Notas
iniciais:
Como promessa é dívida, nesse cap começa uma pequena reviravolta na vida da
Gabi. Espero que gostem!
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Um
dia após o outro. Um ciclo interminável que nunca falhava: o sol nascer, depois
se pôr, a lua aparecer junto com as estrelas para também se esconder ao final
da noite. E no meio dessa repetição sem fim, estávamos nós. Não importava
quanto o dia anterior pudesse ter sido ruim ou bom. O novo amanhecer sempre
vinha para nos lembrar que a vida seguia em frente. Essa era a sua única regra.
Mas
como seguir em frente quando o peso nas suas costas te impede de caminhar, ou
quando as cicatrizes no seu peito são tão profundas que respirar é quase
impossível?
Foi
essa pergunta que me fiz quando o despertador tocou pela terceira vez naquela
manhã me avisando que, se eu não levantasse imediatamente, estaria realmente
atrasada para o colégio. Sem nem um pingo de vontade, saí da cama, vesti o
uniforme e improvisei uma trança nos cabelos.
Quando
desci para tomar café, minha mãe estava dando instruções para a Maria.
-
Filha, bom dia! Se apressa para tomar café que preciso chegar mais cedo no
estúdio hoje. Aí aproveito e já te deixo no colégio – ela disse, assim que me
sentei na bancada.
Chegar
na escola mais cedo era tudo o que eu não queria, mas não tinha como negar a
carona. Sendo assim, engoli meu iogurte desnatado batido com frutas e algumas
bolachinhas integrais e subi para escovar os dentes e pegar a mochila.
-
Gabriela, está levando algo para comer no colégio? Você precisa comer de três
em três horas, esqueceu? – dona Beatriz ralhou comigo quando tornei a descer.
-
Está aqui, Gabi. Já separei para você – a Maria veio em meu auxílio, esticando
alguns potinhos com frutas picadas e pacotes de bolacha.
-
Precisa levar essa dieta a sério, Gabi! Olha, essas férias te deixaram muito
mal acostumada – chamou minha atenção mais uma vez, enquanto checava os e-mails
no celular. Eu achava incrível como ela conseguia acordar cedo, se vestir e
pentear os cabelos de forma impecável, manter uma dieta equilibrada, dar conta
de uma casa, cuidar da nossa companhia de dança e ainda ser responsável pelos festivais
da cidade. Às vezes eu achava que nunca teria a mesma força, determinação e
talento que minha mãe tinha.
-
Estou levando, mãe – e ela nem poderia imaginar o quanto: de vômitos a horas
extras de treino, estava me esforçando muito para manter o peso.
-
Igual está se dedicando aos treinos? – levantou a sobrancelha de forma irônica.
Não
respondi nada. Apenas peguei os lanches com a Maria, enfiei tudo de qualquer
jeito na mochila e saí para esperá-la dentro do carro. Não estava com humor
para discussões. Pensando bem, não estava com humor para nada...
Coloquei
os fones e entrei no Spotify. Selecionei uma das playlists temáticas que eles
sugeriam na tela inicial e apertei o play sem nem checar as músicas. O nome da
seleção era “Para começar bem o dia”,
e tinha canções animas, todas com um ritmo alegre e letras positivas. Enquanto
minha mãe dirigia para o colégio falando com alguém no celular, me esforcei em
me concentrar na mensagem das músicas, prestando atenção nos versos. Porém,
parecia que havia um “monstrinho” sentado em cima do meu ombro. Conforme minha
mãe avançava em direção ao colégio, ele ficava mais e mais pesado, me fazendo
encolher no banco. Mesmo com o som alto, ele sussurrava no meu ouvido o que eu
me esforçava para esquecer.
“A escola inteira vai debochar de você”
“A Mari e todo o resto da
realeza estarão lá, rindo da sua cara e fazendo você se sentir ainda pior”
“O Edu não quer saber de
você”
“Ninguém gosta de você”
“Você é ridícula, boba e
feia. Nunca vai ser como a Mari e suas amigas: bonitas e descoladas”.
-
Passo lá em casa às três horas para te buscar para o ensaio – minha mãe avisou
quando paramos em frente ao colégio.
Dei
um beijo de despedida no seu rosto e desci do carro junto com o meu
“monstrinho”. Atravessei a rua como se estivesse caminhando para a fogueira,
igual às bruxas da Idade Média.
“Por que você não foge?”, o
monstrinho perguntou de modo sedutor.
Imediatamente,
a fuga da Margo surgiu na minha mente. Por que não se aventurar em algo
diferente? Perder-se para se encontrar como dizia o livro.
