quarta-feira, 22 de julho de 2015

Capítulo 16 – Por um fio

Notas iniciais: Fim da primeira fase, começo da segunda e o clima ficando cada vez maaaais tenso. Espero que gostem das 12 páginas de capítulo!
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Saí do banheiro depois que o segundo sinal tocou indicando o início das aulas daquela manhã. Meus olhos estavam inchados e um pouco vermelhos, por isso lavei o rosto várias vezes com água gelada para melhorar o meu aspecto.

- É... até que não está tão mal – falei para mim mesma.

Subi as escadas apressada, plenamente consciente de que estava muito atrasada.

- Com licença – pedi, assim que alcancei a minha sala e bati na porta.

- Entra, entra... E se apressa que a aula hoje é importante – a professora Marisa avisou com o seu típico jeito de mandona. Apesar de sempre se fazer de “durona”, ela era uma das nossas professoras prediletas.

Olhei para o meu lugar e, pela primeira vez, senti vontade de sentar em outra mesa. Eu costumava ficar na segunda fileira, na parte da frente da classe, entre a Carol e a Marília. Na fileira do lado estavam Nathy, Mel e Deby. Elas conversavam em voz baixa, animadas e pareciam nem ligar para a minha presença. Do outro lado, sentado no fundo perto dos “nerds” e renegados, estava o Alê. Até aquele momento eu nunca tinha entendido porque ele insistia em sentar ali, longe de todos. Agora, levando em consideração os últimos acontecimentos, eu começava a desconfiar que o meu amigo há muito tempo descobrira o que eu começava a perceber: às vezes, era melhor ficar só do que mal acompanhado...

Com a expressão preocupada, ele levantou o polegar querendo saber se estava tudo bem. Assenti com a cabeça, mesmo que meus olhos vermelhos denunciassem o contrário. Ali perto, um par de olhos verdes me espreitavam, curiosos. Quando foquei meu olhar no Edu, ele me ofereceu um sorriso tímido e um rápido aceno de mão. Retribuí o gesto antes de finalmente tomar coragem de ir me sentar.

Tentei prestar atenção na aula, mas foi impossível. Era como se alguém tivesse tirado uma venda dos meus olhos. De repente, eu via coisas que simplesmente não enxergava antes. O jeito esnobe e cínico que a Mari e a Nathália usavam para falar das pessoas, a forma como a Carol preferia se omitir para não bater de frente com elas e a maneira como a Débora e a Melina “puxavam o saco” delas na tentativa de ganhar “status”.

Minha cabeça rodava com tantas informações. Cheguei a ficar enjoada ao perceber a falsidade das meninas – com exceção da Cá. Estava na cara que aquele papo de começar de novo era tudo “balela”. No fundo, elas estavam só disfarçando, fingindo que não fizeram nada demais para não levarem a culpa. Conforme a situação foi clareando na minha mente, fui me sentindo cada vez menor, boba, uma pessoa dispensável, como um brinquedo velho que não tem mais tanta graça.

Eu mantinha a pose por fora, mas por dentro eu carregava um enorme vazio, como se tudo o que havia ali antes tivesse desmoronado como um castelo de areia.

Depois das aulas, as meninas decidiram permanecer no colégio para fazer os deveres em grupo. Fazia uma tarde gostosa e, em situações normais, eu adoraria ficar na área externa da escola, na sombra das árvores, conversando e fofocando enquanto copiávamos os deveres uma das outras. Mas naquele dia dei uma desculpa qualquer e fui para casa.

Coloquei os fones de ouvido e liguei o som no último volume enquanto caminhava pela pequena estrada que levava até o condomínio. Morávamos um pouco longe do centro, o que permitia um maior contato com a natureza. O caminho tinha árvores de diferentes tamanhos que cobriam o caminho com as suas longas sombras. O cheiro de terra e de mato misturava-se no ar, ajudando a criar uma sensação gostosa de liberdade, como se não houvesse preocupações ou problemas.

- Búú! – Ouvi alguém puxar o meu fone ao mesmo tempo que colocava a mão na minha cintura.

Virei, assustada, e dei de cara com o Edu. Seus cabelos estavam bagunçados e o rosto um pouco suado, sinal que indicava que ele correra para me encontrar.

- E aí? Tudo bem? – me cumprimentou com dois beijos no rosto, antes de voltarmos a caminhar lado a lado.

