sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Capítulo 21 – Quando as máscaras caem

Notas iniciais: Só acho que o nome desse capítulo deveria ser “Quando os forninhos caem”! hahaha Perdoem a demora! Nem vou mais me desculpar, porque né... Sempre fico me desculpando e desculpando e nunca consigo mudar essa demora rs! Mas caprichei bastante no cap. Espero que gostem!
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- Que horas mesmo você disse que ia chegar, dona Gabriela? – minha mãe perguntou sentada no sofá, os olhos fixos na novela.

Dei uma olhada rápida no celular. Eram dez da noite. Certo, eu estava encrencada. Muito encrencada – Desculpa, mãe. É que a gente acabou entrando no cinema, por isso atrasou um pouco.

- Só espero que o seu dever de casa não esteja atrasado – seu modo de falar era tão afiado quanto uma faca.

- Pode ficar tranquila, mãe. Tudo está sob controle – mais uma “mentirinha” para a coleção, pensei comigo mesma.

- Vai logo tomar banho que preciso passar pomada nas suas costas. E nem vou falar para você jantar, né? Com certeza deve ter se entupido de pipoca no cinema...

- Já estou subindo – disse, atravessando a sala e encerrando a conversa. Apesar da vontade de me defender e contar que não comi nada demais enquanto estive fora, não queria estragar minha noite com discussões inúteis. Meu estado de espírito estava tão bom que era difícil acreditar que terminei a noite anterior chorando e que, menos de 24 horas depois, seria capaz de dar pulos de alegria.

Subi as escadas de dois em dois degraus e disparei pelo corredor até chegar ao quarto. Parecia que alguém tinha recarregado minha bateria, porque sentia minha energia a mil. No meu pulso estava a pulseira que o Léo costumava usar. Era simples, com três tiras de couro marrom unidas por uma fivela. Ele deixara a peça comigo como “garantia” do nosso contrato. Em troca, pegou um dos meus anéis de prata que usava na falange – e que combinava com outros três decorados com strass que usava nos dedos – e guardou na carteira. Fiquei tentada a perguntar se a namorada dele não desconfiaria de nada, mas achei melhor não tocar no assunto. O contrato era bem claro: nossa relação estava restrita às coisas boas. Nada de preocupação ou neurose.

Falando em coisas boas, eu não parava de me surpreender com o Léo. Depois que terminamos o lanche – fui obrigada a comer metade da salada, mesmo relutando em fazer refeições na frente dele – ele propôs que entrássemos no cinema, pois corríamos o risco de sermos vistos se ficássemos na praça de alimentação, o que complicaria sua situação com a Vanessa.

Enquanto estávamos em público, caminhamos um ao lado do outro, conversando animadamente como grandes amigos. Uma das grandes vantagens do meu “sócio” – como passei a chamá-lo – era o humor. Ele era muito inteligente e sabia fazer observações pertinentes sobre todos os assuntos. Mas o mais impressionante era como tudo fluía de um modo simples e natural entre nós. Eu não precisava ficar decifrando mensagens ou gestos, me culpando por considerar que agi errado ou de modo precipitado. Com o Léo, as coisas simplesmente aconteciam e pronto.

Ele fez questão de comprar os ingressos e a pipoca, muito embora eu tenha avisado que não iria comer mais nada. Sentamos juntos e, assim que a luz apagou, ele colocou a mão sobre o meu ombro. Achei que ele se aproveitaria da situação, mas não. Por um bom tempo só ficamos abraçados, ele comendo pipoca e, de vez em quando, fazendo comentários sobre o filme. Achei impressionante o fato dele gostar de comédia romântica. A maioria dos homens costumava curtir apenas filmes de ação ou suspense.

- Quero ser escritor. Por isso gosto de todos os tipos de história – ele sussurrou de volta depois que fiz uma piada sobre o interesse pelo filme.

Fiquei de boca aberta com a declaração. Sem dúvidas, aquele garoto era muito diferente de todos os outros.

