Sabe
aqueles filmes que retratam a formatura de jovens americanos? Geralmente não
rola aquele momento quando alguém importante/inesperado/extremamente bonito
chega e a festa para? Foi exatamente assim que me senti.
Uma
música eletrônica animava o ambiente e conversas enchiam o ar de alegria quando
o Alê apareceu segurando os copos de dose, seguido por mim pendurada no mais
novo deus grego do pedaço. Edu, por sua vez, não deixava por menos: um de seus
braços estava ao redor da minha cintura enquanto a sua mão livre segurava a
minha em um gesto que demonstrava carinho e preocupação.
"Caramba!",
era tudo o que se passava pela minha cabeça.
Claro
que todos os olhares da festa foram atraídos pela nossa entrada triunfal. Vi
uma reação diferente no rosto de cada garota. Naty, Mel e Deby mal conseguiam
disfarçar o recalque. Carol me encarava com uma expressão divertida, como se
quisesse entender de onde havia brotado aquele rapaz e como eu fui parar
naquela situação. Já a Mari arregalou os olhos e fez cara de espanto.
-
Pessoal, esse é o meu primo Edu. Ele veio do Rio e ainda está se adaptando à
rotina caipira e parada de Guará City - Alê informou. Mal sabia ele que
apresentações não eram necessárias... O Edu era o convidado especial da festa
naquela noite.
Foi só aí que me dei conta dessa informação! O nosso esbarrão foi tão impactante que mal me dei conta que ele falara que era carioca. Bom,
isso explicava a pele queimada de sol e o jeito descolado... Mas como um rato
de praia ia se virar em uma cidade como Guararema? Nosso município ficava no
interior do estado de São Paulo e era o exemplo da típica cidade pequena: todo
mundo conhecia todo mundo, tinha uma praça, uma rua que subia, outra que descia
e... só. O único atrativo eram os eventos organizados para atrair turistas,
como o Festival de Verão que oferecia apresentações culturais gratuitas.
Inclusive, eu fazia parte do elenco do balé que encerraria o festival naquele
ano.
-
Aláa a Gabi! Já partiu pra cima do garoto! Não perde tempo mesmo, hein? – o
Caio não deixou passar a oportunidade de zoar com a minha cara.
-
Não é nada disso, seu idiota! – às vezes eu achava o jeito de “sabe tudo” daquele
garoto extremamente irritante – Eu torci meu pé. Edu está apenas me ajudando –
expliquei me soltando do rapaz e fazendo esforço para me endireitar sem
precisar de ajuda.
-
Uaauu! Então quer dizer que você é do tipo que salva donzelas indefesas?
Perfeito para a nossa bonequinha Gabi – a Carol provocou. Qual era a daquele
casal, hein? Estavam armando um complô contra mim?
Com
um olhar rápido, percebi que o Edu mexia nos cabelos, tão sem jeito quanto eu.
-
Os copos que você me pediu estão com o Alê, Carol – avisei, mesmo sabendo que
ela já tinha visto – E o Caio não estava afim de jogar truco? – mudei de
assunto, propositalmente.
-
Estou só esperando quem serão as minhas próximas vítimas – ele não perdeu a
chance de mostrar que era “o tal”.
-
Ai, ai... vamos mostrar para ele quem manda aqui, parceira? – Alê perguntou com
uma expressão desafiadora no rosto ao mesmo tempo que me oferecia a mão, como
se quisesse me conduzir até a mesa de jogo.
-
Será um prazer – Ele não fazia ideia do quanto eu realmente queria colocar
aquele menino no seu devido lugar.
-
Carol, você vem? – Caio gritou chamando a parceira de jogo-barra-ficante.
-
Ahhh, não estou afim agora não. Estou aqui conversando com as meninas... – ela
dispensou apontando para a rodinha de meninas que havia se formado. Eu tinha
quase certeza que o assunto era o garoto novo – E ainda teremos porradinha! –
ela pegou os copos da mão do nosso amigo com um sorriso satisfeito nos lábios.
-
Posso jogar? – falando em Edu, ele se ofereceu para ser o substituto.
-
Pode ser... – o Caio deu de ombros, sem se importar.
