sábado, 5 de setembro de 2015

Capítulo 20 – O contrato

Notas iniciais: Capítulo 20 da história! Uhuuu ~~ dá pulinhos de alegria~~ Para comemorar, está beeem caprichado. São 15 páginas e um contrato que ó, vai dar o que falar. Pensem em uma pessoa ansiosa para saber a opinião de vocês? Pois é, sou eu! Leiam e aproveitem!
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- Gabi, que cara é essa?

Dei um pulo, assustada. Estava distraída, sentada nos bancos do estúdio de balé, com a perna dobrada e a sapatilha parada no ar. A típica cena de alguém que está fazendo algo e, de repente, é interrompida por um pensamento em especial.

- Que susto, Miguel! Caramba, nem ouvi você chegar – ralhei com o meu parceiro, colocando a mão no coração em uma tentativa de me acalmar.

- Claro que você não me viu chegar. Estava aí, toda distraída, olhando para o nada – ele riu, enquanto sentava-se ao meu lado – Parece que viu passarinho verde... Está acontecendo alguma coisa que eu não sei?

“Olha, eu estava apaixonada por um cara, mas aí não deu certo, a escola inteira ficou sabendo que transei com ele, não tenho mais amigas, estou cabulando aula e um cara lindo me beijou hoje. O problema é que ele comprometido e, para complicar ainda mais, o beijo foi bom. E ainda tem a minha mãe e essa dieta superrigorosa que preciso seguir. Tirando isso, sim tudo está bem”, pensei comigo mesma.

Fiquei muito tentada a abrir o jogo com o Miguel e contar toda a verdade. As palavras vieram até a boca, mas não consegui colocá-las para fora. O meu “monstrinho” particular tratou de aparecer bem na hora, alertando com o dedo em riste que não seria uma boa ideia compartilhar os meus segredos.

“O que acontece no quartinho da bagunça fica no quartinho da bagunça”, a voz do Léo soou na minha cabeça. Sim, era melhor deixar essa confusão longe do estúdio de balé. Entrar naquele assunto seria como abrir a porta de um guarda-roupa superlotado. Ao puxar uma mínima peça, todo o resto acabaria desabando em cima do pobre Miguel, que nada tinha a ver com a situação.

- Nada demais. Só estou preocupada com algumas matérias que preciso estudar – nem tudo era mentira. Afinal, as aulas que estava perdendo na escola realmente me preocupavam. Claro que não ocupavam minha mente tanto quanto os outros assuntos. Estudar parecia algo relacionado a outra vida, a uma outra Gabriela que existiu há milênios.

- Se é só isso – deu de ombros – Vamos alongar?

Levantamos juntos e caminhamos até a barra. Começamos pelos braços e depois pernas. Mas quando estiquei as costas, senti um incômodo e soltei um gemido.

- E o que foi agora, menina? – ele me perguntou ao perceber que estava toda encolhida e com cara de dor.

- Minhas costas... Eu machuquei hoje e estão doendo – expliquei, tentando passar a mão na região dolorida.

- Vem cá, deixa eu ver.

Virei na direção do Miguel e senti suas mãos puxarem a malha um pouco para baixo – Gabi, o que você aprontou? Tem um baita roxo aqui!

Puuts!

- Eu cai... – disse, girando para voltar a encará-lo.

- Não vai dar para fazer passos juntos hoje. Vou acabar te machucando mais se ficar colocando a mão nas suas costas - isso era o que eu mais gostava no Miguel: ele sempre estava preocupado com as pessoas ao seu redor.

- Relaxa, a gente dá um jeito... – tentei acalmá-lo. Não queria causar alarde e chamar a atenção da dona Beatriz – Se doer muito, eu aviso.

- Tem certeza? Podemos falar com a sua mãe...

- Não! Está doendo porque ainda não aquecemos. Tenho certeza que quando o ensaio começar nem vou lembrar disso – sorri tentando demonstrar confiança.

Miguel não disse mais nada. Apenas balançou a cabeça, como se não acreditasse em mim e depois continuou o alongamento em silêncio.

***

Para o meu azar, a dor não passou. O ensaio seguia forte, com dona Beatriz exigindo movimentos perfeitos e as minhas costas ardendo de dor. Porém, sempre que lembrava do motivo da pancada nas minhas costas, eu não conseguia sentir raiva. Pelo contrário, tinha vontade de rir por causa da queda, pelo bom humor do Léo, e principalmente, pelo beijo. Tudo aconteceu de maneira tão espontânea e inesperada que não parecia real. Era como se alguém tivesse me pregado uma peça muito engraçada, mas que, no fim, não passava disso: de uma brincadeira e nada mais.