Depois da sessão, enquanto deixávamos o shopping e caminhávamos para o ponto de ônibus que ficava próximo dali, ele me contou mais sobre o seu sonho: a ideia era escrever histórias que retratassem os dramas reais vividos pelas pessoas, como dificuldades de relacionamentos entre pais e filhos, bullying e coisas do tipo. Mas, ao invés de explorar o “drama” por trás dessas situações, mostraris aos leitores o lado bom da vida.

- Nossa, que garoto mais culto e inteligente – falei em tom de zuação.

- Está pensando o quê, garota? Que sou apenas um rostinho bonito? Tem muito conteúdo por trás desses belos olhos azuis – meu sócio não perdeu a chance de se gabar.

- E quando pretende começar a escrever sua primeira grande obra? – questionei.

- Então, eis o grande problema – fez cara de sofredor, como se estivesse passando por uma crise muito grande – Ainda não achei a história certa, saca? Aquela que você olha e pensa “é essa!”. Já tive muitas ideias, mas nada que realmente me cativasse. Aí sempre acabo desistindo nos primeiros capítulos. Talvez estivesse faltando uma musa inspiradora – sorriu para mim com aquele seu jeito de garoto arteiro.

Desviei o olhar, sem graça. Não estava acostumada com tanto carinho e atenção. Com o Edu era tudo sempre tão difícil. Receber elogios ainda era um pouco estranho para mim – Estava pensando em uma coisa durante o filme – mudei de assunto propositalmente – Nosso contrato tem vigência de três meses. Mas, nesse período, acho que precisaremos de algumas regrinhas para que ele funcione direito.

- Só dizer, sócia – assumiu uma expressão séria, como se estivéssemos falando de negócios que envolviam milhares de dólares.

- Primeiro de tudo: sigilo absoluto. Acabei de sair de uma situação bem delicada. Não seria legal o pessoal ficar sabendo que me meti em um contrato com um cara comprometido – exigi.

- Certo, acho seu pedido justo. Além do mais, também não quero que a notícia se espalhe. Quero ser eu a contar para a Vanessa sobre o nosso contrato e não esse povo fofoqueiro.

Será que ele realmente pretendia contar para ela? A pergunta quase escapou da minha boca, mas mais uma vez me controlei. O relacionamento dos dois não era da minha conta.

- Em segundo lugar, acho que precisamos ser absolutamente francos um com o outro. Se algo desagradar, ou não estiver de acordo com o combinado, precisa ser conversado e resolvido. Nada de indiretas, mensagens subliminares ou códigos. E o principal, se um não estiver mais a fim, o outro precisa ser o primeiro a ficar sabendo. Nada de mentiras ou enganações – pedi, tentando me blindar de passar novamente pelas mesmas situações que vivi com o Edu. Eu duvidada que seria capaz de me levantar se algo daquele tipo voltasse a acontecer.

- Pedidos concedidos, sócia. Mais alguma exigência? – continuou falando como uma falsa solenidade, o que me fez rir.

Parei para pensar alguns segundos antes de responder - Não, acho que é só isso.

- Gabi, eu tenho certeza que esse contrato vai dar certo – disse, antes de me puxar e me beijar gentilmente nos lábios.

Senti seus braços deslizarem pela minha cintura, como se quisesse me segurar e nunca mais me deixar ir embora. Novamente a reação me surpreendeu. O Léo me transmitia segurança, enquanto o Edu sempre me deixava em estado de alerta.

Infelizmente, o beijo não durou muito. Ele me soltou logo na sequência, mantendo apenas nossas mãos unidas enquanto caminhávamos.

- Posso saber como você tem tanta certeza disso? – provoquei na tentativa de disfarçar o quanto aquele beijo me deixara desconcertada.

- Porque eu sei, ué... – disse, lançando um olhar cheio de mistério na minha direção – E vem logo que acho que tem um ônibus vindo – acelerou o passo, me puxando atrás dele.

Realmente havia um coletivo a caminho.  Com uma corrida curta, conseguimos alcançar o ponto e dar sinal. Sentamos no fundo e, como estava vazio, encostei minha cabeça no seu ombro e recebi um cafuné tão gostoso que quase me fez dormir.