-
Gente, fico de próxima, ok? Se alguém desistir, eu entro! – Mari pediu. Eu
estava achando estranho que ela ainda não estava participando da conversa...
Considerando que não tirou o olho do Edu desde que ele chegou, achei que
“atacaria” mais rápido.
Alê
gritou algo em resposta e caminhamos até a mesa de jogos – que na verdade eram
quatro cadeiras de alumínio, no estilo daquelas de bar, com uma bobina de
madeira deitada no centro – e me posicionei na frente dele. Caio foi buscar
cervejas para nós enquanto Edu embaralhava as cartas.
-
Corta e tira a manilha, por favor – o surfista pediu. Revirei os olhos quando
percebi que estava fazendo movimentos extravagantes só para se mostrar.
- O cinco manda no jogo – Declarei em
tom sério ao virar a carta número quatro. Mantive a minha expressão séria e
concentrada, mas percebi pelo canto do olho que o Edu estava muito bravo. O
motivo era um truque que eu usara para quebrar o esquema de cartas que ele
organizou enquanto embaralhava o baralho. Na minha frente, Alê tentava
disfarçar o riso, fingindo não perceber a frustação do primo.
O truco não é um jogo difícil. Tudo o que uma pessoa precisa ter para
jogar é um baralho sem os números 8,9,10 (de todos os naipes) e o curinga. A
parte complicadinha é decorar quais cartas são as mais fortes. Por exemplo, a
três é mais “poderosa” de todas, depois vem o 2, A, K,J,Q,7,6,5 e 4. Porém,
ainda há as manilhas, que servem como, digamos, o “elemento surpresa”. Sempre
antes de começar o jogo, uma carta é retirada do baralho virada para cima. A
carta seguinte será considerada a mais forte e mandará na partida. Como tirei o
número 4 ao cortar o baralho, o cinco seria o “manda chuva” da rodada (ou da
mão, como se diz no truco).
Para completar essa parte da manilha, ainda há os naipes. O mais “bam
bam bam” de todos era o Paus, ou Zap, como é conhecido entre os “truqueiros”.
Depois vem o Copas (Escopeta), Espadas (Espadilha) e Ouro (Pica Fumo).
Ok, talvez não seja assim tão simples, mas o fato de cada jogador
receber apenas três cartas acaba facilitando um pouco. Fica mais fácil
raciocinar sem ter as mãos cheias...
- Certo, hora do show. Pronta, parceira? – Alê perguntou depois que Edu
distribuiu as cartas. A expressão do carioca continuava séria.
- Sempre pronta – Concordei enquanto verificava as minhas cartas e
chegava à conclusão que aquela era a minha noite de sorte. Além de um três
espadilha, estava com um cinco de paus. Provavelmente aquelas eram as cartas
que o Edu havia preparado para o parceiro enquanto embaralhava, mas com a minha
interferência na hora do corte acabaram parando nas minhas mãos.
Mexi nos cabelos, enrolando os fios e colocando-os no meu ombro direito.
Aquele era um gesto que eu e Alê já havíamos combinado. Significava que eu
estava com a mão boa e iria pedir truco.
No jogo, uma partida normal vale apenas um ponto. Porém, quando se pede
“truco”, ela passa a valer três. Em casos muitos especiais, quando alguém está
com muita sorte e sai com a mão perfeita, a aposta pode aumentar para seis e
até 12 – pontuação máxima, quando as duplas são trocadas ou o placar é zerado.
- Poxa parceira, a coisa está russa aqui – Alê fez um drama, querendo
valorizar a partida. Eu sabia que ele realmente não estava com cartas boas,
porque já havia passado a língua pelos lábios – um outro sinal que costumávamos
usar.
- É, acho que seu primo nos pegou. Ele deve ter táticas cariocas que
ainda não conhecemos – entrei na onda de lamentação só para fazer charme.
Afinal, a grande graça do truco não estava no jogo em si, mas sim no blefe e
nos “macetes” que aprendíamos para ficarmos com as melhores cartas. Assim como
o poker, o truco é um jogo no qual você sabe que o adversário vai trapacear. O
seu papel é cumprir essa tarefa melhor do que ele.
- Ué, o que aconteceu com toda a marra de vocês? – Caio provocou, seu
ego inflando cada vez mais de tamanho.
