segunda-feira, 13 de julho de 2015

Capítulo 15 – Quarta-feira de cinzas – Parte II

Notas iniciais: Não, eu não fui abduzida por extras terrestres. Capítulo demorou, mas saiu! Espero que gostem!
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No capítulo anterior:

Resolvi especular o que acontecera na minha ausência com a Carol. Como estava me esforçando para não responder o Edu, acabei ficando distante das redes sociais durante a viagem. Eu precisava de uma atualização geral para poder definir os meus próximos passos.

“Cááá, cheguei! Acabo de desembarcar na Terra da Garoa. Estou pegando o táxi para GMA.”

Digitei usando a abreviação do nome da nossa cidade.

“Ebaaa! Estava com saudades, Gabs”.

A Carol, como sempre, estava online no Whats.

“Eu também! Aliás, quero relatório completo. Como estão as coisas?”

“Ai Gaaabs... Não vão nada bem. Você não vai gostar do que tenho para te contar”.

Respirei fundo me preparando para o que estava por vir. Pelo visto, a quarta-feira realmente seria de cinzas.

“Ai Carol, o que aconteceu? Fala logo, antes que eu tenha um treco”.

Precisei apagar e reescrever a mensagem várias vezes. Fiquei tão nervosa que não conseguia digitar direito. Senti cada parte do meu corpo ficar tensa. Minha intuição me dizia que era algo relacionado ao Edu e a Mari.

“Você sabe que eu estava tentando me manter neutra nessa história, né? Como você e a Mari são minhas amigas, não queria ter que defender uma e ser injusta com a outra. Mas agora não dá mais... Fiquei me sentindo horrível ontem. Chorei muito sem saber o que fazer. Quase te liguei para a gente conversar. Só não fiz isso porque sabia que estava viajando e pelas fotos você estava curtindo muito o passeio”.

A cada palavra eu sentia minha alegria ir diminuindo até sumir completamente. No seu lugar, a velha e conhecida sensação de medo e ansiedade tomou conta de mim. Minha mente girava em alta velocidade, imaginando mil situações diferentes, cada uma mais terrível que a outra.

“Carol, o que aconteceu? Me fala, pelo amor de Deus. Você está me deixando preocupada”.

“Espera, vou explicar por áudio”.

Peguei o fone dentro da bolsa e conectei ao celular enquanto esperava. Fiquei encarando a mensagem de “gravando aúdio” na tela, amaldiçoando cada minuto de espera. O que ela tanto tinha para falar? Será que não dava para resumir?

Assim que a mensagem de voz chegou apertei o play para ouvir.

“Gá, lembra que estávamos agitando no colégio de ir no show do Michel Teló?”.

Parei um segundo para lembrar. A prefeitura da cidade sempre organizava uma programação especial de shows para celebrar o carnaval. Naquele ano, teríamos vários cantores de sertanejo, como Thaeme e Thiago e Luan Santana. Lembro que o pessoal estava agitando para ir no do Michel, mas não estava nada certo ainda. E com a festa do Gueto para organizar, isso acabou ficando em segundo plano.

Bufei de raiva. Se a notícia tinha a ver com o show, então era pior do que eu imaginava. Nessas apresentações de Carnaval sempre rolava “pegação”. Inclusive, foi em um dessas comemorações que a Carol conheceu o Caio e o “rolo” deles teve início. Caramba! Não dava para acreditar que já tinha passado tanto tempo...

“Sei,sim. O Alê que estava agitando...”, respondi, ficando ainda mais impaciente. Será que não dava para ir direto ao assunto?

“Então, ontem a gente foi no show do Michel. O Alê chamou todo mundo no grupo e a Mari super agitou o rolê. Além de nós, o Edu e a Nathália também foram. O carioca não estava muito afim, mas a Marília e o primo o convenceram. A gente mal chegou e a Má já começou a colocar as garrinhas de fora. Ai Gabs, foi horrível... Ela ficou falando que você está se jogando em cima do Edu, que foi ridículo o que aconteceu na festa, que você parecia uma biscate se oferecendo para o carioca e que vocês só ficaram por causa disso”.

