*** [Primeira parte - Cuidado com o que deseja!] ***
- Garotas, chegueeeei!
-
Como sempre, atrasada!
-
Aff Marília, você sabe como é minha mãe! Ela está surtando com a apresentação
que vamos fazer no Teatro Municipal! Aí ela fica pegando no meu pé, dizendo que
preciso me preparar melhor...
-
Tudo o que eu sei é que você deveria mandar a sua mãe parar de ser louca!
- Já
chega as duas! Vocês terão bastante tempo para discutir isso amanhã cedo quando
estivermos limpando a bagunça de hoje. Mas, por enquanto, concentrem-se porque
– pausa estratégica – “Hoje tem festa no gueto, pode vir, pode chegar...”.
A
Carol começou a cantar fazendo uma dancinha muito estranha. Acabamos
acompanhando os movimentos pelo simples fato de que a noite prometia e
estávamos muito felizes.
Era
verão, fazia muito calor, estávamos de férias da escola, prestes a começar o
terceiro ano do colegial e dispostas a fazer daquele “O” ano das nossas vidas.
E
claro que “O” ano não poderia começar sem uma boa festa. Já havia três anos que
a casa da Carol tornara-se o ponto de encontro oficial da turma. Nos fundos do
terreno havia uma construção inacabada. A ideia inicial era fazer uma edícula,
mas os pais dela pararam de investir na obra faltando poucos detalhes para
encerrá-la. Faltavam portas, janelas, a pintura era de cal e não existia
acabamento. Mas, para nós, era perfeita para receber os amigos e fazer uma
bagunça. Sendo assim, batizamos carinhosamente o lugar de “Gueto”, fizemos uma
decoração à nossa maneira com piscas-piscas, cartazes e fotos e nos afeiçoamos
ao lugar. Com o tempo, cada membro do grupo foi trazendo móveis velhos e sem
uso da sua casa para tornar o lugar mais “habitável”. O resultado era uma
espécie de depósito “smells like teen spirit”.
- Preciso
me trocar! Vim direto do ensaio! Daqui a pouco o pessoal chega e eu ainda estou
assim – apontei para a minha roupa: jeans básico, sapatilha, regata, cabelo
ainda preso em coque – Vou tomar banho no seu banheiro, tá Carol? – Avisei
ainda segurando a mochila com todas as coisas que seriam necessárias para a
festa e para dormir por ali depois.
-
Vai logo, Gabi! Você sempre demora anos para se trocar! – Marília voltou a
implicar comigo enquanto voltava a sua atividade de colocar as bebidas em uma grande
e velha caixa de isopor cheia de gelo feito em potes de margarina que nós três
juntávamos para ocasiões como aquela.
-
Peraê, peraê... Antes eu tenho um babado para contar! – Carol interrompeu o
ciclo de tirar as garrafas de cima da pia e estender para a Mari.
-
Opaaa! Babados! Todos amam um babado! – eu e Marília comemoramos juntas – Conta
logo, Carol! Deixa de ser chata!
Depois
de um minuto de mistério e muita pegação no pé, ela finalmente abriu o jogo –
Alê me chamou no Whats hoje. Disse que o primo dele mudou-se recentemente para
a cidade. Como a casa ainda não ficou pronta, o rapaz está ficando na casa
dele. Aí, como ele não quer deixar o primo sozinho, me perguntou se poderia
trazê-lo junto e claro que eu deixei. Ou seja, teremos gente nova no pedaço.
-
Adoro gente nova! – Marília ficou toda empolgada com a notícia – Tomara que
seja gato!
-
Bom, se é primo do Alê, então deve ser gente boa... – ponderei.
- Eu
quero mesmo é que seja bonito! – Mari voltou a insistir.
- É,
também... – completei sem muita empolgação – Bom, partiu banho! Vejo vocês
depois!
Deixei
as duas com o processo de organizar as bebidas no gelo e entrei na casa que já
conhecia de cor e salteado. Afinal, frequentava há anos... Era praticamente um
membro da família. Tanto que a empregada já me conhecia e abria a porta para
mim sem nem perguntar quem era ou se eu fora convidada.
No
quarto da Carol, liguei o som do celular, joguei a mochila em qualquer canto e
entrei no chuveiro. Enquanto me lavava, pensava no que a Cá acabara de falar. A
noite teria novidades. Eu não sabia o porquê, mas aquilo mexeu comigo. Eu
estava cansada de ser eu mesma, a velha Gabriela que cresceu dançando balé, que
estudava no mesmo colégio há anos, que tinha amigas inseparáveis, que todos julgavam
ter a vida fácil.
Não
que estivessem errados, mas era uma condição que me incomodava. Eu queria mais.
Queria poder me livrar da pressão da minha mãe - e também professora de dança.
Queria mostrar o quanto eu poderia ser forte, inteligente, criativa ou...
somente eu mesma. O problema é que quanto mais o tempo passava, mais eu me via
aprisionada no mesmo ciclo vicioso. Eu amava a minha vida, mas às vezes me
sentia sem saída. Era sempre a mesma coisa: fazer parte do trio mais popular da
escola e que organizava as melhores festas, ser filha da melhor professora de
balé da cidade, ser uma das melhores alunas da sala, ser boa filha...
Respirei
fundo antes de desligar o chuveiro. Pelo espelho embaçado por causa do vapor vi
o meu reflexo. Pele alva, cabelos castanhos lisos, franja jogada para o lado,
olhos castanhos grandes e redondos, nariz delicado e boca pequena e cheia. A
aparência lembrava a de uma boneca e era assim que muitas pessoas me chamavam
quando queriam me provocar: boneca de porcelana.
Eu
não queria mais me sentir tão frágil, como se qualquer empurrão mais forte
fosse capaz de me quebrar. Talvez por isso o sinal de novidades me encheu de
esperanças. Se novos ventos estavam a caminho, talvez eu pudesse aproveitá-los
para inspirar as mudanças que tanto desejava em mim mesma.
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Comecei a ler, porque acho justo, afinal... deixa pra lá! KKKKKK
ResponderExcluirTô curtindo!
beijos
Genteee, quanta honra em recebê-la por aqui! Mais honra ainda saber que curtiu o começo.
ExcluirAcho justíssimo você ler. Afinal, né? hahahaha