- Só porque você tocou no assunto – Edu puxou uma de suas cartas e a
apontou para mim – vou começar mostrando todo meu poder carioca – ele completou
lançando um três de copas na mesa.
- Uaaauuu! Isso que eu chamo de começar com o pé direito – comentei
lançando a minha carta mais fraca: um quatro pica fumo.
- Vou deixar você fazer essa rodada, parceiro – Caio
avisou fazendo a sua jogada.
- É... serei obrigado a deixar o
Edu ganhar essa – o skatista jogou um sete na mesa – Mas não se preocupa, Gabi.
É sorte de principiante. Já, já, passa...
- Sorte de principiante, é? – o
loiro questionou pegando as cartas que jogamos e as colocando embaixo do monte –
Então segura essa aqui – ele jogou um cinco escopeta na mesa – E eu quero
truco! – gritou na sequência, chamando a atenção de todos – E aí, Gabriela? Vai
encarar?
Do meu lado, o Caio gritava palavras de incentivo para o parceiro
enquanto eu e o Alê esperávamos em silêncio.
- E aí, encara ou não, bonequinha? – ele voltou a provocar depois de
bater na mesa em um gesto intimidador.
- Parceiro, o que você acha? – perguntei com a voz calma, tentando
demonstrar o mínimo possível as minhas intenções.
- Olha parceira, acho que você deveria mostrar para ele quem é a bonequinha
aqui – ele respondeu de forma sarcástica.
- Achei essa uma ótima ideia – sorri de forma irônica olhando feliz da
vida para a minha manilha. Aquela rodada estava no papo – Se é para trucar,
então vamos fazer isso direito. Eu quero seis!
- Você ouviu o que ela disse? Ela pediu seis, rapaz! SEEEEEEIIIIIIIIS!
Segura essa agora, Eduardo – Alê bateu na mesa, provocando os adversários. O
resto do pessoal que estava na festa acabou entrando no clima e gritando frases
de incentivo para nós.
Fixei meu olhar no do Edu esperando por sua resposta. Eu sabia que ele
estava sem saída e aquilo me fez sentir poderosa. Era algo inexplicável, mas
aqueles olhos verdes pareciam estar permanentemente me desafiando, me tirando
do meu lugar comum. De repente, provar que eu era muito mais do que ele
imaginava se transformou no objetivo daquela partida.
- Estou pagando para ver – foi tudo o que ele disse, fazendo cara de
quem estava menosprezando a minha carta.
Quando lancei minha manilha sobre a mesa vi o loiro arregalar os olhos e
balançar a cabeça enquanto o Alê comemorava fazendo muito barulho.
- Quem é a bonequinha agora? – questionei me sentindo a tal.
Ele não respondeu. Ao invés disso, pegou seu copo de cerveja e deu um
longo gole, os olhos cravados em mim.
Dali em diante o jogo pegou fogo. Meu parceiro estava em um dia
inspirado e eu, como já havia percebido, com sorte. O resultado disso foi que
chegamos à pontuação máxima vencendo mais duas partidas enquanto nossos
adversários conseguiram somar apenas quatro pontos com uma vitória e um empate.
- Podem vir os próximos que esses daqui já são fregueses – Alê
comemorou, empolgado.
- Hããnnn, parceiro – chamei com a voz baixa – Se importa se eu não jogar
a próxima? – discretamente, desviei o olhar para baixo da mesa.
Graças aos céus, ele foi inteligente o suficiente para perceber o que
queria dizer. Meu pé estava doendo. Não era nenhuma dor insuportável, mas com a
apresentação se aproximando, eu não poderia me dar ao luxo de ficar machucada.
Minha mãe jamais me perdoaria por isso.
- Está tudo bem? – ele quis saber.
- Sim, sim... Vai melhorar – tentei parecer otimista.
Por sorte, ninguém reparou no nosso diálogo. A festa estava bombando com som alto e muitas conversas. Pelo que entendi, Natália e Mel queriam
aprender a jogar truco e estavam tentando organizar as duplas e os professores
para ajudá-las.