Precisei ouvir a mensagem três vezes para que “ficha caísse”. Meus olhos encheram de lágrimas e parecia que alguém amarrara um bloco de pedra no meu coração, de tão pesado e dolorido que ele estava. Como assim a Marília, uma das pessoas que eu considerava como a minha melhor amiga, poderia falar de mim daquele jeito?

E outra, eu não havia feito nada demais na festa. Tudo bem que fui quem tomou a iniciativa de beijar o Edu, mas ele não tinha reclamado, não é mesmo? Pelo contrário: pareceu gostar bastante dos meus beijos. Tanto que terminamos a noite no quarto dele.

“Cá, eu não acredito que a Marília disse tudo isso. E olha, isso me parece a suja falando da mal lavada. Afinal, não é exatamente isso que ela faz quando está afim de alguém?”, digitei, sentindo a raiva tomar conta de mim.

“Pois é... Eu também pensei nisso. É sempre a Má que toma a iniciativa com os garotos que ela está afim. Ela chama no Whats, vai até onde eles estão de propósito... Sem falar que vive pegando no meu pé falando que sou ‘mole’ demais com o Caio. Difícil saber o que ela quer da vida”. O aúdio da Carol chegou logo na sequência.

“Marília resolveu pegar no meu pé por causa do Edu, só pode! Só não consigo entender o que ela ganha com isso... Mas e aí? O que aconteceu depois disso? Ninguém falou nada?”, perguntei, cruzando os dedos para que alguém tivesse saído em minha defesa.

“O Edu ficou apenas ouvindo, sem falar nada. Já o Alê ficou super bravo. Ele disse que a Marília era uma falsa, que estava ‘viajando’, que todo mundo sabia que você não era desse jeito. Os dois discutiram sério e ele saiu de perto da gente antes mesmo do show acabar. Na hora eu não falei nada porque não queria me meter nesse rolo de vocês. Mas quando cheguei em casa, me senti péssima. Desculpa, Gabs. Eu também deveria ter te defendido. A Mari passou dos limites dessa vez”. Pelo seu tom de voz dava para perceber que a Carol realmente estava arrependida.

Respirei fundo, controlando as lágrimas que ameaçavam rolar do meu rosto. Eu nem sabia por que estava prestes a chorar: tristeza, raiva, medo, mágoa... Pela janela do carro eu via o mundo lá fora passar como um borrão enquanto eu tentava me encontrar no meio daquela confusão de sentimentos.

“Pois é... Estamos tão acostumadas a ver, e até ajudar a Mari, a fazer esse tipo de coisa com outras pessoas que nos esquecemos o quanto pode doer ser vítima das armadilhas dela”, escrevi, me forçando a recuperar o foco. Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes a Marília tinha arrumado brigas no colégio. Sempre que alguém se metia em seu caminho, era exatamente aquilo que a loira fazia: inventava calúnias, falava mal do seu comportamento, fazia o possível para que seu “oponente” perdesse a credibilidade. Como era muito popular, ela sempre vencia no final. E eu e a Cá sempre colaborávamos com os seus planos e nos divertíamos da situação – a Mari tinha o poder de tornar tudo engraçado, como se não estivéssemos machucando ninguém e sim contando uma piada muito boa. Agora eu estava sentindo na pele o quanto doía estar na situação inversa. Eu só não conseguia entender o porquê ela me escolheu como seu alvo....

“Acho que foi por isso que fiquei tão mal. Sério, Gabs. Eu me senti péssima. Fiquei achando que era a pior amiga do mundo por não ter ficado ao seu lado. E ainda teve todo o rolo com o Alê...”, o ânimo da Carol no áudio só não era pior que o meu.

“Rolo com o Alê? Como assim?”. Fiquei preocupada. Não bastasse a minha situação, o meu amigo também estava em apuros?