Eu
já estava quase no portão de entrada e, por sorte, o porteiro não estava ali
como sempre. Talvez, por ainda ser cedo, ele devia ter ido tomar um café ou
dado um pulo no banheiro. Olhei para trás para me certificar que minha mãe já
havia saído e se havia alguém mais por perto. Nada! Aquela era a minha chance!
Apressei
o passo tomando o cuidado de apenas parecer que estava com pressa e não dar na
cara que estava fugindo. Continuei pela estrada, passando por uma dupla de
alunos que caminhava na direção contrária. Eles me encararam por um tempo e
depois cruzaram os olhares como se estivessem pensando “Lá vai a garota chiclete que o carioca dispensou”. Abaixei a
cabeça e continuei andando, como se não fosse comigo. Segui por mais ou menos
uns 800 metros até chegar a um ponto de ônibus. Dei uma olhada rápida para ver
se alguém tinha percebido algo. Os dois alunos já haviam entrado no colégio e o
porteiro retomado o seu lugar sem parecer me notar.
Me
encolhi o máximo que pude contra o abrigo do ponto, rezando para que o ônibus
passasse logo. Foram dez minutos de expectativa até que a linha que seguia para
o centro da cidade passasse.
Dei
sinal e entrei no coletivo, agradecendo mentalmente por não ter nenhum aluno do
meu colégio no ônibus. Temi que alguém pudesse estranhar o fato de eu estar de
uniforme, mas estava tão lotado que ninguém pareceu nem me ver.
Consegui
um lugar próximo à porta, encolhida entre a janela e uma grade de segurança
para cadeirantes. Coloquei o fone, dessa vez escolhendo uma playlist pop, e
fiquei observando o caminho tentando decidir onde eu iria descer.
Uma
adrenalina diferente tomou conta de mim. Passei a reparar melhor nas pessoas ao
meu redor e a traçar mil estratégias para manter o “sucesso” da minha fuga. Na
minha mente, tudo já estava certo: eu desceria no centro, procuraria uma
lanchonete com wi-fi, pediria algo bem gostoso para comer e enrolaria bastante
tempo ali. Depois poderia dar uma olhada nas lojas, experimentar alguns sapatos...
Se bobear, poderia ir até o cinema de Mogi, assistir algum filme legal. Será
que tinha alguma sessão de manhã?
Só comecei a voltar à realidade quando desci
no centro da cidade e vi todas as lojas fechadas. Me esqueci completamente que
o comércio só abria a partir das oito ou nove da manhã. Olhei no relógio: 7h30.
O que eu iria fazer?
Resolvi seguir até à praça da igreja Matriz.
Caminhei pelas ruas, o receio de alguém me reconhecer crescendo a cada passo.
Afinal, eu era filha da professora de balé mais conhecida da cidade e, não
bastasse isso, fiz a Julieta na apresentação de encerramento do Festival de
Verão. Para piorar a minha situação, meu uniforme azul e verde parecia brilhar
como um letreiro luminoso que dizia “Ela
está cabulando aula”.
- Gabriela?!
Assustada, dei um grito ao ouvir alguém me
chamando.
- Calma, calma! Sou eu, o Caio. Lembra?
Ahhh não! Era só o que me faltava...
- Lembro sim, claro! Tudo bem com você? –
cumprimentei com um sorriso amarelo.
- O que está fazendo perdida aqui? – ele
tentou puxar assunto.
- Hããã... Tenho uma consulta marcada no
médico. Estou indo para lá e depois volto para o colégio – improvisei – Aliás,
deixa eu ir indo, senão vou perder a hora – me apressei em dispensá-lo. Não
estava nem um pouco afim de aguentar o Caio bancando o “espertão”.
- Onde é? Eu acompanho você – ele se ofereceu.
Quis dizer que aquela era uma péssima hora
para ele se mostrar meu amigo, mas tinha um problema muito maior para resolver:
eu precisava manter a minha mentira.
- É para lá – apontei para a direita, torcendo
para ter algum consultório médico por ali. Como meu convênio era de Mogi, não
tinha noção de onde poderia encontrar um médico naquela região.
- Legal, também estou indo para lá. Só não
lembro de nenhum médico nesse caminho. Tem certeza que é por aqui? – questionou
em tom intrigado, como se estivesse realmente preocupado comigo. Mas era muito
azar mesmo!
- Tenho, tenho sim... – continuei mentindo,
acelerando o passo.