Fiquei olhando para a sua cara, tentando entender a razão porque ele não me cumprimentava com um selinho, pelo menos – Tudo certinho. E com você? – disse, desistindo de tentar entender as razões daquele garoto.

- “Tô” indo. Machuquei meu tornozelo ontem andando de skate com o Alê. Está doendo para caramba – o carioca fez careta apontando para o pé direito – Por isso que prefiro surfar. Quando você cai, pelo menos tem a água para amenizar o tombo. No skate você leva um “rola” e cai de cara no asfalto...

 - Não consigo te imaginar andando de skate... – deixei minha mente divagar um pouco, imaginando o carioca na praia, a pele molhada, os cabelos caídos no rosto...

- Mas você já me viu andando – ele rebateu.

- Eu sei. Mas sei lá... era algo de brincadeira. É diferente do seu primo. Parece que ele nasceu com o skate no pé. Você não. Não consigo te imaginar fazendo outra coisa que não tenha a ver com o mar – dei minha opnião, fixando meu olhar no seu rosto.

Ele retribuiu o olhar, e foi impossível não lembrar da noite que passamos juntos, do jeito que ele me abraçava, me chamava de linda, me beijava falando que adorava o meu perfume... Agora nós dois caminhávamos próximos, mas não havia toque, nem mãos dadas, muito menos beijo ou qualquer tipo de demonstração de carinho. Nem me chamar no Whats ele chamava... Como poderíamos ir do tudo para o nada assim, tão de repente?

- Minha mãe finalmente resolveu se mudar. Fiquei “mó” ocupado com a mudança esses dias – ele justificou sua ausência, como se estivesse adivinhando os meus pensamentos.

Meu estômago afundou a ouvir aquela notícia. Se mesmo perto ele já costumava ficar tão “longe”, o que seria de mim agora sem a proximidade com a qual eu me acostumara? Aproveitei que estávamos passando pela entrada do condomínio para desviar o olhar e dar oi para o pessoal da portaria. Não queria que ele percebesse o quanto fiquei chateada - Então você vai para o bairro da Carol?- retomei a conversa.

- Vou sim. Hoje já fico por lá. Vim só buscar umas coisas que faltaram – ele explicou.

Fiquei imaginando o quarto nos fundos da casa da Dona Melissa vazio, sem as roupas e a bagunça do Edu. Como seria o seu novo quarto? Será que um dia iria conhecê-lo?

- Você vai estar livre de mim – tentei brincar, me esforçando para que a frase não ficasse pesada demais.

- Vou estar livre é do Alê, aquele mala! Fica me metendo em roubada... Entro na dele e sempre me ferro. Meu tornozelo é prova disso – ele fez drama enquanto eu me perguntava se o carioca estava falando apenas do tombo de skate ou insinuando algo a mais. Afinal de contas, fora o skatetista que me apresentou para ele.

Percorremos o resto da caminho em silêncio. Estava sem ânimo para puxar assunto, como sempre costumava fazer quando estava perto do Edu. A conversa com a Marília não saía da minha cabeça. A cada vez que relembrava o nosso diálogo, eu me sentia ainda pior.  A sensação de ser descartável crescia dentro de mim como um buraco negro que engolia tudo o que via pela frente.

- E essa cara de brava? – ele enfim perguntou quando paramos na frente de casa. Eu nem havia percebido que ele passara reto pelo portão da dona Melissa.

- Sei lá... Acho que estou um pouco chateada – confessei mexendo no cabelo distraidamente.

- Mas você acabou de chegar de viagem. Não era para você estar feliz? – questionou tirando a mochila dos ombros e colocando sobre os seus pés.

Apenas o fitei, relembrando da minha empolgação na Bahia. Eu planejara contar para ele tudo o que havia aprendido por lá: o nome das praias do Rio, as gírias, a experiência com o Stand Up, a forma como adorei ficar no mar tanto tempo e como havia compreendido o fascínio que ele tinha pela praia. Como as coisas fugiam assim do nosso controle? Agora estávamos ali, e eu não mencionara uma palavra sequer sobre o meu Carnaval.

