela olhou para mim e passou os braços pelo meu
ombro – Então dança comigo – pediu, com um sorriso contagiante no rosto.
Coloquei meu braço na sua cintura e a levantei, girando com ela
ainda no ar. Os olhos dela brilhavam e tudo parecia tão fácil e simples. Com
ela em meus braços nenhum mal seria capaz de nos alcançar. Exceto, talvez, uma
pedra que me fez escorregar de leve, desequilibrar e cair rolando com a Anita pelo
chão.
Foi aí que tudo foi pro pau.
- COOOR-TA! COOOOR-TAAAA! Meu Deus do céu, estou cercado de
IN-COM-PE-TEN-TES! Eu me DE-MI-TO! Me demito! – o diretor gritava sem parar,
mexendo as mãos, furioso.
- Você se machucou? – perguntei, assim que consegui sair de cima
da minha esposa. Nossa situação não era nada boa: tinha grama e terra nas
nossas roupas e no cabelo dela.
- Acho que sim – ela se sentou tentando limpar a blusa – mas acho
que machuquei o pé...
- Vocês não precisavam levar tão a sério essa história de refazer
a cena, Luan. A parte que a Anita se machuca vocês poderiam ter pulado – a Rafa
disse ao se aproximar de nós, com o jeito preocupado.
- A culpa não foi minha – tentei me defender.
- Não, a culpa foi minha! – a Any colocou as duas mãos no rosto,
como se fosse chorar – Eu que fiz tudo errado. Eu disse para vocês, eu não sou
atriz. Sou apenas uma garota normal, que veio do Canadá e está tentando se
adaptar à vida no Brasil. Eu não sou isso que vocês estão falando! Não
sou, não sou! – com um pulo, ela se levantou e começou a correr para o interior
da casa mancando por causa do pé machucado.
- E a gente achando que seria fácil... – me lamentei, ainda
sentado na grama, completamente perdido. Nada do que tentamos havia funcionado.
E agora? Será que eu nunca iria ter a minha Granfina de volta?
- Calma, Lú! Tudo vai dar certo – a Rafa se abaixou para me dar um
abraço – não importa o quão ruim seja a situação. A gente só precisa se lembrar
de como acender a luz para reencontrar o nosso caminho.
- Nossa Rafa, uau! - a Malú fez um joia com o polegar,
impressionada.
- Foi o Dumb que falou – a loira mexeu as mãos, fingindo que não
era nada de importante.
- Dumb de Dumbledore? Aquele cara barbudo de Harry Potter? –
Neymar chegou perguntando.
- Esse mesmo...
- Rafaela Prado, nós aqui em uma situação super tensa e você
falando de Harry Potter? – a Maria balançava a cabeça em negativa, como se não
pudesse acreditar naquilo. De longe, o André remexia nas câmeras, fingindo
estar bravo e não estar prestando atenção na nossa conversa.
- Uai, e o que é que tem? Esse é um ótimo conselho, na verdade –
ponderei – Se a gente for pensar, não é a primeira vez que a Ní passa por uma
crise dessas. Quando ela brigou com o Murilo, ela me contou que foi o realitty,
a minha amizade e a do Neymar que a fizeram dar a volta por cima. Depois, foi a
traição do Caio que fez com que ela passasse a prestar mais atenção na própria
carreira...
- Com o Luan, teve várias vezes que a “luz foi acesa” – a Rafa
continuou meu raciocínio, empolgada com ideia – Por exemplo, quando aconteceu
aquele problema no Bicuço e o jatinho quase caiu, ela resolveu voltar a falar
com você, mesmo depois de ter rompido o namoro de um modo super estranho. Na
época do clipe, foi a ameaça da Cacau que fez a nossa Gata Garota se mexer e
tentar te reconquistar...
- E na época do casamento, teve toda a tensão se ela aceitaria ou
não. Precisou do vídeo da cobra mal matada para a Diva se decidir – Neymar
lembrou.