Seguimos o resto do caminho em um silêncio confortável, como se não precisássemos de palavras para nos entender.

O ônibus parava no centro e de lá peguei um táxi para o condomínio. Como já estávamos em Guararema e corríamos o risco de sermos vistos, nos despedimos apenas com um abraço. Foi aí que ele teve a ideia de me entregar a pulseira e pegar o meu anel.

- Melhor do que selar o acordo com sangue – não perdeu a oportunidade de fazer piada.

Comecei a rir sozinha ao me lembrar de todos os acontecimentos da noite. O taxista olhava para gente com cara de “Oi? O que vocês estão falando?”. Girei a pulseira no meu punho, sorrindo sozinha. Seria possível que depois da tempestade eu tivesse encontrado um porto seguro?

- Gabriela, você não tomou banho ainda?

Dei um pulo ao ouvir a voz da dona Beatriz. Quando me virei, me deparei com ela parada na porta do meu quarto, me “fuzilando” com o olhar.

- Filha, o que está acontecendo? Você anda com a cabeça nas nuvens nesses últimos tempos! Desde as nossas férias você não tem mais se mantido focada. Acorda, Gabriela! – estalou os dedos para chamar minha atenção.

- Já vou, mãe. Estava só relembrando uns conteúdos da matéria que vai cair na prova amanhã. Queria ter certeza que memorizei tudo certo - estava ficando cada vez melhor na arte de inventar desculpas.

- E não pode fazer isso no banho? Vai logo, quero deitar para descansar. Minha vida não é fácil que nem a sua – ralhou comigo, sentando-se na minha escrivaninha – Estou esperando, vê se não demora!

Sem opção, acabei indo para o chuveiro. Tomei uma ducha rápida para que minha mãe pudesse passar a pomada de uma vez nas minhas costas. Quando terminou de fazer a massagem, dona Beatriz fez questão de repetir que eu precisava melhorar minha disciplina, ou ela seria obrigada de tomar atitudes mais drásticas.

Mesmo sentindo uma pontada de medo por causa da ameaça, me permiti deitar a cabeça no travesseiro e sorrir. As coisas estavam começando a melhorar. As nuvens negras de tempestade já não me atormentavam mais.

***
Acordei tão empolgada no dia seguinte que a Maria até estranhou meu bom humor matutino.
Me esforcei para chegar mais cedo na casa do Léo, para poder cumprimentá-lo com um beijo antes que os outros chegassem.

- Bom dia, sócio – dei um selinho depois quando o encontrei na sala.

- Muito bom dia, sócia. Vejo que acordou bem disposta hoje. Mas não é assim que se dá bom dia para as pessoas... – balançou a cabeça, desaprovando minha ação.

- E como é? – levantei a sobrancelha, confusa.

- Assim – com uma velocidade incrível, ele girou meu corpo, me colocando contra a parede e me deu um beijo daqueles, apoiando as mãos na parede e prensando o corpo no meu. Tudo foi tão rápido que mal tive tempo de reagir. Quando dei por mim, ele já estava se afastando para atender o interfone que tocava.

Antes de ir, porém, voltou e ajeitou meu cabelo – Te deixei descabelada – deu uma risada gostosa ao ver minha cara de susto – Agora você já sabe como dar bom dia para mim, sócia – deu mais uma gargalhada antes de ir abrir o portão.

Passei a manhã inteira me controlando para não dar nenhuma brecha para o pessoal. A Laís propôs que continuássemos jogando truco. Claro que o Caio adorou a ideia e, novamente, fez o possível para tirar proveito da situação. A morena também não perdeu tempo. Como era o último dia do “retiro”, ela parecia estar determinada a fazer algo para chamar a atenção do meu sócio. Minha vontade era de falar “amiga, para! Tá feio!”. Será que ela não percebia que ele não queria nada com ela?