- Alguém me explica o que está acontecendo com a minha dupla principal hoje? – minha mãe interrompeu o ensaio – Gabriela está com a cabeça nas nuvens e Miguel parece que está com medo de executar os movimentos. Cadê o Romeu e a Julieta que pararam a cidade no Festival de Verão? Ninguém avisou para eles que as férias já acabaram?

- Desculpa, dona Beatriz. É que a Gabi está machucada, por isso não estou fazendo as pegadas direito. Não quero machucá-la ainda mais.

Olhei para o lado, implorando para que o Miguel ficasse quieto, mas ele encarava o chão morto de vergonha.

- Machucada? – minha mãe fixou o olhar em mim, exigindo uma resposta.

- Não é nada demais. Eu caí hoje e acabei machucando um pouco as costas – tentei minimizar a situação.

- Cadê? Deixa eu ver... – fez um gesto para que eu me aproximasse. Sem opção, caminhei até ela e virei de costas – Gabriela, isso está horrível! Além de roxo, está arranhado. Como você conseguiu esse machucado? E por que não me disse nada?

- Foi na aula de Educação Física hoje. Estávamos jogando vôlei e acabei levando um tombo – improvisei.

- Educação Física? Mas eu já não te pedi para te liberarem dessa aula? – a expressão da minha mãe indicava que eu estava muito encrencada. Ao nosso redor, o resto do elenco assistia a tudo em silêncio. Ninguém respirava, nem se mexia por causa do clima tenso.

- Sim, você pediu – concordei com a voz fraca.

- Então por que você ainda está fazendo Educação Física? Se pedi para te dispensarem, era exatamente por causa disso. Agora você está aí, toda machucada, sem conseguir ensaiar – ela mexia as mãos, bastante nervosa.

- Ahh mãe, é que todo mundo participa dessa aula. Não queria ser a única diferente. Já sou super zuada porque vivo de dieta e não posso fazer um monte de coisa... – tentei me justificar levantando mais a voz do que queria.

- Diferente? Zuada? Então para você o balé é motivo de vergonha? – os olhos de dona Beatriz faiscavam de raiva – Gabriela, ser uma bailarina exige certos sacrifícios, você deveria saber disso.

- Não foi isso o que quis dizer... – tentei consertar – Não tenho vergonha de fazer balé. Só que, às vezes, esse ritmo puxado de ensaio complica um pouco a minha vida...

- Chega, Gabriela!  - disse, em tom enfático – Você sabe quantas meninas sacrificariam tudo o que tem para ser a protagonista de um espetáculo como esse? – questionou com a boca contraída de nervoso - Mas é claro que não sabe! – balançou a cabeça bastante contrariada – Hoje você vai trocar de lugar com a Karina. Com as costas desse jeito não tem como você ensaiar.

A Ká era uma espécie de “Julieta reserva”. Sabia todos os passos e mantinha-se em forma para o caso de um dia eu me machucar e não poder me apresentar.

De onde estava, Miguel lançou um olhar na minha direção tentando se desculpar. Todos os outros estavam em silêncio. A própria Karina demorou a sair do canto onde estava e caminhar até o centro do estúdio.

- Vamos, gente! Quero todos em posição! Vou voltar a música e retomaremos de onde paramos – dona Beatriz deu as ordens.

Com a cabeça baixa, fui até o Pedro, o “Romeu reserva” para assumir o papel que era da Karina. A raiva fazia meu sangue ferver. Eu queria reclamar, gritar que aquela atitude não era justa. A culpa não era minha se eu tinha me machucado. Como eu poderia prever que o Léo cairia em cima de mim? E todo o esforço que eu sempre fazia para manter a forma? Será que só uma vez minha mãe não poderia ficar ao meu lado? Poxa, mesmo com dor eu estava ensaiando! Quem ficou com medo de me machucar foi o Miguel, não era certo eu ser punida.

Passei o resto do ensaio sem fazer o mínimo esforço para prestar atenção ou executar os passos certos. Dona Beatriz que ficasse com a Karina, já que a achava tão boa...

Assim que a turma foi dispensada, corri para o vestiário e troquei de roupa. Não aguentava mais o resto do elenco me encarando com cara de dó. Avisei para a moça da recepção que ia sair para dar uma volta e deixei a escola como se estivesse fugindo de um castigo.

Fui caminhando sem pensar muito para onde iria. Era estranho não ter nada para fazer. Eu costumava passar o resto da tarde no estúdio ensaiando sozinha ou com o Miguel. Ter um tempo livre não era algo comum na minha vida...

Passei em frente a um lugar que vendia milk shake. Na placa em frente a porta um letreiro divulgava os sabores e os preços. Sem pensar duas vezes, entrei no estabelecimento e pedi uma bebida de Ovomaltine. Me sentei em um dos bancos dispostos diante de uma bancada com um sorrisinho bobo nos lábios por estar siando da dieta e dando o “troco” na minha mãe.