- E na gravidez, a Any teve que sair de casa para resolver aquela
questão se ela conseguiria ou não ser uma boa mãe... – Maria Luiza emendou.
- Diacho, mas o que todos esses acontecimentos têm em comum? –
passei a mão pelo cabelo como se aquilo fosse ajudar a clarear as ideias.
- Meu Deus, será que vocês são tão BUR-ROS assim ? – o André
gritou lá do outro lado – a Anita precisa de DE-SA-FIO, entenderam? Todas essas
vezes que ela pirou e foi atrás do que queria... Era tudo ou NA-DA, entenderam?
É disso que ela precisa. Se ela estiver diante de um precipício, ela não hesita
em pular.
Encarei o resto do pessoal com cara de “será?”. Todos pareciam
refletir sobre o assunto, olhando um para a cara do outro, balançando a cabeça
ou encarando o André com expressão de choque, como era o caso do Neymar.
- Será, gente? – foi a Rafa quem quebrou o silêncio.
- Só tem um jeito de descobrir – a Malú fez um gesto apontando
para a casa. A mensagem era clara: vá até lá e faça alguma coisa, rapaz.
- Minha Nossa Senhora... – falei baixinho enquanto me levantava.
Respirando fundo, me enchi de coragem e fui em direção à Toca.
Eu não sabia onde a Ní estava, mas segui o palpite de que ela
estaria no quarto. Afinal, era o único lugar que ela, em sua nova versão,
conhecia na casa.
Subi as escadas, atravessei o corredor, abri a porta e dei de cara
com ela na frente do espelho com uma roupa no ombro, tentando desesperadamente
tirar a maquiagem e arrumar o cabelo. Não pude deixar de reparar que ela havia
separado um vestido super careta que a Anita “verdadeira” odiava e só não se
livrava da peça porque fora presente da mãe.
- Precisando de ajuda? – perguntei encostado no batente da porta.
Tentei parecer calmo e sério, mas era claro que era tudo mentira. Meu coração
batia feito louco dentro do peito e a mão tremia feito vara verde.
- Eu quero ir embora! Eu não sou quem vocês pensam! Eu não sei
como, mas não sou aquela pessoa do vídeo, não sou, não sou... – ela repetia as
últimas palavras sem parar, mais para convencer a si mesma do que a mim – Tenho
certeza que isso é um sequestro, tipo daquelas histórias loucas de filme
policial, onde matam uma pessoa e colocam outra no lugar para substituir...
Rapáiz... a Ní até podia ter perdido a memória, mas a capacidade
de criar histórias mirabolantes continuava intacta – Você realmente acredita
nisso? – perguntei, fazendo um imenso esforço para não cair na risada.
- Mas é claro que acredito! – ela respondeu fazendo cara de
enfezada – Vou sair daqui e vou direto à polícia dar queixa. E nem tente me
impedir!
Aquela era a hora. Se precisava desafiá-la, eu não teria uma
oportunidade melhor – Não, você não vai... – disse com a voz firme e a
olhando fixamente nos olhos. Estufei o peito para fazer pose de mal, torcendo
para que aquilo realmente funcionasse.
- Você está me prendendo aqui? – ela estava inconformada – Então
isso é mesmo um sequestro?
- Pense o que quiser, mas daqui você não vai sair – avisei.
Ela me parou, me olhando com uma expressão determinada no rosto.
Ajeitou o corpo e enrolou os cabelos para trás. Aquele simples gesto me fez
lembrar da velha Anita. Seria um bom sinal?
- Olha... eu não vou te machu... – não consegui terminar a
frase. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, a Anita passou correndo por mim.
Fui atrás dela e, percebendo que não conseguiria fugir do quarto, ela tentou se
trancar no banheiro, fechando a porta na minha cara. Fui mais forte e consegui
abrir passagem. Em uma última tentativa, ela seguiu para o boxe de vidro,
segurando a porta com as duas mãos para tentar impedir a minha entrada. A cena
toda parecia a de um gato correndo atrás de um rato que agora estava acuado e
sem saída. A expressão no rosto da minha esposa não deixava dúvidas: ela estava
com medo. Eu torcia para que ela visse em meus olhos uma mensagem de paz, e não
de guerra. Claro que o rato sente um medo natural do gato, mas em alguns casos,
as aparências enganavam. Eu só torcia para que ela acreditasse nisso.