Seguimos
pela avenida com o Caio puxando todo tipo de assunto: tempo, o calor que fazia
logo pela manhã, como a nossa cidade era pequena e todo mundo se conhecia... Eu
respondia sem nenhum ânimo, muito mais preocupada em como me livrar dele do que
em manter uma conversa.
-
Caramba, esse médico é longe, hein? Tem certeza que você está no caminho certo?
– ele voltou a questionar, dessa vez parecendo que estava desconfiando de mim.
-
Olha Caio, você não precisa me acompanhar se não quiser – respondi, curta e
grossa.
-
Fala sério, Gabi! Você não está procurando médico coisa nenhuma! Você está
cabulando aula, não é? – sua expressão era a de quem tinha matado uma charada.
-
Estou mesmo, por que? Algum problema com isso? – retruquei, colocando a mão na
cintura, ficando ainda mais irritada.
Ele
me encarou, um brilho travesso nos olhos – Então vem comigo – pegou uma das
minhas mãos e saiu me puxando, virando em uma rua estreita, que beirava a linha
do trem que cortava a cidade.
-
Caio, onde você está me levando? Me solta, por favor! – comecei a pedir, me
esforçando para não gritar. Chamar atenção não era uma boa pedida.
-
Calma, a gente já está chegando – respondeu sem parar de me puxar.
“Chegando só se for no
inferno, né? Porque qualquer lugar com você se torna insuportável”,
pensei em responder, mas preferi ficar quieta.
Ele
parou em frente a uma casa com portão de ferro e apertou o interfone. Segundos
depois, uma voz masculina atendeu:
“Qual é a senha?”
-
Já chegou o disco voador – o Caio respondeu, parecendo estar se divertindo
muito.
“Senha correta. Entrada
autorizada”, a voz do interfone informou ao mesmo tempo
em que o portão automático começou a subir, abrindo passagem.
-
Eu não vou entrar aí – avisei. Tudo bem que eu estava desesperada, mas não era
tanto!
-
Gabi, que opção você tem? - o rapaz me
encarou, sério – Você está com o uniforme da escola e, provavelmente, é a
bailarina mais conhecida dessa cidade. Para sua mãe descobrir que você não está
no colégio é assim, ó – estalou os dedos antes de me lançar um olhar do tipo
“eu sei do que estou falando”.
-
Eu sei de tudo isso... É só que... – travei no meio da frase. Eu não queria falar
que, além de não confiar, não gostava dele, o que tornava a alternativa de
passar uma manhã inteira ao seu lado intragável.
-
Já fiz mal para a Carol alguma vez? – ele pareceu ler meus pensamentos.
-
Não, mas...
-
Gabi, eu não vou fazer nenhum mal para você. Essa é a casa do Léo, meu amigo. O
Gustavo e a Laís também vêm. Nós não vamos ficar sozinhos, nem nada disso... –
seu tom era o de quem falava com uma criança.
“Vai entrar ou vou ter que
te pegar pela mão para mostrar o caminho?”, a voz do interfone
voltou a soar.
O
ex da Carol me olhou, fazendo um questionamento silencioso “E aí? Vai ou não
vai?”.
Ponderei
minhas escolhas: entrar e aguentar a chatice do Caio ou sair e correr o risco
de ser pega. Bom, eu poderia ficar ali só até umas 9h30, horário que o café já
estaria aberto. A partir daí poderia retomar o plano inicial de ir para o café,
comer algo e depois matar o tempo.
-
Tudo bem, eu entro. Mas quero ficar com a chave da porta e o controle do portão
– exigi.
-
Seu pedido é uma ordem, senhorita – fez um gesto afetado, indicando que eu
deveria entrar primeiro.
Passei
pelo portão, me deparando com uma garagem coberta por telhas vermelhas com um
jardim enfeitado por roseiras. Adiante, uma porta de madeira grande e imponente
dava acesso a um sobrado pintado de amarelo claro. Ao me ver parada perto da
entrada, o Caio assumiu a frente e girou a maçaneta.
-
E aê, muleque? – ele cumprimentou o amigo que estava sentado no sofá apertando
freneticamente os botões de um controle do videogame.
Garotos...
-
E aêê? Bora jogar? Opa! Quem é essa? – questionou assim que me viu.
-
Minha amiga, Gabriela. Gabi, esse é o Léo – o Caio tratou de fazer as
apresentações – Achei a Gabs perdida perto da praça. Aí resolvi trazer para
cá...