- Eu amei a viagem. Foi sensacional, sério! Tinha um monte de coisa para contar. Mas é que cheguei aqui e fiquei sabendo que a Mari estava falando um monte de coisas sobre mim... Nós conversamos hoje de manhã, mas acho que não resolveu muito. O clima está meio estranho entre nós... – minha voz soava fraca e distante, como se não pertencesse a mim.

- Mas... foi assim, de repente? Aconteceu alguma coisa para o clima ficar estranho? – sua expressão era a de quem estava “jogando o verde para colher o maduro”. Ele sabia que era o motivo da briga, eu estava certa disso. Mesmo assim, não quis facilitar.

- Não, nada aconteceu. Acho que é só uma questão da Mari perceber que não sou uma bonequinha de porcelana e que ela não precisa se preocupar tanto em me proteger. Talvez ela esteja tão acostumada a cuidar de mim que não percebeu que posso me virar muito bem sozinha. Acho que é uma questão de tempo... Até ela se acostumar – expliquei, tentando parecer que a situação era algo sem muita importância.

 - Mas vocês não podem deixar de ser amigas. Faz “mó” tempo que se conhecem e tals... Não é certo deixar uma bobagem atrapalhar isso.

- Relaxa, não vai atrapalhar. Tenho certeza que já, já passa – forcei um sorriso, dando o assunto por encerrado.

- Se você diz – ele deu de ombros – se precisar de alguma coisa, é só pedir, tá?

- Obrigada! Pode deixar que qualquer coisa eu grito – meu sorriso aumentou mais um pouco enquanto meu coração dava pulos e piruetas como se fosse a Daiane dos Santos. As demonstrações de carinho do Edu eram tão raras que, quando aconteciam, deviam ser devidamente celebradas.

Ele ficou parado me olhando, como se não quisesse deixar o assunto morrer. Em dias normais, eu falaria sobre um assunto qualquer, ele “morderia a isca” e continuaríamos conversando por horas e horas. Quase sempre eu caía naquele truque, mas naquele dia consegui evitar. Meus sentimentos por ele estavam tão confusos que já não sabia mais o que queria. Metade de mim pedia para gritar que o amava, que queria ficar junto com ele, que eu merecia mais atenção e carinho... Já a outra queria se proteger, evitar a queda que parecia inevitável. Sim, porque gostar do Edu era como pular de um abismo. Não haveria volta e nem garantias que a situação acabaria bem.

- Dú, vou entrar – me aproximei, colocando a mão no seu rosto – Se precisar de ajuda com a mudança é só chamar.

Ele me olhou de um jeito sério, como se estivesse ponderando se deveria falar o que estava pensando ou não. Ficamos assim por alguns instantes, até que a minha ansiedade falou mais alto e eu o beijei de forma lenta e carinhosa, quase triste, como se fosse uma despedida. Mesmo retribuindo o gesto, não pude deixar de notar que ele não me abraçou, como sempre fazia. Me afastei dele, mil dúvidas pipocando na minha cabeça. Aquilo significaria algo?

- Tchau, Edu – tirei a mão do seu rosto, a voz quase falhando. A angústia que sentia era tão arrasadora que minha vontade era de sentar e chorar ali mesmo, de tão fraca e perdida que estava.

- Tchau, Gabi – ele pegou a mochila e começou a caminhar em direção à casa do primo, me deixando sozinha com meus pensamentos.

*** Segunda fase: Do tudo para o nada ***

[So wake me up when it's all over (Então, acorde-me quando tudo estiver acabado)
When I'm wiser and I'm older (Quando eu for mais sábio e mais velho)
All this time I was finding myself (Todo este tempo eu estava procurando por mim mesmo)
And I didn't know I was lost (E não sabia que eu estava perdido) – Wake me up – Avicii]
           
O dia seguinte foi estranho. A sensação que eu tinha era de estar no lugar errado, na hora errada e com as pessoas erradas. Havia um clima diferente no ar, uma conversa que todos sabiam, menos eu.

Depois de três aulas naquela brincadeira de “escondam o segredo da Gabi”, finalmente o sinal do intervalo tocou. Dando a desculpa que precisava falar com o Alê, sai de perto da Mari e sua turma.

- Nossa, parece que até o ar está mais leve – soltei a respiração pesadamente quando cheguei perto do meu amigo.

- Por que? O que aconteceu? – o skatista me olhou de forma preocupada.