Senti meu celular vibrar dentro do bolso do shorts jeans. Uma notificação dizia que eu tinha uma nova mensagem inbox no Facebook.

“Gabi, te achei no Face do Caio. Queria muito falar com você”.

Era o Léo. Com certeza ele queria falar sobre o beijo. Senti minhas mãos ficarem geladas. E se ele fosse que nem o Edu? Eu não estava pronta para mais uma tempestade...

“Oi, pode falar! Desculpa a demora, estava no ensaio”, respondi depois de pegar minha bebida e dar um gole.

“Acho que você já sabe o que vou falar, né? Desculpa pelo beijo hoje à tarde. Tipo, não vou dizer que estou arrependido, porque não estou. Mas tem muita coisa envolvida. Minha namorada, o Caio, seu rolo do passado, até a Laís conta nessa história. Não acho justo te envolver nessa bagunça”.

Li a mensagem duas vezes para ter certeza que estava entendendo certo. Depois dos mistérios do Edu, a última coisa que eu esperava era alguém tão sincero e direto.

“Nossa Léo, eu nem sei o que falar. Primeiro aquele beijo do nada, agora essa mensagem... Acho que a ficha de hoje à tarde ainda não caiu. Mas fica tranquilo, não estou brava com você”, digitei, também sendo sincera.

“Te peguei de jeito, né? hahaha

Ri ao ler a resposta. Mas que cara de pau!

“Me pegou desprevenida, isso sim”.

“Mas bem que você gostou... Quando te soltei, me chamou com os olhinhos cerrados e cara de quem queria mais”.

“Mais que abusado! Você me beija do nada e quer que eu faça o quê? Falei o seu nome porque não sabia o que dizer”, me defendi. Como era possível que eu e o Léo nos conhecêssemos a menos de uma semana e já estivéssemos tão íntimos, enquanto com o Edu a conversa era sempre cheia de charadas e mensagens subliminares?

“Relaxa, Gabi. Eu também gostei. Acho que rola uma química legal entre a gente...”.

Ler aquelas palavras trouxe à tona a memória do carioca me dizendo praticamente as mesmas palavras. Senti uma pontada de dor no peito e até respirar foi difícil por um momento. O Edu ainda mexia muito comigo.

“Se não fossem todos esses problemas, acho que formaríamos uma bela dupla”.

Ele completou logo na sequência. Não sei se era apenas impressão, mas senti um tom de tristeza na frase.

“Mas podemos continuar amigos, não podemos?”

Já tinha perdido tanta coisa nos últimos dias que não queria abrir mão da minha “bóia” de salvação. O humor do Léo era um remédio contra a “nuvenzinha negra” que costumava pairar sobre a minha cabeça.

“Claro que podemos. Uma amizade colorida, né? Hahaha Brincadeira, Gabi! Mas é óbvio que continuamos ‘brothers’. Você é gente boa pra caramba, gostei de você”.

Mais uma vez senti a minha garganta fechar. Eu já ouvira aquela frase antes, exatamente com o mesmo contexto: eu era uma ótima garota, mas não boa o suficiente para que o Edu quisesse ficar comigo. Qual era o meu problema, afinal?

“Acho melhor assim. Também não quero me envolver com ninguém agora. Vai ser melhor ficar sozinha”

Respondi, encerrando a conversa. Terminei de tomar meu milk skake praticamente com um único gole. Meu coração batia devagar, cansado de tantos altos e baixos. Há dois minutos eu ria da cara de pau do Léo. Agora, por causa de uma lembrança, não tinha mais vontade de fazer nada. Pedi mais uma bebida, mais por vontade de descontar minhas angústias do que por sede.

Andei sozinha pelo centro da cidade até o final da tarde. Quando voltei para o estúdio, minha mãe estava terminando suas tarefas. Sua cara fechada indicava que ela ainda não havia superado a discussão que tivemos durante o ensaio. Isso só poderia significar uma coisa: bronca.

 E foi exatamente o que aconteceu. No caminho para casa, ouvi, pela milésima segunda vez, que preciso me dedicar mais ao balé, que para ser uma bailarina de sucesso é preciso esforço e muita dedicação e blá, blá, blá...

Como sempre, apenas concordei com a cabeça. O tempo me ensinara que discordar era pior. Mas, apesar daquele discurso ser batido e velho, ele sempre me afetava. Eu queria não me importar, mas era difícil lidar com as expectativas da minha mãe. Ela queria tanto que eu fosse a melhor em tudo que se esquecia que estava lidando com uma pessoa de carne e osso, que também tinha direito de errar. E no final das contas, foi um acidente. Será que era muito difícil entender que eu não tinha como prever que aquilo iria acontecer?