-
Orra! Queria eu achar uma dessas perdida por aí... – o amigo assoviou, me
deixando sem graça – Mas, de qualquer forma, fique à vontade! O nosso retiro
especial de começo de ano está só começando... – veio até mim e me deu um beijo
no rosto. Fiquei esperando pelo segundo beijo, o que fez o garoto me olhar de
maneira estranha.
-
Desculpa, é o costume – me expliquei, ficando ainda mais sem graça – É que
tenho um amigo carioca e ele sempre cumprimenta as pessoas com dois beijos.
-
Amigo, né Gabi? – claro que o Caio não perdeu a oportunidade de me zoar.
Se
é que era possível, fiquei ainda mais vermelha.
-
Huum... Sinto no ar um cheiro de rolo mal solucionado – o Léo levantou o rosto
e mexeu o nariz, como se de fato estivesse sentindo o aroma de algo – Seja lá o
que for, nosso retiro não é lugar para falar dessas coisas. Senta, Gabi. Vem
cá, deixa eu te ajudar com a sua mochila.
O
garoto puxou minha bolsa com delicadeza antes de pegar minha mão e me levar até
o sofá – Bebe alguma coisa? Temos Coca Cola, jurupinga, vodka e, acho que
sobrou um pouco de Big Apple da última festa – ofereceu, prestativo.
-
Huum... Tem água? – eu estava começando a me arrepender de ter entrado naquela
casa.
-
Gabi é bailarina, mané. Não pode ficar bebendo essas coisas – Caio interviu,
deixando o controle do portão e a chave da porta na mesa de centro na minha
frente. Depois piscou para mim, como se quisesse demonstrar toda sua
eficiência.
-
Ahh, ela é a bailarina? Agora tudo faz sentido – Léo fez cara de quem
finalmente tinha entedido a piada - Está
certa, tem que manter a forma. Com gelo ou sem?
-
Sem, por favor – pedi.
-
Ok, saindo um copo de água sem gelo para a bailarina aqui – disse, enquanto
caminhava para o cômodo ao lado, que eu imaginava ser a cozinha, improvisando
piruetas e imitando passos de balé.
-
Não liga para isso. O Léo é um bobo mesmo – Caio disse, os dois rindo das
palhaçadas do rapaz.
-
Pronto! Aqui está – dois minutos depois o rapaz estava de volta com a água que
pedi.
Enquanto
bebia, aproveitei para reparar no lugar. A casa era bem mobiliada, com móveis
elegantes e sofisticados, todos de cores mais sóbrias. O dono da casa também
era bastante interessante: alto, cabelos cacheados castanhos claros, olhos cor
de mel, estilo despojado, além de muito simpático.
-
Obrigada – agradeci depois de beber todo o conteúdo.
-
Agora me conta, por que você está fugindo? – sentou-se na minha frente,
cruzando as pernas e colocando uma mão na boca, como se fosse um analista.
-
É uma longa história... – desconversei – Mas digamos que eu não quero mais
voltar para a minha vida de boneca.
-
Huumm... Como eu presumia, é um caso de rolo mal resolvido – mexeu a cabeça
como se estivesse avaliando algo muito sério – Sendo assim, o nosso retiro é
perfeito para você. Durante toda essa semana ficaremos aqui, na minha humilde
residência, apreciando a sutil arte de não fazer nada – mexeu as mãos, dando
ênfase as suas palavras.
-
Por que durante essa semana? – questionei.
-
Minha mãe está viajando a trabalho e só volta na sexta-feira à noite. Minha tia
de Mogi recebeu a incumbência de ficar aqui e tomar conta de mim, porém ela
precisa sair bem cedo para ir trabalhar, o que deixa a casa liberada para nós –
sorriu de maneira presunçosa – Aí foi só avisar esse meu amigo aqui – apontou
para o Caio – e o Gustavo, e pronto: retiro de começo de ano marcado! Fizemos
uma “vaquinha”, compramos algumas coisinhas para beber e comer e vamos ficar
por aqui.
-
Espera! Não ia vir uma menina também? – voltei a ficar preocupada.
-
Ahh sim, a Laís... – mexeu a boca, parecendo preocupado – Esse é um problema
que terei que resolver.
-
Basicamente, a Laís é uma gata e está afim do Léo. Tipo, muito afim. A garota
está usando um arsenal pesado para cima dele, mas o nosso amigo aqui tem
namorada, por isso está resistindo bravamente – o Caio entrou na conversa.
-
A Laís não estava oficialmente na lista de convidados, mas aí ela nos ouviu
comentando sobre o retiro e se ofereceu para participar – o garoto de cabelo
cacheado emendou com a voz contrariada.
-
O lado bom é que ela prometeu que sabe cozinhar – o ex da Carol acrescentou.