- Sei lá, o clima está estranho... Está todo mundo fingindo ser amigo de todo mundo, mas ao mesmo tempo tem algo rolando que não sei o que é – expliquei enquanto caminhávamos pelos corredores que levavam à cantina. Uma multidão de alunos passava por nós falando alto e fazendo algazarra.

- Jura que você não sabe o que é? – seu tom era cínico.

- Claro que não sei... Aliás, se eu soubesse, minha vida não estaria tão complicada – desabafei.

- É elementar, minha cara – levantou uma sobrancelha fazendo graça – Esse é mais um dos jogos de popularidade da Marília. O que serve, a loira mima e coloca em um pedestal. O que não serve ela joga fora.

A explicação foi fria, curta e grossa, mas puramente verdadeira. A Marília estava me “jogando fora”, como uma roupa velha que não servia mais. E estava sendo tão cruel que não pretendia simplesmente me dispensar. Ela iria me “ignorar” feito um cachorro vira-lata até que eu me sentisse mal o suficiente para me afastar.

O skatista deve ter percebido a minha expressão, porque passou um braço sob os meus ombros em um gesto de conforto – Parece que fomos promovidos ao time dos excluídos – me ofereceu um olhar conciliador.

- Você também? – apoiei a cabeça no seu ombro, feliz com o carinho recebido. Um pouco de atenção faria bem.

- Bom, depois da minha briga com a Carol, não estou sendo muito bem recebido no grupo do “Gueto”... – ele tentou parecer indiferente, mas eu consegui perceber uma nota de ressentimento em sua voz. Parecia que não era só eu que estava sofrendo pela rejeição dos nossos amigos.

- É, acho que me defender não foi uma boa ideia – falei assim que chegamos à cantina. O lugar estava lotado, por isso sentamos na grama mesmo, em um canto mais afastado dos outros alunos.

- Lógico que foi. Já te disse que nunca concordei com essa “ditadura de aparências” imposta pela Marília. E espera aí que vou pegar algo para a gente comer – fez um gesto com as mãos pedindo paciência antes de se afastar.

Enquanto esperava, uma questão surgiu na minha mente: o Alê parecia não aprovar nem um pouco as atitudes da Marília. Mas então, por que ainda andava com a gente? Por que aguentava tudo aquilo em silêncio?

- Você ainda está com a dieta liberada, né? – cinco minutos depois ele voltou sacudindo um saco grande e duas latas de Coca-Cola.

- Se você continuar agitando esse refrigerante, vou abri-lo bem na sua cara para deixar a espuma voar em você – ameacei, segurando as latas para que ele pudesse sentar.

- Eu defendo a pessoa e é isso que ganho em troca. Ó mundo cruel – ele fez drama, me fazendo rir.

- Para com isso, seu bobo! Você sabe que estou brincando – estendi uma Coca para ele e abri a outra para mim -  Mas agora é sério. Tenho uma dúvida: se você odeia a Mari como diz, por que simplesmente não se afasta? – questionei, olhando-o de forma séria.

- Porque... porque... – vi o meu amigo se enrolar. Para ganhar tempo, ele abriu o saco de papel, me oferecendo o que tinha dentro. Depois de uma olhada rápida, descobri que eram mini pães de queijo  – Para de me enrolar, Alexandre – exigi depois de me servir.

Nesse instante, vi a Carol passar por nós com uma expressão estranha. Se ela não tivesse desdenhado do Alê, poderia até dizer que ela estava com ciúme. Virei o rosto para o skatista, e vi uma tristeza nos seus olhos que não estava ali a cinco segundos atrás. E foi aí que tudo fez sentido.

- Você é apaixonado pela Carol! – exclamei como se tivesse encontrado a cura para o câncer.

- Fala baixo, sua magrela! Quer que ela escute? – ele quase pulou em cima de mim para me fazer calar a boca, fazendo gotas de Coca Cola voar no meu uniforme.

Esperei até a Carol se afastar para continuar – É isso, não é? Você é apaixonado pela Cá. Por isso sempre pegou no pé do Caio. Por isso aguentava as chatices da Marília e os “mimimis” da Nathália, Débora e Melina – a cada frase a minha descoberta passava a fazer mais e mais sentido – Mas “pera”... é por isso que você é meu amigo? – fiquei tensa esperando a resposta.