Vendo o comportamento da garota, lembrei dos comentários da Mari que eu estava me oferecendo para o Edu. Francamente, eu não tinha feito nem metade daquilo pelo carioca. Na realidade, o comportamento dela se encaixava muito mais no perfil da Nathy e da própria Marília: insistir de todas as maneiras possíveis até conseguir o que queriam. A diferença era que, enquanto a Laís jogava limpo e deixava claro o que queria, as “falsianes” preferiam fazer planos ardilosos e não se importavam em derrubar quem quer que estivesse no seu caminho.

Embora estivesse irritada com as investidas da Laís, não pude deixar de admirar o Léo por resistir tão bravamente. Ela era uma garota muito bonita, bem sensual, e ele estava segurando bem o “forninho”. Diferente do Edu, né? Que caiu na “rede” da Nathália bem fácil...

Ai, droga! Será que esse garoto não ia sair nunca da minha cabeça? Soltei o ar pesadamente, insatisfeita com os meus pensamentos.

- Que foi, bailarina? Não encontrou seu Quebra-Nozes? – o Léo me lançou um olhar provocativo.

- Olha, vamos falar de clássicos do balé agora? – levantei a sobrancelha, surpresa.

- Já te disse, Léozinho também é cultura – o cabeludo se gabou, mexendo no cabelo.

- Vocês dois se deram bem, né? – Gustavo comentou usando um tom de voz que insinuava algo a mais.

Encarei o Léo sem saber o que fazer. Será que tínhamos dado algum fora?

- E quem não se dá bem comigo, meu caro Gustavo? Sou o charme e simpatia em pessoa – o dono da casa conseguiu driblar a situação e nos tirar da enrascada.

Respirei aliviada quando o moreno começou a implicar com o amigo, dizendo que ele estava disputando com o Caio o posto de Rei do Camarote. A conversa seguiu animada e eu tratei de me concentrar no jogo e não dar mais nenhum fora.

Quando chegou a hora de ir embora, todos se despediram com abraços e vários comentários sobre como aqueles dias de retiro foram divertidos. Enquanto os meninos se distraíam cogitando quando seria o próximo encontro, fiz um agradecimento mental ao Caio. Se não fosse ele, eu provavelmente ainda estaria chorando pelo Edu e sofrendo pela traição da Mari. Por mais que o Rei do Camarote tivesse uma personalidade difícil, ele estava se mostrando um bom amigo. Mesmo que só estivesse interessado em me ajudar com segundas intenções...

Acabei me estendendo muito nas despedidas e precisei correr até o centro para pegar o ônibus. Por mais que eu não quisesse ir para o ensaio, também não queria despertar ainda mais a ira da dona Beatriz. Ela já andava bem nervosa comigo e eu não estava disposta a dar ainda mais motivos para ela ficar insatisfeita.

Desci em frente ao condomínio e apressei o passo para chegar logo. Estranhei quando vi o carro da minha mãe parado em frente a nossa casa. Será que alguma aula da manhã fora cancelada?

Entrei em casa e dei de cara com a dona Beatriz sentada em frente à porta. Sua boca estava fechada em uma linha reta e suas mãos cruzadas em frente ao corpo como se estivesse se segurando para não fazer algo errado.

 - Onde você estava, Gabriela? – sua voz era fria como gelo.

Era óbvio que ela sabia de algo. Mesmo assim, não quis entregar o jogo assim, tão fácil – Na escola, ué... – disse como se a resposta fosse óbvia.

- Gabriela, eu falei com a diretora do seu colégio hoje. Liguei para pedir que você fosse dispensada das aulas de Educação Física e ter certeza que dessa vez minha ordem seria seguida. A Cecília me garantiu que conversaria com a professora e que cuidaria pessoalmente do meu pedido. Até aí, tudo caminhava bem e eu já estava prestes a desligar quando ouvi a diretora perguntar quando você voltava para o colégio. Sem entender nada, questionei sobre o que ela estava falando e adivinha o que eu descobri? – ela me encarava como um predador que estuda a presa. Sua voz era fria e calculada e seus olhos faiscavam de raiva, ressentimento e algo maior e ainda mais profundo que não consegui decifrar. Eu nunca tinha visto dona Beatriz tão contrariada e fora de si – Na segunda-feira alguém mandou um e-mail para a diretoria do colégio em meu nome dizendo que você ficaria um tempo afastada das aula porque estava muito fragilizada com os últimos acontecimentos – fez uma pausa, engolindo em seco, como se o assunto fosse amargo demais – E foi assim que fiquei sabendo que minha filha foi vítima de bullying na escola porque um boato sobre você ter perdido a virgindade foi espalhado de forma maldosa entre os alunos. E eu pensando que o seu único problema era a distração nos ensaios – sua voz falhou na última frase. Eu sabia que era difícil para ela admitir que falhara – Quando você pretendia me contar o que estava acontecendo, Gabriela?