“Então... antes de contar a segunda parte da noite, preciso te atualizar de algo que aconteceu na festa. É que... eu e o Alê ficamos”, ela vacilou ao falar a última parte, como se estivesse com vergonha ou arrependida.

“Oi? Como que é? Explica isso direito, Carolina!”, exigi.

“Não tem como explicar. A gente bebeu muito na festa e o Alê, como sempre, foi superfofo comigo. Aí juntou a minha carência por causa do término com o Caio e deu no que deu”, agora era oficial: pela sua voz, a Cá estava arrependida.

“O Alê é um fofo mesmo. Entre ele e o Caio, o nosso amigo é mil vezes melhor. Ai Cá, eu adorei a novidade. Vocês tem o meu apoio. Acho que você se deu bem nessa história”, um meio sorriso surgiu nos meus lábios enquanto digitava aquelas palavras. Finalmente uma “luz no fim do túnel”.

“Não Gabi, nada a ver isso. O Alê é nosso amigo, sempre foi. Além disso, a gente não tem nada a ver. Ele é todo largado, sonha em ser skatista, não está nem aí para nada, é ‘maior vida loca’... Eu e ele somos muito diferentes. E também... depois de ontem, não quero ver o Alê nem pintado de ouro na minha frente”. Fiquei confusa depois de ouvir aquele áudio. De triste e arrependida, a voz da Carol foi para “super/mega brava”. Tinha algo de muito errado naquela história...

“Carol, será que dá para parar de enrolação e ir direto ao ponto, criatura? Conta o que aconteceu de uma vez”. Era tanta confusão que, por um minuto, eu até esqueci da Marília e do Edu.

“Foi assim... Depois que o Alê saiu, eu fiquei um tempo com o restante do pessoal. A Mari nem se abalou com a briga e continuou falando mal de você. Só que ela te criticava e elogiava a Nathália, como se quisesse insinuar que aquele projeto de perua fosse melhor que você. Nossa Gabs, não sei como a Má conseguia falar aquelas coisas... Disse que você era feia, sem graça, que ficava fazendo drama por causa do balé... Não consegui ficar nem cinco minutos perto deles. Fiquei com tanto nojo que fui atrás do Alê. Quando encontrei, perguntei se estava tudo bem e ele começou a desabafar falando que achava a atitude da Marília ridícula. Eu concordei e ficamos conversando, mas aí ele veio tentar me beijar e eu não deixei. Quando quis saber o porquê, eu dei a mesma justificativa: que ele era ‘vida loca’ demais e a gente não combinava.  Aí ele ficou nervoso e começou a me ofender, dizendo que eu era tão hipócrita quanto a Marília. Que aceitava ser feita de boba pelo Caio, porque ele é um ‘boyzinho’ bem vestido, mas que morre de medo de perder o ‘status’ de ‘popular’ por causa dele”.

Encarei a tela sem saber o que responder. Embora achasse a atitude do meu amigo um pouco radical, eu concordava com ele. Afinal de contas, a própria Carol acabara de confessar que não teve coragem de me defender diante às afrontas da Mari – na certa porque tinha medo de ser a próxima “vítima” da loira. E em relação ao Caio... bom, todo mundo sabia que o cara fazia a Cá de “gato e sapato”. Tanto que teve a audácia de terminar o “lance” dos dois na festa que ela estava organizando e ainda ficou para beber cerveja de graça.

“Cá, entendo que vocês tenham estilos diferentes. Mas o Alê é super gente boa. Nós crescemos juntos, lembra? É um ótimo pretendente para você”, defendi o skatista.

“Ótimo pretendente, Gabi? Fala sério, né? Uma coisa é ser amiga, outra é ficar com o cara. Não tem nada a ver. Não vou pagar esse mico!”, a voz dela transmitia tanto nojo que me senti até enjoada. Como ela poderia falar daquele jeito do nosso amigo? O que estava acontecendo com todo mundo?