Aproveitei o momento de animação para sair de mesa e ir até a cozinha. O
cômodo estava escuro, mas a luz que vinha do Gueto fornecia iluminação o
suficiente para que eu pudesse enxergar onde estava indo. Como frequentava a
casa há muito tempo já sabia onde tudo estava guardado. Por isso não foi
difícil pegar o gelo no congelador e enrolá-lo em um pano de prato. Sentei em
uma cadeira, tirei o sapato e apliquei a compressa no lugar machucado, rezando
para que não fosse nada demais.
- Está inchado? – quase cai da cadeira quando ouvi alguém perguntar.
Virei o rosto na direção da porta e lá estava ele. Os olhos brilhando
perigosamente na minha direção.
- Não, só está doendo um pouco. Não é nada demais, mas não quero correr
o risco – minimizei o problema. Não queria fazer um drama logo no primeiro
encontro.
- Que zica isso! Daqui, deixa eu te ajudar
– disse, caminhando em minha direção, puxando uma cadeira e sentando-se na
minha frente. Com um gesto firme e decidido, puxou a minha perna e a pousou no
seu joelho. Depois passou a examinar o meu tornozelo.
Fiquei parada, com o gelo na mão, assistindo a cena sem ter reação. Ou
aquele era realmente o meu dia de sorte, ou lá no Rio as pessoas tinham um
jeito muito mais direto de fazer amizades.
- É, não está inchado mesmo – ele concluiu – Onde doi? – ele passou a
apertar meu tornozelo em diferentes pontos e por um momento fiquei tão
deliciada com seu toque na minha pele que até esqueci da dor.
- Aí, aí... Nesse ponto – avisei quando ele desceu a mão pela lateral do
meu pé – Perto desse ossinho.
- Beleza! Tenho certeza que depois dessa massagem passa – o surfista
avisou concentrado em sua tarefa.
Fiquei ali, com a perna esticada, com o pé entre as mãos de um garoto
que eu acabara de conhecer e, coincidentemente, era a razão do meu pé estar
ferrado. Era isso o que as pessoas queriam dizer quando falavam a velha frase
“a vida é uma caixinha de surpresas”?
- A boneca perdeu a fala? – Voltei à realidade com o loiro estalando os
dedos na minha frente de forma provocativa.
- O que você disse? – fiz cara de brava. A verdade é que não sabia o que
deveria sentir: raiva por ele me provocar? Medo por mexer tanto comigo?
Entusiasmo por, enfim, a mudança que tanto queria finalmente chegar?
- Perguntei que apresentação é essa que você vai fazer... – ele revirou
os olhos, impaciente por ter que repetir. Mas que garoto petulante!
- Será uma apresentação de Romeu e Julieta
- Então você é bailarina e atriz? – sua cara de dúvida me fez rir.
- Não, não... Será uma apresentação de dança, só que contando a história
do clássico. Isso é o que chamamos de ballet de repertório – expliquei de modo
resumido.
- E qual é o seu papel na peça, ou ballet, sei lá...? – Edu gesticulou
com a mão demonstrando que estava confuso.
- É um ballet, só que de repertório... – repeti para que entendesse - E
eu faço a Julieta.
- Uaaauuu! Então você é a donzela que arrisca tudo por amor? – claro que
ele tirou sarro.
- Não, esse é apenas o papel que represento no palco – foi a minha vez
de revirar os olhos.
- E qual é o papel que você representa na vida real? – pela expressão
centrada, deu para perceber que ele não estava brincando.
- Eu não represento um papel... – retruquei na hora.
- E por que todo mundo te chama de bonequinha de porcelana? – senti uma
pausa na massagem. Droga! Ele estava mesmo querendo saber.
- Haamm... Acho que é porque eu sempre dancei ballet a minha vida
inteira, ou porque tenho uma mãe muito rigorosa que pega muito no meu pé...
Também tem a minha aparência que ajuda bastante, né? – mexi nos cabelos meio
nervosa, trocando a compressa de gelo de mãos – Ser branca que nem um fantasma
ou como porcelana, como costumam dizer.... E sei lá... Acho que tudo contribui
para isso, afinal. Minha vida sempre seguiu um rumo tranquilo, sem muitas
curvas... Acho que por isso que sou assim... – acabei desabafando, indo muito
além do que queria expor.