Assim que chegamos em casa, subi correndo para o meu quarto. Eu havia comprado chocolates em uma bomboniere no centro e não pensei duas vezes: devorei duas barras, como se todos os meus problemas fossem desaparecer assim que eu acabasse com elas. Edu, Mari, minha mãe, o beijo do Léo e a sua rejeição... cada pedaço tinha um “sabor” diferente, um mix de culpa, raiva, medo, mágoa... O último item, em especial, tinha um gosto bem estranho. Era como uma bebida que começava doce e refrescante e, conforme virávamos o copo, tornava-se amarga e ácida.

Tudo bem que eu não queria nada com ele. Aliás, não queria nada com ninguém, depois do que o Edu aprontou comigo. Mas... saber que eu não valia o mínimo esforço por parte dele me deixou desapontada.

- Gabriela, já toma banho agora que depois do jantar vou passar pomada nas suas costas. Vamos ver se amanhã você consegue ensaiar, né? – ouvi minha mãe gritar do pé da escada.

O susto me fez voltar à realidade. O desespero tomou conta de mim, me roubando o ar. Olhei para os meus dedos sujos e me senti como o pior dos seres. No fim, minha mãe estava certa. Eu não era mesmo a pessoa forte, determinada e focada que ela esperava que eu fosse. Era uma fraca, incapaz, imprestável...

Corri até o banheiro e coloquei tudo para fora. O chocolate, as dúvidas, medos e inseguranças. No fim, só sobrou o silêncio e a paz do vazio.

***
Abri os olhos no dia seguinte e encarei o teto branco. Ao levantar e ver meu reflexo no espelho, as olheiras que via ali escancaravam o que eu queria esquecer. O remorso por ter vomitado (de novo), as lágrimas, o choro sufocado para que minha mãe não percebesse que havia algo errado durante o jantar e depois a noite mal dormida com os meus fantasmas sussurrando no meu ouvido cada um dos meus pecados.

Agradeci a Deus por ter aprendido a fazer uma maquiagem descente com a Laís e caprichei na base e no pó. Repeti o mesmo procedimento do dia anterior: desci para tomar café mais cedo para sair antes do horário combinado.

No caminho para o ponto, chequei as mensagens no meu celular. Léo, Caio e a Alê tinham puxado assunto no Whats na noite anterior, mas fiz questão de ignorar todos eles. Sem querer, meus olhos correram pela tela até chegar na conversa com o Edu. Desde o dia que ele me deu o fora, não nos falamos mais.

Senti a típica pontada de dor no peito ao lembrar de um dia que o carioca acordou bem mais cedo que o habitual e me mandou várias mensagens seguidas para que eu também acordasse. Depois que conseguiu o que queria, ele ainda me convenceu a mandar um áudio com voz de sono, que ele zuou pelo resto do dia no colégio.

Nada que eu pensasse me fazia entender como duas pessoas que se falavam quase o dia inteiro agora nem se viam. Bem que dizem que a vida é uma caixinha de surpresas...

Peguei o ônibus com as lembranças povoando a minha mente. Eu lembrava de um dia que ficamos trocando fotos bobas pelo Whats. Ele fazendo careta, bagunçando o cabelo, imitando as poses que eu fazia. As fotos ainda estavam na memória do meu celular. Será que ele também guardara as minhas?

A manhã estava um pouco nublada, o que colaborava para deixar meu estado de espírito ainda pior. Quando cheguei na casa do Léo, o cabeludo me encarou com uma expressão preocupada. Infelizmente, ou felizmente porque não estava afim de falar com ele, o Caio já estava lá e não pudemos conversar.

- Não quero nem saber. Hoje nós vamos jogar truco e a Gabi vai ser minha parceira – o Rei do Camarote anunciou assim que me viu.

- Você não vai sossegar enquanto a gente não jogar, né? – brinquei.

- Claro! Melhor do que o “Joguinho” da Vida que o Léo escolheu – alfinetou.

- Está falando isso só porque você perdeu ontem – o outro se defendeu – E cara, vou ter que repetir? Não quero que a Laís fique perto de mim. Por isso preciso da Gabi.

- Ahh não... Ontem vocês já ficaram de “conversinha” o dia inteiro. Você quer tudo pra você, Léo...

- Pena que a gente não pode ter tudo o que quer, né? – vi os olhos azuis do Léo passarem de relance por mim quando ele disse essa frase.

- Se você não pode ficar com a Laís porque é “amarrado”, eu não posso fazer nada. Mas não vale ficar empatando o rolê dos outros, né? – o ex da Carol mexeu as mãos como se estivesse encerrando a conversa.