“Você falou que nem a Marília agora. Credo, Carolina! Que bobagem é essa? O Alê é um dos caras mais bacanas que conheço”, mantive o meu ponto de vista.

“Você também com esse papo que sou igual a Mari? Que foi? Você e o seu ‘amiguinho’ combinaram de pegar no meu pé?”. Percebi que ela estava ficando ainda mais brava, então decidi mudar de assunto. Eu tinha questões mais importantes para me preocupar naquele momento.

“Bom, você sabe o que faz... Voltando ao Edu e a Marília, e aí? Você sabe se rolou alguma coisa entre o carioca e a Nathália?”, fiz a pergunta de um milhão de dólares.

“Desculpa Gabs, mas não sei de nada. Eu não consegui mais encontrá-los depois da briga com o Alê. Mas pela propaganda que a Marília fez e pelo tamanho do decote daquela garota, olha... não duvido nada que tenha acontecido alguma coisa”.

Respirei fundo várias vezes seguidas para segurar a vontade de chorar. Eu queria gritar, bater em alguém, jogar o celular pela janela... qualquer coisa que pudesse extravasar a raiva que estava sentindo. Justo agora que eu achava que tudo ia dar certo... Parecia que alguém ficava só esperando: sempre que eu conseguia colocar ordem na bagunça que a minha vida se tornara, vinham  e tornavam a revirar tudo.

- Que cara é essa, filha? – minha mãe perguntou, desviando a atenção do livro que estava lendo.

- Nada, não... Só cansaço... – improvisei.

- Deu para aproveitar bastante, né? Valeu muito a pena essa viagem – ela sorriu de uma maneira saudosa – Mas agora é bom você se preparar. Vou pedir para a nutricionista montar a sua dieta e eu mesma vou cuidar dessa pele queimada de sol, né? Teremos pouco tempo para recuperar a sua antiga forma...

Apenas concordei com a cabeça, sem nem dar atenção ao discurso de “uma bailarina precisa cuidar do seu corpo”. Minha mente estava muito longe dali.

Apesar do ar condicionado forte do carro, eu me sentia sufocada. Eu precisava falar com alguém, colocar para fora tudo o que estava sentindo, pedir conselhos, ganhar colo... Mas quem? Acabei apelando para a pessoa mais improvável para falar sobre garotos: o Alê.

“O que é que a baiana tem?”, ele respondeu com seu típico humor alguns minutos depois de eu chamá-lo no Whats.

Tenho vontade de oferecer a Carol e a Mari, aquelas duas coisas ruins, como oferenda para Iemanjá”, tentei parecer um pouco mais feliz do que realmente estava.

“Ela vai devolver. Iemanjá só fica oferenda de primeira classe. É a Rainha do Mar, né querida? Não aceita qualquer coisa”.

Como alguém poderia querer ficar longe de uma pessoa como aquela? O Alê conseguia alegrar qualquer pessoa com as suas palhaçadas.

“Pelo jeito você já está sabendo o que rolou no show do Michel Teló, né?”, ele questionou logo na sequência.

“Carol acabou de me atualizar dos últimos acontecimentos. Tenho apenas duas coisas para falar. Primeiro: OBRIGADA por me defender. Você foi o único que se importou comigo. Segundo: Que babado é esse de ficar com a Carol e depois brigar com ela? Eu viajo por alguns dias e vocês deixam tudo de pernas para o ar?”, fiz questão de agradecer em letras maiúsculas para frisar o quanto gostei da atitude do meu amigo.

“Não fiz mais do que a minha obrigação, Gá. Nunca aprovei a atitude da Marília, mas nunca falei nada porque você e a Cá pareciam não se importar. Mas dessa vez foi diferente. Não suporto hipocrisia e gente que não honra com a sua palavra. Se ela é sua amiga, então seja sua amiga, caramba! Não é porque um cara bonitinho chegou no colégio que ela precisa pirar desse jeito”.

Com certeza ele estava falando do Edu... Desde a chegada do carioca tudo estava fora do lugar.