-
Mas chega de falar da Laís. Até porque vocês interromperam a parte mais importante
do plano – Léo retomou a palavra.
-
Verdade, os atestados...
-
Atestados? – questionei.
-
Precisávamos de um álibi para encobrir as nossas faltas, não é mesmo? Aí
aproveitamos que o Gú tem um caso com uma enfermeira e pedimos para ela
conseguir alguns atestados dizendo que estamos com Dengue. É a desculpa perfeita
– os dois mexiam a cabeça orgulhosos.
-
Mas e as matérias? Vocês não estão preocupados com as aulas que vão perder? –
perguntei, só agora me lembrando que perder um dia de aula poderia ser bem
complicado dependendo do conteúdo da matéria.
-
Relaxa! Depois a gente pede para as meninas explicarem para a gente... – o Léo
não parecia nem um pouco preocupado.
-
Ou colamos delas – Caio lançou um sorriso malandro em direção ao amigo, que
pareceu aprovar a ideia.
-
O que me faz pensar em uma coisa – o “cabeludo” levantou o dedo – a senhorita
tem um álibi?
-
Eu?
-
É... Se pretende “fugir da sua vida de boneca” – imitou meu tom de voz, me
fazendo rir – precisamos de uma desculpa. Tem algo em mente?
-
Na verdade, tenho o motivo perfeito – dei um sorriso sem graça.
-
Ótimo! Então só precisamos criar um e-mail falso para a sua mãe e pronto.
-
Oi?
-
É, ué... Como você acha que vamos mandar os atestados para a diretora do
colégio? Por pombo correio que não é – o Léo explicou, impaciente.
-
E como vou fazer isso? – perguntei.
-
Vem, eu te ajudo – o Caio ficou de pé na minha frente, me estendo a mão.
Mesmo
estranhando toda aquela gentileza, resolvi aceitar a ajuda. Ele me conduziu até
o fundo da sala, onde uma passagem dava acesso a um lavabo, situado do lado
direito. No esquerdo, uma escada levava à parte superior da casa.
Entramos
em um quarto decorado com cortinas azuis e miniaturas de carros antigos
enfeitando prateleiras. Como todo o resto da casa, o espaço era confortável e
aconchegante, daquele tipo que fazia um convite para tirar o sapato e se jogar.
-
Só vou ligar o notebook aqui. Pode deitar na cama, se quiser – o garoto sugeriu
posicionando-se na cadeira em frente à escrivaninha. Embora a cama fosse
confortável, apenas sentei na beirada, cruzando as pernas e mexendo no cabelo
sem parar. Aquela proximidade com o Caio estava me deixando bastante sem graça.
-
E então? Como gostaria que fosse o e-mail da sua mãe? – me perguntou com a
página do Gmail aberta.
-
Que tal beatriz navarro cia de dança? – arrisquei.
-
Vamos ver se aceita...
Depois
de algumas tentativas, conseguimos encontrar uma combinação que o servidor
aceitasse. Consultamos o e-mail da diretoria no site do colégio e depois
começamos a pensar na mensagem.
-
Posso saber qual é o seu motivo perfeito? – questionou.
Abaixei
o olhar, envergonhada. Não queria tocar naquele assunto. Quanto menos
lembrasse, melhor.
-
Se for sobre o lance com o Edu, já estou sabendo... – não tinha julgamento na
sua voz – A Mari me contou – emendou ao ver minha expressão de surpresa.
-
Bom, acho que perder a virgindade com um cara que diz que só ficou com você por
dó e suas melhores amigas ajudarem a espalhar esse boato pelo colégio inteiro é
motivo suficiente para não querer aparecer na aula, não acha? – tentei soar
irônica, porém meu tom de voz me traiu demonstrando minha chateação.
-
Esse Edu é um trouxa – o garoto balançou a cabeça, parecendo inconformado.
-
Por que? – estava tão acostumada a levar a culpa por tudo que estranhei a
afirmação do Caio.
-
Eu não trocaria você pela Nathália. Nunca.
O
comentário me pegou tão desprevenida que fiquei sem saber o que falar – Hum...
E o que podemos escrever no e-mail? – trouxe o assunto novamente para uma zona
mais tranquila.
-
Peraí, tive uma ideia – ele voltou a prestar atenção na tela, digitando sem
parar – Veja se ficou bom – me chamou para ler o conteúdo.
“Bom dia, Cecília!
Como vai?