Com um puxão forte, consegui abrir a porta e entrei no boxe – Anita,
por favor, preciso que você me escute.
- Sai de perto de mim – ela se encolheu contra a parede, tentando
se defender.
Eu não sei como, talvez fosse por causa das conversas sobre o
passado da Anita, mas vê-la daquele jeito me lembrou de quando ela aceitou se
casar comigo. Na ocasião, depois de tomar um porre e criar a Dança da Cobra Mal
Matada, ela desmaiou no sofá. Então, eu a levei para o banheiro e tasquei-lhe
uma ducha muito gelada. No início foi um trupé danado. Ela reclamou, se
debateu, mas depois se acalmou e acabou confessando a verdadeira razão de ainda
não ter aceitado o meu pedido. Aquele foi um dos momentos de maior sinceridade
e entendimento entre nós. Então, por que não tentar de novo?
Com uma das mãos, mantive a Ní encostada na parede e, com a outra,
liguei a ducha. A água não estava gelada, mas não havia nada que eu poderia
fazer no momento quanto a isso.
- O que diabos você pensa que está fazendo? – ela se debateu
quando a puxei para debaixo do jato de água – Para com isso, seu louco! Para!
- Anita, para! Olha para mim! Só olha para mim! – pedi colocando
as duas mãos ao redor do seu rosto, obrigando-a a me olhar – Eu vou te contar
uma história e você precisa ouvir, entendeu?
Demorou um pouco para que concordasse, mas mantive a postura firme
e séria até que ela entendeu que não teria outra alternativa senão me ouvir.
Quando finalmente se acalmou, eu contei sobre o episódio da Cobra Mal Matada,
do pedido de casamento aceito e da música que ela cantou para mim na sequência.
- E foi assim Paxão, que você aceitou ser minha mulher e me fez o
homem mais feliz desse mundo – sorri com a lembrança – Sabe aquela hora que
você disse que o seu coração estava te pedindo para ficar? Escuta o que ele te
diz, por favor. No fim das contas, você sempre faz aquilo que quer e do jeito
que quer e essa é uma das características que mais gosto em você. Por isso, se
quiser ir embora, pode ir. Mas se achar que deve ficar, se essa história mexeu
com você e fez acordar algum sentimento adormecido aqui dentro – desci uma das
mãos até o seu peito sentindo as batidas aceleradas do seu coração – fica. Fica
por mim, pela sua filha, por todos os seus amigos que estão lá fora. Fica pelo
imenso amor que sinto por você, minha Granfina.
- Filha? – ela perguntou com os olhos arregalados.
- Sim, nós temos uma linda menina de cinco anos. O nome dela é
Nicole – contei.
Nesse momento, um furacão passou correndo pela porta, seguido de
perto pela minha irmã.
- Desculpa Luan, mas não consegui segurar. A Nicole queria ver a
mãe de qualquer jeito e você sabe como ela, né? Fugiu na primeira oportunidade
– a Pi explicou enquanto recuperava o fôlego. Dentro do box, minha filha
procurava proteção entre as pernas da Ní enquanto a água caía em cima das duas
e o vapor ia enchendo o banheiro de fumaça, deixando os espelhos embaçados.
A Anita ficou estática, os olhos ainda mais arregalados que iam da
filha para mim como se estivesse pedindo ajuda. Preocupado, me levantei e já
estava pronto para pegar a Nica no colo e tirá-la dali enquanto inventava
alguma desculpa qualquer, quando vi a Anita se virar, desligar o chuveiro e,
calmamente, se sentar no chão. Rápida como era, minha filha aproveitou para se
aninhar em seu colo, passando os braços pelo pescoço da mãe.