“Já sobre a Carol, estou meio mal por tudo o que aconteceu. Não queria ter sido grosso com ela, mas já estava nervoso por causa da Marília e acabei perdendo a linha. Na boa... nunca achei que ouviria aquelas coisas da boca da Cá. Falar que não ficaria de jeito nenhum comigo por causa do meu jeito? Então ela prefere sofrer com o Caio só porque ele tem cara de bom moço?”

Eu realmente não conseguia entender a lógica da Carol. Para mim, a única razão para ela agir daquela maneira era para evitar chamar a atenção do pessoal do colégio e não criar “falatório”. Ela sempre fez a linha mais “discreta”.

“Ai, ai... O que a gente faz com essas meninas?”, digitei, soltando o ar pesadamente. Desviei o olhar para a janela como se estivesse procurando uma saída. O táxi passava pela entrada da cidade. Em alguns minutos, eu estaria de volta a minha casa.

“Com a Carol eu não vou fazer nada. Pensei que ela fosse o tipo de garota que valesse a pena, mas percebi que só é mais uma ‘seguidora’ da Marília. Aliás, falando na Mari, acho que você precisa ter uma conversa séria com ela. Tipo ‘papo reto’ mesmo. Aquela garota já passou dos limites”.

Fiquei assustada ao ler as palavras do Alê. O skatista sempre fora gentil e costumava relevar todas as nossas ‘chatices’ de garotas. Tudo indicava que a briga com a Carol e a Mari fora mais grave do que eu imaginava, para ele falar daquele jeito.

 “Você está certo. Eu já havia decidido fazer isso antes mesmo de saber tudo o que aconteceu no Carnaval”, contei. Nas minhas conversas com a Raíssa, ela me aconselhara a colocar a Mari contra a parede e resolver essa questão de uma vez por todas.

“Boa sorte! Se precisar de ajuda para se livrar do corpo depois, é só chamar”, ele brincou me fazendo cair na risada, bem na hora que chegamos na porta de casa.

Enquanto minha mãe pagava a corrida e descarregávamos as malas, voltei a chamar a Carol no Whats.

“Vou pedir para a Mari me encontrar amanhã de manhã na escola antes da hora da entrada. Quero conversar com ela. O que acha?”

“É uma ótima ideia. Só não fala que fui eu quem te contou da briga dela e do Alê, ok?”

Balancei a cabeça, inconformada, com a resposta da Cá. Impossível alguém ficar “mais em cima do muro” do que ela.

Coloquei as malas no chão do meu quarto e fui direto para a ducha. Eu queria pensar antes de fazer qualquer coisa. Lidar com a Mari não seria fácil. Eu precisava me preparar para aquela conversa.

Chequei meu celular assim que saí do banho. Tinha mensagens da Raíssa, Carol, Alê, até do Miguel, meu parceiro no balé... Mas do Edu, nada! Eu sabia que ele estava online. Então por que não falava comigo? Será que estava falando com a Nathália?

Aproveitando que uma nova onda de raiva tomava conta de mim, mandei uma mensagem para a Marília perguntando se ela aceitaria conversar comigo no dia seguinte, logo cedo.

“Combinado” foi tudo o que ela respondeu. Eu poderia apostar que ela já desconfiava qual seria o assunto principal do nosso encontro.

***
Mal consegui dormir tamanha era a minha ansiedade. Pesadelos terríveis me assombraram a noite inteira. Imagens do Edu me deixando, da Mari rindo da minha cara, de cair no mar e ser engolida pelas ondas, de estar sozinha em um palco diante de uma plateia que me olhava com olhares de repreensão... Acabei acordando antes do despertador tocar. Peguei o celular, desesperada por notícias do Edu. Nenhuma mensagem, nenhuma curtida em fotos, nenhum sinal de vida... Uma sensação estranha causou um gosto amargo na minha boca. Uma mistura de medo, angústia e preocupação. Por que o Eduardo tinha que ser tão instável? Um dia me amava, no outro mal me dava atenção...