O outro não falou mais nada. Apenas olhou de canto de olho novamente para mim e soltou o ar pesadamente, como se soubesse que não adiantaria discutir.

- Então vai, pega o baralho. Já vamos separar as cartas – pedi sem muito ânimo. Eu duvidava que seria capaz de ganhar alguma partida com o meu humor do jeito que estava. Mas, por outro lado, o jogo seria bom para distrair a cabeça.

- Vou buscar lá em cima, espera! – anunciou antes de sair em direção à escada.

- Que cara é essa? – o cabeludo quis saber.

- Briguei com minha mãe ontem – resumi, indo sentar no sofá.

- Ihhh... Por que? Não tomou o leitinho morno antes de dormir? – tentou descontrair fazendo piada com a minha cara.

- Por causa do tombo de ontem. Tem uma baita hematoma nas minhas costas. Aí não consegui ensaiar direito – expliquei.

- Quer dizer então que eu acabei com você? – ele abriu um sorriso que parecia uma brisa suave de verão. Era algo tão contagioso que senti como se dez quilos tivessem saído das minhas costas.

- É, foi mais ou menos isso... – concordei, rindo do seu comentário.

- Vem cá, deixa eu ver – se aproximou, já se posicionando ao meu lado no sofá.

- Não, não precisa. Minha mãe já passou pomada, hoje nem está doendo tanto – desconversei.

- Deixa de ser boba. Vem cá, deixa eu ver – colocou a mão na minha cintura, me fazendo ficar de costas para ele. Depois pegou minha blusa e a levantou, deixando minha pele exposta – Nossa, ficou feio mesmo, hein?

- Ontem estava incomodando mais. Hoje acho que já consigo ensaiar normalmente.

- Tomara mesmo, Julieta – senti seu dedo deslizar pela minha pele, me fazendo arrepiar. Percebendo minha reação, ele soltou uma risadinha abafada, aproximando o rosto do meu ouvido – Acho que tem algo que me atrai para você.

Virei o rosto de lado para vê-lo melhor. Nossos olhares se cruzaram e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele me roubou um selinho, afastando-se logo em seguida. Arrumei minha blusa e me virei em sua direção, apenas para ver sua expressão de garoto sapeca. Novamente não tive tempo de falar nada, porque no momento seguinte o Caio entrou na sala com o baralho na mão.

Aparentemente ele não percebeu nada de errado, porque me entregou as cartas sem fazer nenhum comentário. Aproveitei a oportunidade para fingir que estava concentrada na tarefa de retirar as cartas que não usaríamos. Se eu olhasse para o Léo, com certeza ia acabar me entregando.

Não demorou para o resto do pessoal chegar. Ao me ver com o baralho, a Laís disse que queria aprender a jogar Truco e, claro, se ofereceu para ser dupla do Léo. Como não teve como fugir, ele acabou aceitando participar das partidas.

Depois que ensinei as regras básicas de jogo para a morena, começamos a jogar. No início eu até consegui prestar atenção nas cartas e blefar com maestria. Mas não demorou para as insinuações da outra garota começarem a me irritar. O jeito que ela olhava para o Léo, a maneira como falava com ele... Ela devia estar pegando mais pesado no seu “projeto conquista”, era a única razão para eu estar tão incomodada.

Quando eles conseguiram vencer a primeira partida, a morena fez questão de levantar e abraçar o Léo para comemorar. Não bastasse isso, ele retribuiu o gesto a apertando com força em seus braços.

Me mexi desconfortavelmente na cadeira e fingi ter algo muito interessante no teto para não ter que ficar vendo a cena.

Era sério mesmo que ele ia ficar de graça com ela? E a conversa de querer ficar longe dela por causa da namorada, para onde tinha ido? Ficou no quarto da bagunça também?

Como se apenas estivesse esperando uma brecha para aparecer, meu “monstrinho” interior surgiu sentado no meu ombro.

“Ele está tentando ficar por cima na situação. Mostra pra ele que você também sabe jogar. E não estou falando do truco...”

Incentivada pelo monstrinho, tentei imitar os olhares insinuantes da Laís. Mesmo que eu não fosse muito boa nisso, a tática pareceu funcionar. Caio ficou “todo, todo”, dizendo que eu era a melhor parceira do mundo e aproveitou cada oportunidade para passar a mão no meu braço ou na minha mão. Quando pedimos truco e ganhamos seis pontos, ele me ergueu no ar para comemorar.

- Nossa, vocês se dão bem, né? Acho que deveriam estender essa parceria para outras áreas – a morena disse em tom insinuante.

- Sabe que essa é uma ótima sugestão. Se a Gabi quiser, podemos estudar a possibilidade – disse, me olhando cheio de segundas intenções.