- Eu não queria te preocupar, mãe – menti. Na verdade eu sentia vergonha de admitir que tinha fracassado. Dona Beatriz era tão perfeita que jamais perdoaria uma filha tão perdedora.

- Senta aqui. Quero saber essa história direitinho, desde o começo – fez um gesto, apontando a poltrona na sua frente. Só então me dei conta que ainda estava parada perto da porta.

Obedeci a ordem, deixando minha mochila ao meu lado no chão. Tudo indicava que seria uma conversa longa e bem tensa.

- Meu Deus, que maquiagem é essa logo de manhã? Pelo amor de Deus. Gabriela! Por onde você andou todo esse tempo? – minha mãe parecia horrorizada com a ideia de ter perdido o controle da minha vida, mesmo que só por uma semana.

- Com uns amigos... – foi tudo o que disse. Tinha medo que ela entrasse em contato com a mãe do Léo e dos outros meninos e acabasse entregando todo mundo. Era bem o perfil da dona Beatriz fazer isso.

Com uns amigos... – repetiu, contrariada – Ok, vamos do começo – respirou fundo tentando se acalmar – Esse boato que você perdeu a virgindade. É verdade?

Confirmei com a cabeça, sentindo a vergonha escorrer de cada um dos meus poros. Não poderia existir modo mais constrangedor de contar para sua mãe sobre a sua primeira vez.

- E com quem foi? – ela se controlava para manter o tom de voz calmo.

- Com o Edu, primo do Alê – informei, encarando o chão.

- E quando aconteceu? – o interrogatório continuou.

- No dia da festa de Carnaval na casa da Carol – senti um nó no estômago ao me lembrar. Se pudesse, apagaria essas recordações da minha memória para sempre.

- E vocês estavam namorando?

Balancei a cabeça, negando. Eu esperava que minha mãe não fosse do tipo conservador, que acreditava que uma mulher não deveria se entregar sem ter um compromisso sério com o rapaz...

- Mas vocês estavam juntos já tinha um tempo, né? Ele sempre estava aqui na frente de casa. E parecia gostar de você...

“Só parecia...”, tive vontade de dizer, mas continuei fitando o chão, envergonhada.

- Bom, levando em consideração que vocês viviam juntos, acredito que não é verdade que ele só ficou com você por dó. Alguém espalhou essa fofoca para te prejudicar, não foi isso?

Ver a situação sob essa perspectiva não ajudava em nada. Eu sabia que tudo era verdade, mas ouvir minha mãe resumir tudo com palavras tão frias e mesquinhas reforçava a ideia que eles me usaram e, quando cansaram, jogaram fora sem o mínimo de dó.

Afirmei com a cabeça sem muita convicção. Eu não tinha como ter certeza que o Edu tinha outros motivos para querer ficar comigo. O carioca sempre foi tão misterioso em relação aos seus sentimentos que era difícil ter certeza que sentia algo por mim que não fosse pena.

- E quem fez isso? Você tem alguma ideia?

- Foi a Mari – consegui dizer depois de algum esforço.

- A Marília? Sua amiga? – dona Beatriz colocou a mão na frente da boca e balançava a cabeça, incrédula – Mas por quê? Vocês sempre se deram tão bem...

“Essa é a pergunta de um milhão de dólares”, pensei, amarga. Mas eu já não sabia mais se realmente queria saber a verdade. Talvez a resposta fosse ainda mais dolorosa que a dúvida.