Levantei da cama com enjoo e sentindo um peso estranho nos ombros, como se já estivesse muito cansada mesmo fazendo poucos minutos que estava acordada.

Vesti meu uniforme no modo automático, passei na cozinha para beber um copo de suco e comer algumas bolachinhas e saí com a mochila nos ombros. Fazia um calor gostoso e os raios da manhã tocavam o meu rosto como se desejassem boa sorte.

- Nossa, alguém torrou no sol lá na Bahia, né? – ouvi a inconfundível voz do Alê ao me aproximar do portão da sua casa.

- Caiu da cama? – me aproximei para abraçá-lo.

- Não queria te deixar sozinha com a víbora da Marília.

Lembrei que comentara sobre o encontro com ele na noite anterior e sorri como forma de agradecer o seu gesto. Ter companhia para andar até o colégio seria ótimo. Ajudaria a espantar os “fantasmas” que andavam rondando a minha mente.

O Colégio Raízes, onde estudávamos, não ficava muito distante do nosso condomínio. Localizada em uma enorme área cercada por mata, a escola era dividida em duas partes: de um lado da estrada ficava os prédios do ensino infantil e primário. Já o outro lado era dedicado aos alunos do ginásio e ensino médio. Passávamos o dia inteiro ali, entretidos com as aulas normais e com atividades artísticas, prática de esportes, balé (classe da qual eu era dispensada por motivos óbvios), e outros eventos extra curriculares, como saraus, clube de poesia, exposições e toda sorte de tarefas que fizessem nosso cérebro ferver com tantas obrigações. Apesar do clima do colégio ser bem leve e ter bastante espaço, às vezes tantas aulas nos sufocavam. No fim do dia eram tantos deveres que os alunos não sabiam nem por onde começar.

Na hora do almoço, quase todo o colégio saía para comer em um pequeno centro comercial na frente do condomínio. Na verdade, tratava-se de uma rua com duas lanchonetes, uma papelaria, um restaurante por quilo além do restaurante japonês que o Edu me levara depois da apresentação de Romeu e Julieta. Porém, quando queríamos fazer um lanche rápido, comíamos na cantina que ficava dentro da escola. Cercada por um belo jardim, o espaço era ótimo para passar as manhãs e tardes de verão.

- Vou buscar um suco para nós – o skatista se ofereceu depois que escolhemos uma mesa em um canto mais reservado. Faltavam ainda cinco minutos para a hora marcada com a Marília. Olhei ao redor, mas não ainda não tinha nenhum sinal dela.

- Aqui. Suco de maracujá para acalmar os nervos – o Alê voltou com dois copos na mão. Precisei respirar fundo antes de estender o braço. Minhas mãos tremiam e suavam frio.

Já havia bebido metade do meu suco quando a loira deu sinal de vida.

- Desculpa, minha mãe ficou enrolando para me trazer – ela comunicou ao se aproximar da mesa, o rosto uma máscara de frieza.

- Bom madames, vou deixá-las a sós – o Alê se pronunciou colocando-se de pé – Gabi, rola emprestar o dever de matemática? Não consegui terminar... – emendou com um sorriso amarelo no rosto.

Rindo da sua cara de pau, peguei minha apostila dentro da mochila e coloquei em suas mãos.

- Valeu, Gabs! – piscou para mim antes de se afastar, me deixando sozinha com a Marília.

Essa era a hora.

- Senta aí, Mari – pedi, forçando uma simpatia que não existia. Só de olhar para ela eu sentia a raiva ferver nas minhas veias, como uma febre muito alta.

- E então, o que queria falar comigo? – questionou, deixando a mochila na cadeira onde o Alê estivera antes e sentando-se na do lado.

- Queria saber o que está acontecendo. Fiquei sabendo que você falou umas coisas estranhas sobre mim... – joguei o “verde”, na tentativa de conseguir uma confissão.

- Eeeu? Que tipo de coisas? – seu ar de cinismo era profundamente irritante.