Sem saber o que fazer, apenas vi a Anita fechando os olhos
enquanto a Nick perguntava como ela estava, contava como sentiu sua falta e o que
tinha feito no seu dia. Rezei com todas as minhas forças para a Anita não ter
uma nova crise. Seria muito complicado explicar para a Nicole porquê a mãe não
se lembrava dela. Sem que eu percebesse, minha irmã havia nos deixado a sós.
Com certeza ela percebera que o momento era delicado.
Longos minutos se passaram até que a Anita abriu os olhos
novamente. Mas, dessa vez, sua expressão estava suave e tranquila, como alguém
que volta para casa depois de uma longa viagem.
*** Link para música - https://www.youtube.com/watch?v=dnga63bL0p4 ***
“Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete, a cena se inverte
Enchendo a minha alma daquilo que outrora eu
Deixei de acreditar”
Ela começou a cantar com a voz baixa, primeiro encarando a filha,
depois olhando pra mim com os olhos brilhando de um jeito que eu conhecia muito
bem. Fiquei apenas ouvindo, o coração batendo forte, sem forças ou palavras
para reagir àquela emoção. Eu estava esperando por mais briga e discussão e de
repente a Ní resolvia cantar para gente. Minha esposa era realmente
surpreendente.
“Tua palavra, tua
história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar”
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar”
Consegui cantar baixinho, dando continuidade a letra, a voz
falhando de felicidade.
“Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só
Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de ‘vocês’
Só enquanto eu respirar”
- Anita, você lembrou? – enfim consegui encontrar forças para levantar e ir até ela.
- Que cantei essa música no dia que você me pediu em namoro lá na
fazenda da sua família? – um sorriso contagiante iluminava o seu rosto.
- E você lembrou de mais alguma coisa? – perguntei, esperançoso.
Será que, enfim, a minha Paxão estava de volta?
- Lembrei que amo você, meu Caipira. E que minha vida jamais
estaria completa sem ter você ao meu lado – então ela curvou o corpo na minha
direção e me beijou rapidamente nos lábios – Também lembrei desse nosso tesouro
aqui – ela passou a mão suavemente pelo rosto da filha – que foi o maior presente
que você já me deu – sua voz estava emocionada e ela segurava a Nica nos braços
com firmeza, como se nunca quisesse perdê-la.
- Te vivo, minha Granfina – sussurrei em seu ouvido, acariciando o
seu rosto.
- Mamãe, você “tá” melhor agora? – Nick perguntou de novo, encarando
minha esposa de maneira ansiosa.
- Mamãe está melhor sim, meu amor. Você já pode acalmar esse
coraçãozinho e ficar em paz – ela respondeu tentando secar as lágrimas que
corriam pelo seu rosto.
- E o que você tinha, mamusca?
- Eu estava precisando reencaixar os meus pedaços, pequena – a Ní
respondeu depois de fechar os olhos por um instante, como se estivesse
terminando de colocar cada peça no lugar antes de falar.
A Nica ficou olhando da mãe para mim e de mim para mãe, como se
estivesse assistindo uma partida de tênis, sem entender absolutamente nada.
- É o seguinte, filhota – resolvi tentar ajudá-la – Lembra aquela
vez que a gente viajou para a Europa, pegamos o mapa dos trens e metrôs para
andar por lá, mas acabamos nos perdendo por que nosso GPS estava desatualizado?
– nós três rimos ao lembrar daquelas férias. Foram dias muito confusos e
divertidos explorando as “Europa” – Então... o mapa da mamãe estava meio
confuso, entende? Ela se esqueceu de fazer o último upload, não decidiu bem a
rota, esqueceu dos caminhos que já havia percorrido e acabou se perdendo por
aí. Mas agora ela já acertou tudo, já fez os uploads todos e “tá” prontinha
para recomeçar a andar para frente...
- Mas mamãe, por que você não pediu para a tia Rafa fazer essa
atualização? Ela vive fazendo um montão de coisas para você – minha filha
opinou.