- Aliás, acho que as duas parcerias deram certo, né? Eu e o Léo jogamos superbem juntos – a “tentação” voltou a atacar, dessa vez a seu favor.

- Laís pode não entender muito de jogo de cartas, mas sabe exatamente o momento de pedir truco na vida real – Gustavo, que passou a manhã inteira jogando vídeogame, não perdeu a piada.

- Acho que faço mais a linha lobo solitário – Léo respondeu com a cara fechada. O seu típico bom humor tinha ido embora há tempos. Só não sabia se era por causa das aberturas que dei para o Caio ou das incessantes investidas da Laís.

Bom, é hora de ir embora. Senão perco o horário do balé – disse, me levantando da mesa.

- Mas você vai conseguir ensaiar hoje? – o dono da casa perguntou em tom preocupado.

- Acho que sim. Minha mãe vai dar um jeito de me colocar para fazer exercícios que não forcem tanto as costas – expliquei.

- Machucou as costas. Gabs? Se quiser, posso fazer massagem pra você – Caio fez gracinha.

Eu ia responder que não e dar um fora nele, mas a vontade de provocar o Léo acabou falando mais alto – Depois do ensaio seria uma boa ideia – pisquei, me esforçando para ser tão sexy quanto a Laís.

Os olhos azuis do Leonardo escureceram e ele voltou a fechar a cara – Vou abrir o portão para você – disse.

Peguei minhas coisas e me despedi do pessoal. Na saída, dei um tchau de longe para o Léo, porque achei que não tinha clima para beijo no rosto. Ele não falou nada. Apenas me olhou fixamente, como se estivesse refletindo sobre algo.

- Nossa, por que essa cara de bravo? – não resisti e acabei perguntando.

- Então você vai dar uma chance para o Caio? – foi direto ao ponto.

- E você vai dar uma chance para a Laís? – retruquei.

- Você sabe o que eu penso sobre esse assunto – seu tom de voz era tão grave que até me assustou.

- Tive a impressão que sua opinião tinha mudado pelos abraços e tudo mais que rolou hoje – eu sabia que não tinha motivos para ter ciúmes, mas foi mais forte do que eu. Quando vi, já tinha saído.

- Você também sabe o que penso sobre isso. Já disse, a carne é fraca. Quando a tentação fica se oferecendo de maneira tão incisiva, é difícil não querer aproveitar, nem que seja só um pouquinho.

Sua sinceridade me espantou. Fiquei sem saber o que responder.

- E você? Mudou de ideia? Sobre dar uma chance para alguém – emendou ao perceber minha cara de quem não tinha entendido a pergunta.

- Não, minha opinião continua a mesma – disse – E deixa eu ir indo. Se chegar atrasada, minha mãe vai desconfiar.

Não dei tempo para respostas. Virei e comecei a caminhar, uma sensação estranha no meu estômago. Eu realmente não queria me envolver, isso era decidido. Mas então por que as atitudes do Léo mexeram tanto comigo?

***
Como eu previ, minha mãe me poupou de movimentos que forçassem as costas, mas não me liberou do ensaio. Ela manteve a Karina com o Miguel, me obrigando a fazer par com o Pedro. Ele até era legal, mas eu gostava muito mais de dançar com o meu velho companheiro.

Aquele foi um dos ensaios mais chatos que eu conseguia me lembrar. Eu e o Pedro não tínhamos sintonia nenhuma. Além disso, ele ficou o tempo inteiro repetindo que eu precisava cuidar das minhas costas, que conhecia umas pomadas ótimas e que sabia como era complicado conciliar vida particular com o balé...

Aff! Um dia juntos e ele já se achava meu melhor amigo...

No final da tarde eu já estava superirritada. Corri para o vestiário e fui direto para o chuveiro. Depois de uma ducha morna me senti bem mais calma.

Terminei de me arrumar e peguei meu celular. Uma mensagem do Léo me surpreendeu.

“Podemos nos encontrar no shopping de Mogi hoje, umas seis horas?”

Olhei no relógio. Já era quase quatro e meia. Se eu corresse, conseguiria pegar o ônibus das cinco. Disparei vestiário afora até encontrar dona Beatriz.

- Mãe, as meninas do colégio me chamaram para ir no shopping de Mogi. Posso ir? – era incrível como estava ficando boa na arte de mentir.

- Amanhã tem aula, né dona Gabriela? – ela fechou a cara como sempre fazia quando eu pedia algo diferente do circuito escola/ensaio/dieta.

- Eu chego cedo. Até umas nove já estou em casa.

- Tá bom, vai... Mas ó, nada de ficar se enchendo de batatinha frita e essas porcarias. Olha a dieta!