- Sobre eu e o Edu. Parece que você andou me acusando de me jogar em cima dele, de estar ‘pesando’ demais na do carioca – Falei cada palavra como se estivesse desarmando uma bomba. Um movimento errado e bum! Tudo iria para os ares...

- Quem falou isso? – seu tom era de exigência.

- Não importa quem falou. Eu só quero saber se é verdade ou não – mantive uma postura firme, demonstrando que não estava disposta a negociar.

- Olha Gabi... – ela passou a mão pelos cabelos, assumindo uma posição menos ofensiva – tenho reparado que faz um tempo que estamos distantes, e acho que isso das pessoas ficarem se metendo na nossa amizade é o que está nos prejudicando. Tenho certeza que foi o Alê quem te contou isso... Acho ridículo ele ficar fazendo esse papel de “leva e traz”. Acaba criando essas briguinhas bobas.

Olhei para ela, incapaz de acreditar no que eu estava ouvindo. Era realmente sério que ela ia jogar a culpa no Alê?

- Não Mari, acho que você está enganada. O Alê não está causando nenhuma briguinha boba – imitei o seu tom sarcástico - Pelo contrário, ele só está tentando me ajudar. E consequentemente, te ajudar também, porque assim você pode se explicar. Poxa, não é normal ouvir uma pessoa do seu grupo de amigos falar mal de outro amigo... O Alê não achou justo e por isso veio me contar – estava tão nervosa que acabei gaguejando algumas vezes, mesmo me esforçando para me manter centrada. Eu não queria demonstrar fraqueza, mas não tinha como não ficar nervosa. A Mari parecia estar disposta a me tirar do sério com a sua falsidade.

- Eu não falei mal de você! – apressou-se em se defender. Senti vontade de revirar os olhos, mas me segurei. Queria ver até onde ela teria coragem de ir – Eu só estava preocupada. Foi o que eu disse, Gabi. Faz um tempo que a gente anda afastada. E eu sei que você está se envolvendo com o Edu. Tenho medo de você se machucar...

- Marília, ninguém está se machucando aqui. O Edu é um cara bem legal e a gente está se dando bem. Mas isso não significa nada além do que acabei de falar: estamos nos conhecendo e curtindo o lance que está rolando entre a gente. Não precisa se preocupar. Eu sei muito bem me cuidar – retruquei, mexendo as mãos sem parar e quase derrubando o meu copo de suco ainda pela metade.

- Se você diz... – a loira deu de ombros, como se aquilo não importasse para ela.

- Por que você está fazendo isso? – questionei, olhando fixamente nos seus olhos. Eu procurava por algum vestígio da Marília que eu conhecia, mas não conseguia enxergar nada além de descaso e desprezo.

- Isso o que? – sua voz era a de quem tratava de um tema chato e entediante.

- Por que está criando um muro entre a gente? A gente sempre foi superamiga... Foi só o Edu chegar que tudo mudou. Por que? – deixei minha armadura de lado e permiti que meus verdadeiros sentimentos transparecessem naquela frase. Eu precisava saber. Mais do que isso: eu queria a minha amiga de volta. Queria ter com quem dividir os meus problemas, alguém para rir das minhas burradas, um colo para buscar carinho quando tudo desse errado. Essas pessoas sempre foram a Mari e a Cá. Por que agora ela se recusava a cumprir o seu papel?

- Não estou construindo muro nenhum. Foi você quem se isolou, quem me excluiu da sua vida. E volto a dizer, tudo o que eu fiz foi para te proteger, Gabi. Não quero que você se machuque – ela repetiu o seu discurso ensaiado. Eu não conseguia mais decifrar o que era verdade ou mentira das suas palavras. Eu não conseguia mais reconhecer a Marília...

- Me proteger jogando a Nathália para cima do Edu, mesmo sabendo que eu estava ficando com ele? – não me aguentei e acabei colocando o dedo na ferida.