- Porque há certas coisas que precisamos fazer por nós mesmos,
Nick – a Any disse arrumando os cabelos da pequena.
-Huumm... Alguém sabe me explicar a razão da Anita estar sentada
no chão do banheiro, toda molhada, com a Nicole nos braços e o Luan ajoelhado
ao lado das duas? – a voz da Rafa surgiu na porta do banheiro.
- Pelo o que consegui entender, a Anita se recuperou de um pequeno
problema de desatualização no GPS, recalculou a rota e está pronta para seguir
viagem – minha irmã também apareceu por ali, resumindo tudo de forma eficiente.
- Então a CU-RI-CA deixou de ser desmemoriada? – ouvi a voz do
André atrás da dupla de loiras.
- Nossa, ainda bem! Já estava começando a achar que teríamos que
gravar vídeos contando toda a história da Anita, igual aquele filme “Como se
fosse a primeira vez” – a voz da Malú também surgiu do meio da multidão.
- Aêê Divaa! Eu sabia que você ia conseguir – pelo jeito, o Neymar
também estava por ali.
Para completar a Trupe, Divinha e Faísca apareceram correndo e
atropelando todo mundo. A cadela deu um banho de baba em sua dona enquanto o
Faísca se enroscava perto de mim.
- E então, Paxão? Agora que a rota já está recalculada, qual é o
seu próximo “destino”? – perguntei.
Minha esposa se levantou, arrumou a postura, ajeitou os fios dos
cabelos e, com um ar confiante, me respondeu – Será o teatro. Tenho uma ideia na
cabeça, e vou precisar de você – ela se aproximou, passando a mão pelas minhas
costas, ficando de frente para o pessoal na porta.
- Aliás, da maioria de vocês. Preparem-se! Tenho planos ousados –
ela sorriu de uma maneira maliciosa, os olhos brilhando de entusiasmo.
- Atenção, Trupe: a nossa Granfina está de volta e agora é para
ficar – gritei, erguendo a mão da Ní para o alto, a Nicole berrando junto com a
gente e a Divinha pulando de um lado para o outro.
Aquela família poderia ser maluca, bagunçada, confusa e
bagunceira. Mas nada daquilo importava. Assim como arroz e feijão, Granfina e
Caipira se completavam. E todo o resto era o tempero que tornava tudo ainda
mais especial.
***
Ponto de vista da Anita
Um ano depois
- Está pronto? – perguntei com a voz ansiosa.
- Opa, mais do que pronto! – meu marido respondeu com o seu melhor
sorriso no rosto.
- Então vamos lá! É hora de mostrar ao mundo do que Luanita é
capaz! – fui até ele, beijando-o nos lábios de maneira urgente. No começo ele
estranhou a minha reação exagerada, mas depois pareceu perceber que a única
maneira de acalmar meu coração seria em seus braços.
O André, que também estava no camarim, resmungou alguma coisa, mas
eu nem dei ouvidos. Estávamos prestes a divulgar para o mundo algo muito, mas
muito bacana e que me enchia de orgulho. Achei que tinha o direito de beijar o
meu marido para comemorar. Afinal, todo mundo precisa derrubar o forninho de
vez em quando...
- Atenção, pessoal! Está na hora! – a Rafa entrou no camarim
dando ordens, nem percebendo que acabara de quebrar o clima completamente.
- Graças aos deuses! Já estava DER-RE-TEN-DO aqui feito vela
esquecida no cemitério – o diretor soltou o seu veneno ao passar por nós, em
direção ao corredor.
Estiquei o braço para o meu marido e ele me deu a mão. Juntos,
percorremos o caminho que levava até o pequeno palco onde aconteceria a
coletiva.
A sala estava cheia e assim que entramos fomos recebidos com uma
chuva de flashes e comentários abafados. Em situações normais eu estaria
odiando estar no centro das atenções, mas naquele dia eu me sentia forte,
completa.