- A Julieta perfeita – ele deu um meio sorriso, e fiquei sem saber se
aquilo era algo bom ou ruim – E por que sua mãe vai te matar se você se
machucar? – meu pé voltou a ser massageado enquanto emendava outra questão.
- Isso é um interrogatório? – cruzei os braços fazendo birra. O gelo
começava a derreter, mas não me importei com aquilo.
- Não, só quero saber mais sobre a Julieta. Vai que a vaga de Romeu está
disponível... – Edu deu ombros, como se estivesse falando algo totalmente
corriqueiro.
Foquei em seus olhos verdes, procurando por algum resquício de ironia,
ou brincadeira. Não achei. Me remexi na cadeira, inquieta. O que aquilo
significava?
- Minha mãe é coreógrafa da peça. Ela é professora de dança clássica e
foi bailarina por muitos anos. Só interrompeu a carreira porque ficou grávida
de mim – expliquei, olhando para baixo, sem coragem de encará-lo.
- Então você faz ballet por causa da sua mãe? – as perguntas
continuavam.
- Sim e não... Mas isso é uma longa história – desconversei. Aquela era
uma questão que me incomodava já há algum tempo. Por isso, era melhor fugir dela,
pelo menos até que eu pudesse encontrar a resposta... – Mas e você? Estou
curiosa para saber como veio parar na nossa cidade.
- Bom, como você já sabe, sou primo do Alê e morava no Rio. Como meus
pais são bancários, nós já mudamos de cidade muitas vezes, geralmente por causa
do trabalho dos dois. Mas dessa vez o motivo é meu irmão. Ele passou para
medicina na USP e, como minha mãe não quer ficar longe dele, deu um jeito de
pedir transferência para cá já que a cidade fica mais perto de São Paulo. Eu e
ela viemos primeiro para resolver as questões do meu colégio, da casa e do
trampo dela. Meu pai chega depois. Meu irmão vai direto para São Paulo cuidar
do apartamento, ou melhor, “apertamento” que ele alugou perto do campus. A
ideia é ele vir nos visitar aos finais de semana – ele explicou apertando meu
pé de maneira tão suave que eu mal sentia seus dedos.
- E você vai morar no nosso condomínio?
- Não. Estamos hospedados na casa do Alê por enquanto, mas é só até a
nossa ficar pronta. Pelo o que entendi, vou morar nesse bairro aqui. É Itapema
o nome, né? – concordei com a cabeça – Você também mora no condomínio onde fica
a casa da minha tia?
- Sim, na mesma rua, inclusive – disse.
- Seremos vizinhos temporários, então? – ele abriu um sorriso
provocante.
- É o que parece... – foi tudo o que consegui dizer depois de recuperar
o fôlego.
- Essas marcas no seu pé são por causa do ballet? – o surfista passou a
encarar as bolhas e calos que existiam ali, principalmente na região dos meus
dedos.
Sentindo o rosto arder de tanta vergonha, apenas gesticulei com a cabeça
dizendo que sim. Eu nunca gostava de mostrar os meus pés por conta das marcas
que horas e horas de ensaio e esforço me causavam. A verdade é que todo mundo
julga uma bailarina como um ser lindo, leve, ágil e até mesmo frágil, mas para
alcançar tal patamar nossos pés sofriam muito dentro das sapatilhas e todo
nosso corpo era constantemente exigido durante as aulas.
- Caramba! Quantas horas você ensaia por dia? – ele olhava cada marca
como se fosse algo precioso, e não cicatrizes feias e disformes. Aquilo me
tocou porque eu mesma, em alguns momentos, não conseguia encará-las daquela
maneira.
- Depende... Para essa peça ensaiamos duas horas por dia em ritmo bem
puxado. Também tivemos aulas de interpretação para ajudar na construção das
cenas – expliquei – Mas dependendo do dia, eu chego em casa e ainda continuo
praticando. Minha mãe sempre diz que é a prática que leva a perfeição.
- Nossa, tenho certeza que você ama muito o que faz. Senão não
suportaria toda essa pressão, nem que fosse só para agradar sua mãe – ele concluiu,
agora mais preocupado em analisar o meu pé do que massageá-lo.