Não sei se está ciente, mas
minha filha passou por uma situação constrangedora ontem no colégio. Pelo que a Gabriela me contou, uma das meninas da sua sala espalhou um boato bastante
íntimo sobre minha filha e agora todos os alunos estão fazendo comentários e
piadinhas de mau gosto.
Como a Gabi ficou bem
abalada, achei melhor deixá-la em casa essa semana. Acredito que ela não terá
problemas em recuperar o conteúdo perdido.
Qualquer novidade, volto a
escrever.
Atenciosamente,
Beatriz Navarro”.
-
Ficou ótimo! Está bastante convincente – opinei, depois de ler.
-
Agora é só enviar e esperar pela resposta – ele voltou a mexer no notebook
enquanto eu me sentava novamente na cama. Eu não sabia quanto tempo aquela
mentira duraria, mas por enquanto era a minha única saída. Voltar para o
colégio não era uma alternativa. Só de cogitá-la eu já ouvia a voz do
“monstrinho” me lembrando que ninguém me queria por lá.
-
E quando você volta a interpretar a Julieta? – mudou de assunto, novamente me
surpreendendo. Desde quando ele sabia que eu fazia a Julieta?
-
Em breve. Já voltamos a ensaiar. Acredito que mês que vem as apresentações
recomecem – expliquei.
-
O espetáculo ficou lindo! Você dança muito bem – disse, esticando as pernas e
colocando os pés em cima da mesa.
-
Você assistiu a apresentação? – quase gritei, tamanho foi o meu susto.
-
Claro que assisti. Minha mãe adora música clássica e dança. Só achei chato que
foi apenas uma apresentação...
-
Pois é... A ideia era só “dar um gostinho” mesmo. No Festival de Inverno voltamos
para uma temporada mais longa – expliquei.
E
foi assim que começamos uma longa conversa que durou um tempão. O Caio me
contou que, por influência de sua mãe, ele ouvia música clássica desde pequeno
e compartilhamos alguns compositores que gostávamos. Depois falamos sobre
gostos musicais, filmes, comida... No meio disso tudo, a diretora do meu
colégio respondeu o e-mail dizendo que estava à disposição para ajudar no que
fosse preciso e que orientaria os alunos para que os boatos não continuassem.
Aos
poucos fui relaxando e cheguei até a tirar o sapato, cruzando as pernas que nem
índio sobre a cama. Apesar de se “achar o tal”, o ex da Carol também sabia ser
engraçado, além de uma boa companhia.
-
Sei que o papo está bom, mas a os meninos estão fazendo um lanche na cozinha e
se vocês não descerem agora é capaz de ficarem sem nada – uma garota com longos
cabelos negros, olhos azuis e pele bem branquinha avisou, parada na porta. Se
aquela era a tal Laís, os garotos estavam certos quando falaram que ela era
bonita. Já não bastasse a beleza natural, ela ainda usava maquiagem forte nos
olhos e batom escuro – mesmo sendo de manhã – e blusa decotada com um jeans
justo. Até eu não conseguia parar de olhar para ela...
-
Opa, estou morto de fome! Já estou descendo – Caio não pensou duas vezes antes
de levantar e sair correndo.
-
Oi, prazer! – cumprimentei a garota quando ficamos sozinhas.
-
Gabi, né? Prazer! – veio até mim para me dar um beijo. De novo me confundi com
os dois beijos e precisei explicar o motivo, o que fez eu me lembrar do Edu e
sentir meu coração doer dentro do peito.
-
Tranquilo! Essas coisas acontecem – ela sorriu de maneira simpática – Vamos
comer? Comprei um pudim de leite que parece delicioso!
-
Huumm... Desculpa! Estou de dieta – não queria correr o risco de começar a
comer e não conseguir mais parar, como aconteceu com o bolo da Maria.
-
Só um pedacinho não vai fazer mal para ninguém – ela piscou, me chamando para
descer.
Quando
chegamos à cozinha, o papo estava animado. Os meninos falavam sobre videogame
enquanto comiam pão com mortadela e tomavam tubaína.
-
Não vai apresentar a amiga, Caio? – um garoto moreno, forte, cabelo curto e
sorriso perfeito perguntou.
-
Gustavo, essa é a Gabi. Gabi, esse é o Gustavo – o outro garoto disse com a
boca cheia.
-
Tudo bem, Gabi? Aceita um pão? – ofereceu gesticulando a mão na direção na
mesa.
-
Não, obrigada! Não estou com fome – menti. Meu estômago estava roncando, mas
não queria comer na frente deles.
-
Gabi estuda no Raízes, Guga. Povo de lá é metido, não come essas coisas – Caio
provocou.