Não demorou para que assumíssemos os nossos lugares. Havia uma
mesa com três cadeiras confortáveis e garrafas de água para nós. Fiquei na ponta,
Luan no meio e André na outra extremidade. Perto da mesa, fixado na parede, um
telão mostraria um clipe inédito do nosso trabalho.
Com o canto do olho consegui ver que a Rafa, Malú, Vick, Nick,
Neymar e alguns outros amigos, como as duas Brunas – minha cunhada e a
Marquezine - Fernando, o Sorocaba, Dudu Borges e muitos outros. Mais tarde
rolaria um coquetel oficial de lançamento e eu poderia apostar que todos eles
estavam loucos para curtir a “ferveção”.
Na minha frente, dezenas de jornalistas estavam ansiosos para
saber mais sobre o que estávamos aprontando. Decidi matar a curiosidade deles
de uma vez, fazendo sinal para que liberassem as perguntas.
- Anita, por favor, eu gostaria que você explicasse melhor sobre
esse trabalho. Da onde surgiu essa ideia? – uma repórter que estava lá no fundo
perguntou.
- Bom, como todo mundo sabe, desde que minha filha nasceu eu
escolhi me dedicar à maternidade e por isso me afastei um pouco das telas da TV
e do cinema. Nesse período, tive a oportunidade de escrever roteiros de curtas
e longas metragens que foram muito bem dirigidos e executados pelo meu amigo
André – fiz uma pausa para oferecer um olhar carinhoso ao meu amigo. Ele estava
irradiando alegria e orgulho de mim. Claro que ele nunca iria assumir, mas dava
para perceber de longe.
- Porém, minha filha cresceu, já consegue se virar muito bem sem
mim – continuei com um tom brincalhão – Então achei que era hora de voltar à
ativa. Foi aí que resolvi escrever o roteiro de um musical para o teatro, que
como vocês já devem saber, estreia na próxima semana. Esse foi um trabalho
muito bacana, mas muito árduo porque precisei da ajuda de muitas pessoas
queridas, como o Dudu Borges, que está ali no cantinho nos assistindo – apontei
e acenei para o produtor – porque, como trata-se de um musical, precisávamos
desenvolver as letras e melodias das canções que estariam presentes na
peça.
- Muié do céu, que explicação mais longa... A gente não pode ir
direto ao ponto? – meu marido me interrompeu fazendo todo mundo cair na risada.
- Então, por favor... faça as honras, Luan – pedi em tom irônico.
- Foi o seguinte, pessoal: a Anita já estava há um tempão com essa
tal peça na cabeça, mas ela vivia adiando porque achava que tinha que cuidar de
mim, da filha e da casa... Aí ela teve um piripaque, tipo do Chaves, e resolveu
reconectar os fios dentro dela. Depois disso foi que a Ní resolveu colocar a
ideia do musical em prática, mas ela tinha medo de não conseguir escrever o
texto e as letras das músicas – Luan conseguiu resumir quase tudo em uma única
frase e ainda deu um ar cômico à minha perda de identidade. Tudo bem que,
provavelmente, ninguém tinha entendido muita coisa dessa explicação, mas todos
pareciam muito interessados mesmo assim.
- Para me ajudar nessa questão, eu o Luan desenvolvemos uma
brincadeira: eu criava uma história e ele precisava desenvolver uma música para
ela. Ou vice-versa: ele criava e eu desenvolvia a música. E foi assim que
nasceu o “livro musicado” que estamos apresentando hoje. São 10 histórias que
contam sobre a importância de você ser você mesmo, de valorizar os amigos, de
fazer o que ama... A ideia é inspirar as pessoas por meio de frases e versos –
concluí.