Minha mãe ficou em silêncio por um momento, como se ainda estivesse em choque com a notícia. Quase dava para ouvir seus pensamentos tentando encontrar uma resposta lógica para aquela questão.

- Certo, a Cecília disse que conversou com os alunos e que está tomando medidas anti- bullying na escola – voltou a falar quando desistiu de tentar entender os motivos da Marília – Infelizmente, ela disse que não tem como punir os culpados com advertências ou suspensões porque a notícia se espalhou como um boato e não temos como provar quem foi o autor da mentira. Mas a diretora disse que você já pode voltar às aulas e que estará de olho no pessoal da sua sala – fez uma pausa, me encarando como se esperasse que eu me sentisse mais tranquila com aquela notícia. Mal sabia ela que só de pensar em voltar eu já sentia todo o meu corpo tremer – Já eu posso falar com a mãe da Marília. Alguém precisa colocar essa menina na linha...

- Não, mãe. Não precisa fazer isso – pedi, interrompendo sua fala.

- Gabriela, você não precisa ter medo de represálias...

- Não é nada disso, mãe! – a interrompi de novo, dessa vez de modo mais enérgico – É só que isso é dar ainda mais munição para a Marília usar contra mim. A situação está muito melhor do jeito que está. Pode ter certeza disso.

- Ok, se você acha melhor assim... – assumiu um tom apaziguador que me assustou. Dona Beatriz não era do tipo que abria mão tão facilmente de um ponto de vista – Então vamos mudar de assunto. Bom, sei que já tivemos essa conversa, mas você sabe que perder a virgindade é um passo muito importante na vida de uma garota, né? É o primeiro passo para você se tornar uma mulher de verdade...

Senti meu rosto queimar ainda mais de vergonha. Eu e minha mãe já havíamos falado sobre sexo antes, mas daquela vez era diferente. Havia uma falsa cumplicidade no ar, um entendimento forçado, como se, na verdade, minha mãe não estivesse prestes a querer me matar por ter aprontado tanta coisa. Infelizmente – ou felizmente para mim – as rugas em torno do seu olho e o vinco na sua testa entregavam o que realmente estava se passando pela sua cabeça.

- Bom, vou marcar um médico para você. Não tinha feito antes por não achar necessário, mas agora você precisa tomar certos cuidados. O que me faz querer saber algo muito importante – outra pausa acompanhada de uma mexida desconfortável na cadeira – Você se cuidou, Gabriela? Usou camisinha? Porque você sabe que com essas coisas a gente não pode brincar, né? Veja o que aconteceu comigo! Um descuido e toda minha carreira de bailarina foi por água a baixo...

- Mãe, não é porque aconteceu com você que também vai acontecer comigo. Para de ficar tentando me usar para ter a vida que você não teve – falei com um tom não muito amigável. Não sei porque tive aquela reação tão exagerada, mas não consegui me segurar. Uma raiva irrefreável se espalhou pelo meu corpo como se fosse um veneno.

- Não estou tentando te usar para nada. Só estou preocupada com você, Gabriela! – respondeu, deixando sua máscara de mãe controlada e compreensiva cair. Agora sim dona Beatriz estava se revelando de verdade.

- Está tentando me usar, sim. Sempre esteve. Você quer que eu seja bailarina profissional só porque você não conseguiu ser. Você quer que eu seja disciplinada, forte e determinada, mas eu não sou nada disso. E você quer saber por que não te contei sobre a Mari e o Edu? Foi porque você nunca se interessou em saber o que eu realmente queria. Você sempre decidiu o que era melhor para mim sem sequer consultar minha opinião. Então por que eu deveria te contar o que estava acontecendo? – eu gritava, colocando para fora tudo o que estava entalado na minha garganta – Agora mesmo, você nem quis saber como estou me sentindo em relação a tudo o que aconteceu. Só se preocupou em ter informações suficientes para poder assumir o controle da situação.

- E o que você queria que eu fizesse? Preciso saber o que aconteceu para poder tomar as medidas necessárias e consertar essa bagunça em que você se meteu – falou em tom sério, tentando impor respeito.