- Não pira, Gabriela! Sou seu amigo desde que me conheço por gente, lembra? Uma coisa não tem nada a ver com a outra – ele me lançou um olhar de repreensão, como se aquela ideia fosse ridícula – O lance da Carol que é mais... complicado.

- Caramba! Estou chocada! Como ninguém nunca percebeu nada?

- É que eu não fico dando bola por aí, né?  - comeu mais um pão de queijo, só para aumentar o suspense – Eu sempre gostei da Carol. Mas antes achava que era algo de amigo, saca? Tipo o que rola entre eu e você. Achava que me importava porque erámos “brothers”. Foi quando ela conheceu o sem noção do Caio que percebi que não era bem isso... Mas aí já era tarde. Por isso nunca falei nada.

Eu nunca tinha visto o meu amigo com uma expressão tão abatida. Fiquei ainda mais chateada com a Carol pelo seu vacilo.

 – E aí, quando vocês ficaram na festa de Carnaval, você achou que poderia dar certo...

- Não vou negar que me iludi e criei uma esperança – ele deu um sorriso sem graça – Mas aí ela veio com um papo bravo de que não presto para ela. Só fico me perguntando uma coisa: se não sirvo para ficar com ela, como posso servir para ser amigo? Ou sou boa companhia ou não sou... Não aceito nada pela metade – deu mais gole no seu refrigerante, fechando a cara.

- Acho que é o mesmo lance da Marília: enquanto era conveniente, ela me amava. Agora que decidiu que não sirvo mais, me esnoba. Só queria saber a causa dessa mudança tão repentina – ponderei, deixando meu olhar correr pelo pátio até chegar onde queria: o Edu estava sentado com o Léo, não muito longe da gente. Um pouco mais longe, as meninas conversavam de modo um pouco espalhafatoso, rindo e falando alto.

- Também já te falei isso: Mari não aceita sair do centro das atenções. Aí, de repente, meu primo chega, ignora a loira e cai matando em cima de você. Claro que ela ia implicar, né? Nunca ouviu aquela história de as pessoas querem te ver bem, mas nunca melhor do que elas?

Mais uma vez aquela sinceridade crua me atingindo como uma pancada no estômago. Mas apesar de saber que, no fundo, ele tinha razão, eu não queria acreditar. Me parecia egoísta demais...

- Gabi, agora somos só eu e você. Melhor a gente aceitar que vai doer menos.

- Você está certo. Melhor mesmo aceitar... – concordei, me dando por vencida. Quanto mais eu resistisse aquela nova realidade, pior seria.

***
Por sorte, as outras aulas aconteceram no laboratório de Química e depois na sala de Artes.  O nosso professor de Educação Artística era jovem, bem vestido e não tinha cara de louco como o do ano interior. Embora aquela não fosse a minha matéria predileta, eu gostava do jeito do professor Gabriel. Ele falava muito sobre ser quem você realmente é, expressar seus sentimentos, liberdade e amor. Bem diferente dos outros mestres que só falavam de vestibular, vestibular e vestibular...

Aproveitei a mudança de ambiente para sentar perto do Alê, mas logo percebi que ele não era uma boa influência. Meu amigo era péssimo aluno e nunca prestava atenção nas aulas. Ao invés disso, ficava no celular vendo vídeos de manobras de skate. Embora eu adorasse o professor Gabriel, estava muito difícil prestar atenção no conteúdo que ele estava explicando. Eu não conseguia parar de pensar no Edu, Mari, Nathália e na conversa com o Alê na hora do intervalo.

Acabei desistindo e fazendo como meu amigo: pegando o celular e acessando a internet. Abri o Instagram e comecei a fuçar no perfil do carioca em busca de alguma informação interessante. Como ele não postava com frequência, não havia muito para ver. A última atualização era um foto do seu novo quarto com a legenda “Mudando de ares, de novo”. Imaginei o quanto deveria ser difícil mudar de cidade tantas vezes... Seria esse o motivo dele ser tão fechado?

Continuei vendo as fotos até que algo me chamou a atenção. A Marília e a Nathália tinham curtido e comentado todas as postagens, sem exceção. Puxei pela memória e não consegui me lembrar quando foi a última vez que elas curtiram alguma das minhas imagens. Intrigada, abri o perfil da Marília. Havia uma postagem recente, a foto provavelmente clicada na hora do intervalo. Na imagem ela estava abraçada com a Nathália, as duas sorrindo. A legenda dizia “Nós vamos invadir sua praia” junto com as hashtags #projetomozao #Rio40Graus.