Aquele projeto era o nosso xodó. Começamos com uma simples
brincadeira, e aos poucos as pessoas foram se envolvendo, apoiando, ajudando e
o resultado foi um livro com capa dura, folhas em tom um amarelado bem
clarinho, letras com tamanho confortável para a leitura e gravuras. Ao longo da
leitura, as pessoas encontravam referências dos pontos nos quais precisavam
colocar as músicas para tocar. Aí era só selecionar a faixa no CD que
acompanhava a obra e curtir o momento. Também fizemos um aplicativo que
disponibilizava as canções online, para os leitores moderninhos que preferiam
usar tablets e smartphones. O kit todo ia dentro de uma caixa vermelha de
madeira feita a mão.
Todas as histórias foram escritas por mim e pelo Luan, porém
nossos amigos deram muitas opiniões e sugestões para os enredos. O mesmo
aconteceu com a trilha sonora: algumas músicas foram gravadas com a voz do meu
marido, mas contamos com a colaboração de cantores como a Thaeme, o Sorocaba, os
músicos da banda do Luan e do Dudu, que usou sua genialidade para produzir
canções únicas.
- É uma proposta muita interessante unir literatura com música. E
o nome? Tem alguma razão especial? – outro jornalista perguntou.
- Escolhemos batizar o livro de “Relicário”, porque é assim que
chamam as caixas ou cofres usados para guardar relíquias – contei.
- Achamos que esse nome se encaixava perfeitamente na proposta. A
ideia era mostrar para as pessoas o verdadeiro valor da vida, então nada mais
justo que essas lições fiquem guardadas em um relicário – o Luan completou.
- Ahaaan – o André nos interrompeu, chamando a atenção para si –
Vale lembrar que a obra foi adaptada para uma web série, dirigida por mim e que
conta com participações de DI-VAS como a Brú Marquezine, a própria Anita
Bonita, além da estreia da irmã do Luan, Bruna Santana, como atriz.
Aproveitando a deixa do diretor, um clipe mostrando os melhores
momentos da série foi apresentado aos jornalistas, junto com a data de estreia
e o endereço eletrônico onde os vídeos estariam disponíveis.
Pela empolgação dos repórteres, deu para perceber que o projeto ia
bombar. Eles faziam perguntas sobre cada detalhe: desde a escolha dos temas
para as histórias, passando pelas letras das músicas, a produção dos vídeos,
expectativas de críticas, pontos de venda e por aí em diante...
No total, a coletiva durou um pouco mais de uma hora e tudo que eu
conseguia pensar era: quando vai começar a festa? Porque perder a memória me
ensinara a aproveitar o momento, o aqui e o agora. Cada coisa estava em seu
devido lugar e não era necessário tentar controlar o futuro. A vida flui e tudo
o que precisamos fazer é acompanhar o seu movimento, aproveitando cada pequeno
instante de nossas vidas, porque até mesmo os momentos ruins podem se
transformar em feitos grandiosos, desde que você seja capaz de reconectar os
seus fios, recalcular a sua rota e manter a luz acesa.
Por debaixo da mesa, o Luan apertou a minha mão de leve, como se
quisesse dizer que estaria sempre ao meu lado, mesmo se eu precisasse fazer um
novo “update” para me reencontrar. Acariciei seus cabelos de leve enquanto
esperávamos todos os convidados se dirigirem ao local onde o coquetel
aconteceria. Minha filha se juntou a nós e, com os dois ao meu lado, fechei os
olhos e agradeci por tudo.
Era engraçado pensar, mas no fim, tudo estava como antes: eu e o Luan
juntos, a Trupe unida, nossos amigos ao nosso lado... Mas ao mesmo tempo, tudo
estava diferente. E eu, sem dúvidas, mais completa.
______________________________________________
Notas finais: Pessoal,
quem já leu esse cap antes deve ter percebido que mudei um pouquinho a
história, né? Fiz isso porque achei que desta maneira ficou mais “PÁ”! hahaha
Além disso, dei uma revisada nestes caps bônus porque tenho
pensado em escrever mais uma temporada de AGeOC que seguiria nesta temática:
Anita, Luan e toda Trupe sentindo um pouco o “fardo” da fama. O que acham?
Vocês curtiriam a ideia?
Me contem aqui, combinado?