-
Nada a ver isso! Eu não sou metida – me defendi.
-
Claro que é. Mal falava comigo nas festas do Gueto – disse, enquanto servia
Tubaína para todo mundo, inclusive para mim.
-
Que mentira! Quem não falava comigo era você – retruquei.
-
Está fácil de resolver isso – Laís interveio. Percebi que ela estava parada bem
perto do Léo e que o garoto parecia desconfortável com a aproximação. Na certa
estava pensando na namorada – Gabi, come
um pouco e mostra para ele que você não tem frescura.
-
Tudo bem, mas só um pedacinho – acabei concordando, depois de alguns segundos.
-
Aproveitem a honra, moçada! Não é sempre que a Julieta lancha com a gente – o
Caio brincou, piscando para mim.
***
Foi
bem mais fácil do que eu imaginava ficar na companhia do pessoal. Depois do
lanche, os meninos concentram-se no videogame e eu aproveitei que a Laís estava
retocando a maquiagem no lavabo para pedir umas dicas de make up. Eu sempre
tive medo de usar delineador, batom ou qualquer coisa muito forte. A única
exceção foi no Grito de Carnaval do Gueto, quando assisti vários tutoriais para
montar um visual bem ‘PÁ!”.
-
Nossa Gabi, você está linda! – Caio deu um grito ao me ver depois de ser
maquiada pela Laís.
-
Ficou ainda mais gata. Mandou bem, Laís – o Gustavo também elogiou.
-
Acho que agora, depois dessa de fazer essa obra de arte, mereço um pedaço de
pudim – a garota anunciou, recebendo frases de aprovação dos garotos.
-
Vou ter que pular essa – falei depois de consultar o relógio – Tenho ensaio
hoje e se não sair agora vou me atrasar.
-
Vou levá-la até a porta – o Caio se ofereceu depois que me despedi do pessoal e
peguei minha mochila.
-
Obrigada pela ajuda – disse, enquanto caminhávamos para a saída. O mínimo que
poderia fazer era agradecer. Caio tinha saído melhor que a encomenda naquela manhã.
-
Você volta amanhã?
-
Se não tiver problema...
-
Claro que não tem, né? Mas faz o seguinte: coloca uma roupa por baixo do
uniforme ou na mochila. Aí, assim que der, você troca para não chamar a atenção
– me aconselhou.
-
Sim senhor. Mais algum conselho, mestre da “Cabulagem” de aula? – levantei a
sobrancelha de modo irônico.
-
Não. Se lembrar de algo mando pelo Whats.
-
Combinado! Nos vemos amanhã, então – dei um abraço rápido nele e depois segui
em direção ao ponto de ônibus, o cheiro do perfume dele impregnado na minha
blusa.
***
- Nossa, que maquiagem é essa? – foi
a primeira coisa que a Maria perguntou ao me ver quando cheguei em casa. Estava
atrasada e tinha menos de 30 minutos para ficar pronta para o balé. A sorte foi
o lanche que estava na minha mochila, que ajudou a matar minha fome. Eu merecia
nota 10 por improviso naquele dia e 0 por disciplina com a dieta.
- Ah Mary, as meninas do colégio
fizeram em mim na hora do intervalo – menti – Esquenta meu almoço rapidinho,
por favor. Vou subir para trocar de roupa antes que minha mãe chegue. Preciso
correr que já estou atrasada! – gritei, já subindo os degraus a toda
velocidade.
Quando dona Beatriz chegou eu estava
esperando na porta. Tirei a make para que ela não desconfiasse de nada e achei
melhor evitar que a Maria falasse com a minha mãe. A diarista acabaria
entregando que cheguei em casa muito animada e dona Beatriz ia querer saber o
porquê.
Evitei mexer no celular no caminho
para o estúdio para não ver mensagens ou postagens que alterassem o meu astral.
Quando li Cidades de Papel, fiquei imaginando o que a Margo sentiu quando fugiu
de casa e deixou tudo para trás. Agora eu sabia como era: no início era
difícil, dava medo, mas a adrenalina compensava tudo. Meu ânimo estava
renovado, como se fosse uma pessoa que acabasse de descobrir um superpoder.
Minha mente fervilhava pensando em mil hipóteses. Eu poderia aprender a me
maquiar com a Laís, ficar com o Gustavo e voltar para o colégio dando a volta
por cima e “sambando” na cara da Marília e do Edu. Seria a vingança perfeita.
- Nossa, que sorrisão é esse? –
Miguel perguntou ao me ver.