Mais uma postagem com indiretas para o Edu. Isso significava que todo o meu esforço na festa de Carnaval não adiantara de nada. Elas continuavam dando em cima do carioca, que por sua vez continuava distante de mim... Se é que era possível, consegui ficar ainda mais triste e desanimada. Sentia meu coração apertado e a garganta fechada, como se estivesse me afogando e não tivesse ninguém para me salvar. A cada segundo eu ficava mais distante da superfície e não encontrava forças para voltar a nadar.

***
Quando o sinal da última aula tocou, saí tão rápido do colégio que parecia que estava fugindo de um incêndio.

- Tudo isso é fome? – o Alê me alcançou quando já estava na rua, caminhando para casa. Ele respirava pesadamente, indicando que tinha corrido.

- Tudo isso é vontade de fugir desse lugar. Graças a Deus hoje é sexta-feira. Não aguentaria ficar nem mais um segundo dentro desse colégio.

- Relaxa, Gabi. Já, já tudo isso passa – ele tentou me animar, ainda respirando com um pouco de dificuldade – É como minha mãe sempre diz: inspira, expira, não pira.

- Dona Melissa e seus sábios conselhos – comentei. “Não pirar” parecia uma sugestão bem apropriada perto de tudo o que se passava pela minha cabeça.

Continuamos conversando até chegar em casa, quando me despedi. O Alê me convidou para andar de skate com ele, mas estava sem ânimo. Assim que cheguei ao meu quarto, me joguei na cama e fiquei encarando o teto enquanto minha mente imaginava o Edu e a Nathália juntos e a Mari rindo de mim ou cenas ainda piores. Era incrível a capacidade que a minha mente tinha de criar os piores cenários possíveis.

Com muito custo, levantei para comer algo. Eu sabia que tinha dever de casa para fazer, mas acabei deitando para tirar um cochilo. Dormir parecia o melhor remédio. Pelo menos eu não sentiria mais a dor do meu coração.

***
Acordei com a minha mãe me cutucando de leve.

- Dormindo a essas horas, Gabriela? Saiba que essa moleza vai acabar, viu? Segunda-feira retomamos os ensaios e a partir de agora você está de dieta novamente. Falei com a minha amiga nutricionista e montamos uma alimentação bem balanceada para você. Já passei no mercado e comprei tudo que precisamos. Essas “gordurinhas” vão sumir a qualquer custo – ela disparou a falar, despejando as informações sobre mim.

Apenas concordei com a cabeça, sentindo meu corpo pesado e um gosto horrível na boca.

- E vai tomar um banho e trocar de roupa. Você ainda está com o uniforme da escola – ralhou antes de deixar o quarto.

Obedeci a ordem e me arrastei para o chuveiro. A água morna surtiu o efeito desejado. Me senti melhor, com as energias renovadas. Coloquei uma roupa limpa, penteei os cabelos e escovei os dentes, mesmo sabendo que a janta estaria na mesa dali alguns minutos – dieta significava refeições com horário marcado e calorias controladas.

Às sete da noite pontualmente minha mãe me chamou para comer. No cardápio, sopa extremamente light e sem sal. Eu já sentia saudades das refeições exageradas que fizera com a Raíssa no resort.

Quando terminei, subi para o quarto e comecei a assistir séries no notebook para manter a cabeça ocupada. Assisti “The Originals” babando pelos lindos do Klaus e Elijah até quase uma da manhã até que a fome falou mais alto e fiz uma pausa.

Com o estômago roncando por causa do jantar controlado, resolvi assaltar a cozinha. Com sorte, minha mãe ainda não teria jogado fora as bolachas recheadas que compramos na época da “dieta free”. No caminho, caí no erro de pegar o celular e olhar o Instagram. A primeira foto que vi virou meu mundo de cabeça para baixo. Na imagem, a Nathália estava abraçada com o Edu na casa da Carol. A legenda dizia “Ressaca do Carnaval no Gueto – Vixiii, foi daquele jeito”. Eles estavam tão juntos, ele com um sorriso largo no rosto, ela fazendo biquinho, ambos com a expressão tão alegre que era difícil acreditar que tratava-se apenas de uma selfie de amigos.