Beijão e a gente se vê nos capítulos de VOV que tenho publicado
por aqui. =)
Gata-Garota que capitulo que é esse?! Arrasou tá?! Graças a Deus a Ní voltou não aguentava mais!!! Olha Manuzita estou sem palavras viu?! Vc é a melhor escritora com toda a certeza do mundo!!! Capitulo perfeitooooo!!!
ResponderExcluirOi Sofi!
ExcluirA Ní estava muito chata mesmo, né? Nossa Senhora, nem eu estava aguentando! Ainda bem que tudo ficou bem: Luanita brilhou, André deu chilique, Rafa divou e toda a Trupe arrasou! hahahaha
Poxa amor, muito obrigada pelas palavras! É ótimo ler um comentário como esse, você nem imagina o quanto!
Gratidão por ler e me acompanhar! Espero você em Desatino e em "Voar outra vez".
Beijo grande!
Então.. exatamente ontem as 02:14 eu terminei de ler todas imagine minha alegria de saber que você tinha postado ontem e ser uma das primeiras? Cara eu estou de cara com você, realmente você alegrava todos os meus dias com A Granfina e O Caipira, Parabéns nega ����
ResponderExcluirAcredito que faça a 5 temporada, se nao eu tenho um trecoooo, capitulo esta inacreditavel, perfeito,encantada manu ����
Amanda Letícia
Oi Amanda! Bem-vinda!
ExcluirNossa, bom saber que estava com "time" perfeito: postei exatamente quando você estava terminando a leitura! Isso que chamo de sincronia! hahahaha Com certeza, é um bom sinal.
Ahhh, que lindeza! Que ótima notícia saber que alegrei os seus dias. Você alegrou muito o meu com esse comentário, pode ter certeza.
Espero que tenha curtido todas as quatro temporadas. Depois me fala o que achou, as partes que mais gostou e tudo mais.
Por enquanto, não temos previsão de quinta temporada de AGeOC. Como comentei ali em cima, tenho algumas ideias para 2015 e contei tudo em um post que acabei de publicar. Se quiser ficar por dentro do que vem por aí, vai lá na página de recados e dá uma olhada, ok?
Fora isso, espero que você possa ler as outras histórias que já escrevi e que se divirta e emocione como foi com AGeOC.
Muito obrigada mesmo por ler e comentar! É muito bom saber que vocês gostaram da história! É isso que me dá forças para continuar!
Beijo grande,
Manu!
ahh que bom tudo voltou ao "normal" rsrs e deixa eu ir durmir que to com sono! Ficou TÃOO fofo esse capitulo manu! me avisa quando for publicar mais ok? bjs
ResponderExcluirPois é, Mille! Já falei que 2015 será o nosso ano (na verdade, já está sendo). Acho que tudo que deixei de escrever em 2014 estou escrevendo agora. ahahahha
ExcluirOlha, não sei se vai rolar cap de AGeOC tão cedo, viu? Estou bastante focada na história que estou escrevendo agora, então talvez demore um pouco para eu criar algo diferente. Mas fique tranquila que se rolar, avisarei com certeza. =)
Na verdade, tenho planos para uma quinta temporada. Só não posso prometer quando vou escrevê-la. Mas, por enquanto, você pode ir lendo as minhas outras fics. O que acha? ~~lê eu fazendo cara de pidona~~ hahaha
Beijooo Mí!
#MaratonaDeComentários
Oi Manu!! Vc é uma ótima escritora parabéns pelo trabalho. Vc pretende criar um novo fic?? 😘😘
ResponderExcluirOi, Milly! Obrigada pelo carinho e por ler as fics. <3
ExcluirNa verdade, já escrevi outras histórias que estão publicadas aqui no blog mesmo. Tem Incondicional, A Nossa canção e algumas outras ..
Também estou escrevendo um romance. Na verdade, tá meio parado, mas vou voltar a escrever, rs!
Depois dá uma olhada pra ver se você gosta.
Beijo e obrigada por ler