- Ai Gabi, finalmente achei você! Veeeem! O Alê está te chamando para
jogar... – a Mari entrou distraída na sala segurando um copo nas mãos. Pelo seu
nível de “felicidade”, eu poderia apostar que ela estava bebendo vodka ou
participando da rodada de porradinha. Porém, ao ver a cena, sua voz falhou e
seus olhos ficaram arregalados como se não pudesse acreditar no que estava
acontecendo – ...a próxima rodada – minha amiga precisou fazer um tremendo
esforço para se recuperar e terminar a frase.
- Hãã... O Edu estava só me ajudando, porque meu pé ainda estava doendo.
Você lembra, né? A gente esbarrou um no outro quando ele chegou e eu acabei
torcendo o tornozelo – corri me explicar, ao mesmo tempo que puxava o meu pé, o
enfiava dentro do sapato e ficava em pé, tudo em menos de cinco segundos. Eu
nem lembrava se havia mesmo falado sobre o encontrão, mas agora isso não
importava. Eu só queria justificar aquela situação de tamanha intimidade com
alguém que eu acabara de conhecer.
- Pois é... Eu não quero ser o responsável por prejudicar a Julieta. Os
Capuletos podem passar a me odiar como fazem com os Montecchios... – ele fez
graça, mas pelo jeito que mexia no cabelo dava para perceber que não estava à
vontade com o flagra.
- Ahh, a Gabi vive fazendo drama por causa dessa peça... – Mari
desdenhou querendo minimizar os meus problemas, como sempre costumava fazer. Às
vezes isso era ótimo, mas naquele momento não gostei nem um pouco. Ela sabia
muito bem a importância que aquela apresentação tinha para mim.
- Drama? Ensaiar duas horas por dia, ter o pé cheio de marcas e encarar
um palco cheio de gente te assistindo... Pra mim isso não é fazer drama –
fiquei exultante com a resposta do Edu. Caramba! Finalmente alguém que entedia
que não dava para ter uma vida de adolescente normal por causa da seriedade e
responsabilidade que o ballé exigia.
- Não, eu sei... Mas só uma trombada não vai zuar o pé dela. Já passamos
por situações muito piores e ela conseguiu ensaiar no dia seguinte – Mari se redimiu
dando um sorriso amarelo – E agora vamos! Estamos só esperando vocês para
começar a rodada. Gabs vai jogar com o Alê, como sempre, e você – ela pegou a
mão do Edu, puxando-o para fora da cozinha – vai jogar comigo.
Ele lançou um olhar rápido na minha direção que eu entendi como “puts,
que chato” e seguiu a minha amiga que falava sobre seus talentos no truco de
forma um pouco entusiasmada demais, na minha opinião.
Não tive opção se não segui-los. Coloquei a bolsa de gelo improvisada na
pia e depois caminhei até o Gueto.
O restante da festa passou como um borrão para mim. Lembro de ter
vencido todas as rodadas com meu parceiro, de ter bebido cerveja até ficar bem
alegre e de dançar. Mas por onde quer que eu fosse, sentia o olhar dele me
seguindo. E era uma sensação estranha, porque, ao mesmo tempo que me intrigava,
também fazia meu coração bater como um louco.
Como era possível que tão belos olhos pudessem causar atração e medo ao
mesmo tempo?
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Notas finais: Nesse capítulo deu para conhecer um pouco melhor o Edu e a Gabi, né? E aí, o que acharam? Será que o carioca está afim dela? E Gabi, será que vai cair na dele?
Gente, mas esse Edu é muito cheio de marra! kkkkkk Partiu pra cima mesmo!
ResponderExcluirE gente essa Mari é tipo, muito Mari! (se é que me entende kkkk)
beijos
Acho que podemos dizer que a Mari não é só inspirada na "Mari". Ela é, praticamente, uma cópia fiel da pessoa! hahahah
ExcluirOk, para ser justa, mais para frente ela vai fazer umas "maldades" que não serão assim, tão fiéis a nossa amiga.
Já sobre o Edu, sacou que ele não é assim, tããããooo parecido com o original, né? Na vida real, acho que ele ainda estaria na festa, encostado em um canto, esperando alguém puxar assunto com ele. hahahaha