Encontrei o pacote de Passatempo escondido no fundo do armário, puxei o lacre de uma só vez e devorei as duas primeiras bolachas em um único segundo. Eu sentia vontade de gritar, de quebrar a casa inteira, de fugir, de bater em mim mesma por ser tão idiota.

Sentei no balcão da cozinha e fiquei encarando a tela do celular fazendo uma lista de quantas mentiras e traições aquela foto me revelava:

1° - organizaram uma festa no Gueto sem mim. Justo eu, que era uma das “criadoras” do espaço...

2° - A minha amizade com a Marília realmente chegara ao fim. E, pelo jeito, a Carol ficaria do lado da loira, já que não teve nem o trabalho de me explicar o porquê não me convidou para a festa.

3° - Edu e Nathy deviam ter ficado naquela noite, isso se não ficaram no show do Michel Teló. O que, provavelmente, significava que a Marília não estava mentindo quando repetia sem parar que ele não queria nada sério com ninguém. Ao que tudo indicava, ela realmente estava tentando evitar que eu me machucasse. Ou será que só estava querendo manter a sua reputação de popular, como o Alê dissera?

4° - Será que o Edu também ficava horas no Whats conversando com ela, contando sobre a praia, surfe, futebol e todas as coisas bobas que fazia ao longo do dia? Será que ele também dançara com ela no meio da rua, roubado beijos e feito amor com ela? Será que ele repetira inúmeras vezes que a achava linda e dito que estava se surpreendendo com ela? Será que ele também convidara a Nathália para ir para o Rio com ele?

Olhei o Whats e vi que a última mensagem que eu enviara para ele ainda estava sem resposta, embora estivesse com os dois tiques azuis.

“E a mudança, como anda?”.

Eu preocupada e ele “festando” com Nathália e companhia! As lágrimas escorreram dos meus olhos sem que eu pudesse controlar. Não sabia se era de tristeza, raiva, frustração, arrependimento... tudo que sabia era que doía muito, como se alguém tivesse me dado uma surra.

Estava tão desnorteada que peguei outro pacote de Passatempo. Já estava na metade da embalagem quando me dei conta da quantidade de bolachas que havia comido. Senti ainda mais raiva de mim mesma. Eu já tinha tantos problemas, não precisava da minha mãe pegando no meu pé me chamando de gorda.

Senti uma culpa tão grande que corri para o banheiro e, sem pensar, coloquei tudo para fora. Lavei a boca me sentindo um pouco mais leve. Pelo menos aquele problema estava resolvido.

Respirei fundo e encarei o meu reflexo no espelho. Eu me sentia um pouco tonta, como se tivesse acabado de acordar de um sonho ruim. Fiquei ali, sem me mexer, repassando mentalmente tudo o que acontecera nos últimos minutos. Aos poucos, os meus sentidos foram voltando ao normal e a onda de tristeza que me invadiu foi tão grande que não consegui me controlar. Voltei para o quarto e me joguei na cama, usando travesseiro para abafar o barulho do meu choro. Eu me perguntava o que estava acontecendo, onde foi que tudo deu errado, relembrando cada momento daquelas últimas semanas nos quais poderia ter agido diferente para evitar aquele fim tão triste.

Eu tentava recuperar o controle, pensar com calma no que poderia fazer para reverter a situação, mas nada adiantava. Por fim, desisti, me encolhendo na cama e soluçando baixinho. Fechei os olhos com uma única frase fazendo sentido na minha cabeça: todos os meus fios haviam arrebentado.
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Notas finais: Gente do céu, a casa caiu! Socorro!
Gabi vomitando, Edu e Nathália se pegando, Mari sendo Mari (ou seja, insuportável), Carol vacilando na missão e o bicho pegando.
Nem preciso falar que essa segunda fase vai ser bem tensa, né? Então preparem-se que vem muito babado, confusão e gritaria por aí (literalmente).
Palpites do que vai acontecer? Curiosa para saber a opinião de vocês.
Beijão e até o próximo cap. <3


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Uma história não existe sem leitores! São vocês que me dão forças para continuar escrevendo e caprichando cada vez mais em cada capítulo! Portanto, deixe de "corpo mole" e venha "prosear" sobre as fics comigo e com as outras meninas que passam por aqui! *-*

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