- Eu não joguei ninguém em cima de ninguém. Mas os dois são solteiros e livres até onde eu sei... – novamente aquele tom de cinismo capaz de tirar do sério até um monge tibetano – O Edu me pediu o Whats dela e eu passei. Foi só isso...

  Nunca a expressão “procurar agulha no palheiro” fez tanto sentido para mim. Era tanta informação e tantas emoções envolvidas que era praticamente impossível conseguir encontrar quais eram verdadeiras. Eu não sabia mais no que acreditar, muito menos o que pensar. Será que o Edu realmente estava caçando assunto com a Nathy? Será que, no fundo, a Mari tinha razão de querer me proteger?

- Olha Gabi, eu só quero ficar de boa com você. Não quero que nada atrapalhe a nossa amizade...

Por que, de repente, ficou tão difícil acreditar naquela frase?

- Eu também, Mari. Mas, sei lá... Parece que você passou para o outro lado. É como se antes fizéssemos parte do mesmo grupo, e agora estivéssemos separadas por time. Eu no A, a Carol no B e você no C... – usei o resto de forças que me restavam para continuar na conversa. Minha vontade era sair correndo dali, para um lugar onde ninguém pudesse me encontrar.

- Mas eu não passei para lado nenhum – mexeu as mãos, irritada.

- Passou sim. A Carol também acha isso – envolvi minha amiga na história, mesmo sabendo que ela desejava ficar “neutra”.

- Bom, eu não acho... Mas se vocês dizem... – deu de ombros - Acho então que devemos tentar reverter isso. Criar um novo grupo, deixar para trás essas “picuinhas” e começar de novo. O que acha? – não pude deixar de sentir uma pontada de ironia quando ela falou das “picuinhas”. Ela iria mesmo insistir em jogar a culpa nos outros?

- Seria ótimo – concordei, só para não estender ainda mais o assunto.

- Então ficamos assim. Vou falar com a Natália, Mel e Deby e você fala com a Carol. Todo mundo esquece o que passou e a começa de novo, de coração aberto. Vamos construir um novo grupo – sugeriu com uma empolgação forçada na voz.

- Perfeito! É uma ótima ideia – assenti. A pergunta “desde quando a Nathália faz parte do nosso grupo?” ecoando na minha cabeça como um alerta de incêndio. Para mim, sempre fomos nós três: eu, ela e a Cá. E só. Mesmo não aprovando a ideia. Guardei o pensamento só para mim.

- Vou já procurar as meninas. A gente se encontra na sala, ok? – a loira avisou, pegando suas coisas e me deixando sozinha.

Lentamente, deixei a mesa e caminhei até o banheiro mais próximo. Me fechei em uma das divisórias e encostei a cabeça na parede, esgotada demais para conseguir raciocinar. Fechei os olhos e permaneci na mesma posição por muito tempo, não me importando com as lágrimas silenciosas que insistiam em rolar pelo meu rosto.

Naquele turbilhão de sentimentos, de repente uma frase do livro Cidades de Papel surgiu na minha cabeça. Era parte de um diálogo entre a Margo e o Quentin, no prólogo do livro quando eles conversavam sobre a razão de um cara ter se suicidado.

“Talvez todos os fios dentro dele tenham se arrebentado”.

Nunca algo fez tanto sentido para mim. A única questão era: quantos fios ainda me restavam?
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Notas finais: Geeeente do céu, o carnaval rendeu, hein? Carol e Alê brigando, Mari fazendo a cínica e o Edu...... Bom, esse só fez papel de árvore, né? #ChateadaComOEdu

E a Gabi, gente? Deu uma dó... #ReageGabi

Mas ó, esse só o começo. Muitos forninhos vão cair ainda. Estamos a dois capítulos de começar a segunda fase e aí a coisa vai séria de verdade! PRE-PA-RA que vem fortes emoções por aí!

Já deu para perceber que estou empolgada, né? Hahahaha Juro que a demora vai valer a pena, gente. Juro, juradinho!


Beijocas e até o próximo capítulo!


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