- Pode deixar – concordei, disfarçando minha cara de satisfação.

- E cuidado com essas costas. Semana que vem preciso de você ensaiando pesado – claro que ela não ia perder a chance de fazer uma chantagem emocional.

- Fica tranquila! Semana que vem estarei novinha em folha.

- É bom mesmo que esteja – ameaçou, antes de sair.

Nem liguei para a sua cara de brava. Corri de volta para o vestiário e dei uma checada no visual: shorts jeans, camiseta simples, kimono leve por cima, botinha de cano baixo. Não era o mais top dos tops, mais teria que bastar. Como a maquiagem estava na bolsa, consegui dar um tapa no visual. Peguei a mochila e fui para a recepção. Minha esperança era encontrar o Miguel, assim poderia pedir uma carona até a rodoviária.

Por sorte, ele estava passando pela porta do estúdio naquele exato momento.

- Miguel, seu lindo, me dá uma carona? – pedi, correndo atrás dele.

- Vai para onde, Gabs?

- Mogi. Queria que você me deixasse na rodoviária – falei, depois de alcançá-lo.

- Vamos lá. Minha mãe já está me esperando lá fora.

Entramos no carro e seguimos conversando animados durante o caminho. Contei para o Miguel sobre as chatices do Pedro, fazendo ele rir.

- Melhora logo dessas costas, menina! Senão vai ficar a semana toda ensaiando com esse chato – brincou, quando chegamos à rodoviária.

- Pode deixar! Já estou cuidando disso – avisei, antes de me despedir e saltar do carro.

A fila para o ônibus das cinco já estava gigante. Enquanto aguardava a minha vez de entrar, peguei o celular e mandei uma mensagem para o Léo.

Pegando o ônibus para Mogi. Até as seis estou aí”.

“Oba! Te espero na frente do Mc Donald’s. Uma pena que você está de dieta, pois estou pensando em comer um delicioso lanche, daqueles bem gordurosos e cheio de calorias”.

Como não rir desse menino?

Continuamos conversando durante o caminho, eu tentando descobrir o que ele queria comigo, e ele mantendo o mistério a todo custo.

Quando cheguei, minha curiosidade estava tão aguçada que praticamente corri em direção ao shopping. Não demorei a encontrá-lo na praça de alimentação. Como prometera, estava em uma mesa para dois em frente ao Mc. Usava uma camisa xadrez que o deixava ainda mais estiloso.

“Se concentra, Gabriela. Se concentra”.

- Oi! – disse quando cheguei mais perto.

- Gabriela, cravo e canela – ele sorriu – Sente-se! Seja bem-vinda ao meu escritório.

- Bastante sofisticado o seu escritório, hein?  - brinquei, puxando uma cadeira – E então? O que quer falar comigo?

- Calma, garota! Não quer comer nem beber nada? Quer conversar assim, a seco? – ele estava sério, como se realmente fosse um executivo tratando de negócios. Tinha vontade de rir da sua encenação, mas me esforcei para manter a expressão fechada.

- Não, quero que você me conte logo o que está acontecendo – cruzei os braços, fazendo birra.

- Tudo no seu tempo, minha cara – piscou para me provocar – Antes, vamos aos pedidos. Eu vou de Mc. E você? Quer o quê?

- Não quero nada, obrigada – respondi, ainda com a cara emburrada.

- Tem certeza? – insistiu com os olhos em mim.

- Sim, tenho uma bolacha na bolsa, caso fique com fome – não queria comer na sua frente. Nos últimos tempos, minha alimentação andava sendo um perigo.

- Então está bem. Já volto – levantou-se e passou por mim, dando uma leve apertada no meu braço.

Demorou quinze minutos, mas pareceu uma eternidade. Quando voltou, estava com as mãos carregadas. Além do delicioso lanche que já havia anunciado que pretendia comer, trouxe para mim uma salada de atum com folhas verdes, cenoura e tomate, além de um suco de laranja.

- Não precisava – fiquei sem jeito quando ele colocou o prato na minha frente.

- Precisa comer, menina. Está muito magrinha – disse imitando o tom de uma pessoa velhinha, como se fosse a minha vó falando.

- Você acha mesmo? – fiquei interessada na sua resposta.

- Claro que acho, Gabi. Você é magrela que só. Não sei porque precisa fazer tanta dieta – o Léo foi abrindo as caixas do lanche e as embalagens de catchup, preparando-se para o seu “banquete”.

- É que bailarinas precisam ser magras. E minha mãe leva isso bastante a sério – expliquei.

- Ok, mas sua mãe não está aqui agora. Então, coma! – mexeu as mãos para me incentivar.