- Sorriso de quem quer ensaiar até
tarde hoje. Topa? – precisava queimar as calorias do pão com mortadela e da
Tubaína, além de agradar minha mãe.
- Isso que é animação! Estou vendo
que está bem melhor que ontem...
- É, estou melhorzinha mesmo. Acho
que posso dizer que o mundo dá voltas... E ele é surpreendente – disse,
sentindo uma energia diferente tomar conta de mim. Aquela era a primeira vez
que eu fazia algo e não corria contar para a Carol e para a Mari. E a sensação
era libertadora. Era bom tomar as próprias atitudes, correr os próprios riscos,
fazer as próprias loucuras. Talvez essa fosse a maior ironia de todas: a Mari
fez tudo o que fez para me deixar por baixo. Mas, ao revirar o meu mundo, ela
me mostrou a porta de saída da prisão que eu mesma construíra para mim sem
perceber.
***
Mais
uma vez cheguei em casa exausta, mas dessa vez minha mente parecia um pouco
menos confusa. Era como se a poeira tivesse baixado e agora pudesse enxergar
melhor a situação. Quer dizer, quase todos. Por exemplo: toda minha cota de
raiva, ressentimento e mágoa estava reservada para a Mari e sua corja. Agora
que o “susto” inicial passara, eu simplesmente não conseguia entender os
motivos da loira. Eu sempre fui uma boa amiga para ela e era assim que ela me
retribuía?
Já
o Edu... Bom, esse era um assunto ainda indefinido. Ao mesmo tempo que queria
esquecê-lo, eu não conseguia parar de pensar nele. Ao longo do dia, bastava um
mínimo gesto, palavra ou música para me fazer lembrar. Acontecia nos momentos
mais improváveis e me pegava desprevenida, fazendo meu coração doer como se
faltassem forças para continuar batendo. Edu continuava sendo um mistério,
mesmo distante...
Para
me distrair, peguei meu celular e chequei o Whats. Além do grupo do balé, havia
mensagens do Alê querendo saber como eu estava e da Carol.
“Desculpa não te chamar para
a última festa do Gueto. É que você sabe como é a Marília, né? Quando cisma com
alguma coisa, não tem jeito! Queria ter falado pessoalmente com você hoje na
escola, mas você não apareceu”.
Fechei
a janela sem nem me preocupar em respondê-la. Não queria prolongar aquele
assunto. E além do mais, algo que eu desconhecia totalmente era como a Marília era.
Eu até pensava que sabia, mas não poderia estar mais enganada...
Percebi
que não fazia mais parte do grupo do Gueto e do “Babados”, onde eu e as meninas
fofocávamos sobre os assuntos da escola. A Mari devia ter me excluído, já que
eu não era mais digna de fazer parte da “realeza”. Fiquei encarando o celular,
pensando como era estranho não ter mais algo que você nunca pensou em perder.
Nesse
meio tempo, uma nova mensagem chegou. Era o Caio falando oi. Ficamos
conversando até meia-noite, quando o sono me venceu e eu disse boa noite.
Antes
de apagar a luz do abajur perto da cama, pensei no quanto a situação parecia
estranha. Eu não tinha mais Mari, Carol e Edu para conversar, mas estava construindo
uma amizade – ou qualquer coisa desse tipo - interessante com o Caio.
É,
o mundo realmente dava voltas...
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Notas
finais:
Depois de GaDu, será que vai rolar CaBi? Ou será que a nossa bailarina vai
preferir o Gustavo? E esse “retiro”, o que será que vai dar? Estou loucaaaa pra
saber a opinião de vocês depois dessas mudanças! Meeee contem TU-DO! hahahaha
Tem alguém aí com saudade do Edu,
Marília e toda a corja? Calmaaa que eles voltam na terceira fase! E aí fica a
dúvida: será que vamos descobrir os mistérios de Edu?
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Oiieeee.... xD
Espero que esteja curtindo a fic!
Se estiver, não deixe de "perder uns minutinhos" para me contar a sua opinião, registrar o seu surto ou apenas para dar um oi! E se não estiver curtindo, aproveite o espaço para "soltar o verbo" e falar o que te desagradou!
Uma história não existe sem leitores! São vocês que me dão forças para continuar escrevendo e caprichando cada vez mais em cada capítulo! Portanto, deixe de "corpo mole" e venha "prosear" sobre as fics comigo e com as outras meninas que passam por aqui! *-*
Cada comentário ilumina muito o meu dia! Não deixe de fazer uma quase-escritora feliz: Comente! *-*
E não esqueça de deixar o seu nome, ok?!