- Eu não me meti em bagunça nenhuma, mãe! Você mesmo concluiu que fizeram isso para me prejudicar – me defendi, mexendo as mãos de forma agitada.

- Mas você também não se ajudou muito, né? Saiu por aí, dormindo com o primeiro rapaz que conheceu... – levantou as sobrancelhas, irônica.

- Não muito diferente de você, né? –rebati de forma ácida.

- Gabriela, me respeita! – levantou o dedo de modo ameaçador – Tudo o que eu faço é pensando no seu futuro. Já passei por muita coisa nessa vida, por isso tenho experiência para decidir o que é melhor para você. Não quero que você sofra o que eu sofri.

- Será que nunca passou pela sua cabeça que o melhor para mim talvez não seja o que você determinou? Será que já pensou que posso tentar outras coisas que não tenham a ver com balé? Ou que a vida não se resume à dieta, ensaio, disciplina e sofrimento?

- Que outras coisas você pode tentar? A única coisa que você sabe fazer é dançar. Gabriela! – dona Beatriz beirava a histeria.

- Eu não sei, mas estou cansada disso! Estou cansada de não poder comer o que gosto e de não poder fazer o que quero. Estou exausta de me esforçar tanto para te agradar e de você sempre exigir mais e mais – lágrimas rolaram pelo meu rosto e eu não sabia se eram de nervoso, tristeza ou frustração. Eu tinha vontade de gritar e gritar até que todo aquele sentimento ruim deixasse de vez o meu peito.

- Você está me dizendo que não quer mais dançar? – sua expressão era um misto de surpresa e raiva.

- Sim, é isso mesmo – confirmei.

- Então está ótimo, Gabriela. Não precisa mais fazer balé já que isso é um fardo tão pesado para você – me provocou – Mas não pense que essa sua vida de vagabundagem vai continuar. Segunda-feira você volta para a escola. Farei questão de te levar e vou manter contato direto com a Cecília para saber se você não fugiu. Como é seu pai que paga o colégio, vou cuidar do seu desempenho escolar já que ele não pode fazer isso. Mas de resto... – deu de ombros, indiferente – pode fazer o que quiser da sua vida. Eu não vou mais me meter em nada. Coma o que quiser, vá para onde quiser, fique com o garoto que der na telha. Mas assuma com as consequências dos seus atos e não venha me pedir ajuda depois.

- Fica tranquila! Você não vai precisar me aturar por muito tempo. Quero ir morar com o meu pai em Nova York – disparei sabendo que aquele era um golpe muito baixo. Dona Beatriz não permitia nem uma aproximação por telefone, quem dirá morar com ele.

Ela se levantou da poltrona e me lançou um olhar de desprezo, como se eu não fosse digna da sua companhia – Ótimo! Então para já ir se acostumando, passe a se virar com ele. Mesada, livros, peça tudo para o seu querido pai. Esqueça que tem mãe. Gabriela – disse, antes de me deixar sozinha na sala.
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Notas finais: Maaaas gente, o que deu nessa menina? Revoltou geral! Socorro!

E agora? O que fazer? Como lidar? Como será essa volta para a escola? Será que vai ter reencontro com o Edu? E o Léo? E esse contrato? É muita coisa pra lidar, Gabi tá se enrolando cada vez mais.

Ai gente, a única certeza é que Alê volta no próximo cap. Vamos ver se ele consegue segurar essa menina, né? Hahaha

Beijo, gente! Ansiosa para saber opiniões!

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Oiieeee.... xD

Espero que esteja curtindo a fic!
Se estiver, não deixe de "perder uns minutinhos" para me contar a sua opinião, registrar o seu surto ou apenas para dar um oi! E se não estiver curtindo, aproveite o espaço para "soltar o verbo" e falar o que te desagradou!

Uma história não existe sem leitores! São vocês que me dão forças para continuar escrevendo e caprichando cada vez mais em cada capítulo! Portanto, deixe de "corpo mole" e venha "prosear" sobre as fics comigo e com as outras meninas que passam por aqui! *-*

Cada comentário ilumina muito o meu dia! Não deixe de fazer uma quase-escritora feliz: Comente! *-*

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