Eu não queria, mas ele ficou com os olhos fixos em mim, esperando que eu me mexesse. Sem alternativa, peguei o garfo e me servi de uma pequena porção de atum.

- Boa garota – deu um meio sorriso antes de abocanhar seu lanche.

- Tá, já fiz todas as suas vontades. E agora? Vai ou não vai me contar por que me chamou para vir aqui? – minha ansiedade já estava no limite. Não aguentava mais esperar.

- Bom, é o seguinte... – deixou o lanche de lado e cruzou as mãos em frente ao rosto, respirand fundo. Sua postura anunciava que o anúncio era delicado – Gabi, sei que você disse que não quer ficar com ninguém agora. Mas tenho uma proposta para te fazer...

- Proposta? Como assim? – franzi a testa, sem entender nada.

- Olha, eu não quero que você fique brava comigo. Quero que você escute o que vou dizer e pense com calma. Depois, se não quiser aceitar, tudo bem. A gente continua amigo e finge que eu não disse nada – era a primeira vez que eu via o Léo nervoso. Estava começando a estranhar cada vez mais a situação.

- Caramba, mas que proposta é essa?

- Queria fazer um acordo – fez uma pausa, tomando fôlego – Eu gostei muito de ficar com você e acho que você também gostou de ficar comigo. Mas, por causa da Vanessa, do Caio e dos seus rolos do passado, a gente não pode ficar junto, certo? – concordei com a cabeça, completamente concentrada nas suas palavras – Mas, e se a gente esquecesse tudo? E se a gente fizesse um acordo do tipo, a gente fica, mas não se envolve? Sem cobrança, sem fidelidade, sem D.R, apenas o lado bom da relação, que é a companhia, a conversa e a pegação, é claro – deu um sorriso travesso que fez seus olhos brilharem, provocantes.

A proposta era tão inusitada que eu não consegui ter uma reação. Demorou até que conseguisse compreender onde ele queria chegar - - Peraí, deixa eu ver se eu entendi – estendi as mãos, pedindo um tempo – Você vai continuar namorando, mas vai ficar comigo ao mesmo tempo? –

- Por pouco tempo – ele correu se explicar – Sei que minha proposta é um pouco indecente, mas não sou desses que vai ficar te enrolando, fazendo o tipo cafajeste. Mas o momento é delicado para nós dois. É óbvio que algum cara idiota te machucou e por isso você está machucada. Por outro lado, meu namoro vai mal e, se eu ainda gostasse da Vanessa como gostava antes, não teria me interessado por você. Mas confesso para você que ainda estou confuso em relação aos meus sentimentos, Gabi. Por isso ficaríamos assim, por um tempo, até a gente colocar a casa em ordem...

- E quanto tempo seria? – quis saber.

- Três meses? – balançou a cabeça, como se estivesse considerando o prazo.

- E depois?

- Depois a gente senta de novo e revê os termos do acordo – deu um gole no seu refrigerante antes de voltar a me encarar.

De repente, uma ideia me fez cair na risada - Sabe o que isso está parecendo? O contrato que o sr. Grey propõe para a Ana no início do livro.

- 50 tons de Léo e Gabi, então? – ele entrou no clima de piada.

- Nunca pensei em ter um contrato com esse... – comentei, mexendo na minha salada.

- Isso quer dizer que você não vai aceitar? – ele perguntou, ansioso.

Parei por um instante e fitei seu belo par de olhos azuis. O que eu tinha a perder, afinal? Eu não tinha como negar que a presença do Léo me fazia bem. Ele era como o sol de verão depois da tempestade chamada Edu. Ter alguém poderia me ajudar a esquecer mais rápido todos os meus problemas. Saber que alguém me queria, mesmo com todos os meus problemas fez renascer uma pequena fagulha no meu coração. Talvez aquela fosse a saída que eu tanto estava procurando...

- Acho que podemos tentar – disse, por fim.

Ao ouvir minha resposta, ele abriu um sorriso triunfante – Acordo fechado, senhorita Gabriela – estendeu a mão sobre a mesa, como se quisesse selar o nosso contrato – Será um prazer fazer negócios com você.
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Notas finais: Genteee do céu, que contrato é esse? Gabi e Léo ousados! Hahahaha
E aí, o que acham? Será que isso vai dar certo? Capítulo foi cheio de emoções, hein?
E fica um aviso: próximo cap a coisa vai ficar tensa entre Gabi e dona Beatriz. A casa vai cair!

Bom feriado, meninas! Até o próximo cap! <3

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Uma história não existe sem leitores! São vocês que me dão forças para continuar escrevendo e caprichando cada vez mais em cada capítulo! Portanto, deixe de "corpo mole" e venha "prosear" sobre as fics comigo e com as outras meninas que passam por aqui! *-*

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